Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, março 03, 2012
CRUZAMENTO DE DADOS…
Telefonista: Talvez não seja boa ideia...
- Cliente: O quê...?
- Telefonista: Consta na sua ficha médica que o senhor sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta. Além disso, o seu seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para a saúde.
- Cliente: Claro! Tem razão! O que é que sugere?
- Telefonista: Por que é que não experimenta a nossa Pizza Superlight, com Tofu e Rabanetes? O senhor vai adorar!
- Cliente: Como é que sabe que vou adorar?
- Telefonista: O senhor consultou a página 'Receitas Gulosas com Soja' da Biblioteca Municipal, no dia 15 de Janeiro, às 14:27 e permaneceu ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha sugestão...
- Cliente: Ok, está bem! Mande-me então duas Pizzas tamanho familiar!
- Telefonista: É a escolha certa para o senhor, a sua esposa e os vossos quatro filhos, pode ter a certeza.
- Cliente: Quanto é?
- Telefonista: São 49,99.
- Cliente: Quer o número do meu Cartão de Crédito?
- Telefonista: Lamento, mas o senhor vai ter que pagar em dinheiro. O limite do seu Cartão de Crédito foi ultrapassado.
- Cliente: Tudo bem. Posso ir ao Multibanco levantar dinheiro antes que chegue a Pizza.
- Telefonista: Duvido que consiga. A sua Conta de Depósito à Ordem está com o saldo negativo.
- Cliente: Meta-se na sua vida! Mande-me as Pizzas que eu arranjo o dinheiro. Quando é que entregam?
- Telefonista: Estamos um pouco atrasados. Serão entregues em 45 minutos. Se estiver com muita pressa pode vir buscá-las, se bem que transportar duas Pizzas na moto, não é lá muito aconselhável. Além de ser perigoso...
- Cliente: Mas que história é essa? Como é que sabe que eu vou de moto?
- Telefonista: Peço desculpa, mas reparei aqui que não pagou as últimas prestações do carro e ele foi penhorado. Mas a sua moto está paga e então, pensei que fosse utilizá-la.
- Cliente: Porr........!!!!!!!!!
- Telefonista: Gostaria de pedir-lhe para não ser mal educado... Não se esqueça de que já foi condenado em Julho de 2006 por desacato em público a um Agente da Autoridade
- Cliente: (Silêncio).
- Telefonista: Mais alguma coisa?
- Cliente: Não. É só isso... Não. Espere... Não se esqueça dos 2 litros de Coca-Cola que constam na promoção.
- Telefonista: O regulamento da nossa promoção, conforme citado no artigo 095423/12, proíbe a venda de bebidas com açúcar a pessoas diabéticas...
- Cliente: Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou atirar-me pela janela!!!!!
- Telefonista: E torcer um pé? O senhor mora no rés-do-chão...!
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Perguntara pelo porto, passara em casa do tio; não sabiam por acaso de uma cozinheira? Ouvira a tia lastimar-se. “Tinha uma mais ou menos, não que fosse grande coisa, largara o emprego sem quê nem porquê. Agora era ela, a tia, quem estava cozinhando enquanto não apareça outra. Porque Nacib não vinha almoçar com eles?”
Deram-lhe notícias de uma, formosa, vivendo no morro, vivendo no morro da Conquista. “De mão cheia” dissera-lhe o informante, o espanhol Filipe, hábil no conserto não só de sapatos e botas como de selas a arreios. Falador como só ele, temível adversário no jogo de damas, esse Felipe de língua suja e coração sem fel, representava em Ilhéus a extrema esquerda, declarando-se anarquista a cada passo, ameaçando limpar o mundo de capitalistas e de padres, sendo amigo e comensal de vários fazendeiros, entre os quais o padre Basílio.
Enquanto batia sola, cantava canções anarquistas, e quando jogavam damas, ele e Nhô-Galo, valia a pena ouvir as pragas que rogavam contra os padres. Interessava-se pelo drama culinário de Nacib.
Um tal de Mariazinha. Um portento.
Nacib tocou-se para a Conquista, a ladeira ainda escorregadia das chuvas, um grupo de negrinhas a rir quando ele caiu sujando o fundilho da calça.
De informação em informação, localizou a casa da cozinheira. No alto do morro. Uma casinha de madeira e zinco. Daquela vez ia com certa esperança. Seu Eduardo, dono de vacas leiteiras, confirmara-lhe os predicados de Mariazinha. Trabalhara uns tempos em sua casa, tinha um tempero de fazer gosto.
Seu único defeito era a bebida, cachaceira memorável. Quando bebia pintava o diabo: faltara com o respeito a dona Mariana, por isso Eduardo a despedira.
- Mas para casa de homem solteiro como você…
Bêbeda ou não, se ela era boa cozinheira, ele a contrataria. Pelo menos enquanto não encontrasse outra. Finalmente divisou a casinhota miserável e, sentada à porta, Mariazinha, os pés descalços, a pentear uns cabelos compridos, a matar piolhos. Era mulher de uns trinta, trinta e cinco anos, gasta pela bebida, mas ainda com uns restos de graça no rosto caboclo. Ficara a ouvi-lo com o pente na mão. Depois riu, como se a proposta a divertisse:
- Inhô, não. Agora só cozinho para meu homem e pra mim. Ele nem quer ouvir falar nisso.
A voz do homem vinha lá de dentro:
- Quem é, Mariazinha?
- Um doutor procurando cozinheira. Tá me oferendo… diz que paga bem…
- Diga a ele para ir para o diabo que o carregue. Aqui não tem cozinheira nenhuma.
- O senhor tá vendo? Ele é assim: nem quer ouvir falar em me empregar. Ciumento… Por dá cá essa palha faz um fusué medonho… É sargento da polícia – contava prazerosa, como a mostrar quanto valia.
- O que é que tu ainda está dando prosa a estranho, mulher? Manda o homem embora antes que eu me zangue…
- É melhor vosmicê ir capando o gato…
Voltava a pentear os cabelos procurando piolho entre os fios, as pernas estendidas ao sol. Nacib sacudiu os ombros:
- Não sabe de nenhuma?
Nem respondeu, apenas balançou a cabeça.
ENTREVISTA FICCIONADA
Padre – Concebida sem pecado…
Mulher - Padre, confesso…
Padre – Como penitência vai rezar 40 Pai-Nossos e 40 Avé Marias…
RAQUEL - Nossos microfones indiscretos estão localizado hoje na Igreja do Redentor, no coração de Jerusalém. Como em dias anteriores, Jesus está connosco. Vamos falar sobre o que estamos testemunhando, uma confissão.
JESUS - Diga-me, o que eles estão fazendo ali, Raquel?
RAQUEL - Essa menina está dizendo ao sacerdote todos os pecados que cometeu. E o sacerdote está perdoando.
JESUS - Eu estou a ver a menina, mas… onde está o padre?
RAQUEL – Como que escondido na gaiola de madeira.
JESUS - Mas diga-me, Raquel, quem ofendeu a menina? O sacerdote que está enjaulado?
RAQUEL – Não creio.
JESUS – Então, por que lhe está pedindo perdão a ele?
RAQUEL - Porque… que é a confissão.
JESUS - Que estranho ...
RAQUEL - Por que o senhor diz estranho?
JESUS - Porque se ofendeu outro, porque pede desculpas ao padre?
RAQUEL - Bem, de acordo com o catecismo, este é um dos sete sacramentos instituídos pelo senhor mesmo.
JESUS - Por que eu? ... Eu acho que ... Por que não consultas os teus amigos que sabem muito sobre estas coisas religiosas?
RAQUEL – Deve haver uma confusão sobre a confissão… Espere, dê-me um momento ... Eu vou tentar entrar em contato com Rafael Martinez Arias, da Comunidade Cristã de Madrid… Vamos ver se temos sorte com o telefonema… Martinez Árias, senhor? ... Eu estou falando de Jerusalém com uma pergunta muito concreta: como teve origem o sacramento da confissão?...Como diz?...Os monges irlandeses quinhentos anos depois de Jesus Cristo?
JESUS - Raquel, eu também quero ouvir... não podes pôr em alta voz?
RAQUEL - Sim, espera ... Eu aumento o volume…
RAFAEL – Esta forma privada de pedir desculpas foi inventada por alguns superiores religiosos dos conventos na Irlanda. Assim, eles poderiam conhecer os pensamentos mais íntimos de cada um dos seus monges. Da Irlanda, foi para outros países. Séculos mais tarde, um Papa, Inocêncio III, que de inocente não tinha nada, impôs como norma obrigatória a confissão a todos os cristãos.
RAQUEL - Por que falas mal desse Papa?
RAFAEL - Porque era um prepotente. Viveu no luxo, fazendo negócios sujos.
RAQUEL - E que interesse tinha esse Papa em impor a confissão?
RAFAEL – Vivíamos tempos de grande descontentamento contra as autoridades da igreja. Então, o Papa teve a ideia: A partir de agora todos os cristãos devem confessar seus pecados aos padres. E aos sacerdotes, disse-lhes: interroguem-nos para conhecerem as suas opiniões religiosas e políticas.
RAQUEL - E daí surge o sacramento da confissão?
RAFAEL – É como dizes. Foi este Papa do século XIII que instituiu a confissão. Foi uma medida não para perdoar pecados, mas para descobrir, descobrir hereges e dissidentes.
JESUS - Pergunta se as pessoas aceitaram esse jugo ...
RAQUEL – Aqui, Jesus, pergunta se as pessoas se submeteram ao controle imposto pelo Papa Inocêncio III?
RAFAEL – Não, começaram a protestar. Mas depois do III, veio Inocêncio IV e com esse sacana, digo, com esse Papa, começaram os tribunais sombrias da Inquisição.
RAQUEL - Obrigado, Rafael… O que acha o senhor Jesus Cristo, do que acabamos de ouvir?
JESUS - Um fardo pesado, insuportável, para os filhos de Deus.
RAQUEL – Em conclusão, o senhor não instituiu a confissão?
JESUS - Não.
RAQUEL - Não é responsável pelo sigilo do confessionário, confessionários, listas de pecados, penitência?
JESUS - Eu não sei nada sobre isso. Eu falei de perdão. E o que eu disse foi muito diferente.
RAQUEL - Diga-nos o que o senhor disse.
JESUS - Eu te digo-te, mas lá fora. Nunca gostei dos templos. Vamos sair ao ar livre ...
RAQUEL - E nós também, vamos sair por um momento, do ar. Raquel Perez, Emissoras Latinas, Jerusalém.
sexta-feira, março 02, 2012
Um rato, olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua esposa abrindo um pacote.
Pensou logo no tipo de comida que haveria ali.
Ao descobrir que era uma ratoeira ficou aterrorizado. Correu ao pátio da fazenda advertindo a todos:
- Há ratoeira na casa! há ratoeira na casa!!
A galinha:
- Desculpe-me, Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor, mas não me prejudica em nada, não me incomoda. O rato foi até ao porco e disse:
- Há ratoeira na casa, ratoeira !
- Desculpe-me Sr. Rato, mas não há nada que eu possa fazer, a não ser orar. Fique tranqüilo que o Sr. será lembrado nas minhas orações.
O rato dirigiu-se à vaca e disse-lhe:
- Há ratoeira na casa!
- O quê? Ratoeira? Por acaso estou em perigo? Acho que não!
Então o rato voltou para casa abatido, para encarar a ratoeira.
Naquela noite, ouviu-se um barulho, como o da ratoeira pegando sua vítima... A mulher do fazendeiro correu para ver o que havia pegado. No escuro, ela não percebeu que a ratoeira havia pegado a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a mulher...
O fazendeiro levou-a imediatamente ao hospital e ela voltou para casa com febre.
Todo mundo sabe que para alimentar alguém com febre, nada melhor que uma canja de galinha e o fazendeiro pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal.
Como a doença da mulher continuava, os amigos e vizinhos e parentes vieram visitá-la e para alimentá-los, o fazendeiro matou o porco.
A mulher não melhorou e acabou morrendo.
Veio muita gente veio para o funeral e o fazendeiro então sacrificou a vaca, para alimentar todo aquele povo.
Moral da História: - Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda ela corre risco. O problema de um é problema de todos!
Nós aprendemos a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas ainda não aprendemos a conviver solidariamente uns com os outros.
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Era homem de palavra, não ia deixar os amigos a ver navios, sem jantar para seus convidados. Como também não podia deixar o bar sem salgadinhos e doces. Se o fizesse, perdia a freguesia, o prejuízo seria maior. Mas aquilo não podia demorar mais de alguns dias, senão onde iria parar?
- Cozinheira boa é tão difícil de encontrar… - lastimou Florzinha.
- Quando aparece uma é disputada… - completou Quinquina.
Era verdade boa cozinheira em Ilhéus valia ouro, as famílias ricas mandavam buscar em Aracaju, em Feira de-Sant’Ana, em Estância.
Então, está certo, mando Chico Moleza com as compras.
Quanto antes, seu Nacib.
Levantava-se, estendia a mão às solteironas. Olhava mais uma vez a mesa cheia de revistas, o presépio por armar, as caixas de papelão atulhadas de figuras:
- Vou trazer as revistas. E muito obrigado por me tirar do aperto…
- Não há de quê. Fazemos pelo senhor. O que o senhor precisa é de se casar, seu Nacib. Se fosse casado, não lhe acontecia dessas…
- Com tanta moça solteira… E prendadas.
- Eu sei de uma óptima para o senhor, seu Nacib. Moça direita, não é dessas sirigaitas que só pensam em cinema e em dança… Distinta, sabe até tocar piano. Só que é pobre…
Era mania das velhas arrumar casamentos. Nacib riu:
- Quando resolver me casar venho directo aqui. Buscar noiva.
Da Desesperada Busca
Iniciara a desesperada busca pelo morro do Unhão. O corpanzil atirado para a frente, suando em bicas, o paletó sob o braço, Nacib percorrera Ilhéus de ponta a ponta naquela primeira manhã de sol após a longa estação das chuvas.
Reinava alegre animação nas ruas, onde fazendeiros, exportadores, comerciantes, trocavam exclamações e parabéns. Era dia de feira, as lojas estavam, os consultórios médicos e as farmácias a abarrotar.
Descendo e subindo ladeiras, cruzando ruas e praças, Nacib praguejava. Ao chegar em casa na véspera, cansado da jornada de trabalho e do leito de Risoleta, fizera seus cálculos para o dia seguinte: dormir até às dez horas, quando Chico Moleza e Bico Fino, feita a limpeza do bar, começavam a servir os primeiros fregueses. Dormir a sesta após o almoço. Jogar sua partida de gamão ou de damas, com Nhô-Galo e o Capitão, conversar com João Fulgêncio, saber as novidades locais e as notícias do mundo. Dar um pulo, após fechar o bar, ao cabaré, terminar a noite, quem sabe? Outra vez em Risoleta. Em vez disso, corria as ruas de Ilhéus, subia as ladeiras do morro.
No Unhão desfizera o trato com as duas cabrochas acertadas para ajuda Filomena no preparo do jantar da Empresa de Ónibus. Uma delas, rindo com a boca sem dentes, declarou saber o trivial. A outra nem isso…
Aracajé, abará, doces, moquecas e frigideiras de camarão, isso só mesmo Maria de São Jorge… Nacib perguntou aqui e ali, desceu pelo outro lado do morro. Cozinheira em Ilhéus, capaz de assegurar a cozinha de um bar, era coisa difícil, quase impossível.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
A história da mulher adúltera é uma prova dessa rebeldia. Nessa história, não vemos a reacção de um administrador de uma religião que, acreditando-se superior, trata, de forma indulgente e com benevolência, uma mulher pecadora.
É, em vez disso, a posição de uma pessoa leiga que viola uma lei religiosa, rejeitando aqueles que seguem essa lei de duvidosa moral e dupla hipocrisia.
Jesus era o filho de seu tempo mas adiantou-se às mudanças dos tempos. Ser filho de um tempo é nascer numa sociedade que tem um comportamento estabelecido que deixou de ser questionado, que anestesiou as pessoas perante situações, leis, costumes e preconceitos que são a expressão de uma determinada cultura mas que, como construções culturais, podem mudar.
Despertar da anestesia, entender que não é "natural" aquilo que a cultura forjou e que mudar de hábitos é sempre o resultado de um processo. Por que não imaginar esse processo em Jesus?
Por que não pensar que a sua consciência do dano que as leis religiosas acarretavam às mulheres do seu tempo iria evoluir? Por que não pensar que, como muitos homens de todos os tempos, Jesus compreendeu finalmente que ofender as mulheres é ofender a Deus e, a partir desse sentimento e convicção, reviu as suas atitudes anteriores, cedeu e se arrependeu?
quinta-feira, março 01, 2012
Um Poeta da minha cidade de Santarém, médico, democrata, músico,( recentemente falecido) e que recorda a guerra onde andámos em Angola nestes versos singelos e lindos
Poemas de Guerra
(José Niza )
CORRE CORRE SOLDADINHO
Corre corre soldadinho
Que a vida é corrida louca
Para onde vais soldadinho
Com esse cravo na boca?
Corro para o meu amor
Com este cravo na boca
Levo comigo saudades
E a minha vida que é pouca
Para onde vais soldadinho
Com essa corrida louca?
Vou ao encontro da morte
E levo um cravo na boca.
O Magalinha
Era uma vez um magalinha
Que tinha uma galinha
Veio uma guerra daninha
E levou o magalinha
Comeram a galinha
Morreu o povo
E só se salvou
Um ovo
A Construção do Silêncio
Já pensaste
Na imensidão dos gritos sofreados
Que são necessários para construir o silêncio?
Já alguma vez calculaste
Quantas mordaças apertadas
E quantas bocas esmagadas
São indispensáveis para construir o silêncio?
Acaso algum dia imaginaste
Os queixumes abafados dos humildes
Que são fundamentais para construir o silêncio?
E contudo
Quando nos beijávamos
Quando nos amávamos
Era nesse silêncio que habitávamos
(Max Gehringer)
Duas pulgas Directoras estavam conversando e então uma comentou com a outra:
- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos saltar. Daí a nossa chance de sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é zero.
É por isso que existem muito mais moscas do que pulgas.
Elas então decidiram contratar uma mosca para treinar todas as pulgas a voar e entraram num programa de treino de vôo e saíram voando.
Passado algum tempo, a primeira pulga falou para a outra:
- Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao corpo do cachorro e nosso tempo de reacção é bem menor do que a velocidade da coçada dele.
Temos de aprender a fazer como as abelhas, que sugam o néctar e levantam vôo rapidamente.
Elas então contrataram uma abelha para lhes ensinar a técnica do chega-suga-voa.
Funcionou, mas não resolveu.
A primeira pulga explicou por quê:
- Nossa bolsa para armazenar sangue é pequena, por isso temos de ficar muito tempo sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos alimentando direito.
Temos de aprender como os pernilongos fazem para se alimentar com aquela rapidez.
E então um pernilongo lhes prestou treino para incrementar o tamanho do abdómen. Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado maiores, a aproximação delas era facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar.
Foi aí que encontraram uma saltitante pulguinha, que lhes perguntou:
- Ué, vocês estão enormes! Fizeram plásticas?
- Não, entramos num longo programa de treino. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do século XXI. Voamos, picamos e podemos armazenar mais alimento.
- E por que é que estão com cara de famintas?
- Isso é temporário. Já estamos a treinar com um morcego, que vai nos ensinar a técnica do radar de modo a perceber, com antecedência, a vinda da pata do cachorro.
E você?
- Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia.
Mas as pulgonas não quiseram dar a pata a torcer, e perguntaram à pulguinha:
- Mas você não está preocupada com o futuro? Não pensou num programa de treino, numa reengenharia?
- Quem disse que não? Contratei uma lesma como consultora.
- Mas o que as lesmas têm a ver com pulgas, quiseram saber as pulgonas.
- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas. Mas, em vez de dizer para a lesma o que eu queria, deixei que ela avaliasse a situação e me sugerisse a melhor solução. E ela passou três dias ali, quietinha, só observando o cachorro e então ela me disse:
- "Não mude nada. Apenas pouse na nuca do cachorro. É o único lugar que a pata dele não alcança."
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 36
Falavam as duas ao mesmo tempo, era uma notícia a espalhar.
- Eu não esperava por uma dessas. E logo hoje: dia de feira, dia de muito movimento no bar. E ainda por cima eu tinha tomado a encomenda de um jantar para trinta pessoas.
- Jantar de trinta pessoas?
- Oferecido pelo russo Jacob e por Moacir da garagem. Para festejar a inauguração da Empresa de Ónibus.
- Ah! – fez Florzinha. – Já sei.
- Bem! - disse Quinquina – Ouvi falar. Diz que vem o Intendente de Itabuna.
- O daqui, o de Itabuna, o coronel Misael, o gerente do Banco do Brasil, seu Hugo Kaufmann, enfim, tudo gente de primeira.
_ O senhor acha que esse negócio de marinete vai dar certo? – quis saber Quinquina.
- Se vai… já está dando… daqui a pouco ninguém viaja mais de trem. Uma hora de diferença.
- E o perigo? - Perguntou Florzinha.
- Que perigo?
- Perigo de virar… Outro dia virou uma na Baía, li no jornal, morreram três pessoas…
- Eu é que não viajo nesses negócios. Automóvel não foi feito para mim. Posso morrer de automóvel se me pegar na rua. Mas de eu entrar dentro, isso não… - disse Quinquina.
- Ainda outro dia compadre Eusébio queria a pulso fazer a gente subir no carro dele para dar uma volta. Até a comadre Noca nos chamou de atrasadas… contou Florzinha.
Nacib riu:
- Ainda vou ver as senhoras comprar automóvel.
- Nós… mesmo que a gente tivesse dinheiro…
- Mas vamos ao nosso assunto.
Relutaram, fizeram-se rogar, terminaram aceitando. Não sem antes afirmar que só o faziam por se tratar de seu Nacib, moço distinto. Onde já se viu encomendar de véspera um jantar para trinta pessoas e todas importantes?
Sem falar nos dois dias perdidos para o presépio, não ia sobrar tempo de cortar uma figura sequer. Além de ter de arranjar quem as ajudasse…
- Eu havia apalavrado duas cabrochas para ajudar Filomena…
- Não. A gente prefere D. Jucundina e as filhas. Já estamos acostumadas com ela. E cozinha bem.
- Será que ela não aceitará cozinhar para mim?
- Quem? Jucundina? Nem pense nisso, seu Nacib: e a casa dela e os três filhos, já homens, o marido, quem ia cuidar?
Para nós, assim uma vez ela vem, por amizade…
Cobravam caro, um dinheirão. Pelo preço que lhe fizeram, o jantar não lhe ia render nada. Não fosse Nacib ter tomado o compromisso com Moacir e o russo…
INFORMAÇÕES COMPLEMENTRARES
Uma Preocupação Científica
A Religião patriarcal que promove a discriminação e a violência afecta o quotidiano das mulheres. Também sua psicologia e o desenvolvimento de seu cérebro. Rita Levi-Montalcini, neurologista e Prêmio Nobel de Medicina, que chegou aos 100 anos com uma lucidez mental extraordinária disse, numa de suas últimas entrevistas que, "no que respeita às funções cognitivas, não há diferença entre o cérebro dos homens e das mulheres. As diferenças ocorrem apenas no funcionamento do cérebro relacionado com as emoções, que estão ligadas ao sistema endócrino, mas como a religião marginaliza as mulheres face os homens, afasta-as do desenvolvimento cognitivo.
quarta-feira, fevereiro 29, 2012
Uma senhora bem idosa estava no convés de um navio de cruzeiro a segurar o seu chapéu firmemente com as duas mãos para não ser levado pelo vento. Um cavalheiro aproxima-se e diz:
- Já, sim, mas é que eu preciso de ambas as mãos para segurar o chapéu.
- Mas, senhora....a senhora deve saber que suas partes íntimas estão a ser expostas! - disse o cavalheiro.
A senhora olhou para baixo, depois para cima, e respondeu:
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Quanto ao rei negro, porém, cuja figura a humanidade arruinara, fora recentemente substituído pelo retrato do sultão de Marrocos, profusamente divulgado pelos jornais e revistas da época. (Que melhor rei, em verdade, para substituir o estropiado Melchior do que aquele tão necessitado de protecção, lutando de armas na mão pela independência de seu reino?)
Um rio, filete de água correndo sobre o leito de um cano de borracha cortado ao meio, descia das colinas para o vale, e até mesmo uma cachoeira concebera e realizara o engenhoso Joaquim. Caminhos cruzavam as colinas, dirigindo-se todos à estrebaria, arruados, levantavam-se aqui e ali. E nesses caminhos, diante de casas de janelas iluminadas, encontravam-se, em meio a animais, os homens e mulheres que, de alguma forma, se haviam destacado no Brasil e no mundo, cujos retratos mereceram a consagração das revistas.
Ali estava Santos Dumond ao lado de um dos seus primitivos aviões, com um chapéu desportivo e o seu ar um pouco triste. Próximo a ele, na vertente direita de uma colina, confabulavam Herodes e Pilatos. Mais adiante, heróis da guerra: o rei Jorge V, da Inglaterra, o Kayser, o Marechal Jofre, Lloyde George Poincaré, o Czar Nicolau.
Na vertente esquerda esplêndida Eleonora Duse, de diadema na cabeleira, os braços nus. Misturavam-se Rui Barbosa, J.J. Seabra, Lucien Guitry, Victor Hugo, D. Pedro II, Emílio de Meneses, o Barão do Rio Branco, Zola e Dreyfus, o poeta Castro Alves e o bandido António Silvino. Lado a lado com ingénuas estampas coloridas, cuja visão nas revistas arrancavam exclamações das irmãs encantadas:
- Que beleza para o presépio!
Nos últimos anos crescera grandemente o número de artistas de cinema, principal contribuição das alunas do Colégio das Freiras, e os William Farnum, Eddie Pólo, Lia de Putti, Rudolfo Valentino, Carlitos, Lilian Gish, Ramon Novarro, William S. Hart, ameaçavam seriamente dominar os caminhos das colinas. E lá estava, até mesmo, Vladimir Hitch Lenin, o temido chefe da revolução bolchevique.
Fora João Fulgêncio quem cortara o retrato numa revista, entregara a Florzinha:
- Homem importante… Não pode deixar de estar no presépio.
Apareciam também figuras locais: o antigo intendente Cazuzu Oliveira, cuja administração deixara fama, o falecido coronel Horácio Macedo, desbravador de terras. Um desenho – feito por Joaquim – a instâncias do doutor – representando a inesquecível Ofenísia, jagunços de barro, cenas de tocaia, homens com repetição ao ombro.
Numa mesa, ao lado das janelas, espalhavam-se revistas, tesouras, cola, cartolina. Nacib tinha pressa, queria acertar o jantar da Empresa de Ónibus, os tabuleiros dos doces e salgados. Sorveu o licor de jenipapo, elogiou os trabalhos do presépio:
- Esse ano, pelo visto vai ser formidável!
- Se Deus quiser.
- Muita coisa nova, não é?
- Chi… Nem damos conta.
Sentaram-se as duas irmãs num sofá, muito empertigadas, sorrindo para o árabe, à espera de que ele falasse.
- Pois é, avaliem só o que me aconteceu hoje: a velha Filomena foi embora, morar com o filho em Água Preta.
- Não me diga… Foi mesmo? Ela bem dizia…
JUCA CHAVES
"Eis que surge um artista notável retomando uma tradição esquecida e completamente fora dos padrões litero-musicais da sua época: Juca Chaves. O Brasil vivia nos anos cinqüenta o vigor da Bossa Nova, tínhamos um país livre em plena democracia, a modernidade e o processo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek era a tônica do momento. Porém, contrariando todas as regras, o jovem artista lança alguns discos 78 rotações com um repertório de sátiras e modinhas, que viria depois reunir (e acrescentar outras) num LP lançado em 1961, com o sugestivo título de "As Duas Faces de Juca Chaves". Para surpresa de muitos, as modinhas fizeram sucesso no país inteiro. As sátiras também. O chefe da nação passou para a história definitivamente como o "Presidente Bossa Nova", título de uma das canções do LP. E Juca Chaves"
JUCA CHAVES - TAKE ME BACK TO PIAUÍ
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
”A VIOLÊNCIA SOBRE AS MULHERES” (7)
Uma Crescente Tomada de Consciência
É uma realidade em toda a parte do mundo a consciência das mulheres e dos homens, sobre a injustiça indescritível da violência contra as mulheres por serem mulheres. Esta tomada de consciência representa um enorme avanço na consciência da Humanidade. O uruguaio Eduardo Galeano refere-se a este acentuar de consciência para reflectir sobre "o medo global" e dar conta do medo das mulheres à violência masculina e o medo dos homens às mulheres sem medo.
A Actual preocupação política
Nenhum processo de tomada de consciência é linear e em muitas partes do mundo, há uma influência ainda muito forte de argumentos religiosos sobre os governos quanto ao papel das mulheres, seus direitos e liberdade de género. Estes argumentos religiosos geram, a curto ou longo prazo violência de várias formas.
Nos países latino-americanos é muito evidente a influência das igrejas e dos seus critérios sobre os governos. Mas não só na América Latina. O Lobby Europeu das Mulheres, uma organização de ONGs de mulheres de 25 países da União Europeia e de 18 organizações europeias e internacionais, emitiu em 27 de Maio de 2006 um relatório sobre "A religião e os direitos das mulheres", fazendo-se eco desta preocupação.
O relatório diz: - “Notamos que o clima político mais conservador durante a última década na Europa e no mundo resultou numa crescente influência da religião - de todas as religiões - na Europa. Reconhecemos a ameaça que representam as religiões ao recusarem questionar as culturas patriarcais que sustentam o papel de mãe, esposa e dona de casa como o ideal e se recusam a adoptar acções afirmativas para as mulheres. Isto é particularmente verdadeiro em duas das principais religiões: a do Islão e do Cristianismo, particularmente na Igreja Católica Romana e também nas correntes protestantes mais fundamentalistas.”
Ver: www.mujereslobby.org
terça-feira, fevereiro 28, 2012
NUM JORNAL DE ANÚNCIOS :
“Tenho casas para alugar mas somente para cristãos.”
No dia seguinte apareceu um interessado.
O dono das casas, um tipo muito mal educado, perguntou:
- O que é que o senhor deseja?
- Estou querendo alugar uma casa.
- Sei, sei e qual é o seu nome?
- David.
- David, do quê?
- David Rosemberg.
- Não, não e não. Eu não alugo casa para judeu. O senhor não sabe ler? Não? Não viu o que está escrito no jornal? Só alugo casa para cristão!
- Tá certo, eu vi. Eu sou judeu mas também sou cristão…
- Que é isso, rapaz! Pensa que eu sou idiota? Não existe judeu cristão!
- Mas eu garanto para o senhor: eu sou judeu e sou cristão!
- Ah é? Então eu vou fazer um teste com você e vamos lá ver se é mesmo cristão!
- O que tem dentro de uma Igreja católica?
- A sacristia…
- E que mais?
- Tem o Santo Sudário…
- E que mais?
- Tem o altar…
- E que mais?
- Tem o confessionário.
Jesus é filho de quem?
- De José…
- E de quem mais?
- De Maria.
- E onde nasceu Jesus?
- Em Belém.
- Eu sei que foi em Belém. Estou querendo saber do local, da casa?
- Não era uma casa. Era um estábulo.
- E porquê um estábulo?
- Porque naquele tempo já existia um filho da puta como você que não alugava casas para judeus!
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Ano a ano foram as meninas Dos Reis aumentando o seu presépio. E à proporção que o tempo das danças foi passando, mais tempo lhe dedicavam, juntando-lhe novas figuras, ampliando o tablado sobre o qual era montado terminando por abranger três dos quatro lados da sala.
Entre Março e Novembro, todas as horas deixadas pelas visitas obrigatórias às Igrejas (às seis da manhã para a missa, às seis da tarde para a bênção), pela confecção dos saborosos doces vendidos pelo moleque Tuísca a uma freguesia certa, pelas visitas a amigos e vagos parentes, pelo comentário da vida alheia com a vizinhança, dedicavam-nas a recortar figuras de revistas e almanaques, cuidadosamente depois coladas em papelão.
Nos trabalhos de montagem no fim do ano, eram elas auxiliadas pelo Joaquim, empregado da papelaria Modelo, tocador de bombo da Euterp 13 de Maio, que se considerava assim um temperamento de artista. João Fulgêncio, o Capitão, Diógenes (dono do Cineteatro Ilhéus e protestante) alunas do Colégio das Freiras, o professor Josué, Nhô Galo, apesar de anti-clerical exaltado, eram fornecedores assíduos de revistas.
Quando em Dezembro o trabalho apertava, vizinhas e amigas, moças estudantes, após os exames, vinham ajudar as velhas. O grande presépio chegava a ser quase propriedade colectivo da comunidade, orgulho dos habitantes e o dia da sua inauguração era dia de festa, cheia a casa das irmãs Dos Reis, os curiosos aglomerados na rua, ante as janelas abertas para ver o presépio iluminado com lâmpadas multicolores, trabalho também de Joaquim, que nesse dia glorioso embebedava-se intrepidamente com os licores açucarados das solteironas.
Representava o presépio, como era de esperar-se, o nascimento de Cristo na cocheira pobre da distante Palestina.
Mas, ah! A árida terra oriental era hoje apenas o detalhe no centro do mundo variado onde se misturavam democraticamente cenas e figuras, as mais diversas, dos mais diferentes períodos da história, ampliando-se ano a ano.
Homens célebres, políticos, cientistas, militares, literatos e artistas, animais domésticos e ferozes, maceradas faces de santo ao lado da radiosa carnação de estrelas seminuas de cinema.
Sobre o tablado elevava-se uma sucessão de colinas, com um pequeno vale ao centro, onde ficava a estrebaria com o berço de Jesus, Maria sentada ao lado, São José, de pé, segurando pelo cabresto um tímido jumento. Essas figuras não eram as maiores nem as mais ricas do presépio. Ao contrário pareciam pequenas e pobres ao lado das outras, mas, como eram as do primeiro presépio por elas montado, Quinquina e Florzinha faziam questão de conservá-las.
Já o mesmo não acontecia com o grande e misterioso cometa anunciador do nascimento, suspenso por fios entre a estrebaria e um céu de pano azul perfurado de estrelas. Era a obra prima do Joaquim, alvo de elogios que o deixavam de olhos húmidos: uma enorme estrela de cauda vermelha, tudo em papel celofam, tão bem concebida e realizada que parecia dela nascer toda a luz a resplandecer no imenso presépio.
Na proximidade da estrebaria, vacas acordadas do seu pacífico sono pelo acontecimento, cavalos, gatos, cachorros, galos, patos e galinhas, animais variados, um leão e um tigre, uma girafa, adoravam o recém-nascido. E guiados pela luz da estrela de Joaquim, ali estavam os três reis magos, Gaspar, Melchior e Baltazar, trazendo ouro, incenso e mirra. Duas figuras bíblicas, as dos reis brancos recortadas há muito tempo de um almanaque.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
Razão também tem Mercedes Navarro Puerto, uma teóloga católica, religiosa feminista para pensar assim:
- "Por que perguntam: O que acontece com as mulheres que têm tantos conflitos com sua religião, em vez de perguntarem:
- O que acontece com as religiões que leva as mulheres a sentirem-se tão desconfortáveis com elas a ponto de muitas se estarem afastando de forma lenta mas continuada? "
segunda-feira, fevereiro 27, 2012
No Curso de Medicina, o professor dirige-se ao aluno e pergunta:
- Quantos rins nós temos?
- Quatro! - responde o aluno.
- Quatro? - replica o professor, um arrogante, daqueles que sentem prazer em gozar com os erros dos alunos.
- Tragam um fardo de palha, pois temos um burro na sala. - ordena o professor ao seu auxiliar.
- E para mim um cafezinho! - pediu o aluno.
O professor ficou furioso e expulsou-o da sala.
O aluno era Aparício Torelly Aporelly (1895-1971), o 'Barão de Itararé'.
Ao sair, o aluno ainda teve a audácia de corrigir o irritado mestre:
- O senhor me perguntou quantos rins 'NÓS TEMOS'. 'NÓS' temos quatro: dois
meus e dois seus. 'NÓS' é uma expressão usada para o plural.Tenha um bom apetite e delicie-se com o capim.
GABRIELA
Trabalhavam o ano inteiro, recortando e colando em cartolina figuras d revistas para aumentar o presépio, sua diversão e sua devoção.
- Madrugou hoje, seu Nacib…
- Coisas que acontecem pra gente.
- E as revistas que prometeu?
- Vou trazer, Dª Florzinha, vou trazer. Tou juntando. A nervosa Florzinha cobrava revistas a todos os conhecidos, a plácida Quinquina sorria. Pareciam duas caricaturas saídas de um livro antigo, com seus vestidos fora de moda, os xales na cabeça, saltitantes e vivas.
- O que lhe trás aqui a essa hora?
- Queria tratar um assunto.
- Pois entre…
O portão conduzia a uma varanda onde cresciam flores e plantas cuidadas com carinho. Uma empregada, mais velha ainda que as solteironas, curvada pelos anos, passava entre os canteiros a regá-los com um balde.
- Entre para a sala do presépio – convidou Quinquina.
- Anastácia, sirva um licor a seu Nacib! – ordenou Florzinha. - De que prefere? De jenipapo ou de abacaxi? Temos também de laranja e de maracujá…
Nacib sabia por experiência própria, ser necessário tomar o licor – àquela hora da manhã, Senhor! – elogiá-lo, perguntar pelos trabalhos do presépio, mostrar por eles interesse, se quisesse levar a bom termo suas negociações. O importante era garantir os salgados e doces do bar durante alguns dias e o jantar da Empresa de Ónibus para a noite seguinte. Até arranjar uma nova e boa cozinheira.
Era uma daquelas casas de antigamente, com duas salas de visita dando para a rua. Uma delas há muito deixara de funcionar como sala de visitas, era a sala do presépio.
Não que ficasse armado o ano inteiro. Só em Dezembro ele era montado e exposto ao público, durava até às proximidades do carnaval, quando Quinquina e Forzinha o desarmavam cuidadosamente e em seguida iniciavam a preparação do próximo presépio.
Não era o único em Ilhéus. Outros existiam, alguns belos e ricos, mas quando alguém falava do “presépio” era ao das irmãs Dos Reis que se referia, pois nenhum dos demais se lhe podia comparar. Fora crescendo aos poucos no decorrer de mais de cinquenta anos. Era Ilhéus ainda um lugarejo atrasado. Quinquina e Florzinha ainda mocinhas, irrequietas e festeiras, requestadas pelos rapazes (ainda hoje é um pequeno mistério terem ficado solteiras, talvez houvessem escolhido demais), quando armaram seu primeiro e pequeno presépio.
Naquele esquecido Ilhéus de outros tempos, antes do cacau, estabelecia-se entre as famílias verdadeira emulação para ver qual apresentaria mais belo, completo e rico presépio pelo Natal. O Natal europeu com Papai Noel em carro de renas, vestido para a neve e para o frio, trazendo presentes para as crianças, não existia em Ilhéus.
Era o Natal dos presépios, das visitas às casas de mesa posta, das ceias após a missa do galo, do início dos folguedos populares, dos reisados, dos ternos de pastorinhas, dos bumba-meu-boi, do vaqueiro e da caapora (estilo musical).
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Pelo contrário, nessa “Carta”, entre outras coisas, Ratzinger diz que a mulher é ela que, mesmo nas situações mais desesperadas mantém uma capacidade única de resistir à adversidade, para manter a vida possível, mesmo em situações extremas, para preservar tenazmente o futuro e, finalmente, para recordar com as lágrimas o preço do valor a dar à vida humana.
Esta menção reforça a qualidade socialmente atribuída às mulheres: suportar o sofrimento, à custa de sua própria vida, aguentar sem desesperar. Com estas idéias se conclui que as mulheres devem suportar em silêncio a violência contra elas.
Em vez de denunciar deve conter, em vez de libertar deve ser paciente. Ideias religiosas providenciais (tudo o que acontece é por vontade de Deus) e crenças religiosas que ensinam que o sacrifício e a abnegação são meritórios diante de Deus (Jesus nos salvou sofrendo) dão lugar a que a sociedade interiorize como valor o sofrimento submisso das mulheres porque é "a cruz que elas têm que carregar" e porque assim "ganham o céu."
domingo, fevereiro 26, 2012
HOJE É DOMINGO
Estávamos em meados da década de 40 quando entrei para a escola e os professores constituíam, nessa época, um dos pilares do Estado Novo para transmitirem às novas gerações os princípios da doutrina social do regime de Salazar.
Com cinco anos de idade eu não entendia nada disso mas o que eu posso dizer é que a minha Prof.ª, Srª. Dª. Ludovina, foi a pessoa de quem eu tive mais medo/ respeito em toda a minha vida e, por isso, quando hoje se discute a polémica da autoridade nas escolas não posso deixar de pensar na minha professora da escola primária que foi, para mim, a personificação da própria autoridade com tudo o que este conceito tem de negativo.
Já em fim de carreira por força da idade, a Srª. Dª. Ludovina parecia, aos meus olhos de criança, ter sido sempre velha, gorda, com os pulsos grossos como os dos homens mas cheios de pulseiras e com aquele carrapito pregado na nuca, mais se assemelhava a uma espécie de carrasco de crianças indefesas que nos aparecia nos sonhos maus enquanto dormimos.
Depois, tinha instrumentos de tortura:
- Um ponteiro que ela mantinha ao alto, do seu lado direito, espécie de guarda-pretoriana, com que vergastava a cabeça dos alunos quando os chamava ao quadro negro ou ao mapa e as coisas não corriam bem;
- Uma régua com cerca de 50cm de comprimento por 1 de espessura e que ela usava de duas maneiras: segurando na mão do aluno com a esquerda e batendo com a direita dobrando-lhe bem os dedos para baixo de forma a expor o mais possível a palma da mão ao impacto com a régua ou, numa versão mais dura, pondo as costas da mão do aluno em cima da secretária numa faixa em que ela não era lisa e batendo-lhe com a régua com toda a sua força, puxando o braço bem atrás e acima sendo que o resultado era sempre o mesmo; mãos inchadas, às vezes mesmo muito inchadas como trambolhos.
-O terceiro instrumento de tortura, este de carácter psicológico, consistia numa carapuça de papel com orelhas de burro que era colocada na cabeça do aluno exposto à janela com um livro aberto nas mãos para escárnio e troça de toda a rapaziada que passava na rua vinda do “bairro-chinês”, o primeiro e mais antigo bairro de lata da cidade de Lisboa, erradicado ao tempo em que João Soares foi Presidente da Câmara.
Este foi o cenário com que eu, aos 5 anos, me deparei quando cheguei à escola e por isso, regressado, um dia a casa, disse à minha mãe:
- Mamã, não vou mais à escola porque eu não sei nada!
Tentava eu, considerando-me à partida um caso perdido para o ensino, escapar à tortura que me esperava…mas sem resultado, já se vê.
Não interessa se fiz a 4ª Classe aos 9 anos com distinção porque durante todo o tempo em que andei na escola considerei-me a criança mais infeliz deste mundo e, por arrastamento, odiei o estudo, os livros e o ensino invejando sinceramente os miúdos da rua, de pé descalço, que não andavam na escola e não tinham que ter medo da Srª. D.ª Ludovina mesmo que à noite só tivessem um bocado de pão para comer e um colchão duro para dormir.
Confrontando a minha dolorosa experiência enquanto aluno da instrução primária com as cenas daquele vídeo que correu por aí mostrado até à exaustão, em que uma professora e aluna se digladiam na sala de aulas o que, ao que parece, está longe de ser caso único, tenho de concluir que ao tempo que levo de vida e do mundo este já não tem nada a ver com aquele onde nasci e não é por haver hoje coisas que então não existiam então, ao nível de máquinas e tecnologia, é porque as pessoas vivem e relacionam-se de maneira não só diferente como às vezes mesmo quase oposta. Em 1945 as crianças tremiam quando entravam na sal de aulas, hoje, quem treme são os professores.
A minha professora, a Srª. Dª. Ludovina, (o respeito e medo que ela me inspirou fará, mesmo 100 anos que eu viva, a tratá-la sempre assim… Srª Dª Ludovina!) provocou estragos em mim que perduraram pela vida fora porque não é impunemente que se é criança… e vítima de uma professora que sendo uma pessoa autoritária tinha ainda atrás de si a dar-lhe força um estado autoritário, uma cultura autoritária, famílias autoritárias. Tudo estava a favor dela: apoio e consentimento dos pais e do governo cujo regime político era de molde a inculcar nos cidadãos, quanto mais cedo melhor, estados de espírito de medo, obediência cega, disciplina indiscutível.
Nas escolas de Salazar os professores não existiam só para ensinar mas também para amedrontar porque aquilo que se preparava era uma nova sociedade de pessoas, ordeiras, bem comportadas, respeitadoras, tementes a Deus e a toda a espécie de autoridades terrenas que usassem farda ou desempenhassem cargos oficiais.
A transmissão de conhecimentos é um processo árduo e difícil, que exige entrega, vontade, sacrifício, concentração, trabalho e, naturalmente, o cenário propício para que ele possa ocorrer não é, com certeza, uma escola onde, ao entrar, como referia uma professora de matemática, a sala de aulas mais parece um manicómio … e como os tempos do ponteiro, da palmatória e das orelhas de burro já lá vão, professores e alunos têm que se entenderem e partirem para o equilíbrio nas suas relações.
A minha neta, depois de 3 anos no Jardim Escola, que adorou, iniciou este ano a Escola a sério com o mesmo estado de espírito. Só acha que a professora grita de mais e escusadamente, sem necessidade.
No Jardim Escola puseram-lhe a alcunha da “crescida”e agora na Escola chamam-lhe “a mãe” e eu acho que ela ainda acaba em assistente da professora…
Em 1945, com a Professora Srª Dª Ludovina, não seria possível à Filipa adorar a escola como ela adora. Sensível como é rejeitaria um ambiente de violência física que a traumatizaria. Despertar nos alunos o amor pelos livros e pela aprendizagem é a principal missão de um professor, exactamente o contrário do que fazia a minha Professora de Instrução Primária, Srº. Dª. Ludovina.