Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, agosto 30, 2014
CHISTIE - YELLOW RIVER
Sessenta e quatro anos e parece que foi ontem Não vou fazer comparações porque sou suspeito...
EXECUTIVA
DE SUCESSO
Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida sentiu uma
pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou-se. Quando voltou
a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.
Ainda meio tonta, atravessou-o e viu
uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando
despreocupadas. Sem entender bem o que estava a acontecer, a executiva
bem-sucedida abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar com
urgência para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás,
acho que fui trazida para cá por engano, porque o meu seguro de saúde é
Platina, e isto aqui está a
parecer-me mais a urgência dum Hospital público. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É.
- O céu, CÉU...?! Aquele com
querubins, anjinhos e coisas assim?
- Exacto! Aqui
vivemos todos em estado de graça permanente.
Apesar das óbvias evidências,
ausência de poluição, toda a gente a sorrir, ninguém a usar telemóvel, a
executiva bem-sucedida levou tempo a admitir que havia mesmo batido a bota.
Tentou então o plano B: convencer o
interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que
aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria
receber o bónus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição
de presidente do conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor a senhora
conversar com Pedro, o coordenador.
- É?! E como é que eu marco uma
audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e
ele aparece.
- Assim? (...)
- Quem me chama?
A executiva bem-sucedida quase
desabava da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais
parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva tinha feito um curso
intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu logo:
- Bom dia. Muito prazer. Belas
sandálias. Eu sou uma executiva bem-sucedida e...
- Executiva... Que palavra estranha.
De que século veio?
- Do XXI. O distinto vai dizer-me que
não conhece o termo 'executiva'?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu
tempo.
Foi então que a executiva
bem-sucedida teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser
um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu
brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma
posição hierárqui ca, por assim
dizer, celestial ali na organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se me permite,
gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para essa gente toda aí, só na
palheta e andando a toa, para perceber que aqui
no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade
sistémica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reorganização. Por
exemplo, não vejo ninguém usando identificação. Como é que a gente sabe quem é
quem aqui , e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Percebeu? Sem controlo, há
dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar em anarqui a.
Mas podemos resolver isso num instante implementando um
simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- É claro que, antes de tudo,
precisaríamos de uma hierarqui zação
e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver.
- !!!...???...!!!...???...!!!
- Aí, contrataríamos uma consultoria
especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e
estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma,
o retorno do investimento do Grande Accionista... Ele existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Óptimo. O passo seguinte seria
partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir
manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento
de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por
exemplo, parece-me extremamente atractivo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso,
teremos de nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração
atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe
benefits e mordomias da praxe. Porque, agora falando de colega para colega,
tenho a certeza de que vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela
frente vai resultar num Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir
para a implementação?
- Não. Significa que a senhora terá
um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque acaba
de descrever, exactamente, como funciona o Inferno...
(Revista Exame)
- Posso não ser rico, não ter dinheiro, apartamentos de luxo, carros importados ou empresas como o meu amigo João Costa , mas amo-te muito, adoro-te, sou louco por ti.
Ela olhou-o com lágrimas a cair dos seus olhos, abraçou-o como se não existisse o amanhã, e disse bem baixinho ao seu ouvido:
Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e da chibança. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado
Episódio Nº 39
Nos tempos da Colónia, quando ainda não existia o cacau, São Jorge, trazido no oratório das caravelas pelos brancos, fora proclamado padroeiro da capitania. Montado em seu cavalo, a lança erguida, santo guerreiro, protector na medida exacta.
No recesso da floresta, trazido pelos escravos
no porão dos navios negreiros, Oxóssi, dono da mata e dos animais, cavalgava um
porco-espinho, um queixada gigantesco, um caititu.
Fundiram-se o santo da Europa e o orixá
da África numa divindade única a comandar o sol e a chuva, a receber as preces
e as cantigas, as missas e os ebós: no andor da procissão, no altar-mor da
Catedral de Ilhéus ou na choça de pai Arolu que nascera escravo e ali se
acoitara para guardar a liberdade.
No peji, lado a lado, o arco-e-flecha,
emblema de Oxóssi trabalhado na bigorna por Castor Tição Abduim, e a estampa em
cores vivas de São Jorge na lua esmagando o dragão, lembrança do árabe Fadul
Abdala, homem temente a Deus nas horas de folga quando o comércio permitia.
As estradas, os caminhos e atalhos que
conduziam das fazendas aos povoados, aos entrepostos e às estações da Estrada
de Ferro dos ingleses, à cidade de Itabuna e ao porto de Ilhéus, não passavam
de uma sucessão de ameaças aos animais e aos homens: buraqueira feroz, lamaçais
de meter medo, despenhadeiros, precipícios, o perigo escondido sob cada pisada.
Para cruzá-los, os burros e as mulas, de passo
prudente e lerdo, eram de mais valia que as éguas e os cavalos de elegante
trote, de rápido galope.
Alguns coronéis, vaidosos da fortuna e
da chibança, lordes ingleses de cabelo riçado e tez morena, amavam exibir
anelões de brilhante nos dedos habituados ao gatilho dos revólveres, abrir conta
nas lojas para raparigas chiques e dispendiosas, trazidas da Bahia, de Aracaju,
do Recife e até do Rio de Janeiro, cavalgar nas ruas das cidades montados em
ginetes de raça, puros-sangues.
Mas para chegar às casas-grandes das
fazendas viajavam no lombo seguro das mulas e dos burros, alguns tão bons de
trote quanto o melhor cavalo.
Tropas de burro transportavam o cacau
seco das fazendas para as estações da Estrada de Ferro ou para Ilhéus e Itabuna
onde se encontravam as sedes das firmas exportadoras pertencentes a suíços e
alemães.
Os animais mais velhos permaneciam nas
fazendas, conduzindo o cacau mole das roças para os cochos. Os tropeiros, nas
longas e penosas travessias por esses caminhos ínvios e arriscados, escolhiam
lugares que oferecessem condições favoráveis para o pernoite.
Ajuntamentos que com o tempo e o movimento
davam, quase sempre, início a um arruado. Alguns se desenvolviam em povoados e
vilas, futuras cidades, outros apenas vegetavam — um correr de casas com uma
puta e uma bodega de cachaça.
Com o passar do tempo, Tocaia Grande se
transformou no ponto de pernoite preferido pelos tropeiros que vinham da enorme
área do rio das Cobras na qual se localizava grande número de propriedades,
entre elas algumas das maiores fazendas da região.
quarta-feira, agosto 27, 2014
da elefante
bebé
O seu trágico destino ficou marcado
naquele dia do ano de 1964 em que o Governador Geral de Angola, General
Silvino Silvério Marques a quem, por alguma razão difícil de descortinar, chamavam
de “Sim Senhor Ministro”, foi de visita oficial às “terras do fim do mundo”, no
Leste de Angola, concretamente, ao Lumbala.
Eu fui testemunha e cumprimentei o Sr. Governador
na minha qualidade de Comandante do Destacamento Militar ali sitiado, mas a
personalidade importante daquele encontro, que tinha como anfitrião o Chefe de
Posto, Eurico Sousa Leite, autoridade civil, foi a rainha Nhakatolo, mulher pequenina, já
de idade nessa altura, mas que viria a morrer muitos anos mais tarde em Luanda,
num prodígio de longevidade, protegida, muito louvavelmente, pelo Presidente de
Angola, depois de ter sido humilhada na sua autoridade tradicional por Savimbi que, para mim, não passou de um déspota carniceiro dotado de uma grande oratória para levar os crédulos ao engano.
E o que disse a rainha Nhakatolo?
-
“Governador, os teus elefantes – todos os animais em Angola eram, para a
rainha, do Governador – causam muito prejuízo” (ipsis verbis). Eles destroem os
pés de mandioca nas machambas e nós ficamos sem ter de comer. Tens de mandar cá
um caçador dar uns tiros nos elefantes.
Era um povo muito pobre, algumas vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista.
Era um povo muito pobre, algumas vezes me lembro de os ver a procurar animais, pequenos roedores, acocorados naquelas xanas a perder de vista.
Há que esclarecer que a caça aos
elefantes, fronteiras a dentro de Angola, era rigorosamente proibida enquanto
que na Rodésia eles eram perseguidos e mortos. Por esta razão, eles sentiam-se ali
em segurança e muitas foram as vezes em que eu adormeci ao bater de latas pelas
populações para afugentar os animais da mandioca único ou principal recurso da
alimentação e que viria a ser mais tarde eleita pelas Nações Unidas como o
alimento do século XXI.
O terreno no Alto Zambeze era muito
pobre, pouco mais que areia, mas a mandioca não é exigente e por outro lado é rico nas suas
propriedades de tal forma que não falta à mesa do homem mais rápido do mundo,
Usain Bolt.
Os Luenas e os elefantes não o sabiam
mas nem por isso gostavam menos dela, os primeiros porque não tinham, praticamente,
mais nada para comer, e os segundos porque são gulosos.
Para melhorar a alimentação do meu
pessoal decidi criar uma horta e encarreguei o “casado”, soldado alentejano, sério,
discreto, pouco falador, como são todos os alentejanos e por isso excepção no
meu Grupo de nortenhos.
Mas como uma horta naquele terreno que
não dava nada?
-
Do outro lado do Zambeze havia umas aldeias de pastores que de noite protegiam
o gado dentro de uns cercados de ramos e não foi difícil chegar à fala com eles
e pedir-lhes autorização para levar um pouco do estrume que eles não
valorizavam e eis a solução: o atrelado do jeep carregado com um pouco de
estrume, sementes compradas na vizinha Rodésia e aí tivemos o meu amigo “casado”
feliz com a sua horta.
O Governador não ficou insensível ao
pedido da rainha Nhakatolo e palavra de Governador é para cumprir e as ordens
foram dadas nesse sentido, ordens que só ele as podia dar porque os elefantes
eram animais protegidos por lei e nem o Chefe de Posto nem ninguém à excepção
dele podia matar ou mandar matar um elefante.
Passadas algumas semanas apareceu um
caçador profissional, recrutado para o efeito, de seu nome Heitor, mulato, de
meia-idade, que foi ao mato e matou uma elefante fêmea acompanhada de um filho
pequeno e com um tiro matou dois.
Hoje, a esta distância, dói-me o coração.
Sei mais que sabia então sobre elefantes e sobre tudo e a minha sensibilidade e
o meu respeito pelos animais e pela natureza é agora muito maior... também já
passou meio século, não é favor nenhum.
Em 1964, no Lumbala, eu estava mais
preocupado com as pessoas que ali viviam e que fizeram uma festa enchendo a
barriga de carne de elefante.
O bebé elefante, como sempre acontece
nestes casos, só e desamparado, acompanhou o caçador e acabou por morrer à fome
no Cazombo, não obstante todo o carinho, trabalho e sacrifício dos soldados
entre eles o António Salvador.
Na verdade, ele estava morto desde o
momento em que lhe mataram a mãe.
Foram criados, mais tarde, pela boa
vontade de governos e pessoas, Centros de Recolha de elefantes jovens vítimas
de famílias destroçadas mas, mesmo com todo o apoio possível que, em bebés,
passa por uma companhia humana 24 horas/ dia e de outros elefantes jovens, companheiros de infortúnio, nem sempre é possível recuperá-los para
os devolver à natureza.
O problema entre homens e elefantes é
insolúvel, uma questão de espaço, de habitat. Homens ou elefantes, é o dilema.
Acontece com todos os animais, mais grave com os
elefantes que são muito grandes, comem muito e dificilmente cabem numa Reserva
qualquer.
Antigamente tinham para si todo um
continente, e o comércio de marfim, que sempre existiu, não tinha a expressão
que veio a ter.
A solução do problema dos animais
selvagens em África é um autêntico desafio a governos e a populações, em comum,
de mãos dadas, mas não é nada fácil.
A nossa bebé elefanta, coitada, foi vítima
inocente, ela só queria poder continuar a acompanhar a mãe e ser feliz naquelas
florestas esparsas do leste de Angola, nas chamadas “terras do fim do mundo”.
é um direito tem tornado
despreparada a geração
mais preparada
Ao conviver com os bem mais jovens, com
aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tacteando para
virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada –e, ao
mesmo tempo, da mais despreparada.
Preparada do ponto de vista das habilidades,
despreparada porque não sabe lidar com frustrações.
Preparada porque é capaz de usar as
ferramentas da tecnologia, despreparada
porque despreza o esforço.
Preparada porque conhece o mundo em viagens
protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E
por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu
com o património da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou
em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à
cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao
mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem
prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter
no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um
pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem,
seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente
não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se
emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram
crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de
relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conqui star um espaço no mundo é preciso ralar muito.
Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não
conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito
animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é
assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando
uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de
que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de
muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”.
Pais que fazem malabarismos para dar tudo
aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma
responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e
imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos
é sinónimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é
importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas
premissas básicas do viver, a frustração e o esforço?
Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo
movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites
tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o
esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naqui lo
que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de
dar duro para conqui star algo parece
já vir assinalado com o carimbo de perdedor.
Bacano é o cara que não estudou, passou a
noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a
excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os
filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria
possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa
de que é possível viver sem sofrer.
De
que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos
jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e
filhos têm pago caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a
frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração
do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar
o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os
pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento.
E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque
possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para
lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar
limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que
quer.
A questão, como poderia formular o filósofo
Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria
fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projecto construído
sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é
complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a
condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os
muros da realidade.
Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer
se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em
muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do
pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para
serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de
se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença
aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um
reconhecimento da falência do projecto familiar construído sobre a ilusão da
felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma
– já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever
escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala
com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se
comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que
ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes
simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que
tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um
vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora
dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como
não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais,
já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir
ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma
mentira porque a sentem na própria pele dia após dia.
É pelos objectos de consumo que a novela
familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém
pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso
logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos
angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E,
portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de
desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma
vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido
para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no
parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão
grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a
realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem.
Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou
superiores a sua, mas porque se tornar aqui lo
que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e
sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas
próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacano que os pais de hoje
entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou
um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira,
meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela
é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou
confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”.
Porque fingir que está tudo bem e que tudo
pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já
que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É
tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace
o frágil equi líbrio doméstico possa
ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade
é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De
nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conqui star seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O
melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu
desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém
porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes.
Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida
ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é
melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.
Dr. Tynus - Professor
Dr. Tição... - gracejou Coroca... |
TOCAIA GRANDE
( Jorge Amado)
Episódio Nº 38
Formou-se a roda em torno dela, as mãos
marcando a cadência acelerada.
Bastião da Rosa, branco de olhos azuis,
trouxe Bernarda para o centro da roda, formavam um par de arromba. Clorinda, apaziguada,
olhou num convite para o sarará a seu lado, Manuel Bernardes voltou a sorrir, o
peito aliviado da dor da companheira e da tenção de matar. Retirou a repetição
do ombro.
Dos sacos cheios de cacau subia um odor activo
que se misturava ao bodum dos corpos suados, aromas familiares, aromas de
primeira, um e outro.
— Doutor Tição... - gracejou Coroca pendurando o filo num prego na
porta de entrada.
Juntos deixaram a festa, voltaram para a
cama de campanha.
Coroca não era perfumada e galante
Baronesa, não possuía o corpo esbelto e jovem de Rufina mas, para atender uma
emergência, valia tanto ou mais que outra qualquer: tinha a sabedoria de
Madama, o fogo da mulata. Xoxota de chupeta.
3
Universo húmido e tórrido, a lama e a
poeira dividiam o calendário do cacau. As chuvas, tão imprescindíveis quanto o
sol, duravam a metade do ano, pesadas, intermináveis, crescendo facilmente em
tempestades tropicais.
Se ultrapassavam, porém, o tempo útil, podiam
tornar-se fatídicas, fazendo apodrecer nas árvores os birros necessitados de luz
e calor.
Coronéis e capatazes, jagunços e
alugados viviam de olhos voltados para os céus em busca dos sinais anunciadores
ora da chuva, ora do bom tempo: para que na força das águas os cacaueiros
rebentassem em flores e no brilho do sol os brotos crescessem vigorosos e se
acendessem em ouro. Para
que se mantivesse alta a legenda daquela região privilegiada acerca da qual
corriam tantas notícias e se contavam histórias de pasmar em todo o país.
Em busca de trabalho e de fortuna descia
do norte, subia do
sul para o novo eldorado uma vária e
sôfrega humanidade: trabalhadores, criminosos, aventureiros, mulheres da vida,
advogados, missionários dispostos a converter gentios.
Chegavam também do outro lado do mar:
árabes e judeus, italianos, suíços e alemães, não esquecendo os ingleses da
Estrada de Ferro Ilhéus – Conqui sta -
The State of Bahia South Western Railway Company - e do consulado com a
bandeira da Grã-Bretanha, a fleuma inalterável e a sólida bebedeira.
O cônsul inglês deixara a família em
Londres, contratara em Ilhéus uma índia silenciosa para todo o serviço da casa.
Na cama, com sua nudez pequena, ela parecia uma deusa da floresta e talvez o
fosse.
O
Senhor Cônsul fez-lhe um filho lindo, um caboclo de olhos azuis, um gringo cor
de chocolate.
Os povos daquela lavoura recente, rica e
cruenta, eram de pouca religião se bem gastassem a qualquer propósito o nome de
Deus, pronunciando-o em vão, ao sabor das tocaias e dos caxixes.
De promessa fácil, todos os anos os
coronéis renovavam acertos, assumiam compromissos com a corte celeste, em razão
das chuvas, em razão do sol, buscando comprar a boa vontade dos santos e o
perdão para os crimes — se é que se pode chamar de crimes os acidentes da conqui sta.
terça-feira, agosto 26, 2014
JOE DASSIN - A TOI
E as canções francesas? Passaram de moda? Foram esmagadas pela anglo-saxónica e até pela italiana? Não sei, talvez, mas A TOI é uma das grandes canções românticas da década de 70. Curiosamente ele é dos Estados Unidos mas cantava em francês... Morreu muito novo com 41 anos
COM WHISKY
Muito bom, experimentem...
Ingredientes:
- 1 garrafa de whisky (do bom, claro!)
- 1 frango de aproximadamente 2
kg
- sal, pimenta e ervas de cheiro a gosto
- 150 ml de azeite virgem
- nozes moídas q.b.
Modo de preparar:
- pegue no frango
- beba um copo de whisky
- envolva o frango com sal, pimenta e as ervas
- barre com azeite
- beba outro copo de whisky
- pré-aqueça o forno aproximadamente 10 minutos
- sirva-se de uma boa dose (caprichada) de whisky enquanto aguarda.
- use as nozes moídas como aperitivo
- coloque o frango numa assadeira grande.
- sirva-se de mais duas doses de whisky.
- Axuste o terbostato na marca 3 , e debois de uns vinte binutos, ponha a
assassinar. - digu: assar a ave.
- Beba outra dose de whisky
- Debois de beia hora, formar a abaertura e gontrolar a assadura do bicho.
- Tentar zentar na gadeira.
- Sirva-se de uoooooooootra dose generosa de whisky.
- Cozer(?), costurar(?), cozinhar, sei lá, voda-se o vrango.
- Deixáááár o filho da buta do pato no vorno por umas 4 horas.
- Tentar retirar o vrango do vorno. Num vai guemar a mão, dasss!
- Mandar mais uma boa dose de whisky p'ra dentro . De si, é claro.
- Tentar novamente tirar o sacana do gansu do vorno, porque na primeira
teenndadiiiva dããão deeeeuuuuuu.
- Begar o vrango que gaiu no jão e enjugar o filho da buta com o bano de
jão e cologá-lo numa pandeja ou qualquer outra borra, bois avinal você nem
gosssssssssta muito desse adimal mesmo.
- 'Tá Bronto.
PS: Com vodka também resulta.
TESTAMENTO
(Ritchard
Dawkins - Prémio Nobel em 1973)
Se algum realizador cinematográfico qui sesse contar a
história do homem como espécie animal poderia, com toda a propriedade,
intitulá-lo “Nascidos para
Acreditar”.
Se as crianças, filhas dos nossos antepassados, tivessem tido a
necessidade de aprenderem a sobreviver à custa da sua própria experiência,
muito naturalmente, a percentagem dos que passariam à idade adulta não seria
suficiente para assegurar a continuidade da espécie.
Acreditar obedientemente, sem contestar, nos conselhos dos pais,
dos avós, dos chefes, das pessoas mais velhas, foi a necessidade sentida, a
palavra de ordem para a qual o cérebro humano desenvolveu uma predisposição
psicológica acentuada nas crianças imediatamente a partir do seu nascimento.
Nunca animal nenhum tinha necessitado tanto das experiências de
vida dos seus progenitores porque também nenhum outro tinha nascido tão frágil
e dependente por um período tão longo da sua vida.
E a evolução parece que só teve esse caminho: aquelas crianças
tinham que acreditar e ser obedientes.
A evolução, através da selecção natural, não tem soluções pré
programadas, na maioria dos casos até nem as tem, a maioria das suas tentativas
são becos sem saída que terminam na extinção.
No caso concreto do homem a aposta foi num cérebro superior mas
condicionada a um período inicial em que “a ordem” foi “não penses, (não arrisques) faz o que te digo” se queres ter mais possibilidades de sobreviver.
Esta “terrível”necessidade de acreditar que, provavelmente, pode
ter sido decisiva para que eu possa estar hoje aqui a escrever este texto no teclado do meu
computador, é precisamente a mesma que explica que um número assustadoramente
elevado de pessoas continue a seguir à risca os seus livros sagrados.
De acordo com uma sondagem da Gallup, cerca de 50% dos eleitores
americanos fazem parte dessas pessoas (o que não deixa de ser assustador…) não
obstante muitos teólogos afirmarem que já não seguem à risca o livro do Génesis.
Comece-se, então, este livro pela conhecida história da Arca de
Noé que sendo encantadora tem, no entanto, uma moral perfeitamente aterradora
que revela a consideração que Deus tinha pelos humanos pois, à excepção de uma
única família, afogou-os a todos, incluindo crianças, e os restantes animais.
Na destruição de Sodoma e Gomorra o equi valente
a Noé escolhido para ser salvo foi Lot, sobrinho de Abraão, porque era
incomparavelmente justo.
Dois anjos foram enviados a Sodoma para avisar Lot que saísse da
cidade antes desta ser assolada pelo enxofre.
Hospitaleiro, Lot, recebeu os anjos em sua casa, após o que
todos os homens de Sodoma se juntaram em redor e exigiram que ele lhes
entregasse os anjos para (que outra coisa haveria de ser?) os sodomizarem.
“Onde estão os homens que entraram na tua casa esta noite.
Trá-los cá para fora para nós os conhecermos” (expressão utilizada para a
sodomização) (Génesis 19:5)
Sim, “conhecer” tem o habitual significado eufemístico da versão
autorizada da Bíblia, o que, no contexto, é bastante curioso.
A galhardia com que Lot se recusa a ceder a tal exigência sugere
que Deus terá acertado ao elegê-lo como o único homem bom de Sodoma.
Na sequência deste episódio, e por vingança, segue-se uma guerra
onde mais de sessenta mil homens foram mortos.
O
tio de Lot, Abraão, foi o pai fundador das três grandes religiões monoteístas e
o seu estatuto de patriarca confere-lhe uma importância, enquanto modelo de
comportamento, apenas ligeiramente inferior à do próprio Deus.
No
entanto, que moralista moderno iria querer segui-lo?
Na
sua longa vida Abraão foi para o Egipto onde, na companhia da sua mulher Sara,
enfrentou um período de escassez e fome.
Apercebeu-se
então, de que uma mulher assim bela seria cobiçada pelos egípcios e a sua
própria vida, enquanto marido, poderia estar em perigo.
Por
esta razão, decidiu fazê-la passar por irmã e é nesta qualidade que ela foi
levada ao harém do faraó sob cuja protecção Abraão ficou rico (à custa da
mulher… já se vê) mas Deus desaprovou tal aconchego e mandou pragas sobre o
faraó e a sua casa (e por que não sobre Abraão?).
Compreensivelmente
magoado com o agravo, o faraó exigiu saber por que motivo Abraão não lhe tinha
dito que Sara era sua mulher e expulsou-os do Egipto. (Génesis 12:18-19)
Mais
tarde, o casal volta a cometer a mesma proeza desta vez com Amibelec, rei de
Guerar, induzido a casar com Sara julgando, também, que ela era irmã de Abraão
e não sua mulher. (Génesis 20:2-5).
Mas
se estes episódios são desagradáveis na história de Abraão eles são pecados
menores quando comparados com a famigerada história do sacrifício do seu filho
muito desejado Isaac por ordem de Deus.
Construído
o altar e amarrado Isaac sobre a lenha já estava Abraão de cutelo em punho
pronto para a matança quando lhe apareceu um anjo e o mandou parar porque Deus,
afinal, estava só a brincar, submetendo Abraão à tentação e testando-lhe a fé.
Pelos
padrões da moralidade moderna esta história vergonhosa é, simultaneamente, um
exemplo de abuso de menores, de tratamento tirânico entre duas relações de
poder assimétrico, e o primeiro caso de que há registo da defesa utilizada em
Nuremberga:”Estava apenas a cumprir ordens”.
Mesmo
assim, esta lenda é um dos grandes mitos fundadores das três religiões
monoteístas.
Thomas
Jefferson, 3º Presidente dos EUA, estadista, filósofo político, arqui tecto, arqueólogo e um espírito que representava
o Iluminismo emitiu a opinião de que o “Deus de Moisés e de Abraão é um ser de
carácter terrífico – cruel, vingativo, caprichoso e injusto”.
Há
teólogos modernos que dirão que a história do sacrifício de Isaac por Abraão
não deve ser entendida literalmente mas esse não é o facto relevante.
Relevante,
é sim, haver muitíssimas pessoas nos dias de hoje, repetimos os resultados das
sondagens em que metade dos americanos que votam seguem à risca os textos
bíblicos e alguns deles detêm grande poder político sobre nós, especialmente
nos EUA e no mundo islâmico.
A
história bíblica da destruição de Jericó por Josué, tal como a invasão da Terra
Prometida em geral, em nada se distingue, do ponto de vista moral, da invasão
da Polónia por Hitler ou do massacre dos Curdos e dos Árabes das zonas
pantanosas do Iraque por Sadam Hussein
A
Bíblia pode até ser uma empolgante e poética obra de ficção mas não é o tipo de
livros que se deva dar a uma criança para lhe moldar a moral.