Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, março 30, 2013
JOE COCKER - YOU ARE SO BEATIFUL
A canção é linda e estas vozes roufenhas que vêem lá das entranhas...
À Consideração do Sr. Ministro das Finanças alemão e dos
compatriotas que nele se revêem.
A Dimensão Humanista de Aristides Sousa Mendes
Português, nascido em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal,
licenciado em Direito, ingressou na carreira diplomática tendo exercido funções
em muitas cidades do mundo a última das quais Bordéus, em França, no ano de
1939, pouco antes do início da 2ª G.G. onde se vai confrontar com um problema
de consciência:
- Por um lado, a afluência
de milhares de refugiados que com a invasão da França pelas tropas alemãs, apareceram em Bordéus na esperança de conseguir um Visto para a liberdade, Américas do
Norte e do Sul;
- Por outro lado,
obedecer às ordens recebidas pelo seu próprio Governo – Salazar – que o impedia
de passar vistos aos refugiados, especialmente judeus, sob pena de vir a ser
castigado.
Afirmou à data, Aristides, que entre desobedecer a Deus ou a
Salazar ele não hesitava na opção a fazer com todas as consequências que daí
pudessem advir e que o levaram a morrer na mais completa pobreza embrulhado
numa túnica de franciscano por não ter, sequer, de seu, um simples fato.
É preciso não esquecer que o mal feito pelos alemães à Europa e ao mundo ainda está presente na memória viva de muitas pessoas e isso deve ser levado em linha de conta pelos actuais responsáveis políticos alemães que estando, de novo, a comandar os destinos da Europa podem ter, outra vez nas suas mãos, a responsabilidade de garantir a paz. Esta Comunidade Europeia, como todos sabemos, é um projecto de Paz e a paz constrói-se todos os dias com inteligência e sensibilidade.
«O presidente do Conselho Económico e Social
(CES), José Silva Peneda, escreveu uma carta aberta ao ministro alemão das
Finanças, Wolfgang Schauble, na qual acusa o governante de parecer querer
despertar "fantasmas de guerra" europeus.
A carta de Silva Peneda, publicada hoje no jornal Público, refere-se às declarações de Schauble, que, em entrevista televisiva na segunda-feira, disse que as críticas feitas à Alemanha se devem "à inveja" dos outros países.
"Vossa excelência, ao expressar-se da forma como o fez, identificando a inveja de outros Estados-membros perante o 'sucesso' da Alemanha está de forma subjetiva a contribuir para desvalorizar, e até aniqui lar,
todos os progressos feitos na Europa com vista à consolidação da paz e da
prosperidade, em liberdade e em solidariedade. Com esta declaração, vossa
excelência mostra que o espírito europeu, para si, já não existe",
escreveu o antigo ministro do Emprego e da Segurança Social.
Silva Peneda lembrou as declarações do anterior presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, que, recentemente, afirmou que os "fantasmas da guerra que [se pensavam] estar definitivamente enterrados, pelos vistos só estão adormecidos" e acusou Schauble de, através das suas palavras, "parecer querer despertá-los".
"Queria dizer-lhe também, senhor ministro, que comparar a atitude de alguns Estados a miúdos que, na escola, têm inveja dos melhores alunos é, no mínimo, ofensivo para milhões de europeus que têm feito sacrifícios brutais nos últimos anos, com redução muito significativa do seu poder de compra, que sofrem com uma recessão económica que já conduziu ao encerramento de muitas empresas, a volumes de desemprego inaceitáveis e a uma perda de esperança no futuro", acrescentou o presidente do CES.» [DN]
A carta de Silva Peneda, publicada hoje no jornal Público, refere-se às declarações de Schauble, que, em entrevista televisiva na segunda-feira, disse que as críticas feitas à Alemanha se devem "à inveja" dos outros países.
"Vossa excelência, ao expressar-se da forma como o fez, identificando a inveja de outros Estados-membros perante o 'sucesso' da Alemanha está de forma subjetiva a contribuir para desvalorizar, e até ani
Silva Peneda lembrou as declarações do anterior presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, que, recentemente, afirmou que os "fantasmas da guerra que [se pensavam] estar definitivamente enterrados, pelos vistos só estão adormecidos" e acusou Schauble de, através das suas palavras, "parecer querer despertá-los".
"Queria dizer-lhe também, senhor ministro, que comparar a atitude de alguns Estados a miúdos que, na escola, têm inveja dos melhores alunos é, no mínimo, ofensivo para milhões de europeus que têm feito sacrifícios brutais nos últimos anos, com redução muito significativa do seu poder de compra, que sofrem com uma recessão económica que já conduziu ao encerramento de muitas empresas, a volumes de desemprego inaceitáveis e a uma perda de esperança no futuro", acrescentou o presidente do CES.» [DN]
Nota
"O ministro das
Finanças boche enganou-se, em vez de afirmar que os europeus têm inveja dos
alemães devia ter dito que ainda sente vergonha de ser alemão pois tem muitos
mais motivos para isso do que para qualquer pobre europeu ter inveja dele. Este
senhor ainda não entendeu o significado da palavra dignidade."
O senhor ministro esquece-se, e ele não está sozinho, que na realidade, o bem supremo na Europa e no mundo é a paz. Ao perder de vista este objectivo supremo com as suas provocações, revela ausência de bom senso e "loucura política" e, por falar em bons alunos, por esta tirada, punha-o à janela da escola com orelhas de burro enfiadas na cabeça.
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 60
- É… - apoiava Jerónimo,
enrubescendo.
- E crer… Existem ainda homens inteligentes
que crêem. Crer… Acreditar que um Deus, um ser superior, nos guie e nos dê
auxílio… Mas ainda há quem creia…
- Há…
- Olhe, Jerónimo, dizem que foi Deus quem
criou os homens. Eu acho que foram os homens que criaram Deus. De qualquer
modo, homens criados por Deus ou Deus criado pelos homens, uma e outra obra são
indignas de uma pessoa inteligente.
- E Cristo, Pedro Ticiano?
- Um poeta. Um blagueur. Um céptico. Um
diferente da sua época. Cristo pregou a bondade porque, naquele tempo, se
endeusava a maldade. Um esteta. Amou a Beleza sobre todas as coisas.
Fez em plena praça pública
blagues admiráveis. A da adúltera, por exemplo. Ele perdoou porque a mulher era
bonita e uma mulher assim tem direito a fazer todas as coisas.
Cristo conseguiu vencer o
convencionalismo. Um homem extraordinário. Mas um Deus bem medíocre…
- Como?
- Um Deus que nunca fez grandes milagres!
Contentou-se em multiplicar pães e curar cegos. Nunca mudou montanhas de um
lugar, nunca fez descer sobre a terra nuvens de fogo, nem parou o sol. Cristo,
tinha contra si, esta qualidade: sempre foi um mau prestidigitador.
- E Cristo amoroso?
- Cristo, como homem, esteve sempre coerente.
Pregava o perdão porque, então, a vingança era lei. Pregava a castidade porque,
na época, a luxúria reinava. E, pelo menos para o exterior, ele foi um puro,
apesar da perseguição de Madalena e de outras mulheres…
- E no interior?
- Sei lá! Pode ser até que Cristo conservasse
a sua castidade… Em todo o caso… O vício entre quatro paredes não é vício… É
esta a lei do mundo…
- E amar romanticamente e crer romanticamente
entre quatro paredes?...
- A imbecilidade é sempre a imbecilidade onde
quer que seja.
Jerónimo mudava de assunto.
- Você, Pedro Ticiano, é o homem de espírito
mais forte que eu já vi. Com quase setenta anos ainda é ateu…
- Ah, não tenho medo do inferno… E, no caso
dele existir eu me darei bem lá…
- Você sempre foi meio satânico… É capaz de
fundar um jornal oposicionista no inferno. Voltaire, você e Baudelaire no
inferno… Que gozado!
Pedro Ticiano sorria,
vendo que Jerónimo não resistia à fascinação da sua palavra. E gostava de
derrubar os sonhos daquele homem medíocre e bom, que tinha o único defeito de
querer intelectualizar-se.
sexta-feira, março 29, 2013
SIMONE - Para não dizer que não falei de flores.
"Caminhando e cantando e seguindo a canção". "O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança." Rubem Alves
Nasci neste Portugal de pessoas
católicas e outras simplesmente ditas católicas e é indiferente ser hoje crente
ou não porque estou marcado por todo o meu passado cultural que começou no dia
em que nasci, já lá vão muitos anos.
As comemorações religiosas da morte e
ressurreição de Jesus, o inspirador da religião católica a partir da mensagem
que difundiu entre o povo no seu breve período de vida e que
chegou até nós através dos Evangelhos, escritos em datas posteriores à sua
morte, uns oficiais, quer dizer reconhecidos como bons pela autoridade da
Igreja de Roma, no meio de outros por ela considerados falsos, não autênticos,
não fiéis à “verdade” não histórica mas religiosa.
Esta “passagem” da vida de Jesus: morte
e ressurreição constitui a “chave” da religião católica que transformou a
mensagem de Jesus aos homens deste mundo, seus contemporâneos, numa profissão
de fé com a força de uma religião porque implica este mundo e o outro.
O seu autor não podia ser um simples
mortal "apenas" portador de uma mensagem de justiça, amor e de igualdade entre os
homens e pela qual foi morto… ele tinha que ressuscitar, subir aos céus e sentar-se à direita de Deus
Pai Todo Poderoso… Assim, sim, ganhou transcendência!
Com o poder que lhe advém de estar onde está tem agora a capacidade de ser adorado… Como homem que foi apenas seria respeitado, admirado, mais uma figura histórica possivelmente até esquecida.
Com o poder que lhe advém de estar onde está tem agora a capacidade de ser adorado… Como homem que foi apenas seria respeitado, admirado, mais uma figura histórica possivelmente até esquecida.
Terá sido um golpe de génio dos seus
seguidores não completamente original porque, naqueles povos, já outros teriam
sido imortalizados para que a sua herança reganhasse força, seguidores e
adeptos.
As recreações da morte de Jesus, como
forma de a comemorar, são sinistras, mórbidas, trágicas, quer se passem nas
ruas do mundo católico como nas telas do cinema.
O sacrifício, sofrimento e a crueldade
sempre foram espectáculo para o homem que foge da sua própria dor mas goza com
a dor do seu próximo… mesmo que seja o seu vizinho.
Foi assim com a morte dos cristão nos
circos romanos, continuou a ser assim com as Praças cheias de gente para verem
queimar pessoas nos tempos da Inqui sição.
A exaltação da dor que purifica faz
parte de um esquema que se aproveita dos “podres” da natureza humana para
afirmar a força da fé, da dependência e obediência a um deus que tem de
amedrontar para se impor mesmo quando a sua mensagem em vida foi de paz, amor e não
violência.
Como membro da sociedade em que vivo e,
ao contrário do Natal, que apela à vida, ao amor e à família, não gosto da Páscoa, com excepção das amêndoas.
RUBEM ALVES
Colunista da
Folha de S. Paulo... e
Psicanalista, Educador, Teólogo e Escritor brasileiro
Psicanalista, Educador, Teólogo e Escritor brasileiro
"Mesmo o mais corajoso entre nós só
raramente
tem coragem para aqui lo que ele realmente conhece,
observou Nietzsche.
É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aqui lo que sabemos.
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aqui lo
sobre o que me calei:
tem coragem para a
observou Nietzsche.
É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo.
Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe
acerca da hora em que a coragem chega:
Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir a
Tardiamente.
Na velhice.
Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer a
"O povo unido jamais será
vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus
como fundamento da ordem política.
Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar:
a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi
bom negócio;
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável,
é de uma imensa mediocridade.
Basta ver os programas de TV que o povo prefere.
A Teologia da Libertação sacralizou o povo
como instrumento de libertação histórica.
Nada mais distante dos textos bíblicos.
Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre
em direções opostas.
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por aqui lo que fazem.
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança."
Rubem Alves
Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha
para que o povo, na planície,
se entregasse à adoração de um bezerro de ouro.
Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso
que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado!
Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava!
Mas ela tinha outras idéias.
Amava a prostituição.
Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias
pulava de perdão a perdão.
Até que ela o abandonou.
Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário
pelo mercado de escravos.
E o que foi que viu?
Viu a sua amada sendo vendida como escrava.
Oséias não teve dúvidas.
Comprou-a e disse:
"Agora você será minha para sempre.".
Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa
numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado.
O povo era a prostituta.
Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável.
O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros,
porque os falsos profetas lhe contavam mentiras.
As mentiras são doces;
a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola
com pão e circo.
No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos
sendo devorados pelos leões.
E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram.
Os cristãos, de comida para os leões,
se transformaram em donos do circo.
O circo cristão era diferente:
judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas.
As praças ficavam apinhadas com o povo em festa,
se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro
"O Homem Moral e a Sociedade Imoral"
observa que os indivíduos, isolados, têm consciência.
São seres morais.
Sentem-se "responsáveis" por a
Mas quando passam a pertencer a um grupo,
a razão é silenciada pelas emoções coletivas.
Indivíduos que, isoladamente,
são incapazes de fazer mal a uma borboleta,
se incorporados a um grupo tornam-se capazes
dos atos mais cruéis.
Participam de linchamentos,
são capazes de pôr fogo num índio adormecido
e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival.
Indivíduos são seres morais.
Mas o povo não é moral.
O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo.
Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional,
segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia.
Mas uma das características do povo
é a facilidade com que ele é enganado.
O povo é movido pelo poder das imagens
e não pelo poder da razão.
Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens.
Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista
que produz as imagens mais sedutoras.
O povo não pensa.
Somente os indivíduos pensam.
Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam
a ser assimilados à coletividade.
Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo.
Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás.
Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung,
o povo queimava violinos em nome da verdade proletária.
Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar.
O nazismo era um movimento popular.
O povo alemão amava o Führer.
O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares.
Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos.
Mas, que posso fazer?
Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche,
de Saramago, de silêncio;
não gosto de churrasco, não gosto de rock,
não gosto de música sertaneja,
não gosto de futebol.
Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo,
eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos
e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno",
à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito.
Mas, para que esse acontecimento raro aconteça,
é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute:
"Caminhando e cantando e seguindo a canção.",
Isso é tarefa para os artistas e educadores.
O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança."
Rubem Alves
NOTA
Tem razão Ruben Alves sobre o risco
que representam as massas. Quando o povo diz que "muita gente junta não se
salva" reconhece exactamente esse perigo, mas trata-se de um risco que
pode ser minorado (não eliminado, a liberdade terá sempre um preço...) pela
educação e o desenvolvimento de um sentido da responsabilidade cívica.
A democracia é uma longa estrada que
priviligia a liberdade dos cidadãos mas não os põe a salvo da manipulação.
Dela, só cada um, através da sua formação como homens e essencialmente como
cidadãos, se podem defender.
Há quem preferisse à democracia uma
tirania de Jesus Cristo, ou seja, de alguém inteiramente justo e bom mas isso está fora de hipótese... não é deste mundo.
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 59
Dois anos de Brasil… E,
afinal, o que ganhara ao voltar à pátria? Todos os seus projectos tinham ruído.
Não entrara na política, não fizera advocacia. Aqueles meses de jornalismo não
lhe tinham dado nome. Perdera apenas o cepticismo que trouxera da França e
ficara um inqui eto… E, demais, nunca
se identificara com o seu povo.
Afastava-se cada vez mais
dele. Olhou para os lados. Junto a um poste um cartaz exibia dizeres em grossas
letras vermelhas:
- Augusto, vamos ver o que é aqui lo.
O chofer aproximou o carro.
Rigger leu:
“Hoje – GRANDE COMÍCIO –
Hoje no Terreiro
O major Carlos Frias
falará sobre o actual Governo, fazendo a sua crítica. Discursos de alguns
académicos pedindo a volta do País ao regime constitucional”
Paulo Rigger espantou-se:
- Que povo! Fez outro dia uma revolução e
meses depois quer combater essa revolução! Que carnaval! E aquele major! Quando
eu cheguei aqui , ele estava saudando
os caravaneiros liberais em nome das prostitutas da Bahia. Hoje, ataca os
revolucionários. Isso é mania de fazer discurso… País do Carnaval…
E o carro rodava sobre o
asfalto molhado.
Jerónimo Soares
encolheu-se no fundo da cama. Conceição toda devotadamente, queria saber o que
significava aqui lo.
- Nada, menina, nada.
Ela encostou-se.
Beijou-lhe os olhos.
- Está zangado comigo, filhinho?
- Não. Mas me deixe em paz.
Ela ficou a fitá-lo, a
pergunta parada nos olhos e na boca.
E Jerónimo, no fundo da
cama, silencioso. Acontecia aqui lo
toda a vez que ia visitar Ticiano. Pedro, que sentia estar Jerónimo se
afastando cada vez mais dele, ridicularizava todas as coisas ideais deste e do
outro mundo.
- Porque, afinal, o amor é uma idiotice. Não
acha, Jerónimo?
A gente querer bem a outra
pessoa que não nos pode dar senão o sexo… E o sexo, na rua, se aluga por
qualquer preço. O amor é uma idiotice de românticos poéticos esfomeados.
Idiotice sem originalidade alguma. E só deve ter valor o que traz o selo da
originalidade.
Amar uma hindu que antes
de se entregar deite sobre facas pontiagudas ou viver com uma cigana que nos
sustente e nos conduza pelo mundo, sem pátria e sem Deus…
Eu adoro os ciganos, mesmo
porque eu sou um cigano intelectual. Mas arriar uma mulher medíocre, igual às
mulheres que sempre existiram, bonitinha apenas, que pesa o amor, só o
praticando quando ele é virtude garantida pela Igreja, uma mulher sem muitos
vícios, sem degenerescências, é medíocre. Só os homens comuns amam mulheres
assim….
quinta-feira, março 28, 2013
JOANA (Brasil) - DESCAMINHOS (1979)
Alguém imagina esta linda canção cantada por alguém que nos olhasse atrás de uns óculos escuros'...
A PROPÓSITO DOS OLHOS
A vida moderna está muito distante da sociedade de pequena escala e às vezes torna-se tão hierárquica e competitiva que mais parece um bando de chimpanzés ou uma matilha de lobos.
O que acontece quando atravessamos a divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?
Pergunto-me se os óculos de sol não serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárquicos?
Cheio de curiosidade a este respeito, David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros primatas, e recebeu a seguinte resposta:
- "Não conheço dados, mas vi o Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de sol."
Estes comportamentos revelam uma preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.
A humanidade evoluiu, cresceram os grupos sociais, hierarquizaram-se inevitàvelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a humanidade encontrava-se por sua conta... , o igualitarismo das sociedades primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição veio para ficar, resta saber se para nos destruir.
Certo, é que nos continuamos a extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto humano. A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?
A natureza concebeu-nos para a convivência, para o amor.
O que prevalecerá?
O que prevalecerá?
- A suspeita e a desconfiança contra-natura atrás de uns óculos escuros?
«Não há limites para a falta de bom senso dos líderes políticos alemães. Perante as críticas que se avolumam, no Sul da Europa, contra a gestão alemã da crise, o ministro das Finanças alemão responde da forma mais absurda que podia: “Sempre foi assim. É como numa classe [na escola], quando temos os melhores resultados, os que têm um pouco mais de dificuldades são um pouco invejosos.”
Desta forma, Wolfgang Schäuble revela o que pensa: eles (os alemães) são os bons alunos – e portanto mais inteligentes ou mais trabalhadores – e os outros (os países do Sul da Europa) são os maus alunos – e portanto mais burros ou mais malandros. E mais uma vez os líderes políticos alemães atacam-nos recorrendo à moral; nós temos inveja do sucesso da Alemanha. Trabalhamos pouco, somos gastadores, queremos viver do dinheiro dos outros e somos invejosos.
Este é o discurso rasca a que muitos políticos alemães têm recorrido para evitar o debate sério e urgente sobre a forma como a União Europeia está construída. As elites alemãs são as maiores vencedoras do euro, do alargamento a Leste e da liberalização do comércio com a China. E os povos do Sul da Europa os principais derrotados.
O euro acrescentou competitividade à Alemanha e retirou-a à nossa economia. O alargamento a Leste e a liberalização do comércio com a China foi benéfico para a indústria alemã e destruidor para a indústria que prevalecia no Sul da Europa. E como se estes desenvolvimentos no processo de integração europeia não fossem vantagem suficiente para a economia alemã, o governo alemão recorreu ainda a uma política organizada de compressão dos salários dos trabalhadores alemães, contribuindo desta forma para agravar as dificuldades da nossa indústria e aumentando as vantagens da sua.
Este modelo de integração europeia gerador de fraco crescimento industrial no Sul só foi possível durante vários anos por causa do fluxo de dinheiro barato do Norte da Europa para a periferia, o outro lado dos défices comerciais. É óbvio que isto não duraria. Chegados a
Autor:
Pedro Nuno Santos.
DO
CARNAVAL
Episódio Nº 58
Todos se agarram a ela
ferozmente. Até os que, como ele, fracassados, não tinham nenhuma esperança
(esperança nossa de todo dia!) de alcançar nem os restos de Felicidade…
Entretanto, ele se
agarrara à vida. Não a qui sera
largar. O revólver tremeu na sua mão, naquela tarde cinzenta, tarde de
suicidas…
E pensou no grande trem em que Ricardo se fora.
Para tão longe, o amigo…
- Nós fomos os mosqueteiros da Felicidade.
Tentámos juntos a aventura. Eu fracassei. José Lopes sempre foi um fracassado.
E Ricardo, em vez de ficar connosco, a viver a nossa tragédia, preferiu
encontrar o sentido da vida…
Inqui etação…
Necessidade de um fim. Por quê? Por que aquela dúvida? Para que aquela
insatisfação?
- Literatura…
E a voz de Ruth soava-lhe
aos ouvidos, cantante.
- Vou ser feliz.
- Seja… (a desilusão da sua voz).
Coitado! E quando se
saciasse? E quando sentisse que não bastavam as alegrias de sempre e as
tristezas de sempre? Seria uma tragédia horrível. Qual seria o fim de Ricardo?
Tão bom, tão sincero… Triste fim…
Um garoto sujo, mal
vestido, vendia jornais. O Sol, rompendo as nuvens que enchiam o céu, dava um
ar da sua graça. Naquela manhã, o Sol brasileiríssimo qui sera
imitar o céu de Londres. E estava cabotinamente plúmbeo.
Paulo Rigger chamou o
garoto dos jornais. Comprou um. E começou a ler para afastar os pensamentos que
o punham melancólico.
Comprara por acaso um
“Estado da Bahia”. O artigo de fundo estudava o momento político. Estudava em
pátria adorada, em regeneração, em reerguimento do país, em honra. Paulo Rigger
leu o artigo todo. No fim, a assinatura: A. Gomes.
O Gomes agora escrevia…
Quem havia de dizer?... Mas o mundo dá tantas voltas… Gomes… Esse também nunca
teria a Felicidade. Inteligente, pensara que o dinheiro saciaria a sua
insatisfação. E não sabia como o dinheiro aborrece ás vezes.
Ele, Paulo Rigger, tão
rico, que o dissesse… O dinheiro serve apenas para satisfazer os instintos… E o
instinto, por mais que Rigger tivesse vontade de negá-lo, não é tudo na vida.
O automóvel rodava pela
cidade. Paulo ordenou ao chofer que parasse em frente de um bar. Não encontrou
José Lopes. E seguiu.
E José Lopes? Quando o
conheceu julgou encontrar o tipo de homem sereno. E depois, que diferença! Um
homem cheio de problemas, incrivelmente infeliz… Sob aquela aparência de
burguês, um sofredor, um desses heróis de tragédias absurdas.
E agora, que já não
acreditava em nada, passava o tempo a beber… Morria tuberculoso, qualquer dia…
Tipos infelizes, os seus amigos. Os únicos amigos, esses do Brasil. Os
camaradas da França já os esquecera…
quarta-feira, março 27, 2013
Mais um que tem memória curta... |
PARA QUE A MEMÓRIA NÃO SE APAGUE... FAZ HOJE 60 ANOS!
ACORDO DE LONDRES SOBRE AS DÍVIDAS ALEMÃS
ACORDO DE LONDRES SOBRE AS DÍVIDAS ALEMÃS
Entre os países que perdoaram 50% da dívida alemã estão a Espanha, Grécia e
Irlanda.
O Acordo de Londres de 1953 sobre a divida alemã foi assinado em 27 de
Fevereiro, depois de duras negociações com representantes de 26 países, com
especial relevância para os EUA, Holanda, Reino Unido e Suíça, onde estava
concentrada a parte essêncial da dívida.
A dívida total foi avaliada em 32 biliões de marcos, repartindo-se em
partes iguais em dívida originada antes e após a II Guerra.Os EUA começaram
por propor o perdão da dívida contraída após a II Guerra. Mas, perante a
recusa dos outros credores, chegou-se a um compromisso. Foi perdoada cerca
de 50% (Entre os paises que perdoaram a dívida estão a Espanha, Grécia e
Irlanda) da dívida e feito o reescalonamento da dívida restante para um
período de 30 anos. Para uma parte da dívida este período foi ainda mais
alongado. E só em Outubro de 1990, dois dias depois da reunificação, o
Governo emitiu obrigações para pagar a dívida contraída nos anos 1920.
O acordo de pagamento visou, não o curto prazo, mas antes procurou
assegurar o crescimento económico do devedor e a sua capacidade efectiva de
pagamento.
O acordo adoptou três princípios fundamentais:
1. Perdão/redução substantial da dívida;
2. Reescalonamento do prazo da divída para um prazo longo;
3. Condicionamento das prestações à capacidade de pagamento do devedor.
O pagamento devido em cada ano não pode exceder a capacidade da economia.
Em caso de dificuldades, foi prevista a possibilidade de suspensão e de
renegociação dos pagamentos. O valor dos montantes afectos ao serviço da
dívida nao poderia ser superior a 5% do valor das exportações. As taxas de
juro foram moderadas, variando entre 0 e 5 %.
A grande preocupação foi gerar excedentes para possibilitar os pagamentos
sem reduzir o consumo. Como ponto de partida, foi considerado inaceitável
reduzir o consumo para pagar a dívida.
O pagamento foi escalonado entre 1953 e 1983. Entre 1953 e 1958 foi
concedida a situacao de carência durante a qual só se pagaram juros.
Outra característica especial do acordo de Londres de 1953, que não
encontramos nos acordos de hoje, é que no acordo de Londres eram impostas
também condições aos credores - e não só aos paises endividados. Os países
credores, obrigavam-se, na época, a garantir de forma duradoura, a
capacidade negociadora e a fluidez económica da Alemanha.
Uma parte fundamental deste acordo foi que o pagamento da dívida deveria
ser feito somente com o superavit da balança comercial. 0 que, "trocando
por miúdos", significava que a RFA só era obrigada a pagar o serviço da
dívida quando conseguisse um saldo de dívisas através de um excedente na
exportação, pelo que o Governo alemão não precisava de utilizar as suas
reservas cambiais.
EM CONTRAPARTIDA, os credores obrigavam-se também a permitir um superavit
na balança comercial com a RFA - concedendo à Alemanha o direito de,
segundo as suas necessidades, levantar barreiras unilaterais às importações
que a prejudicassem.
Hoje, pelo contrário, os países do Sul são obrigados a pagar o serviço da
dívida sem que seja levado em conta o défice crónico das suas balanças
comerciais.
Marcos Romão, jornalista e sociólogo. 27 de Fevereiro de 2013.
PS – Na negociação desta dívida da Alemanha
apenas foram contabilizados valores materiais. Foram excluídos os mortos e os
feridos como também o sofrimento, a miséria e a indignidade impostos pelos alemães a milhões
de pessoas…
- Como dizia Miterand: - Gosto tanto da
Alemanha que até prefiro ter duas…
Wolgang Schauble, aquele senhor que se desloca numa cadeira de rodas e a quem Vitor Gaspar diz segredinhoas ao ouvido, considera que as críticas feitas à Alemanha se devem "à inveja" e acrescenta:
- "Sempre foi assim. É como nas escola. quando temos melhores resultados, os que têm um pouco mais de dificuldades são um pouco invejosos". Mais um que tem a memória curta...
A Memória Colectiva
A
Memória Colectiva esboça-se pouco tempo após o aparecimento do Homo Sapiens,
sob uma forma que, provavelmente, começou por ser passageira: arranjos
geométricos de calhaus, pedras e paus
colocados no solo ou sinais efémeros traçados na areia.
Mais tarde, adqui re
um carácter de maior perenidade quando é elaborada uma proto-escrita
constituída por entalhes feitos num suporte de madeira ou de osso, sequência de
nós formados numa tira de couro ou de uma fibra vegetal que funcionavam mais
como elementos auxiliares de memória.
Mas na mesma época, aparecem já
desenhos figurativos mais eficazes na medida em que aqui lo
que exprimem pode dispensar comentários sendo verdadeiros veículos de
informação capazes de transmitir conceitos.
Estão neste caso, para além das
estatuetas e dos desenhos gravados em osso ou marfim, os célebres frescos das
abóbadas e das paredes das grutas que representam mensagens do Homem de
Cro-Magnon muito embora existam riscos de erros sobre a finalidade real da
imagem transmitida através do tempo.
Há cerca de 6.000 produziu-se um
tremendo salto qualitativo quanto ao armazenamento de informações quando
passamos da proto-escrita sintética (um único desenho evocava uma frase inteira
ou um grupo de frases) para uma escrita analítica, a verdadeira.
Foi na Suméria, na Mesopotâmia
Meridional, num local de grandes templos, nas cidades de Uruk e Lagash que
foram encontrados placas de argila com pictogramas gravados que permitem seguir
a evolução da escrita dos Sumérios.
O pictograma não tem em vista a
representação de uma frase completa mas apenas de um conceito específico que
corresponde a uma palavra.
As gravuras mais antigas são desenhos
simplificados em que cada um deles remete para um objecto, animal ou uma parte
do corpo humano.
Esta escrita utilizava mais de 1.500
pictogramas o que seria difícil de memorizar e, por esta razão, desapareceu há
mais de 5.000 anos tendo sido substituída por sinais abstractos desprovidos de
qualquer semelhança seja com o que for.
É a escrita Cuneiforme composta por
600 sinais diferentes e nasceu dos escribas sumérios que desenhavam os
pictogramas primitivos recorrendo a canas afiadas em bico, “calamos” com que
desenhavam a argila mole que era posta a secar ao sol ou em fornos.
Mais tarde, os escribas por
comodidade habituaram-se a cortar os calamos em bisel e em vez de desenharem
limitavam-se a cravar as extremidades biseladas na argila, formando deste modo
marcas angulosas cuja disposição codificada era parecida com os antigos
pictogramas e como as marcas faziam lembrar a forma dos pregos que em latim se
denominam “cuneus” foi chamada a esta escrita de “cuneiforme”.
O sinal esquemático deixa muito
rapidamente de representar uma palavra completa mas apenas o símbolo de uma só
parte da palavra ou seja um “fonograma” que representa um fonema (ou uma
sílaba).
As placas sumérias serviam então,
fundamentalmente, para inventariar cereais, cabeças de gado, escravos e
permitia ter em dia a contabilidade das poderosas comunidades religiosas e dar
instruções precisas aos responsáveis administrativos e militares.
A escrita cuneiforme é uma ferramenta
de gestão e de comunicação de valor inestimável e rapidamente se espalha por
todo o Médio Oriente e é neste tipo de escrita que são redigidos o Código de Hamurabi,
rei da Babilónia e a “Epopeia de Gilgamesh” que foi encontrada em Ninive, na
biblioteca do rei assírio Assurbanípal.
O Egipto faraónico inventa há cerca
de 5.000 anos um sistema que lhe é próprio, a escrita hieroglífica, formada por
conjuntos particulares de pictogramas, os hieróglifos, (de hieros, que
significa sagrados, e gluphein que quer dizer gravar).
A escrita pictográfica egípcia
primitiva utilizava cerca de 700 sinais diferentes, número que aumentará
posteriormente ao mesmo tempo em que se tornava fonética ou silábica e os
mesmos hieróglifos tanto eram usados como pictogramas como fonogramas, o que
tornava também obrigatório o uso de sinais determinantes.
Um pouco antes, a China dota-se de
uma escrita muito particular.
Os pictogramas da língua chinesa são
desenhados ou, melhor, são caligrafados a pincel em suportes muito diferentes,
mas essencialmente, em rolos de seda.
Muito estilizados, eles sugerem mais
do que descrevem os objectos ou as palavras e tornam-se “ideogramas”.
Este sistema, que será
verdadeiramente codificado há 3.500 anos não passa à fase fonética e permanece
na fase ideográfica (um conceito -uma palavra – um sinal) pelo que tem de
utilizar vários milhares de ideogramas diferentes, com um conjunto de 200
sinais determinantes que permitem tornar o sentido daqueles mais claros.
Os letrados clássicos da China dos
Tang (618 – 907) tinham de saber 431.286 sinais diferentes!
Temos, portanto, que a escrita
começou por ser global e sintética, tornando-se de seguida pictográfica ou
ideográfica, depois fonética ou silábica e finalmente alfabética.
O alfabeto é composto por um conjunto
de sinais escritos convencionais em que cada um corresponde a um único som
falado.
Estes sinais de número limitado são
susceptíveis de serem dispostos segundo combinações permutáveis de modo a
formarem as várias sílabas e as diferentes palavras.
Esta escrita alfabética parece ter
sido inventada há cerca de 3.400 anos em Ugarit, na Síria, um porto comercial à
data muito importante mas dois séculos mais tarde a cidade foi destruída por um
exército inimigo, e foram os Fenícios, povo de comerciantes e marinheiros, que
dois séculos depois divulgaram por todo o Mediterrâneo um outro alfabeto que
compreendia 22 caracteres, apenas consoantes. Nas línguas semíticas, são as
consoantes que dão o sentido enquanto que as vogais são pouco utilizadas e só
têm como papel clarificar a função gramatical da palavra.
Este alfabeto foi aperfeiçoado pelos
gregos que o completaram introduzindo 5 vogais suplementares há pouco menos de
3.000 anos.
E assim, em relativamente pouco
tempo, a humanidade dotou-se de uma memória colectiva escrita e poderá agora
perguntar-se qual a soma de informações que ela representa.
Os arqui vos
centrais da cidade-estado de Ebla, com mais de 3.000 anos, actualmente Tell
Mardikh no Djeziré, na Síria, armazenam placas de argila que têm gravado
pictogramas cuneiformes e representam uma capacidade de armazenagem de 10
elevado a 8 Bits.
Bits é a simplificação para dígito
binário e é a mais pequena unidade de medida de transmissão de dados usada na
Computação e na teoria da Informação embora hoje já sejam feitas pesqui sas em Computação Quântica ,
os Cubits.
Um Bit tem um valor único, 0 ou 1, ou
então, verdadeiro ou falso e é armazenado como uma carga eléctrica dentro de um
dispositivo denominado Memória.
Hoje em dia, para além da
electricidade utilizam-se também as fibras ópticas, ondas electromagnéticas e
ainda por via da polarização magnética nos chamados Discos Rígidos.
Depois dos arqui vos
centrais de Ebla e mais perto de nós, 2.300 anos, temos os 400.000 rolos de
papiro que eram a glória da grande biblioteca de Alexandria que constituíam uma
memória próxima dos 10 elevados a 10 bits.
O recheio desta extraordinária
biblioteca foi mandada queimar em 640 pelo califa Omar que teria explicado o
seu gesto do seguinte modo:
- “Quanto aos livros, ou eles dizem a mesma coisa que o Alcorão e
são inúteis ou dizem outra coisa e são falsos ou perigosos…”
(Um pensamento destes
só pode ser proporcionado por uma religião em que um tirano se socorre de um
deus para impor o seu domínio e prejudicar toda a humanidade… Temos tido mais
casos destes, não à escala de uma Biblioteca – que era a mais importante do
mundo antigo – mas sobre muitos outros escritos. Outras vezes, os tiranos, nem
precisam de invocar um deus qualquer, basta-lhes uma ideologia, a sua, já se
vê...)
Finalmente com a Imprensa, a Memória
Colectiva volta a progredir muito consideravelmente e no final do século XX o
depósito de informações contido em livros, numa Grande Biblioteca imaginária,
excluindo jornais e revistas, contando 200 a 300 páginas por livro e 2.000 caracteres
por página, chega-se a 10 elevado 14 bits.
É evidente que toda esta prodigiosa
capacidade de armazenamento de memória colectiva tem um interesse relativo na
medida em que 6.000 anos depois da sua invenção, um ser humano adulto em cada
dois ignora a escrita e mesmo aqueles que a dominam têm uma capacidade muito
limitada para explorar na totalidade a memória escrita da humanidade quando, só
para se passar um jornal de ponta a ponta, se levam quatro horas e meia.
A rádio e a televisão dão uma ajuda
tornando acessíveis a um maior número de pessoas, a troco de um menor esforço,
os dados da memória colectiva mas, mesmo neste caso, é preciso dedicar-lhes
muito tempo com o inconveniente de que a escolha dessa memória escapa ao livre
arbítrio do “consumidor”.
Parecia, portanto, que se tinha
atingido outro limite tanto mais difícil de ultrapassar quanto era certo
resultar de uma incompatibilidade funcional entre as memórias individuais, por
um lado, e a memória colectiva, por outro.
Foi então que apareceu a “telemática”
que aperfeiçoou novos suportes: memórias ópticas, magnéticas ou electrónicas.
Tal como os neurónios do sistema
nervoso central, os suportes modernos da memória colectiva permitem armazenar e
tratar as informações colocando, de imediato, ao alcance da selecção individual
a totalidade do saber da colectividade.
Em termos de armazenamento chegou-se
a um ponto tal em que é possível, devido a um efeito físico especial, (plasma
de electrões) armazenar um bilião de informações (10 elevado a 12 bits) num
volume equi valente a …um pequeno
grão de sal!
O segundo problema é o da exploração
dos dados e aqui intervém o
computador que restitui ao homem a informação desejada nas melhores condições
de rapidez e eficácia.
McLuhan, filósofo e educador
canadense, já falecido, que trouxe para o nosso dialecto a conhecida expressão “aldeia global” profetizava que com
os novos meios de comunicação “o conjunto da humanidade está destinado
a formar uma única e imensa audiência, a reconstituir a noção de sociedade
tribal e a viver numa aldeia planetária”.
Claude Lévy-Strauss também comunga na ideia de que no século XXI
só haverá uma única cultura, uma única humanidade mas chama a atenção para as
clivagens verticais, entre os que têm tudo e os que têm nada e, sobretudo, para
as clivagens horizontais entre gerações com valores desfasados…
Então, qual é a continuação lógica
para a evolução do Homo Sapiens Sapiens?
- Uma nova espécie nascida de um
fenómeno catastrófico imprevisível?
- Uma tribo de “Homo communians”
funcionando à maneira de um organismo pluricelular?
- Ou um “Homo” muito simplesmente
“Sapiens” que resolveria ser um pouco menos sapiente…mas um pouco mais sábio?
O Neolítico surgiu como a idade de
ouro para o género humano que descobre o seu poder sobre a natureza, vive
melhor e durante mais tempo conhecendo a humanidade um espectacular crescimento
demográfico mas as realizações que caracterizam este período de desenvolvimento
provocam, igualmente, efeitos perversos.
O progresso produz o caos e a desorganização, aqui lo a que se chama de entropia, sempre em busca de
novos desequi líbrios e o excedente
de energia que desta maneira se gera paga-se à custa de desorganizações
sucessivas, do meio natural por um lado, da sociedade dos homens por outro.
A aqui sição
de novos bens e o desenvolvimento da vida urbana contribuem para desfazer a
profunda solidariedade que reinava dentro da tribo.
O género humano, que sentia
intuitivamente a sua homogeneidade genética, descobre as suas diferenças e
inventa hierarqui as.
A escrita, que permite constituir e
conservar uma memória colectiva representa, sem dúvida, um imenso progresso mas
esta maravilhosa ferramenta de comunicação não é neutra e contribui para
modificar mais uma vez o comportamento dos homens.
Dando origem à
palavra, o alfabeto lançou o género humano num universo analítico e abstracto.
Influenciado por esta nova maneira de ver o mundo e de comunicar com os seus
semelhantes o Homo Sapiens Sapiens começa a ter de si uma percepção enquanto
indivíduo. A tribo, fora da qual a vida do homem do paleolítico não
fazia sentido explode, desintegra-se.
A dialéctica do “Dono e do Escravo”
nasceu da civilização agrária e da escravatura.
Será possível imaginar que no novo
contexto da civilização mediática moderna, se possa desenvolver uma civilização
planetária em que o “Homo Communicans” reencontre o sentido da tribo?
P.S.
Este texto foi produzido com apoio na
obra “A Origem do Homem”, de Claude Louis Gallien, Prof. Catedrático na
Universidade René Descartes onde dirige o Laboratório de Biologia do
Desenvolvimento e cuja leitura recomendo vivamente.