O ECONOMISTA QUE VEIO DAS BEIRAS
Sempre simpatizei com a pessoa do Dr. Silva Lopes por razões que têm a ver com a sua maneira particular de se relacionar com o Poder e de se expressar quando é chamado a dar a sua opinião sobre a matéria em que é especialista: a economia e muito especialmente, a economia deste país após o 25 de Abril.
Chamo-lhe “o Economista que veio das Beiras” porque a experiência de vida dos anos da sua infância e juventude nas terras remotas de uma aldeia, lá no Concelho de Seia, nos inícios dos anos 30, continuam de tal forma presentes que ontem, ao ouvi-lo, quase que o confundia com os velhos de excelência da minha aldeia, também na Beira mas Baixa, que quando falavam juntavam sempre pessoas à sua volta que em silencio e respeitosamente escutavam as palavras sábias que seriam sempre lembradas para o resto da vida.
…Já lá dizia um velhote da minha aldeia…
O seu discurso não é fluido, as palavras saem com dificuldade e às vezes não saem mesmo e ele vai procurar outras e depois temos a linguagem gestual dos braços, mãos e dedos que se movimentam em apoio às palavras, muito à boa maneira latina, porque a comunicação não tem apenas a ver com a palavra como todos sabemos.
Há quem não precise, há mesmo os que dizem que o gesto é feio mas eu aprecio as expressões do rosto e as mãos que falam e que emprestam ao discurso mais força e convicção.
A menos que o orador se chame António Vitorino ou mais ainda António Guterres que é como se nunca falassem de improviso pois tudo quanto dizem “foi previamente escrito” com todo o cuidado numa “folha” sempre disponível para o efeito dentro do seu cérebro.
Mas o Dr. Silva Lopes tem, para alem da sabedoria dos livros, a sabedoria dos muitos anos que já viveu, das muitas experiências de governação por que passou, das muitas pessoas importantes que conheceu e com quem conviveu e ainda a grande vantagem de ter podido olhar a vida da cidade, do país e do mundo com os olhos de um “miúdo” esperto que veio da aldeia onde se vivia ainda como no tempo do Afonso Henriques.
O seu currículo não o deslumbra porque se percebe que a sua humildade intelectual é autêntica.
O mundo que o esperava à nascença e que o rodeou na sua infância constituiu a amarra que o prendeu sempre à terra e o impediu de sonhar para alem da realidade.
Sonhar era bom para os meninos da cidade que nunca andaram descalços por ruas feitas de tojo misturado com o estrume do gado ou beberam a água da fonte que as raparigas carregavam em bilhas à cabeça pujantes de força e de esperança no rapaz com quem haveriam de casar.
O deslumbramento também não era para ele, que era da província, onde ninguém se deslumbrava por não haver com quê e por isso sempre se questionou com os grandes investimentos públicos, faraónicos, os chamados “elefantes brancos”, de rentabilidade duvidosa, que só se faziam por que era com o dinheiro do Estado e satisfaziam mais o ego de quem os promovia do que as necessidades prioritárias do país.
Também nunca entendeu a política de facilidades de certos pedagogos do pós 25 de Abril porque o país e o futuro ganham-se com trabalho, exigência, vencendo dificuldades e sem um ensino de qualidade não há portugueses de qualidade.
Olha para o passado como quem desfolha um álbum de fotografias e vai tecendo as suas considerações aqui e ali, assinalando os momentos mais difíceis e as fases em que até tudo correu bem, embora não saiba como nem porquê, e as outras, aquelas em que ele assistiu calado a decisões erradas porque nunca foi dono do Poder nem da Verdade e além disso…ele foi sempre o “miúdo” esperto que veio lá das Beiras para a Cidade para dar uma ajudinha aos senhores que cá estavam.
Continua activo, em funções de responsabilidade que foram sempre as suas mas, como bom provinciano, continua desconfiado sobre o futuro do país e a sua capacidade de pagar certas pensões tão elevadas que pesam já, maioritariamente, nos impostos de quem trabalha e, quanto a “direitos adquiridos”, estamos conversados… a Maria Antonieta também os tinha e, no entanto, cortaram-lhe a cabeça.
Por isso, está conformado quando tiver que abdicar de parte das suas chorudas reformas… de qualquer forma ele foi sempre um “miúdo esperto” lá da aldeia onde até mesmo aqueles que nada tinham conseguiam economizar para pagar ao Sr. Dr. quando doença mais grave os afligisse.