Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, abril 14, 2012
DIZERES
“ERRO CRASSO”
SIGNIFICADO: Erro Grosseiro
ORIGEM: Na Roma antiga, o poder dos Generais era tripartido. O primeiro Triunvirato foi constituído por Caio Júlio, Pompeu e Crasso. Foi dado a este uma missão simples de atacar os Partos, pequeno e aparentemente inocente povo.
Crasso descurou qualquer estratégia e o resultado foi a derrota.
Os Autores Mais Influentes do Séc. XX e o Que Aprendemos ou “Devíamos Ter Aprendido"Com Eles
VIRGÍNIA WOOLF ( 1882-1941)
No tempo que lhe coube viver, conseguiu impor uma voz feminina num mundo dominado por homens.
O Que nos Ensinou: a utilização exemplar do monólogo interior.
GABRIELA
E
CANELA
Naquele dia, de bar excitado e quase festivo, muitas histórias foram recordadas, além da melancólica aventura do Dr. Felismino. Histórias em geral terríveis de amor e traição, vinganças de arrepiar. E, como não podia deixar de acontecer, com a proximidade de Glória na janela, ansiosa e solitária, sua empregada andando entre os grupos na praia, vindo ao bar à cata de informações, alguém recordou o caso famoso de Juca Viana e Chiquinha.
Não se tratava, é claro, de acontecimento semelhante ao daquela tarde, os coronéis reservavam a pena de morte para traição de esposa. Rapariga não merecia tanto. Assim pensava também o coronel Coriolano Ribeiro.
Quando tomavam conhecimento de infidelidade de mulheres que sustentavam – ou pagando-lhes o quarto, a comida e o luxo em pensões de prostitutas ou alugando-lhes casa em ruas menos frequentadas – contentavam-se com largá-las, substitui-las no conforto que lhes proporcionavam. Arranjavam outra. Já sucedera, no entanto, tiro e morte, mais de uma vez, devido a rapariga.
Não tinham, por exemplo, o coronel Ananias e o comerciário Ivo, conhecido por “El Tigre” por sua maestria de centro-avante do Vera Cruz Futebol Clube, trocando tiros no Pinga de Ouro, por causa de Joana, pernambucana bexigosa, ainda recentemente?
Fora o coronel Coriolano Ribeiro dos primeiros a atirar-se às matas e a plantar cacau. Poucas fazendas podiam comparar-se com a sua, terras magníficas, onde em três anos os cacaueiros começavam a produzir. Homem de influência, compadre do coronel Ramiro Bastos, dominava ele um dos mais ricos distritos de Ilhéus.
De hábitos simples, conservava os costumes dos velhos tempos, sóbrio em suas necessidades: seu único luxo era a rapariga de casa montada. Vivia quase sempre na fazenda, aparecendo em Ilhéus a cavalo, desprezando o conforto do trem e das recentes marinetes, vestido com calça porta-de-loja, paletó batido pelas chuvas, chapéu de respeitável idade, botas sujas de lama.
Gostava mesmo era da roça, das plantações de cacau, de dar ordens aos trabalhadores meter-se pela mata. As más-línguas diziam que ele na fazenda só comia arroz aos domingos ou em dias feriados, tão económico era, contentando-se com o feijão e o pedaço de carne seca, refeição dos trabalhadores.
No entanto sua família vivia na Bahia, no maior conforto, em casa grande na Barra, o filho na Escola de Direito, a filha nos bailes da Associação Atlética. A esposa envelhecera precocemente, nos tempos das lutas, nas noites ansiosas, quando o coronel partia à frente dos jagunços.
Um anjo de bondade, um demónio de feitura… – dizia dela João Fulgêncio quando alguém criticava o abandono em que o coronel deixava a esposa, indo à Bahia só de raro em raro.
Mesmo quando sua família residia em Ilhéus – na casa onde agora instalara Glória – nunca deixava o coronel de ter rapariga de mesa e cama. Por vezes, ao chegar à fazenda, era para a “filial” que se dirigia, ali descia do cavalo, antes mesmo de ir ver a família.
Eram seu luxo, sua alegria na vida, essas cabrochas, mulatinhas no verdor dos anos, que o tratavam fosse ele um rei.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
O Ritual explica que o possuído pode falar com um tom de voz especial ou produzir uma algarviada confusa e zombar do latim como de tudo o que seja “sagrado”. Indica que o possuído também tem acesso a informações secretas, por exemplo, saber quando uma pessoa está cometendo um pecado.
Quanto à força, explica que os seus traços ficam alterados e isso pode ser visto na força que desenvolve, na mudança dos seus olhos e na forma de olhar.
Em 1999, o Vaticano actualizou o seu ritual exorcista. Ele começa com orações, uma bênção e aspersão de água benta. A fórmula de exorcismo começa com "eu te ordeno, “Satanás", que és denunciado como "o príncipe deste mundo" e "inimigo da salvação humana”. O exorcismo termina com a ordem de comando: - “Vai te embora, Satanás!"
sexta-feira, abril 13, 2012
(Recordando a despedida de Ronaldo em 2003 – Estádio José Alvalade)
“Depois de muitos anos como adepto de sofá tive ontem a oportunidade de ver, olhos no relvado, o meu Sporting.
É certo, que no meu regresso aos estádios nem tudo foi agradável por causa daquela cena caricata em que fui apalpado e revistado e quase impedido de entrar por causa de uns simples binóculos que eu julgava serem inofensivos e inocentes.
Explicaram-me que era uma questão de segurança pois, de há uns anos a esta parte, pessoas perigosas têm vindo a insinuar-se junto dos pacíficos sócios e adeptos dos clubes de futebol para, a coberto de grandes ajuntamentos, darem vazão às suas frustrações e maus feitios.
Mas os receios eram infundados e foi num ambiente de saudável confraternização que me reencontrei com o pessoal da minha tribo naquele cenário electrizante, cheio de reflexos verdes e brancos a tremelicarem provocados por painéis agitados por milhares de braços num espectáculo de cor e brilho.
-Spór-ting e do outro topo respondiam, Spór-ting e mais uma vez e outra e ainda outra, numa comunhão de sons em uníssono que desafiavam os melhores coros da Gulbenkian.
O colega sentado ao meu lado acendeu nervosamente um cigarro e pediu-me desculpa pelo fumo que sobrava para mim:
-“Não consigo evitar… sabe, vim de Coimbra ver o nosso Sporting”.
- “Não tem importância, amigo…deixei de fumar há 12 anos e se hoje voltar a fumar um bocadinho do seu não faz mal”
Entretanto, à nossa volta, acendiam-se mais cigarros e o isqueiro do meu vizinho andava numa roda-viva, de mão em mão, com a naturalidade do usufruto de um bem pertencente à comunidade da tribo.
Um jovem casal de namorados, duas filas a seguir à minha, alheados do mundo, trocavam carinhos com a mesma naturalidade e à-vontade com que, mais abaixo, no relvado, os jogadores faziam exercícios de aquecimento.
Aguardava-se o início do jogo e os rostos espelhavam uma serenidade contida.
O adversário era uma das melhores equipas do mundo, das mais ricas e poderosas e mesmo que perdêssemos, a honra da “tribo” não sairia muito abalada.
Afinal, não nos podemos esquecer, que enquanto nós vamos buscar jogadores a custo zero eles nem sequer discutem os milhões com que adquirem os seus.
O jogo começou e o Manchester, em estilo de treino, como de quem não está para se maçar muito, ofereceu-nos o seu meio campo e “disse-nos: vejam lá se nos conseguem marcar um golo” e nós lá fomos: atacámos… atacámos…atacámos até que sofremos o golo que ditou o resultado final.
Sirva-nos de consolação de que perdemos com um auto-golo, claríssimo e assumido.
O Cristiano Ronaldo, às vezes, faz daquelas coisas… mas como, logo de seguida, pediu perdão de mãos postas e, além disso, encheu o campo com as suas avançadas mágicas, todos nós, sportinguistas, não só lhe perdoámos como ainda nos despedimos dele aplaudindo-o de pé.
Nesse momento senti-me orgulhoso da minha tribo. Cá para mim, ganhámos o jogo e Viv´ó Sporting!”
DIZERES
"À GRANDE E À FRANCESA"
Significado:
Origem:
A imaginação, a observação e a sabedoria populares encarregaram-se de criar a expressão.
(Texto José Mário Silva)
ÁGATHA CHRISTIE
“Rainha do Crime”, chamaram-lhe. Criadora de dois dos mais carismáticos detectives com que alguma vez os leitores de policiais se cruzaram(o refinado Hercule Poirot, sempre orgulhoso das suas “pequenas células cinzentas”, e a adorável Miss Marple).
O Que nos Ensinou: ... a culpa nem sempre é do mordomo.
GABRIELA
Porque moças casadouras não lhe interessavam, queria era mulher casada, banquetear-se gratuitamente em mesa alheia.
Um malandrim, desses muitos que agora começam a aparecer nas ruas de Ilhéus. Pigarreou, balançou a cabeça, já agradecendo as palmas que no júri não faltariam, apesar das repetidas proibições do juiz.
Também no bar não faltaram aplausos.
- Bem dito… - apoiou o fazendeiro Manuel das Onças.
- Não há dúvida, é isso mesmo… - disse Ribeirinho – Foi bom exemplo, Jesuíno agiu como devia.
- Não discuto isso, falou o Capitão – Mas a verdade é que você, Dr. Maurício e muitos outros são contra o progresso.
- Desde quando progresso é safadeza?
- São contra, sim, e não me venha com essa história da safadeza numa terra cheia de cabarés e mulheres perdidas. Onde cada homem rico tem sua rapariga. Vocês são contra o cinema, um clube social, até às festas familiares. Vocês querem as mulheres em casa trancadas na cozinha…
- O lar é a fortaleza da mulher virtuosa.
_ Quanto a mim, não sou contra nada disso – explicou o coronel Manuel das Onças – Até gosto de um cinema para me distrair quando a fita é cómica. Arrastar o pé, não, não estou mais na idade. Mas isso é uma coisa e outra é achar que mulher casada tem direito de enganar o marido.
- E quem disse isso? Quem está de acordo?
Nem mesmo o Capitão, homem vivido, tendo morado no Rio e reprovando muitos dos actos de Ilhéus, nem mesmo ele sentia-se com coragem para opor-se de frente à lei feroz.
Tão feroz e rígida que o pobre Dr. Felismino, médico chegado a Ilhéus, uns quantos anos antes, para tentar a clínica, ali não pudera continuar após ter descoberto os amores de sua esposa Rita com o agrónomo Raul Lima e havê-la abandonado ao amante. Feliz, aliás, com a inesperada oportunidade de livrar-se da mulher insuportável com a qual casara nem ele mesmo sabia porquê.
Poucas vezes sentira-se tão satisfeito como ao descobrir o adultério: o agrónomo, enganado a respeito de suas intenções, a correr, seminu, pelas ruas de Ilhéus. A Felismino vingança nenhuma parecia melhor, mais refinada e tremenda: entregar ao amante os desperdícios de Rita, seu amor ao luxo, seu insuportável mandonismo.
Mas Ilhéus não possuía tanto senso de humor, ninguém o compreendera, consideravam-no um cínico, covarde e imoral, sua iniciada clientela esfumou-se, houve quem lhe negasse a mão, apelidaram-no de “Boi Manso”. Não teve outro jeito, foi-se embora para sempre.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Em resposta a estas injecções dos mídia e em coerência com a fidelidade da doutrina oficial, a Academia Pontifícia "Regina Apostolorum" do Vaticano, passou a oferecer, a partir de início de 2000, um curso especial para os sacerdotes que queirem aprender a lidar com o diabo e tornarem-se exorcistas. O curso prepara os sacerdotes em aspectos bíblicos, teológicos, históricos e legais do satanismo. Os Legionários de Cristo, uma das congregações de religiosos mais conservadores do catolicismo, fundada por Marcel Maciel, um padre pedófilo, são responsáveis por esta Academia. Em escolas de teologia católica que seguem o pensamento oficial do Vaticano, como a Universidade de Navarra, em Espanha, existe uma especialidade em Demonologia.
quinta-feira, abril 12, 2012
Um jovem ventríloquo estava fazendo um show num bar de uma cidade do interior, exibindo o seu repertório habitual sobre a burrice das loiras, quando uma loiraça sentada na quarta mesa se levantou e disse:
- Já ouvi o suficiente das suas piadas denegrindo as loiras, seu idiota. O que é que o faz pensar que pode estereotipar as mulheres dessa maneira?
O que é que têm a ver os atributos físicos de uma pessoa com o seu valor como ser humano?
São homens como você que impedem que mulheres como eu sejam respeitadas no trabalho e na comunidade, o que nos impede de alcançar o pleno potencial como pessoa.
Por sua causa e por causa das pessoas da sua laia perpetua-se a discriminação não só contra as loiras, mas contra as mulheres em geral...tudo em nome do humor!!!
Confuso, o ventríloquo começou a pedir desculpas, e a loira diz muito rapidamente:
- O senhor não se intrometa! Estou falando com esse rapazinho que está aí sentado no seu colo!!!....
Sidney Miller
Considerado como um dos talentos mais promissores de sua geração, Sidney Miller demonstrou que não era apenas um excelente músico, mas também um poeta muito inspirado. No seu disco de estreia apresentou 12 músicas da melhor qualidade entre sambas, chorinho e canções todas sem parceria, um acompanhamento da melhor qualidade, arranjos primorosos e a fazer o balanço, o seu violão. Esta canção concorreu ao 3º Festival da MPB da TV Record em 1967 recebendo o Prémio da Melhor Letra.
Texto de: José Mário Silva
JAMES JOYCE (1882-1941)
Há precisamente dez anos, a revista Time elegeu Joyce como o escritor mais influente do século XX. A escolha compreende-se. Nascido em1882, soube fazer a ponte entre a tradição literária e as vanguardas. Se as primeiras obras (Gente de Dublin ou Retrato do Artista Quando Jovem) ainda respeitavam os principais códigos narrativos vigentes, o romance Ulisses (1922) estilhaçou todas as regras, revolucionando a literatura de uma forma que só tem paralelo com as mudanças de paradigma instauradas por Einstein no campo da Física.
Aliás, foi T. S. Eliot quem afirmou que a utilização dos mitos clássicos (a Odisseia, com as suas personagens e simbolismos) em contexto moderno teve “a importância de uma descoberta científica”. Ao transformar as deambulações de Leopold Bloompor Dublin, no dia 16 de Junho de 1904, numa obra de arte total extremamente complexa, Joyce, abriu rumos seguidos por outros grandes escritores, de Beckett a Faulkner, de Bellowa a Garcia Márquez.
O que nos ensinou: a audácia do experimentalismo linguístico (levado para lá de todos os limites no quase ilegível Finnegans Wake)
DIZERES
“Ir para o maneta…”
Significado:
Origem:
- Conta-se que por ocasião das invasões de Portugal por parte dos franceses, um general chamado Loison, tinha perdido um braço numa batalha anterior. Este militar era o responsável pela tortura dos presos e tinha, inclusivamente, provocado várias mortes.
Por ser tão terrível nas torturas que praticava surgiu um medo popular do general Loison que ninguém tratava pelo nome mas sim pelo “maneta” e quando havia o perigo de ser capturado dizia-se: “vê lá se vais para o maneta”.
Duzentos anos depois o general Loison ainda vive nesta expressão habitualmente utilizada.
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
- Obrigação de dentista é tratar dos doentes e não recitar versos às clientes bonitas, meu amigo. É o que eu afirmo e reafirmo: esses costumes depravados de terras decadentes estão querendo nos dominar… Começa a sociedade de Ilhéus a penetrar-se de veneno, direi melhor: de lama dissolvente…
- É o progresso, doutor.
- A esse progresso eu chamo de imoralidade… – Passou os olhos ferozes pelo bar: Chico Moleza chegou a estremecer.
A voz fanhosa de Nhô-Galo se elevou:
- De que costumes o senhor fala? Dos bailes, dos cinemas… Mas eu vivo aqui há mais de vinte anos e sempre conheci Ilhéus como uma terra de cabarés, de bebedeira farta, de jogatina, de mulheres-damas… Isso não é de agora, sempre existiu.
- São coisas para homens. Não que eu as aprove. Mas não são coisas que atinjam as famílias como esses Clubes onde mocinhas e senhoras vão dançar, esquecidas das obrigações familiares. O cinema é uma escola de depravação…
Agora o Capitão colocava outra pergunta: como podia um homem – e essa era também uma questão de honra – recusar uma mulher bonita quando ela, enleada por suas palavras, achando-o parecido com santo de igreja, tonteada pelo perfume em ondas das melenas negras, caía-lhe nos braços, obturados os dentes, mas para sempre ferido o coração? O homem tem também sua honra de macho.
Ao ver do Capitão o dentista era mais vítima do que culpado, mais digno de dó do que de reprovação.
- Que faria você, seu Dr. Maurício, se a dona Sinhàzinha, com aquele corpo que deus lhe deu, nua e de meias pretas se atirasse em cima de você? Saía correndo pedindo socorro?
Alguns ouvintes – o árabe Nacib, o coronel Ribeirinho, mesmo o coronel Manuel das Onças com seus cabelos brancos – pesaram a pergunta e a acharam irrespondível.
Todos eles haviam conhecido Dª Sinhàzinha, haviam-na visto atravessar a praça, as carnes presas no vestido apertado, indo para a igreja, o ar sério e recolhido… Chico Moleza, esquecido de servir, suspirou ante a visão de Sinhàzinha nua, atirando-se-lhe nos braços. Com o que foi expulso por Nacib.
- Vai servir, moleque. Onde já se viu?
Dr. Maurício sentia-se já em pleno júri:
- Vade retro!
Não era o dentista esse inocente que o Capitão (quase ia dizendo o “nobre colega” descrevia. E para lhe responder ia buscar à Bíblia, o livro dos livros, o exemplo de José…
- Que José?
- O que foi tentado pela mulher do faraó…
- Esse cara era brocha… - riu Nhô-Galo.
Dr. Maurício fuzilou com os olhos o funcionário da Mesa das Rendas:
- Tais pilhérias não se coadunam com a seriedade do assunto. Não era nenhum inocente o tal Osmundo. Bom dentista podia ser, mas era também um perigo para a família ilheense…
E o descreveu como se estivesse perante o juiz e os jurados: bem-falante, apurado no vestir – para quê toda aquela elegância em terra onde ao fazendeiros andavam de calça de montaria e botas altas?
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES À
quarta-feira, abril 11, 2012
Eu quero a Natália...
A Madame abre a porta do bordel e encontra um velhinho vestido com roupa modesta.
- Diga ? - pergunta ela.
- Eu quero a Natália - respondeu o velhinho.
- Caro senhor, a Natália é uma das nossas "meninas" mais caras.
Talvez eu lhe possa apresentar alguma outra...'
- Não, eu quero a Natália! - insiste o velhinho.
Então a Natália aparece, um espectáculo de mulher, em saltos altos, corpete, meias e cinto de ligas e diz ao velhinho que o preço é de 500 Euros por visita.
O velhote nem pestaneja e tirando o dinheiro da carteira diz que tudo bem.
Então ela leva-o para o quarto onde ele passa uma hora inesquecível, com sexo louco como nunca tinha tido.
Na noite seguinte, o velhinho aparece novamente e chama pela Natália.
Ela estranha, diz que nenhum cliente dela veio duas noites seguidas e que
ela não faria nenhum desconto pela fidelização.
O velhinho tira mais 5 notas de 100 euros e entrega à rapariga, que o leva
para o quarto onde a sessão se repete, ainda melhor que no dia anterior.
Na noite seguinte, ninguém acredita: mais uma vez o velhote entrega o
dinheiro à moça, e tornam a ir para o quarto.
Depois da hora que passaram juntos, Natália não resiste e pergunta ao
velhinho:
- Ninguém usou os meus serviços três noites seguidas porque sou a melhor desta casa e levo muito caro. De onde é o senhor?
- Sou de Cuba, no Alentejo! - responde o velhinho
- Sério? Eu tenho uma irmã que mora em Cuba!
- Eu sei, foi ela que me pediu para lhe entregar os 1500 Euros.'
Em momentos de crise, só a imaginação é mais importante...
- “Que maçada…”
Significado: - Contratempo, Chatice.
Origem:
- Nos tempos áureos das conquistas romanas, as tropas de Roma tinham uma zona para conquistar perto do Mar Morto chamada Masada. Era um platô com 400 metros de altura onde Herodes tinha mandado construir um Palácio com fortes defesas. Os Zelotas, facção do povo judaico, muito orgulhosa e que não suportava o domínio dos romanos, trancou-se num Templo na esperança de que estes não os descobrissem.
No entanto, o exército começou imediatamente a destruir o Palácio enquanto o povo desesperava por qualquer solução.
Para evitarem a humilhação da rendição, os zelotas decidiram-se por um suicídio colectivo.
Esta expressão tornou-se sinónimo da grande “chatice” porque esta gente teve de passar.
Os Autores Mais Influentes
(Textos de José Mário Silva)
De todos os escritores latino-americanos responsáveis pelo chamado boom do realismo mágico, durante a década de 60 do século passado, Garcia Márquez (Gabo para os amigos) é aquele que conheceu uma aceitação mais universal, reflectida na atribuição do Nobel, em1982.
As suas histórias, irradiando a partir da cidade imaginária de Macondo, são narrativas que introduzem com grande mestria elementos fantásticos no quotidiano de personagens maiores do que a vida. Os romances Cem Anos de Solidão e O Amor nos Tempos de Cólera foram obras-primas marcantes
para milhões de leitores em todo o mundo.
O que Nos Ensinou: - Uma concepção de literatura enquanto lugar onde todos os prodígios são possíveis.
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
- Heroína? Não me venha com literaturas. Não queira absolver a pecadora. Onde iríamos parar? – Doutor Maurício suspendia a mão num gesto ameaçador. – Tudo isso é resultado da degeneração dos costumes que começa a imperar na nossa terra: bailes e tardes dançantes, festinhas em toda a parte, namorinhos na escuridão dos cinemas. O cinema ensinando como enganar os maridos, uma degradação.
- Ora, Doutor não culpe nem o cinema nem os bailes. Antes de existir tudo isso já as mulheres traíam os maridos. Esse costume vem de Eva com a serpente… – riu João Fulgêncio.
O Capitão o apoiou. O advogado via fantasmas. Ele também, Capitão, não desculpava mulher casada esquecida dos seus deveres. Mas daí a querer culpar o Clube Progresso, os cinemas… Porque não culpava certos maridos que nem ligavam para as esposas, tratavam-nas como criadas, enquanto davam de um tudo, jóias e perfumes, vestidos caros e luxos, às raparigas, às mulheres da vida que sustentavam ou às mulatas para quem buscavam casa?
Bastava olhar ali mesmo na praça: aquele luxo de Glória vestindo-se melhor que qualquer senhora: será que o coronel Coreolano gastava tanto com a esposa?
- Também é uma velha decrépita…
- Não estou falando dela e sim do que se passa. É ou não assim?
- Mulher casada é para viver no lar, criar os filhos, cuidar do esposo e da família…
- E as raparigas para esbanjar o dinheiro?
- Quem eu não acho tão culpado é o dentista. Afinal… João Fulgêncio interrompia a discussão, as palavras indignadas do Capitão podiam ser mal interpretadas pelos fazendeiros presentes.
O dentista era solteiro, jovem, desocupado coração, se a mulher o achava parecido com São Sebastião que culpa tinha ele, não era sequer católico, formava com Diógenes a dupla de protestantes da cidade…
- Nem católico era, Doutor Maurício.
- Porque não pensou ele, antes de acoitar-se com mulher casada, na honra impoluta do esposo? – inquiriu o advogado.
- Mulher é tentação, é o diabo, vira a cabeça da gente.
- E você acha que ela se atirou assim, sem mais nem menos, nos braços dele. Que ele não fez nada, inocente?
A discussão entre os dois admirados intelectuais – o advogado e João Fulgêncio, um solene e agressivo, defensor sectário da moral, o outro bonachão e risonho, amigo da blague e da ironia, nunca se sabendo quando falava a sério – empolgava a assistência.
Nacib adorava ouvir uma discussão assim. Ainda mais estando presentes, e podendo participar, o Doutor, o Capitão, Nhô-Galo, Ari Santos…
Não, João Fulgêncio não achava Sinhàzinha capaz de ter se atirado nos braços do dentista, assim sem mais nem menos. Que ele lhe dissera frases adocicadas, era perfeitamente possível. Mas – perguntava – não seria essa a mais mínima obrigação de um bom dentista? Galantear um pouco as clientes amedrontadas ante os ferros, o motor, a cadeira assustadora? Osmundo era bom dentista, dos melhores de Ilhéus, quem o negaria? E quem negaria também o medo que os dentistas inspiram? Frases para criar ambiente, afastar o temor, inspirar confiança.
ENTREVISTA FICCIONASDA COM
terça-feira, abril 10, 2012
A INFUÊNCIA DOS GRANDES AUTORES DO SÉC. XX E O QUE APREDEMOS ou devíamos ter aprendido COM ELES.
Textos de José Mário Silva
ERNEST HEMINGWAY (1899- 1961)
A enorme influência de Hemingway na literatura mundial faz-se sentir de dois modos. Primeiro: - através da forma como escrevia: frases curtas, dinâmica narrativa colada ao osso da história, diálogos exemplares.
O QUE NOS ENSINOU: - A literatura como reflexo da vida e a vida como reflexo da literatura.
*Daiquiris – É uma bebida, alegadamente famosa no mundo, que é feita no El Floridita Bar, em Havana, Cuba e que era da preferência de Hemingway.
A receita é uma mistura simples de sumo de limão e rum com um xarope normal de sabor de frutas ao sua gosto, tudo batido com gelo. Aí tem… beba com moderação.
Curiosidades…
- Há três dias que não falo com a minha mulher… não gosto de interrompê-la.
- Sempre que saímos, a minha mulher e eu, caminhamos de mão-dada. Se a solto ela foge para as compras.
- Alguns amigos perguntam-me qual o segredo para um tão longo casamento. Respondo que reservamos tempo duas vezes por semana para ir ao restaurante jantar à luz das velas com música ambiente e baile. Eu vou às quintas e ela às sextas.
- Li recentemente que o amor é uma questão química. Deve ser por isso que a minha mulher me trata como lixo tóxico.
- Depois do casamento, marido e mulher são as duas faces da mesma moeda: continuam juntos mas não se podem ver
GABRIELA
A conversa generalizava-se, falava-se de uma mesa para a outra, e nem uma voz se levantava, naquela ruidosa assembleia, onde alguns dos notáveis da cidade se reuniam, em defesa da maturidade em fogo de Sinhàzinha, trinta e cinco anos de adormecidos desejos despertados subitamente pela lábia do dentista e transformados em crepitante paixão.
A lábia do dentista e suas melenas ondeadas, seus olhos derramados, tristonhos como os da imagem de são Sebastião trespassado de flechas no altar-mor da pequena igreja da praça, ao lado do bar.
Ari Santos, companheiro do dentista nas sessões literárias do Grémio Rui Barbosa, onde declamavam versos e liam prosa nas manhãs de Domingo para reduzido auditório, contava como tudo começara: primeiro ela achara Osmundo parecido com São Sebastião, santo de sua devoção, os mesmos olhos, iguaizinhos.
Esse negócio de muito frequentar a igreja dá nisso… - comentou Nhô-Galo, anticlerical conhecido.
- É mesmo… - concordou o coronel Ribeirinho – Mulher casada que vive agarrada em saia de padre não é boa bisca…
Três dentes a obturar e a voz melosa do dentista ao ritmo do motor japonês, as palavras bonitas em comparações que nem versos…
- Ele tinha veia, afirmava o Doutor – uma vez declamou-me uns sonetos, primorosos. Rimas soberbas. Dignos de Olávio Bilac.
Tão diferente do marido, áspero e soturno, vinte anos mais velho do que ela, o dentista doze anos mais moço! E aqueles olhos súplices de são Sebastião… Meu Deus!, que mulher resistiria, sobretudo mulher na força da idade, com marido velho vivendo mais na roça que em casa, farto da esposa, doido por cabrochas novas na fazenda, caboclinhas em flor, brusco nos modos, e ademais mulher sem filhos nos quais pensar e dos quais cuidar. Como resistir?
- Não me venha defendê-la, a sem vergonha, meu caro Sr. Ari Santos… - cortou o Dr. Maurício Caíres – Mulher honrada é fortaleza inexpugnável.
- O sangue… - disse o Doutor, a voz lúgubre como sob o peso de uma maldição eterna – O sangue terrível dos Ávilas, o sangue de Ofenísia…
- E você a dar com o sangue… Querendo comparar uma história platónica que não passou de olhares sem consequência com essa orgia imunda. Compara uma fidalga inocente com uma bacante, o nosso sábio Imperador, modelo de virtudes, com esse dentista depravado…
- Quem está comparando? Falo apenas da hereditariedade, do sangue da minha gente…
- Não defendo ninguém – afirmou Ari – estou apenas contando.
- Sinhàzinha foi deixando as festas da Igreja, frequentou os chás dançantes do Clube Progresso…
- Factor de dissolução dos costumes… - interrompeu Dr. Maurício.
- … foi prolongando o tratamento, já agora sem motor, trocando a cadeira de metais rutilantes do consultório pelo leito negro do quarto – Chico Moleza, parado com uma garrafa e um copo na mão, recolhia àvidamente os detalhes, arregalados os olhos adolescentes, aberta também a boca num riso idiota. Ari Santos concluía com uma frase que lhe parecia lapidar:
- E assim o destino transforma uma senhora honesta, religiosa e tímida em heroína de tragédia…
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
segunda-feira, abril 09, 2012
É o homem com melhor voz da música popular portuguesa, dizia Arnaldo Trindade, patrão da Editora Orfeu e que o recorda como alguém “bem disposto e amigo de toda a gente.”
Frequentou o Curso de Direito em Coimbra que nunca concluiu mas manteve sempre uma vida cultural e social muito activa: cantou no Orfeão Académico, fez teatro, jogou voleibol e chegou a concorrer para as eleiçõespara a Associação Académica.
O livro “Adriano Correia de Oliveira – Um Trovador da Liberdade” de Mário Correia editado em Fevereiro retrata a vida e a obra do cantor.
“Trova do Vento que Passa”, “Cantar de Emigração”, “Tejo que Levas as Águas” são canções intemporais. Esquecer Adriano, adverte José Marino, Director Adjunto da Antena 3 “seria um injusto desperdício de talento sublime e irrepetível”.
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 69
Consultório bem montado na sala da frente, mas o fazendeiro encontrou a esposa foi no quarto, vestida, apenas – como contava Ari e constou nos Autos – com “depravadas meias pretas”.
Quanto ao Dr. Osmundo Pimentel, estava completamente descalço, sem meias de qualquer cor nem nenhum outro traje a cobrir-lhe a arrogante juventude conquistadora.
O fazendeiro disparou dois tiros em cada um, definitivos. Homem de pontaria louvada, acostumado a acertar balas no escuro das estradas em noites de barulhos e tocaias.
Nacib não tinha mãos a medir. Chico Moleza a Bico Fino iam de mesa em mesa no bar cheio, servindo a uns e a outros, pescando de quando em vez um detalhe das conversas.
O negrinho Tuísca ajudava, preocupado em saber quem lhe pagaria a conta semanal de doces do dentista, em cuja casa, todas as tardes, deixava bolo de milho e de aipim, cuscuz de mandioca também. De quando em vez, olhando o bar superlotado, consumidos já os bolos e salgados do tabuleiro já enviado pelas irmãs Dos Reis, Nacib praguejava contra a velha Filomena.
Logo num dia desses, de tantas novidades e tamanhos acontecimentos, ela achara de ir embora, deixando-o sem cozinheira. Indo de mesa em mesa, participando nas conversas, bebendo com os amigos, o árabe Nacib não podia se entregar por completo ao prazer dos comentários sobre a tragédia, como desejaria e certamente o faria se a preocupação da cozinheira não o afligisse.
Histórias como aquela, de amores ilícitos e vingança mortal, com detalhes tão suculentos, meias pretas, meu Deus!, não aconteciam todos os dias. E ele obrigado a sair daí a pouco em busca de cozinheira no meio dos retirantes chegados ao “mercado dos escravos”.
Chico Moleza, preguiçoso incurável, passava com copos e garrafas, ouvidos alertas, parando para escutar. Nacib apressava.
- Anda preguiça…
Chico parava ante as mesas, também ele era filho de Deus, queria ele também ouvir as novidades, saber das “meias pretas”.
- Finíssimas, meu caro, estrangeiras… - Ari santos acrescentava detalhes. – Mercadoria que não existe em Ilhéus…
- Certamente foi ele que mandou vir da Bahia. Da loja do pai.
- O quê! – O Coronel Manuel das Onças deixava cair o queixo de espanto. – Se vê cada uma nesse mundo…
- Tavam embolados quando Jesuíno entrou. Nem ouviram… - E isso que a criada, quando viu Jesuíno deu um grito…
- Nessa hora não se ouve nada… - disse o Capitão.
- Bem feito! O Coronel fez justiça…
Dr. Maurício parecia já sentir-se no júri:
- Fez o que faria qualquer um de nós, num caso desses. Obrou como homem de bem: não nasceu para cabrão, e só há uma forma de arrancar os chifres, a que ele utilizou.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
O povo de Israel acreditava que o deserto era uma terra amaldiçoada por Deus, por que as suas terras eram estéreis e onde só podiam viver animais selvagens e demónios. Também era um lugar perigoso, onde um homem podia ser posto à prova e sucumbir à tentação. Durante 40 anos o povo tinha peregrinado pelo deserto, superando teste após teste até chegar à Terra Prometida. Este é o quadro simbólico no qual é contada a história dos Evangelhos.
A cultura religiosa e o estilo literário da época em que foram escritos obrigavam a uma história em que tinha de haver um tentador que encarnava a tentação.
As provas a que Jesus foi submetido eram também simbólicas. Elas apareceram já no relato da peregrinação dos hebreus no deserto (Deuteronômio 8,3, 6,16, 6,13). O povo caiu na tentação da acumulação, da desconfiança e da arrogância. Jesus manteve-se fiel. Os autores dos evangelhos queriam expressar, neste contraste, que a história pessoal de Jesus resgatava a história colectiva de seu povo.
domingo, abril 08, 2012
(Na minha cidade de Santarém)
Com o regresso do frio e da chuva, (é precisa muito mais) voltou a nostalgia dos meus tempos de juventude e das férias no Inverno na aldeia dos meus avós. As noites de frio à lareira, debaixo da chaminé, sentado naquelas cadeirinhas pequenas, com palhinha no assento e comuns a todas as aldeias do interior do nosso país, voltaram à minha lembrança.
Não esqueço aquela sensação de intimidade e cumplicidade com o fogo das cavacas, o crepitar discreto da madeira ao arder soltando faíscas, as chamas acolhedoras para as quais estendíamos as mãos quando chegávamos com elas frias da rua, o controle da fogueira que se ia consumindo, o calor vivo e companheiro, nosso amigo, a exigir a nossa atenção… saudades.
Mesmo quando todos se iam deitar primeiro, o fogo da lareira não me deixava ficar sozinho, de resto, eu ficava por causa dele, tinha que aproveitar a sua companhia naqueles poucos dias de férias e ali ficava mais um bocado mexendo nas brasas, ajeitando-as. Lembro-me de o meu pai às vezes me repreender: - “Deixa estar o fogo quieto!”.
Milhares de anos depois de tudo ter começado à volta de uma fogueira, a minha geração despedia-se delas… ficaram como algo de exótico aqui e ali, manifestação de bom gosto e de riqueza… sobraram para os outros os frios e desenxabidos aquecedores eléctricos, metálicos, mudos e indiferentes.
Para trás das chamas a palpitar no fogo das lareiras no convívio da família, dos amigos, do grupo, ficava a história da humanidade que começou com a fuga ao pesadelo das noites frias e escuras, em cima de árvores, mais tarde em saliências rochosas e abrigos rudimentares.
Quantos planos e projectos foram combinados ao calor protector uma fogueira? Quantos olhares feitos de promessas se cruzaram muito antes mesmo das declarações de amor?
À volta de uma fogueira desenharam-se as portas da evolução da nossa espécie, nasceu o acreditar nas nossas capacidades. Sem o fogo domesticado, acolhedor, ali aos seus pés, as noites dos nossos antepassados teriam continuado a ser de pesadelo, à mercê das feras, sem futuro, condenados.
Por essas alturas éramos muito poucos, algumas centenas de milhar de indivíduos em todo o mundo, extraordinariamente dispersos e com uma duração média de vida que não ultrapassaria os 20 ou 25 anos.
À volta de uma fogueira a vida social estruturou-se, os laços familiares estreitaram-se e o que seria o dia de amanhã ganhou mais consistência.
Domesticar o fogo terá sido, com certeza, um objectivo perseguido com grande determinação, muitas frustrações, dissabores e acidentes diversos à mistura.
Qualquer um de nós que tenha um fogão de sala deveria ter um pensamento para esses nossos antepassados quando, nas noites de Inverno, acende a lareira, promovida a fogão de sala, à inglesa “fire place”, recorrendo, com toda a facilidade, às acendalhas que comprou no supermercado e, mesmo hoje, no conforto das nossas casas feitas apartamentos, é sentido como o crepitar das chamas da fogueira nos transmite bem-estar, tranquilidade, paz e intimidade.
Os restos mais antigos do que poderia ser uma lareira foram descobertos na gruta de Escale, em França, datados de há 750.000 anos, mas vestígios de lareiras realmente estruturados que sem qualquer espécie de dúvidas podem ser atribuídos ao homem, só a partir de há 500.000 anos na Europa ou ainda na Ásia e mais tarde nas regiões tropicais de África onde o frio causava menos problemas.
O homem que primeiro utilizou o fogo nós o denominamos de Herectus e essa utilização foi, certamente, muito anterior à descoberta da técnica para o produzir.
Primeiramente, seria simplesmente apanhado durante um acidente natural, o raio de uma trovoada ou um vulcão e depois transportado, mantido e vigiado e não admira nada que se tivessem registado confrontos violentos entre quem o tinha, para o defender, e de quem o procurava para roubar.
O domínio da técnica do fogo com consequências decisivas no processo evolutivo da nossa espécie é contemporâneo do aumento evidente do volume do cérebro que, por sua vez, acompanhou a evolução constante das técnicas utilizadas na confecção dos utensílios de pedra cada vez mais numerosos, eficazes e também mais elegantes, facto que pode traduzir um desejo novo de procura estética com uma nova cultura que se sobrepõe à simples técnica.
Aprender a fazer fogo resultou da observação ao perceberem que ele aumentava pelo aquecimento de galhos ou folhas secas o que lhes permitiu concluir que a chama poderia ser iniciada com temperaturas elevadas.
Desta forma, descobriram que o atrito entre dois paus de madeira aumentava a temperatura e produzia a chama que depois poderia ser activada com a ajuda de pequeninas palhas secas e um ligeiro sopro.
Mas eles observaram também que o choque entre duas pedras produzia faíscas e que se colocassem galhos ou folhas secas junto dessas faíscas conseguiam obter fogo. Esta técnica veio até aos nossos dias com os isqueiros de pederneira de que ainda me lembro muito bem nas mãos dos velhos fumadores na aldeia dos meus avós.
Os nossos antepassados tinham tendência para adorarem tudo de que dependiam as suas vidas (hoje não é diferente…) e o fogo, pela sua importância, era considerado sagrado e tributavam-lhe danças em sua homenagem.
Mais tarde, ao longo da história, os homens viriam a dançar por muitas outras coisas… mas a primeira dança, a que abriu caminho a todas as outras foi, sem dúvida, a do fogo, considerado símbolo divino da vida.
Foram muitas as alterações que o domínio do fogo, e principalmente a sua utilização na confecção dos alimentos, trouxe para a evolução da nossa espécie:
- Ao deixar de comer carne crua sofremos mudanças ao nível dos maxilares e dos dentes, da forma do rosto e do aparelho digestivo que, por sua vez, provocaram alterações no aparelho vocal e o homem que era Herectus passou a ser Sapiens Sapiens:
- As cavernas passaram a ser iluminadas e podiam aquecer-se nas noites frias tornando a vida mais fácil e agradável;
- O fogo facilitou a vida em grupo e melhorou as relações de convivência das primeiras comunidades;
- Como conviviam mais passaram da fase dos gestos à fase da comunicação através de sons articulados e de palavras desenvolvendo a própria linguagem;
- Os instrumentos utilizados na caça e na pesca foram aperfeiçoados, começaram a trabalhar a pontas das setas, endireitaram as armas de arremesso, fabricaram instrumentos para a guerra e começaram a caçar mais e animais mais variados;
-Defendeu-se melhor das feras que os cercava diminuindo a mortalidade precoce e aumentando, por conseguinte, os níveis populacionais;
- Melhor alimentado, o organismo tornou-se mais forte no combate às doenças e por isso viveu mais anos.
Não mais qualquer outra técnica foi tão decisiva para o destino da humanidade como aquela que nos permitiu produzir e controlar o fogo porque, sem ela, pelo menos, esta humanidade não existiria.
Como não haverei eu, menino de cidade que fui, ter saudades da lareira na casa dos meus avós durante as férias no Inverno?