Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, agosto 22, 2015
AMÁLIA RODRIGUES - LÁGRIMA
Amália não tinha
estudos.Tirara apenas a instrução primária, o máximo que se poderia esperar na
época e no meio social em que nasceu. Ela própria, numa segunda carta a
Vitorino Nemésio, confirma isso mesmo:« Ai meu querido professor, eu nunca
fui sua aluna, não tenho instrução nenhuma. Como é que posso entender o
que o senhor qui s dizer sem saber
ler nem escrever?».
Mas Amália era
uma pessoa inteligente, intuitiva, sensível e adqui riu
saber na convivência ao longo da vida. A Letra deste fado lindíssimo é de sua
autoria e foi considerado pelos especialistas uma obra prima que no seu sentido
profundo, à boa maneira fadista, significa: realidade/sonho/sofrimento de
amor/disponibilidade para morrer» Merece ser escutado com os ouvidos da
alma.
Eu morri, liberta a minha morte. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 318
Encontrou-se nos portões da noite, ainda
fechados, diante do egum de Iemanjá, mas só o via da cintura para baixo. Trapos
nojentos o cobriam, exalavam o fedor da febre, exibiam sua repugnante porcaria
e os pés estavam amarrados com correntes iguais às que ele em menino vira na
senzala do engenho: tinham servido para prender os pés dos escravos e lhes
impedir a fuga para a liberdade.
Tição não conseguia distinguir-lhe o rosto
projetado nas alturas mas reconheceu o marulho da voz de Diva sussurrando-lhe ao
ouvido as palavras familiares de dengue e de ternura: meu branco, sou tua preta
e aqui estou.
Voz sofrida, entrecortada de soluços,
lavada em pranto, transbordava mágoa e queixa, amargura.
Qual a razão de tão profundo sofrimento?
Queres saber? Vou te dizer, escuta! Iniciou a acusação. Perguntou por que Tição
não a libertava, não lhe dava a moeda do axexê para pagar o barco da morte, por
que a prendia num mundo que já não era o dela e a mantinha amarrada em cadeias
de tristeza e de revolta?
Eu, que morri na maré da peste, sou
obrigada a viver, tu, que estás vivo, pareces morto, tudo pelo avesso e pelo
vice-versa, tudo ao contrário e desconforme.
Ai, meu branco, tua preta está cumprindo
pena, tu me condenaste, não tenho paz. Para que me queres pesando em teu
costado?
Liberta minha morte e guarda em teu
coração minha lembrança viva. Por que manténs meus trapos juntos dos teus no
caixão de querosene e sobre eles o abebê que um dia cinzelaste para mim com um
prego caibral e tua astúcia?
Livra-me das cadeias: toma de meus trapos
e leva-os para Lia e Dinorá, ainda possuem serventia. Coloca o abebê no peji
dos orixás porque agora sou uma encantada, um egum de Iemanjá.
Chama Epifânia de Oxum e Ressu de Iansan e
dança com elas o meu axexê: até hoje não o dançaste.
Liberta minha morte que prendeste em teu
peito e volta a viver como vivias antes de me conhecer. Quero escutar teu riso claro
e alegre. Não quero teu choro nem teu desespero.
Volta a ser Tição, de novo, um homem.
Os soluços cessaram, as queixas, a
acusação e o que foi mágoa voltou a ser cálida ternura: meu branco, ai, meu
branco, escuta o que te vou dizer.
Disse e por três vezes repetiu para que o
dito e o repetido se lhe encaixasse na cachola dura e obstinada: fora ela,
Diva, sua falecida, sua preta, a mãe de Tovo, quem guiara os passos de
Epifânia, levando-a de retorno à oficina para que ela tomasse o menino a seus
cuidados.
Homem sozinho, nunca soube criar filhos, Tovo
não aprendera sequer a rir, mais parecia um bicho-do-mato do que uma criança.
sogras...
(Não sei do que seria de certos esposos/as sem elas...!)
O cara chega pro amigo e fala:
- Minha sogra morreu e agora fiquei em dúvida. Não sei se vou
trabalhar ou se vou pro enterro dela... O que é que você acha? E o amigo:
- Primeiro o trabalho, depois a diversão!!!
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O homem leva um susto ao ouvir de sua cartomante:
- Em breve sua sogra morrerá de forma violenta.
Imediatamente ele pergunta à vidente:
- Violentamente? E eu? Serei absolvido?
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Um homem encontra seu amigo na rua e lhe diz: - Cara, você é
igualzinho a minha sogra, a única diferença é o bigode! O amigo fala:
- Mas eu não tenho bigode!
- É, mas a minha sogra tem.
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Um cara foi à delegacia e disse: - Eu vim dar queixa, pois a
minha sogra sumiu. O delegado pergunta: - Há quanto tempo ela sumiu? - Duas
semanas - respondeu o genro.. - E só agora é que você vem dar queixa? - É que
custei a acreditar que eu tivesse tanta sorte!
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A sogra do cara morreu. Um amigo perguntou: - Que fazemos?
Enterramos ou cremamos? - As duas coisas. Não podemos facilitar!
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O cara voltava do enterro de sua sogra quando, ao passar por um
prédio em obras, um tijolo caiu lá de cima e quase acertou a cabeça dele... O
homem olhou pro céu e gritou: - Já chegou aí, sua desgraçada!!! Felizmente
ainda continua com má pontaria!
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- Querido, onde está aquele livro: 'Como viver 100 anos?' -
Joguei fora! - Jogou fora? Por quê? - É que a sua mãe vem nos visitar amanhã e
eu não quero que ela leia essas coisas!
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Na sala de espera de um grande Hospital, o médico chega para um
cara muito nervoso e diz: - Tenho uma péssima noticia para lhe dar.... A
cirurgia que fizemos em sua mãe... - Ah!, ela não é a minha mãe... É a minha
sogra, doutor! - Nesse caso, então, tenho uma boa noticia para lhe dar!
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A garota chega pra mãe, reclamando do ceticismo do namorado. -
Mãe, o Mário diz que não acredita em inferno.. - Case-se com ele, minha filha,
e deixe o resto comigo!
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O sujeito bate à porta de uma casa e assim que um homem abre ele
diz: - O senhor poderia contribuir para o Lar dos Idosos? - É claro! Espere um
pouco que eu vou buscar a minha sogra!
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Qual a punição por bigamia? - Duas sogras.
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A mulher comenta com o marido: - Querido, hoje o relógio caiu da
parede da sala e por pouco não bateu na cabeça da mamãe... - Maldito relógio
sempre atrasado.
(Domingos do Amaral)
Episódio Nº 39
Foi a primeira vez que
o meu amigo viu Chamoa Gomes e a primeira vez que vi a minha Maria. Estávamos
também no pátio mas eu, mais do que curioso com as moças, sentia-me intrigado,
pois desconhecia porque se desagradara o Trava.
Já Afonso Henriques
apenas me perguntou:
- Quem é aquela, a loira?
Os cabelos cor de mel
de Chamoa, o seu sorriso encantador, os seus belos olhos verdes e as suas
profusas sardas haviam-no encantado.
A prima Raimunda
revelou-me que foi nesse dia que sentiu uma pequena pontada de ciúme, enquanto
me ouvia esclarecer:
- São as sobrinhas do Trava, de Tui.
Estava aterrada ao
perceber que seu amado príncipe se fascinara por aquela galega loira e
sardenta. E mais ficou quando o escutou questionar a mãe, já de novo na sala:
- Podemos ir a Tui?
Lembro-me de ter visto
Dona Teresa franzir a testa e resmungar:
- A Tui? Não há lá nada de jeito, a não ser
ursos! Ides é para Lamego com quem vos trouxe!
Embora ainda fôssemos
crianças, percebi perfeitamente que ela se referia a meu pai e a meu tio e
recordo que o príncipe se virou para a mãe com um olhar inqui sidor.
Todos havíamos já
notado uma clara animosidade desde a partida de Lanhoso, mas só ali percebemos
que o sentimento de traição e deslealdade que se apoderara da rainha e do seu
amante, por terem sido abandonados pelos portucalenses em Lanhoso, teria graves
consequências.
Pouco depois a rainha
informou que o meu pai e o meu tio seriam afastados do governo do Condado e que
Paio Soares continuaria na Maia.
O meu melhor amigo não
ficou satisfeito, pois não queria abandonar a mãe, e com alguma esperança
acercou-se dela para lhe expor um pedido. Incomodada, Dona Teresa revirou os
olhos:
- Não vos disse já que ides para Lamego? –
perguntou entediada.
Apontou com um dedo a
porta e ordenou.
- Esperai lá fora.
Como príncipe não se
mexeu, todos ficámos na expectativa.
- Desejo ficar
convosco em Guimarães – declarou Afonso Henriques.
A rainha contraiu o
rosto, irritada, como se o que ele tinha
acabado de dizer fosse um disparate.
- Que dizeis? Sabeis
bem que vos mandei ir com Egas e Ermígio!
sexta-feira, agosto 21, 2015
Não era coisa desse mundo |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 317
Eis que um vento, abrupt o e abrasador, soprou do oriente, agitou as águas
do rio, cruzou a mata e no centro do descampado, entre o barracão e o armazém
do turco, se estendeu, denso mantel de poeira, e cortou o mundo em duas partes,
a de cima e a de baixo: numa a luz do dia, o calor da vida; na outra as sombras
da noite, o frio da morte.
E em seguida esse mantel de claridade e trevas
separadas já não era remoinho de poeira e sim uma aparição gigantesca e
apavorante.
A parte de baixo imersa na noite, vestida
de farrapos sujos de vômito e soltura, as pernas e os braços presos em
correntes imundas de ferrugem, a parte de cima refulgindo em lume, ateada em
chamas.
A figura completa, com a cabeleira de ouro
puro, o manto de estrelas e a coroa de conchas azuis, só veio a se mostrar mais
adiante, quando o horizonte se vestiu de púrpura e o egum, enfim liberto, nele
mergulhou e partiu para sempre e nunca mais.
Não era coisa desse mundo.
O negro Tição Abduim viu-o surgir do
vazio, espaventoso, crescer no ar, rodopiar no vento, levantar-se numa espiral
que tocava o céu. Encolheu-se no medo, curvou-se no respeito, fechou os olhos
para evitar a cegueira e pronunciou a saudação dos mortos: epa babá!
Mastigando frases em nagô, o egum lhe ordenou
abrir os olhos e se aproximar para ouvir o que ele tinha a lhe dizer.
Fazendo das fraquezas força, o negro andou
em sua direção.
Epifânia de Ogum, ekede apt a a acolher os encantados pois
já cumprira quatorze anos de feita,
poderia tê-lo visto com seus olhos de enxergar e de aperceber mas não estava
ali, sumira casa adentro em busca de Tovo sem que Tição, tomado de surpresa, a impedisse.
Edu, ocupado em limpar com o puxavante os
cascos da égua Imperatriz calçados com ferraduras novas, e o vaqueiro, portador
da montaria por ordem do coronel Robustiano de Araújo, apenas viram, com os
olhos de ver sem enxergar nem perceber, a poeirama levantada pelo inesperado
pé-de-vento, espantaram-se com a altura e a força do redemoinho.
Tição adiantou-se ao encontro do babá,
arrastando os pés: perdera o controle dos próprios movimentos e, à proporção
que se aproximava, sentia crescer um peso no cangote, uma lombeira, um cansaço
como se fosse morrer ali mesmo, naquela hora.
Era o egum de Diva que se manifestava, motivo
imperioso o fizera embarcar no vento de fogo do deserto: vinha do Além para
buscá-lo.
Já era tempo. A cabeça nas brumas da
vertigem, as pernas lhe faltavam.
Com dificuldade conseguiu alcançar um
pedregulho e nele se sentar obedecendo ao mando do babá.
Confronto |
Compare-se um e outro.
- Passos Coelho nunca fez nada de recomendável para ser 1º Ministro. Tirou um curso "inferior", esqueceu-se de pagar impostos, dedicou-se ao tráfico de influências, o seu antigo patrão na Tecnoforma dizia que o "Pedro ele abria as portas todas", e mostrou talento para o corredor e para a intriga.
Foi parar à presidência da maior empresa do país, o Estado, sem qualquer experiência séria de gestão.
Num mundo perfeito, um indivíduo como este, não deveria ter futuro e muito menos como 1º Ministro e, contra António Costa, então, não deveria ter hipótese alguma.
António Costa tem estudos a sério, licenciou-se em Direito e, segundo diz o insuspeito Marcelo Rebelo de Sousa, seu professor, foi um aluno brilhante tendo, de seguida, exercido a actividade de advogado.
Tem "curriculum" no Estado, duas vezes Ministro em pastas diferentes, presidente da Câmara de Lisboa com a maior votação de sempre, e vencedor esmagador de António José Seguro a quem disputou a liderança do partido, não se lhe conhecendo um "rabo de palha" que seja.
Num país perfeito, e ainda por cima com as "macacadas" de Passos Coelho nos últimos anos, especialmente nos primeiros tempos do seu mandato, nem sequer valeria a pena ir a eleições... dava-se já a taça ao Costa.
Mas este país não é perfeito... nem de perto!
Há uma geração enorme da "pesada", de pessoas envelhecidas, no fim das suas vidas, homens que andaram comigo na guerra colonial, oriundos das aldeias, quase analfabetos, com uma experiência de muitos anos de vida na ditadura e que são acossados pela propaganda de Passos com ameaças de nova banca rota e de perderem o pouco que têm e que, naturalmente, ficam confusos com este discurso.
Foi a pessoas deste extracto social que em 1999, Paulo Portas, quis ir buscar votos com a promessa, demagógica, de que lhes daria uma pensão na qualidade de antigos combatentes.
Não sei quantos votos ele teria ganho mas, vias de resto, para não passar completamente por mentiroso, passou a dar-lhes, durante algum tempo, uns tostões por altura do Natal (era uma pensão anual...) com o dinheiro da venda de uns quartéis.
Foi um truque baixíssimo, revelador da desonestidade intelectual desta pessoa que, no "Verão passado", saiu do governo da Coligação depois de uma decisão "irrevogável" comunicada ao país por escrito, e que durou apenas umas semanas...
Regressou para um lugar mais alto na hierarquia do governo com um custo de milhões de euros para o país pois os mercados financeiros, ao tempo, fizeram pagar em juros, a tal brincadeira do irrevogável.
Estes políticos, peritos em truques e malabarismos políticos, são uma ameaça, tirando partido do medo natural do eleitorado mais frágil e dos "sound bites" com que lhes massacram os ouvidos.
Resta-lhes a intuição, o lastro de sabedoria que vem dos tempos do nosso passado histórico, mas que não não é garante nenhum.
Costa, tem contra si o PS, "a família", o passado socrático, os que "batem à porta", que se põem em bicos de pés, que pagam as cotas, os que foram adulados nas estruturas do partido por António José Seguro que os conhecia a todos pelo nome e que, julgava ele, seriam o seu grande suporte.
Eu não recomendaria a família do PS a nenhum líder político porque entendo que as cotas em dia, colar cartazes, agitar bandeirinhas, esperar o chefe em entusiásticas saudações não deve valer "lugarzinhos" em uma qualquer Repartição Pública das muitas por esse país fora.
O país precisa de António Costa da mesma forma que o PS precisa de António Costa, não para o disciplinar porque ele não é um disciplinador, mas há gente que precisa de ser "apagada" no partido e substituída por outra, nova, agressiva, competente e intelectualmente honesta.
Passos Coelho tem a seu favor a sua capacidade de mistificação e insinuação, uma retaguarda pragmática, hábil e competente na manobra e na mentira política.
António Costa tem a seu favor a confiança que inspira, todas as provas já dadas nos lugares e funções porque passou, uma trajectória limpa de vida, pessoal e política, um homem competente e consensual.
Contra si tem o passado socrático, a "banca-rota", e o "despesismo socialista", que já foram julgados e condenados pelos eleitores nas últimas eleições que Passos ganhou, mas que, à falta de melhor, vão continuar a ser utilizados como arma de arremesso.
(Domingos Amaral)
Episódio
Nº 38
Guimarães, Março de
1120
Em Lanhoso, na manhã seguinte à secreta conversa entre as duas
irmãs, o arcebispo Gelmires mandou retirar as suas tropas, alegando graves
crimes cometidos por Urraca, e partiu para a fronteira fluvial do Minho,
acampando aí à espera de uma conspiração que julgava dominar.
Perante tal desfeita, a rainha Urraca perdeu a relutância que na
véspera ainda tivera e convenceu-se que Gelmires a traíra mais uma vez.
Em vez de atacar Lanhoso, como esperava o prelado de Compostela,
propôs a paz a Dona Teresa, e ali logo foi assinado um tratado entre as duas
filhas de Afonso VI, que embora não cedesse à mais nova o ambicionado trono da
Galiza, lhe permitia a posse dos territórios fronteiriços de Tui a Zamora.
Em inesperada concórdia, Dona Urraca e seus homens, retiraram
pela mesma estrada que seguira Gelmires, e foram dar com ele ainda acampado.
Furiosa, a rainha de Leão e Castela mandou prender o arcebispo
traidor.
Quanto a nós, portucalenses, regressámos a Guimarães
acompanhados pelo príncipe, embora notando que Fernão Peres nos tratava com
secura.
Só viríamos a perceber que iríamos ser hostilizados pelo galego
já na cidade, onde apareceu, igualmente Gomes Nunes de Pombeiro acompanhado
pela mulher e pelas filhas.
Com o tratado assinado, o senhor de Toronho estava aliviado: nem
Tui fora saqueada, nem teria de prestar vassalagem a Urraca!
Notava-se tal alegria que logo disponibilizou as suas meninas
para casarem com nobres portucalenses.
Porém, Fernão Peres rejeitou a ideia.
- É cedo para isso –
rosnou – Roma não paga a traidores! – citou o Trava, enquanto a rainha, a seu
lado, abanava a cabeça, em concordância.
A curiosa Chamoa perguntou qual o significado daquela expressão
mas o tio mandou as crianças brincarem para o pátio do castelo dizendo que
aquelas não eram conversas para ter à frente delas.
Já cá fora Maria e Chamoa saltaram o eixo até que pouco tempo
depois surgiram no pátio Gomes Nunes e Elvira de Trava, que com um ar
preocupado pegaram na mão das filhas e partiram.
quinta-feira, agosto 20, 2015
José Viana - Zé Cacilheiro
Também eu tenho saudades dele, do cacilheiro e do Zé Viana. Era menino, há mais de 60 anos. Ia visitar a minha avó que morava em Paio Pires, na outra banda, era um passeio de que me lembro muito bem e adorava. O automóvel, o velho Vauxall do pós-guerra, chapa de matrícula: - IE-12-86, a extraordinária memória das crianças que registam coisas para o resto da vida - também ia no barco para depois, chegados ao outro lado, nos levar até à casa da minha avó Júlia.
Recordações de uma "outra vida"... tantos já são os anos!
Velha disgramada, quereno morrer na folia. |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 316
O desejo embaciou-lhe os olhos, queimou-lhe
o peito de mistura com o trago de aguardente.
Na varanda da casa-grande o Coronel
refletia sobre a vida, a velhice, as poucas alegrias, as muitas misérias a que
o homem está sujeito: com o passar da idade vai aumentando a distância entre o
desejo e a tesão, entre o pensamento ardente querendo vadiar e o pau murcho,
pururuca, recusando-se a subir.
Natário e Espiridião respeitavam-lhe os
silêncios, entre eles nunca se fizera necessário esperdiçar palavras para que
se entendessem: o Capitão até adivinhava.
Festa de reisado, brincadeira para gente
moça, que diabo ele
e Leocádia tinham a ver com caboclos e
pastoras? Ela com o pé na cova, ele à beira da broxura: à beira? - Velha
disgramada, querendo morrer na folia.
Gente forte, não se deixavam abater:
tinham perdido dois na epidemia, um rapaz e um menino. Também o velho Zé
Andrade folgara até morrer.
As roças de cacau, seu reisado. A moça
Sacramento, sua pastora, sua Senhorita Dona Deusa. Tudo quanto lhe restava.
Emborcou o cálice de cachaça, ordenou,
entre severo e brincalhão:
- Deixe a garrafa aí, sua sumítica. Isso
não é trago que se ofereça a Espiridião.
Voltou-se para Natário, a voz cansada:
- Diga a Leocádia que não garanto ir, o
mais certo é que não vá. Até que gostaria. Mas ou bem Ernestina vem pra cá ou
eu vou passar as festas em
Ilhéus. Prometer pra não cumprir não é de meu agrado.
A tarde morria sobre as roças de cacau. No
ribeirão, o coaxar de um sapo em agonia na boca de uma cobra. Na sala,
Sacramento, a moça do Coronel, acendeu a placa de querosene.
7
Lavado em sangue, o sol afogava-se no rio.
Filho de Xangô,
com uma banda de Oxóssi e outra de Oxalá,
o negro Castor Abduim ficara parado, sem ação, perto da porta da oficina por
onde se enfiara a negra Epifânia à procura do menino.
Meu menino, ela dissera. Nuvens vermelhas
corriam pelo céu, luz e sombra confundiam-se numa atmosfera de emboscada, aviso
de ameaça, anúncio de perigo.
Que fazer? - perguntava-se Castor: - Como enfrentá-la
e dizer não?