MARCELO CAETANO E A VELHINHA
O meu querido sobrinho RUI MATOS, no MACROSCÓPIO de 19, num texto sob o título Salazar, Marcelo Caetano e Mário Só-ares faz todo um conjunto de apreciações que me levaram a esclarecer melhor a posição da velhinha analfabeta, personagem da minha estorieta no Memórias Futuras no texto apresentado a 18, sob o título ESTE SALAZAR… e, já agora, a minha opinião sobre Marcelo Caetano, não o Prof. de Direito e notável Jurista, eventualmente do melhor que já tivemos, mas sim o Presidente do Concelho e Responsável pela política de Portugal entre 1968/74.
Esse esclarecimento consta de 2 mails que lhe enviei e que por sugestão dele coloco agora no meu Blog.
Antes, porém, e a propósito do Mário "Só-ares" que é personagem de uma outra estorieta que o Rui Pedro contou, em paralelo com a estorieta da velhinha analfabeta, apenas dizer o seguinte:
- O Mário Só-ares não tem a qualidade e a envergadura intelectual que tinha o Prof. Marcelo Caetano mas teve coragem e amava, e penso que continua a amar, a Liberdade embora cometa gafes que o Sr. Professor nunca cometeria.
E agora transcrevo os dois mails que enviei ao Rui Pedro numa tentativa de esclarecer melhor o meu texto “Este Salazar…”
1ºMail
Rui:
A intervenção da velhinha não é da minha responsabilidade. De facto, ela foi entrevistada e respondeu da forma que transcrevi, resposta esta que achei deliciosa e que a mim nem passaria pela cabeça e todo o texto que vem a seguir é-me sugerido exactamente pela intervenção da velhinha que na sua santa ignorância mas com a percepção própria dos que têm atrás de si a tradição de muitas gerações de serem governados por um Poder absoluto e distante que, no fundo, pouco mais lhes é que indiferente, preocupados que estavam com a cabra que dava mais ou menos leite ou as couves que na horta cresciam mais ou menos, ela sabia, que depois de 50 anos o Poder em Portugal chamava-se SALAZAR, mesmo quando se apresentava ligeiramente diferente e… mais sorridente…
Por outras palavras, com melhorias no campo social e económico que aconteceram e que é justo assinalar, do ponto de vista político, tudo iria continuar na mesma e aqui a velhinha acertou em cheio enquanto que a resposta que teria dado sobre a “primavera marcelista” essa é especulação minha sobre a qual peço desculpa à velhinha mas que estava na linha da resposta que ela tinha dado ao jornalista.
Se íamos continuar com um Poder a chamar-se SALAZAR é óbvio “ meu caro Watson” que não iria haver primaveras marcelistas.
Vamos agora ao Macroscópio do dia 19 “ Salazar, M. Caetano e Mário Só-ares”:
Convivi, na minha juventude, enquanto estudante, nas férias, na aldeia dos meus avós, a mesma que, uns anitos mais tarde, haveria de acolher, agora já na qualidade de bisneto, o meu querido sobrinho Rui Pedro, os velhos/as do mundo rural de então e quero-te afirmar a minha admiração e respeito por eles…meu Deus o que aquela gente sabia sem nunca terem ido à escola nem conhecerem uma letra nem que fosse do tamanho da capela da aldeia, ou adquirido conhecimentos através da TV que para eles já chegou demasiado tarde.
Meu querido Rui, julgo tê-los conhecido, aquela velhinha incluída, melhor que tu, 30 anos depois a maior parte deles já não os apanhaste e posso afirmar-te que chamando de Salazar a M. Caetano a velhinha, ao contrário do que pensaste, apenas pretendeu, na sua santa ignorância, colocá-lo ao nível daquele que durante tantos anos tinha sido o representante do Poder máximo em Portugal, elevado pela propaganda do regime, a Santo Protector dos portugueses. A sua massa crítica estava ao serviço da sobrevivência…
Agora, do ponto de vista daquilo que era politicamente importante fazer e mudar em Portugal, nada fez e eu condeno-o por isso, porque ele poderia ter evitado o 25 de Abril, o PREC, a balbúrdia, as nacionalizações de tudo e mais alguma coisa e todo um sobressalto político que quase nos levava à guerra civil que eu julgo, “Deus me perdoe” se me engano, deixaria Marcelo Caetano muito feliz lá no seu exílio depois de não ter conseguido o massacre do Largo do Carmo.
Meu querido sobrinho, as qualidades intelectuais de Marcelo, a sua excelência como professor, jurista, dos melhores que o país já teve, não estão em causa e os seus dotes de inteligência só fazem recair sobre ele mais responsabilidade…a um burro tudo se perdoa.
De resto, como tu sabes, a avaliação das pessoas já não se faz só pelo QI. A inteligência é muito mais do que a capacidade de raciocínio lógico necessário para a resolução de uma complicada equação matemática ou um intrincado problema jurídico, mais que isto, é uma soma inacreditável de factores entre eles as emoções, a coragem, o amor e o respeito pelo nosso semelhante e com maioria de razão pelos nossos compatriotas.
Marcelo fingiu ter essas qualidades mas desmascarou-se no fim, quando chegou a hora da verdade, depois de já ter desiludido quantos nele tinham depositado as suas esperanças.
Desculpa, Rui, não fui aluno dele, não o posso recordar pela excelência de professor que foi mas só por despeito, má fé ou cretinice minha poderia desacreditar a sua inteligência mas eu não reverencio os homens inteligentes só por serem inteligentes, por muito que o sejam e no caso concreto do Marcelo lamento-o, fundamentalmente, por nós… o que ele não poderia ter feito por mim, por ti, por todos nós, foi uma pena, um desperdício de oportunidade.
2º Mail
Rui:
Tens muita razão, foi uma grave lacuna minha não ter falado, no meu último mail, do problema do Ultramar não por me ter esquecido, estava na cidade da Beira em Moçambique aquando do 25 de Abril e portanto não o podia esquece, mas não me quis alongar e fiquei-me pelas generalidades o que não deixa de ter sido uma lacuna feita erro, repito.
Marcelo herdou de Salazar um país atrasado, ignorante, apático, voltado para o passado de onde não quiseram que ele saísse mas, não obstante tudo isto, o pior da herança foi a guerra colonial à qual ele deu continuidade de uma forma convicta e assumida, não obstante a deterioração da situação militar mesmo com as mentiras descaradas do General Kaúlza de Arriaga a propósito da Operação Nó Górdio, no norte de Moçambique, que tendo sido um autentico fiasco foi por ele apresentada em Lisboa, na TV, como tendo constituído o ponto final na guerra em Moçambique.
Mentiras e mais mentiras como as justificações de M. Caetano para não descolonizar alegando que estava preocupado com a situação dos milhares de portugueses que viviam nas “províncias ultramarinas”- outra mentira para estrangeiro ouvir – como se a continuação de uma guerra condenada ao insucesso, o que estava à vista desarmada de milhares de portugueses que por lá tinham passado, pudesse acautelar melhor o futuro daquela gente.
Onde estava a inteligência e a perspicácia política do sobredotado, do melhor professor de Direito que o país já tinha tido?
Onde estava a sua humildade/honestidade intelectual quando, no exílio, não admitiu nenhum erro antes insistiu que tudo quando tinha feito era o que deveria ter sido feito?
E para além do seu legado no campo do Direito que não menosprezo, para nós, portugueses, pessoas vulgares que não frequentam Universidades nem sabem de Códigos ou Manuais, que importância teve a circunstância de ele ter sido, também, uma pessoa honesta?
Ele era o Presidente do Concelho, o herdeiro do Poder a quem não se pede, espera-se que seja pessoalmente honesto.
Pedia-se, sim, à data, que ajudasse os portugueses, não o Casal Ribeiro & Cª, a desembrulharem o seu futuro e teve, para isso, muito boa gente ao seu lado para o ajudar.
Eu gostaria de esquecer que ele foi durante 5 anos o responsável político deste país e continuar apenas a “malhar”no excepcional Professor de Direito que ele foi mas eu falo apenas como mais um português vítima da sua política como já tinha sido da do seu antecessor e mentor…os amantes do Direito que se encarreguem do enaltecer.
Sim, ele estava acossado no Largo do Carmo quando deu a ordem para a GNR proceder à matança das centenas de pessoas, civis, que enchiam a praça mas, na paz do exílio quando lamentou que essa ordem não tivesse sido cumprida também estava acossado?
Desculpas, justificações para o que ele foi politicamente, claro que as existem…afinal, ele era apenas um SALAZAR sorridente, como acertadamente disse a velhinha, nós é que nos enganámos, não tínhamos nada que embandeirar em arco.
Só vou estar 10 dias no Brasil mas mesmo que lá ficasse o resto da vida não iria à campa do Marcelo desancá-lo pós-morte como também não vou à campa dos outros louvá-los.
Como português assumo todos os meus compatriotas falecidos, do Afonso Henriques ao Marcelo Caetano, todos eles, que melhor ou pior, de uma forma ou de outra, construíram a História deste país que é o mesmo é dizer a história do meu colectivo, a minha história.
Paz às suas almas e o resto é História ou histórias…