COM JESUS CRISTO
Entrevista Nº 52
Tema – ABORTO
Raquel - Numa das verdes colinas que rodeiam a Nazaré, continuamos com Jesus Cristo, que gentilmente nos vem concedendo declarações exclusivas que captam o interesse dos nossos ouvintes e muito especialmente das nossas ouvintes.
Jesus – É que as mulheres sempre têm os ouvidos mais abertos para o Reino de deus, Raquel.
Raquel – Suponho que está inteirado da insistência com que as autoridades das Igrejas Cristãs, as que seguem o senhor, condenam o aborto e mandam para os infernos as mulheres que interrompem a gravidez. Quer falar disso hoje connosco?
Jesus – Por que não?
Raquel – Preparando-me para esta entrevista estive hoje folheando a Bíblia da frente para trás e de trás para a frente e não encontro o que o senhor disse sobre o aborto… poderia indicar-me em que página é que está?
Jesus – Em nenhuma. Eu nunca falei sobre o aborto.
Raquel – Nunca?
Jesus – Nunca. Neste caso quem procura não encontrará.
Raquel – E como se explica que sobre um assunto tão transcendente o senhor… não tenha dito nada?
Jesus – E que iria eu decidir sobre a gravidez ou o aborto? Os homens não engravidam. Que sabemos nós dessas coisas?
Raquel – Isso é verdade mas…
Jesus – Na Nazaré eram as parteiras que sabiam. Elas assistiam as mulheres quando chegava a hora… e também sabiam como terminar com uma má gravidez…
Raquel – E o que era uma má gravidez nesse tempo?
Jesus – Bem, seria o caso de uma mulher doente e sem forças… ou de uma mulher pobre e já com muitos filhos… também havia casos de raparigas que ficavam grávidas de homens abusadores… nas aldeias do norte, os soldados romanos forçavam as mulheres e até meninas… uma boa gravidez tinha sempre a bênção de Deus, mas perante uma má gravidez havia sempre que pensar o que fazer.
Raquel – E perguntavam ao sacerdote o que fazer?
Jesus – Não. Nem aos sacerdotes que viviam em Jerusalém, nem aos rabinos que estavam mais próximos das sinagogas. Como te disse, os homens não se metiam nisso… como nos íamos meter se não sabíamos nada? As parteiras decidiam.
Raquel – E como faziam?
Jesus – Usavam ervas… as ervas eram o remédio para todas as doenças. As parteiras conheciam o fungo, a arruda silvestre, o absinto… conheciam o remédio para cada padecimento… com ervas faziam abortar as mulheres… aquelas parteiras eram sábias… algumas entraram no nosso Movimento.
Raquel – Confesso que estou desconcertada… então o aborto não era pecado?
Jesus – Por quê pecado, Raquel? As parteiras rezavam a Deus quando assistiam as mulheres no parto e louvavam quando as crianças nasciam sãs. Também rezavam quando punham termo a uma má gravidez e agradeciam quando tudo corria bem. Elas pediam a Deus que guiasse as suas mãos… eram mulheres de muita fé.
Raquel – Escuta os telefones, Jesus Cristo… tudo o que o senhor nos disse constitui uma novidade e até mesmo um escândalo. Ouça quantas chamadas… já está armada a polémica… de agora até à nossa próxima entrevista os telefones não vão parar de tocar… continuaremos a falar sobre o aborto, Jesus Cristo?
Jesus – Claro que sim, Raquel, continuaremos a falar sobre a vida.
Informações Adicionais Sobre o Tema
O Que Diz a Bíblia Sobre o Aborto – Faz apenas uma pequena referência de carácter jurídico-penal quando um homem, durante uma luta, golpeia uma mulher que estava grávida provocando-lhe o aborto, sem qualquer conteúdo de carácter moral. Quanto ao Novo Testamento em nenhum evangelho é feita alguma referência ao aborto.
Que Disse Jesus Cristo – Nada disse, nada ensinou, nem o mencionou, ele que denunciou com tanta firmeza os que atentavam contra a vida humana, desprezando e excluindo os doentes, condenando e marginalizando as mulheres que defendeu as crianças, os leprosos, os deficientes, jamais falou do aborto. No entanto, os radicais da condenação do aborto, usavam textos bíblicos retirados do contexto e a que davam interpretações perversas.
Quando Começa a Vida Humana? – A resposta da ciência diz-nos que o facto do feto se mover, respirar, sentir, não é o que o faz humano. Quando vemos uma ecografia o feto parece-nos uma pessoa em “miniatura” mas é simples aparência. O feto de um macaquinho também será muito parecido com o de um ser humano.
O que é verdadeiramente específico do ser humano está no seu cérebro com os seus cem mil milhões de neurónios e com os biliões e biliões de possíveis conexões que se podem estabelecer entre eles e que nos permitem pensar, falar, conhecer quem somos, eleger, planificar, transformar a realidade, sonhar, decidir, criar, saber que vamos morrer, tudo isto é que faz de nós humanos. Um embrião e um feto são vida humana em potência, em caminho. São uma semente com capacidade para ser uma árvore. Teremos a obrigação de transformar toda a semente em árvore?
Quando Começa a Vida Humana a Ter Alma? – Se a pergunta que se coloca à Ciência é: quando começa a ser humana a vida, a questão que se põe à Religião é: quando é que Deus infunde a alma num ser humano. Esta pergunta tem respostas diversas consoante as religiões e consoante as épocas.
O que é a alma, em que momento o corpo humano a recebe?
- Podemos dizer que a alma é o que nos faz humanos e que ela radica no cérebro mas quanto ao momento exacto em que o ser humano “recebe a alma” nunca haverá como sabê-lo porque… esse momento não existe.
É um tema que continua a ser polémico mesmo que a ciência tenha vindo progressivamente a esclarecer estes assuntos. Ao tempo de São Tomás de Aquino, este, que se considera um dos pilares do pensamento da Igreja, afirmava que a alma era “infundida por Deus” aos 40 dias… se fosse menino e 80… se fosse menina… e que a mulher era um “homem falido”…
Os avanços da ciência fazem com que hoje muitos teólogos cristãos partilhem da ideia de que não há alma enquanto não se tenha formado o córtex cinzento no cérebro, enquanto não tenha alcançado a capacidade de ser viável de forma independente fora do ventre materno.
A Campanha Anti-Aborto – Só há menos de um século, após a proclamação do dogma da Imaculada Concepção de Maria, o Vaticano impôs á Igreja Católica a ideia de que a alma existe desde o momento da fecundação, a que eles chamam “concepção”, termo que nunca recorre à ciência ou à ginecologia. É uma ideia também assumida por várias igrejas evangélicas mas não pelos protestantes históricos que têm como princípio fundamental a liberdade de consciência sobre a interpretação dogmática e têm, portanto, posições muito mais flexíveis sobre o aborto.
Esta Campanha tem o seu momento alto com a proclamação a “santa”, em Maio de 2004, pelo Papa João Paulo II da italiana Gianna Beretta Molla (1922-1962).
Esta senhora tinha marido e três filhos e no 2º mês da gravidez do 4º filho detectou-se um fibroma canceroso junto do útero que ameaçava a sua vida e a do feto. Os médicos disseram-lhe que para salvar a sua vida teria que interromper a gravidez. Para não pecar, não aceitou, levou a gravidez até ao fim, nasceu uma menina e ela, de acordo com as previsões dos médicos, faleceu de cancro ao fim de sete meses depois do parto deixando um viúvo e quatro órfãos.
O Papa João Pulo II canonizou-a e propô-la como modelo exemplar de todas as mulheres e esposas católicas.
A Maior Severidade – Por que é que as posições oficiais da Igreja Católica são as mais rígidas, não só sobre o aborto como também se opõe à anti concepção colocando a mulher num beco sem saída mesmo quando se sabe que a planificação familiar com os diversos métodos anti-concepcionais a melhor prevenção contra o aborto porque evita as gravidezes indesejadas.
Apenas aceita o método do “ritmo” que é ineficaz e complicado mas recusando o preservativo e a pílula do dia seguinte.
Não é fácil entender tanta severidade mas são conhecidas algumas explicações:
- A tradicional misoginia consubstanciada numa aversão ou ódio às mulheres e ao feminino e da crença na inferioridade das mulheres;
- Desejo de controlar a sexualidade das mulheres;
- Travar a liberdade de consciência das mulheres.
O teólogo alemão, Eugene Drewermann - psicanalista de profissão, aponta ainda explicações de carácter mais íntimo, escondidas numa experiência de vivência infantil precoce que, chegada à maturidade, se transforma numa evidência contundente de que, se realmente existem, se deve unicamente à heróica vontade de sacrifício da própria mãe. Em consequência, o que se pode esperar de quem chega a esta evidência, é que, como outro Abel, assumem uma predisposição para o sacrifício e quando chegam a sacerdotes de um Deus exigente, poderá ele mesmo exigir a todos, especialmente às mulheres e às mães que actuem da mesma maneira e ofereçam “livremente” o seu sacrifício pessoal.
Outras Opiniões Mais Sensatas:
- A teóloga brasileira Ivone Gebara: “A mulher não está obrigada a abortar ou a não abortar mas deve ter o direito de decidir. A sociedade nega esse direito às mulheres pobres, desde o momento que lhes nega o direito a uma educação sexual”.
- A Escritora Isabel Allende: “O aborto é um problema que afecta quase todos, directa ou indirectamente, pelo menos uma vez na vida. Ninguém está a favor do aborto. É uma solução desesperada que não agrada a ninguém e deixa sempre cicatrizes emocionais e físicas”.