EPISÓDIO Nº 77
DO RECADO URGENTE
No melhor da festa o recado urgente. Devorado o almoço, repetida a sobremesa, dona Laura, Elisa e Leonora servem o cafészinho. Rega-bofe grandioso, com variado fundo musical: o moderníssimo som do toca fitas competindo com a harmónica de Claudinor das Virgens. O trovador possui extraordinário faro para detectar odores culinários, perfume de batida, aroma de cachaça. Sem esperar convite aparece de sanfona em punho, o sorriso aberto, caradura simpático e bem-vindo: com vossa permissão!
Enquanto Elisa, Aminthas, Fidélio, Seixas e Peto curtem o rock-and-roll, os demais aplaudem Claudinor e Elieser. O reportório do trovador dá preferência à música sertaneja enquanto o dono da lancha, habitualmente casmurro, de pouca conversa, animado pelos tragos, solta a voz agradável e atendendo às sugestões saudosistas de Tieta e de dona Carmosina, canta esquecidas melodias. Tieta, sentada numa esteira, enorme chapéu de palha a defender-lhe o rosto, pede:
- Toque aquela que Chico Alves cantava, Claudinor.
- Qual?
- Uma que começa: Adeus, adeus, adeus,, cinco letras que choram…
Elieser abre o peito, Claudinor acompanha na sanfona. Tieta deixa-se levar pela música, está distante, não participa das conversas. Leonora inquieta-se. Conhece Mãezinha: quando está assim, calada, é porque algum problema a preocupa, uma chateação qualquer. O que será? Não se anima a perguntar, não vale a pena, melhor é deixá-la em paz até o riso voltar. Quando estou de calundu me larguem de mão, não se metam, recomendava ela no Refúgio. Em silêncio senta-se a seu lado.
Tieta percebe a presença de Leonora, volta-se, acaricia-lhe a face. A moça toma-lhe da mão e a beija com ternura. Cabrita sem juízo, reflecte Tieta, corre o risco de se apaixonar, de perder a cabeça. Somente ela, de cabeça oca? Mais ninguém?
Que espécie de obrigação inapelável exigira a presença de Ricardo ao lado do padre na devoção de Rocinha? Obrigação, coisa nenhuma! O sobrinho estava fugindo dela, isso sim; fora com o padre para não ir a Mangue Seco, não manchar os olhos castos – castos?, carolas! – na nudez da tia, soberba no reduzido biquini, bestalhão! Nos últimos dias sentira a ausência do rapaz, no banho do rio, dos passeios. Até a hora da banca ele mudara, sem dúvida para não lhe fazer nova massagem. E Tieta, burra velha, a sonhar com o sobrinho, a vê-lo noite e dia com asas de anjo e aquele pé de mesa. Jamais se interessara por jovens, muito menos por meninotes de dezassete anos, preferindo homens feitos sempre mais idosos do que ela. Fizera-se necessário voltar a Agreste para desejar um rapazola, sentir frio na espinha ao pensar nele, ficar mal humorada, desagradável, vazia devido à sua ausência. Triste, irritada em pleno calundu. Com essa não contava. Ainda por cima sobrinho e seminarista. Vendo-a tão longe, perdida em pensamentos, Leonora levanta-se, vai ao encontro de Ascânio. Tieta toca-lhe novamente a face, num afago.
- Sabe, “Foi tudo um sonho”, Elieser?
- Sei mais ou menos, dona Antonieta. Mete os peitos Claudinor!
Tieta veleja na música, conduz Ricardo pela mão. Osnar, encharcado de cerveja, acomodou-se na sombra, mamando um charuto. Barbozinha ressona debaixo de um coqueiro, esquecido dos projectos de declamação no alto dos cômoros.
O cansaço começa a se fazer sentir, no cair da tarde, após a maratona e pimenta, coco e gengibre, batidas, cachaça, cerveja. A manhã fora fatigante: banho de mar no embate das ondas bravias, escalada das dunas sob o sol de verão. Ainda assim, Ascânio e Leonora projectam uma fuga para a praia. Quando calor diminua, antes da volta marcada para o pôr-do-sol.
Inesperado, o barulho de um motor na distância. Comandante Dário, aquém todos os ruídos do mar e do rio são familiares, decreta:
- É o barco de Pirica.