sábado, janeiro 05, 2013

Quem pode ficar indiferente...

André Rieu - Avé Maria
Um diamante Negro (da África do Sul) como lhe chama André Rieu

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Para quê palavras...






Se Deus tivesse falado

As palavras são de Baruch Espinoza -nascido em 1632 em Amsterdão, falecido em Haia em 21 de Fevereiro de 1677, foi um dos grandes racionalistas do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz.

Era de família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno. Acredite, essas palavras foram ditas em pleno Século XVII. Continuam verdadeiras e actuais até a data de hoje.

 Se Deus Tivesse Falado

- Pára de ficar rezando e batendo no peito!
 - O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.

- Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.

- Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
 - Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.

 - Pára de me culpar da tua vida miserável:

- Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que a tua sexualidade fosse algo mau.
- O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria.
- Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.

 - Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.

 - Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… - Então não me encontrarás em nenhum livro!
- Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?
- Pára de ter tanto medo de mim.
- Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.
- Eu sou puro amor.

 - Pára de me pedir perdão. Não há nada a perdoar.
- Se Eu te fiz... Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres,  de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre - arbítrio.
- Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?
- Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?
- Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?
- Que tipo de Deus pode fazer isso?

- Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; 
essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só 
geram culpa em ti. Respeita teu próximo e não lhe faças o que não queiras para ti.
- A única coisa que te peço é que prestes atenção à tua vida, 
que teu estado de alerta seja teu guia.

Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. Esta vida é a única que há aqui e agora, a única que precisas.
- Eu te fiz absolutamente livre.

- Não há prémios nem castigos.
- Não há pecados nem virtudes.

- Ninguém leva um placar.
- Ninguém leva um registo.

 - Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
- Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho:

 - Vive como se não o houvesse. Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.

- Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.


- E se houver, tem a certeza que Eu não vou te perguntar se foste bem comportado ou não.


- Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste...
-  Do que mais gostaste? O que aprendeste?

- Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar.
- Eu não quero que acredites em mim.

- Quero que me sintas em ti.

- Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas um banho no mar.

 - Pára de louvar-me!
-  Que tipo de Deus idólatra tu acreditas que Eu seja?
- Me aborrece que me louvem.
- Me cansa que agradeçam.

- Tu te sentes grato?



- Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
- Te sentes olhado, surpreendido?...

-  Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.

- Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te 
ensinaram sobre mim.
- A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas.

 - Para que precisas de mais milagres?
- Para quê tantas explicações?
- Não me procures fora!
-  Não me acharás.

- Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.


Nota:
Acima de tudo, esta é uma mensagem de amor, de um profundo humanismo, e constitui uma honra para nós que ela tenha sido escrita por alguém que fez parte de uma família portuguesa, provavelmente expulsa de Portugal por reis que governavam a pensar apenas no interesse das suas famílias, com profundo desprezo pelo povo e apoiados por um clero próximo da demência e da criminalidade com a sua Inquisição.
Faltou apenas que estas palavras não tivessem sido escarrapachadas nas portas de todas as casas de culto por esse mundo fora.
De quando em vez, alguém, verdadeiramente iluminado pela inteligência, a coragem e o amor, consegue chegar até nós para nos “limpar” das baboseiras que nos pregam.
Infelizmente, a tendência da natureza humana para a crença continua a ser explorada como grande negócio que é mas, se Espinosa nos pudesse visitar agora, veria que já fizemos grandes progressos.
A esta distância a sua voz não se perdeu no deserto e foram caindo cada vez mais fundas e pesadas nas nossas consciências. As máquinas da repressão estão hoje muito mais emperradas do que o eram no tempo em que ele viveu.
O advento da liberdade e dos direitos humanos das sociedades actuais, o avanço da tecnologia e da ciência com a velocidade e facilidade com que as ideias hoje circulam, têm permitido substituir a crença pela compreensão, a oração pelo pensamento. 

Fará bem às dores do peito?

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 182


A não ser quando havia navios em trânsito no porto, o movimento era pequeno, tanto que só serviam almoço. A gente da terra habitualmente fazia as refeições em casa. Apenas de quando em vez, tentados pelos pratos de Gabriela, vinham os homens sós ou com a família ali almoçar.

Para variar do trivial quotidiano. Fregueses permanentes contavam-se nos dedos: Mundinho, quase sempre com convidados, Josué, o viúvo Pessoa. Em compensação, o jogo à noite, na sala do restaurante, conhecia o maior dos sucessos.

Formavam-se cinco e seis rodas de pocker, o sete-e-meio, a bisca. Gabriela preparava de tarde salgados e doces, a bebida corria, Nacib recolhia o barato da casa. A propósito de jogo, Nacib quase tivera uma crise de consciência: devia ou não considerar Mundinho sócio nessa parte do negócio?

Certamente não, pois o exportador entrara com capital para o restaurante e não para a tavolagem. Talvez sim, reflectia a contragosto, levando-se em conta o aluguer da sala pago pela sociedade, proprietária também das mesas e cadeiras, dos pratos nos quais também serviam, nos copos em que bebiam.

Ali o lucro era grande, compensava a freguesia pouco numerosa e pouco assídua ao almoço. Gostaria Nacib de guardá-lo todo para si, mas temia represálias do exportador. Decidiu falar-lhe no assunto.

Mundinho tinha uma simpatia especial pelo árabe. Costumava afirmar, após as complicações matrimoniais de seu actual sócio, ser Nacib o homem mais civilizado de Ilhéus.

Aparentando grande concentração, escutou-o expondo o problema. Nacib desejava saber a opinião do exportador: considerava-se ele sócio ou não do jogo?

 - E qual é a sua opinião, mestre Nacib?

 - Veja o senhor, seu Mundinho… - Enrolava a ponta dos bigodes – Pensando como homem de direito acho que o senhor é sócio, deve ter metade dos lucros como tem no restaurante. Pensando como grapiúna podia dizer que não há papel assinado, que o senhor é homem rico, não precisa disso.

Que a gente nunca falou no jogo, que eu sou pobre, tou juntando um dinheirinho para comprar uma rocinha de cacau, essa renda extra me serve muito. Mas como diria o coronel Ramiro, compromisso é compromisso mesmo quando não está no papel. Trouxe as contas do jogo para o senhor examinar…

Ia colocar uns papéis em cima da mesa de Mundinho. O exportador afastou-lhe a mão, bateu-lhe no ombro.

 - Guarde as suas contas e o seu dinheiro, mestre Nacib. No jogo não sou sócio. Se quiser ficar absolutamente tranquilo com a sua consciência, pague-me um pequeno aluguer pela utilização da sala à noite. Quaisquer cem mil réis. Ou melhor: dê cem mil réis por mês para a construção do asilo de velhos.

Onde já se viu um deputado federal ter casa de jogo? A não ser que você duvide da minha eleição… Não há coisa mais certa no mundo. Obrigado, seu Nacib. Sou seu devedor.

Levantava-se para sair, Mundinho lhe perguntou:

 - Diga-me uma coisa… - E baixando a voz, tocando com o dedo no peito do árabe – Ainda dói?

Sorriu Nacib, a face resplandecente:

 - Não, senhor. Nem mais um pingo…

Baixou Mundinho a cabeça, murmurou:

 - Eu lhe invejo. Em mim ainda dói. 

sexta-feira, janeiro 04, 2013

CSARDAS de Monty - David Garrett

Luís Fernando Veríssimo

Será que ainda dão descontos no preço final dos artigos?

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Gaivotas à proa


"Resolvido" mais um conflito é hora de descansar...

Bonobos e Chimpanzés

Para quem não saiba, uns e outros, são animais diferentes. Nos estudos aprofundados a que têm sido sujeitos nos seus habitats naturais, estes primatas das florestas do Congo, nossos parentes mais próximos, revelam comportamentos diferentes.

Ao contrário dos chimpanzés, que exibem mais comportamentos agressivos, sobretudo quando se trata de grupos diferentes, os bonobos são conhecidos pelos seus comportamentos de tolerância intra e intergrupais.

As suas comunidades são lideradas por fêmeas (nas de chimpanzés são os machos) e há observações de cooperação entre fêmeas de comunidades diferentes, por exemplo para recolher alimento, algo que não acontece com os chimpanzés.

A prática sexual é usada nesta espécie na resolução de conflitos numa demonstração em concreto do slogan dos anos sessenta, dos hippies: «Não faças guerra, faz amor.»

A liderança das fêmeas nos bonobos é a responsável por esta mudança de estratégia no relacionamento dos seus membros, aparentemente, por elas se preocuparem mais com a preservação da paz e da própria vida no seio do grupo do que os chimpanzés machos que lideram os grupos com base no medo e na violência.

A proximidade evolucionária entre homens, chimpanzés e bonobos, faz-nos pensar se as sociedades humanas nos colocam mais próximos dos primeiros do que dos segundos.

Embora, se conheçam comportamentos de grande altruísmo a nível individual e colectivo, não é menos verdade que a agressividade, violência e desprezo pela vida do próximo, especialmente durante as guerras, parece fazer crer que estamos mais próximos dos violentos e agressivos chimpanzés do que dos tolerantes e sensuais bonobos.

Será assim por causa da liderança pertencer, nuns casos aos machos e noutros às fêmeas?

Entre nós, parece que durante o paleolítico, as nossas comunidades eram lideradas pelas mulheres. Elas tinham maior intervenção na criação e sobrevivência dos filhos e com a ajuda destes, traziam para a aldeia mais alimentos do que os homens. Isto mesmo está comprovado pela análise dos restos dos locais onde viviam.

A ideia de que o essencial na alimentação eram os animais caçados pelos homens e trazidos ás costas para a aldeia é um estereótipo que não corresponde à verdade. Frutos, raízes,  tubérculos, vegetais, ovos, pequenos animais, cerca de setenta por cento do que se comia, era da responsabilidade das mulheres. com a ajuda dos filhos.

 As primeiras estatuetas encontradas foram de mulheres, estatuetas de Vénus em representação da deusa Mãe de há 40.000 anos.

A passagem destas sociedades a patriarcais deu-se com a progressiva sedentarização, o advento da propriedade, das disputas territoriais, controle de excedentes, guerras de conquista, dos exércitos, dos impérios e da maior importância dos homens neste novo contexto.

Eles “apareceram” para fazer a guerra e por causa da guerra.

Esperemos que os bonobos se mantenham fiéis a si próprios e continuem, debaixo da batuta das fêmeas, a fazerem amor para resolverem entre si os conflitos.


Azulejos de Eduardo Nery no Campo Grande em Lisboa

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 181


Do passeio do bar Vesúvio, Nacib viu os rebocadores, como pequenos galos de briga, cortando as águas do mar, arrastando as dragas, no caminho do Sul.

Quanta coisa se passara em Ilhéus entre a chegada e a partida dos engenheiros e escafandristas, dos técnicos e marinheiros… O velho coronel Ramiro Bastos não veria os grandes navios entrarem no porto. Andava aparecendo nas sessões espíritas, virara missionário após desencarnar, dava conselhos ao povo da zona, pregava a bondade, o perdão, a paciência.

Assim pelo menos afirmava Dª. Arminda, competente em matéria tão discutida e misteriosa. Ilhéus mudara muito nesse tempo curto de meses e longo de acontecimentos. Cada dia uma novidade, uma nova agência de Banco, novos escritórios de representações de firmas do Sul e até do estrangeiro, lojas, residências.

Há poucos dias no Unhão, num velho sobrado, instalara-se a União de Artistas e Operários, com seu Liceu de Artes e Ofícios, onde estudavam rapazes pobres aprendendo a arte de carpinteiro, pedreiro, sapateiro, com escola primária para adultos, destinada aos carregadores do porto, ensacadores de cacau, operários da fábrica de chocolate.

O sapateiro Felipe falara na instalação, à qual compareceram as pessoas mais gradas de Ilhéus. Exclamara numa mistura de português e espanhol ser chegado o tempo dos trabalhadores, nas suas mãos estava o destino do mundo.

Tão absurda parecia a afirmação que todos os presentes a aplaudiram automaticamente, mesmo o Dr. Maurício Caíres, mesmo os coronéis do cacau, donos de imensas extensões de terras e da vida dos homens sobre a terra curvados.

Também a existência de Nacib fora movimentada e plena nesses meses: casara e descasara, conhecera a prosperidade e temera a ruína, teve o peito cheio de ânsia e alegria, depois vazio de vida, só o desespero e a dor.

Fora feliz de mais, infeliz de mais, agora novamente tudo tranquilo e doce. Retomara o bar o seu ritmo antigo, dos primeiros tempos de Gabriela: demoravam-se os fregueses na hora do aperitivo, tomando mais um cálice, alguns subiam para almoçar no restaurante.

Prosperava o Vesúvio, Gabriela descia ao meio-dia da cozinha no andar de cima e passava entre as mesas a sorrir, a rosa atrás da orelha. Diziam-lhe graçolas, laçavam-lhe olhares de cobiça, tocavam-lhe a mão, um mais ousado dava-lhe um tapa nas ancas, o Doutor lhe chamava de «minha menina».

Louvavam a sabedoria de Nacib, a maneira como soubera sair, com honra e proveito, do labirinto de complicações em que se envolvera. O árabe circulava entre as mesas, detendo-se a ouvir e a conversar, sentando-se com João Fulgêncio e o Capitão, com Nhô-Galo e Josué, com Ribeirinho e Amâncio Leal.

Era como se, por um milagre de São Jorge, houvessem recuado no tempo, como se nada de errado e triste tivesse acontecido.

A ilusão seria perfeita não fosse o restaurante e a ausência de Tonico Bastos definitivamente ancorado no Pinga de Ouro, com seu amargo e suas polainas de conquistador.

O restaurante revelava-se apenas razoável emprego de capital, dando lucro certo, porém modesto. Não o negócio excepcional imaginado por Nacib e Mundinho.

quinta-feira, janeiro 03, 2013

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Espreitando o sol de Inverno, dádiva da natureza quando o frio aperta e ele até  nos aquece a alma...


Móvel do Ikea

Crónica fabulosa de 
Ricardo de Araújo Pereira!


Não digo que os móveis do IKEA não sejam baratos. O que digo é que não são móveis. Na altura em que os compramos, são um puzzle. A questão, portanto, é saber se o IKEA vende móveis baratos ou puzzles caros. Os problemas dos clientes do IKEA começam no nome da loja.



 Diz-se «Iqueia» ou «I quê à»? E é «o» IKEA ou «a» IKEA»?

São ambiguidades que me deixam indisposto. Não saber a pronúncia correcta do nome da loja em que me encontro inquieta-me. E desconhecer o género a que pertence gera em mim uma insegurança que me inferioriza perante os funcionários. Receio que eles percebam, pelo meu comportamento, que julgo estar no «I quê à», quando, para eles, é evidente que estou na «Iqueia».



 As dificuldades, porém, não são apenas semânticas mas também conceptuais.
Toda a gente está convencida de que o IKEA vende móveis baratos, o que não é exactamente verdadeiro. O IKEA vende pilhas de tábuas e molhos de parafusos que, se tudo correr bem e Deus ajudar, depois de algum esforço hão-de transformar-se em móveis baratos. É uma espécie de Lego
 para adultos.

 Há dias, comprei no IKEA um móvel chamado Besta. Achei que combinava bem com a minha personalidade. Todo o material de que eu precisava e que tinha de levar até à caixa de pagamento pesava seiscentos quilos.

 Percebi melhor o nome do móvel. É preciso vir ao IKEA com uma besta de carga para carregar a tralha toda até à registadora.

 Este é um dos meus conselhos aos clientes do IKEA: não vá para lá sem duas ou três mulas. Eu alombei com a meia tonelada.

O que poupei nos móveis, gastei no ortopedista. Neste momento, tenho doze estantes e três hérnias. É claro que há aspectos positivos: as tábuas já vêm cortadas, o que é melhor do que nada. O IKEA não obriga os clientes a irem para a floresta cortar as árvores, embora por vezes se sinta que não faltará muito para que isso aconteça.

Num futuro próximo, é possível que, ao comprar um móvel, o cliente receba um machado, um serrote e um mapa de determinado bosque na Suécia onde o IKEA tem dois ou três carvalhos debaixo de olho que considera terem potencial para se transformarem numa mesa-de-cabeceira engraçada.

Por outro lado, há problemas de solução difícil. Os móveis que comprei chegaram a casa em duas vezes.

A equipa que trouxe a primeira parte já não estava lá para montar a segunda, e a equipa que trouxe a segunda recusou-se a mexer no trabalho que tinha sido iniciado pela primeira.


Resultado: o cliente pagou dois transportes e duas montagens e ficou com um móvel incompleto. Se fosse um cliente qualquer, eu não me importaria. Mas como sou eu, aborrece-me um bocadinho. Numa loja que vende tudo às peças (que, por acaso, até encaixam bem umas nas outras) acaba por ser irónico que o serviço de transporte não encaixe bem no serviço de montagem. Idiossincrasias do comércio moderno. Que fazer,então? Cada cliente terá o seu modo de reagir. O meu é este: para a próxima, pago com um cheque todo cortado aos bocadinhos e junto um rolo de fita gomada e um livro de instruções. Entrego metade dos confetti num dia e a outra metade no outro.

E os suecos que montem tudo, se quiserem receber.


E já agora sobre o IKEA:

- Uma senhora vai ao Ikea comprar um armário novo. Para que lhe saia mais barato, compra um em kit. Ao chegar a casa, monta-o e fica perfeito.

Nesse momento passa o comboio (ela mora junto à estação de comboios) e o armário desmonta-se todo.

Monta novamente o armário. E este volta a cair com o passar do comboio. À terceira tentativa falhada, telefona para a Ikea e exige a presença de um técnico.


O técnico chega, monta o armário e, quando passa o comboio, desmonta-se todo. O técnico monta novamente o armário, passa outro comboio e, armário novamente desmontado. Então, o técnico tem uma brilhante ideia:


- Escute, minha senhora, eu vou montar novamente o armário, meto-me lá dentro e espero que passe o comboio para ver porque é que o armário se estás desmontar. E assim fez.

 Nisto o marido entra no quarto e diz:

- Querida, que armário tão bonito! - E abre a porta. Ao ver o técnico da Ikea pergunta:

 - O que é que você faz aí?

 Este responde:

 - Estou quase tentado a dizer-lhe que vim comer a sua mulher. Porque, se lhe digo que estou à espera do comboio, o senhor não vai acreditar. 


O cacau pode já ser carregados directamente para o seu destino

GABRIELA
CRAVO
E
CANELA

Episódio Nº 180

Chão de Gabriela

Diversas vezes retardados, terminaram por fim, os trabalhos da barra. Um novo canal, profundo e sem desvios, fora estabelecido. Por ele podiam passar sem perigo de encalhe os navios Lloyd, do Ita, da Baiana e, sobretudo, podiam entrar no porto de Ilhéus os grandes cargueiros para receber directamente ali os sacos de cacau.

Como explicou o engenheiro-chefe, a demora na conclusão das obras deveu-se a inúmeras dificuldades e entraves. Não se referia aos barulhos cercando a chegada dos rebocadores e técnicos, àquela noite de tiros e garrafadas no cabaré, às ameaças de morte iniciais.

Aludia às inconstantes areias da barra: com as marés, os ventos, os temporais, moviam-se elas, mudavam o fundo das águas, cobriam e destruíam em poucas horas o trabalho de semanas. Era preciso começar e recomeçar, pacientemente, mudando vinte vezes o traçado do canal, buscando os pontos mais defendidos.

Chegaram os técnicos, em determinado momento, a duvidar do sucesso, tomados de desânimo, enquanto a gente mais pessimista da cidade repetia argumentos da campanha eleitoral: a barra de Ilhéus era um problema insolúvel, não tinha jeito.

Partiram rebocadores e dragas, os engenheiros e os técnicos. Uma das dragas ficou permanente no porto para atender com presteza às movimentadas areias, para manter o canal aberto à navegação de maior calado.

Uma grande festa de despedida, cachaçada monumental, iniciando-se no Restaurante do Comércio, terminando no Eldorado, celebrou o feito dos engenheiros, sua pertinácia, sua capacidade profissional.

O Doutor esteve à altura da sua fama no discurso de saudação, em que comparou o engenheiro – chefe a Napoleão mas «um Napoleão das batalhas da paz e do progresso, vencedor do mar aparentemente indomável, do rio traiçoeiro das areias inimigas da civilização, dos ventos tenebrosos», podendo contemplar com orgulho, do alto do farol da ilha de Pernambuco o porto de Ilhéus por ele «libertado da escravidão da barra, aberto a todas as bandeiras, a todos os navios, pela inteligência e dedicação dos nobres engenheiros e competentes técnicos».

Deixavam saudades e raparigas. No cais de despedidas, choravam mulheres dos morros, abraçando os marinheiros. Uma delas estava grávida. O homem prometia voltar. O engenheiro-chefe levava preciosa carga da boa «Cana de Ilhéus», além de um macaco jupará para recordar-lhe no Rio essa terra de dinheiro farto e fácil, de valentias e duro trabalho.

Partindo eles quando começavam as chuvas, pontuais naquele ano, caindo bem antes da festa de São Jorge. Nas roças floriam os cacaueiros, milhares de árvores jovens davam os seus primeiros frutos, anunciava-se ainda maior a nova safra, subiriam ainda mais os preços, aumentaria o dinheiro a correr nas cidades e povoados, não havia lavoura igual em todo o país.

quarta-feira, janeiro 02, 2013

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Bom Ano de 2013, "meu irmão"
Um Bom Ano de 2013

Começou hoje, a sério, o novo ano de 2013. Findos os discursos e arrumadas as festas até daqui a um ano porque, como é hábito, com razão ou sem ela, se a tradição manda festejar lá estamos todos, abraçados e aos beijos, findas as badaladas, a desejar um Bom Ano.

E tantas são as festas que ficamos sem saber se alegria é por nos vermos livres do ano velho ou por anteciparmos as coisas boas que o ano novo nos vai trazer.

Toda a gente parecia temer o 2013 mas a alegria com que se comemorou a sua entrada foi a mesma de todos os anos: uma alegria genuína, sincera, tal como os votos e os desejos quando as pessoas se beijam e abraçam. Pudéssemos todos, fixar em nós, os sentimentos desses instantes e a vida seria muito mais agradável e o mundo das relações um autêntico mar de rosas.

Em 31 de Dezembro de 1995 fui abraçado, na praia de Copacabana, estavam ainda no ar as badaladas da meia-noite, por um "irmão brasileiro" que, todo de branco, uma camisa impecável, me pôs na mão uma taça com champanhe e me abraçou como se fosse mesmo  irmão.

A surpresa daquele gesto, vindo de um desconhecido, nunca me fará esquecê-lo.

Para ti, "meu irmão", dezassete anos depois, um Bom Ano de 2013!


ENTREVISTA FICCIONADA COM JESUS
 Nº 94 SOBRE O TEMA: “LENDAS NEGRAS”

JESUS - Espere um momento, Raquel, que quero conversar com aquela senhora que vende umas sandálias de couro bom. As minhas já estão gastas de tanto ir e vir nestes dias.


RAQUEL - Deixe isso para outro momento, Jesus Cristo… Acabamos de receber um protesto violento de um canal católico... Vem de um programa intitulado Lendas Negras…

JESUS - Lendas negras?

RAQUEL- Sim, é um termo racista, mas…

JESUS - Tem algo a ver comigo por eu ser moreno?

RAQUEL- Não, não, é que… Melhor que eu explique depois.

JESUS - E o que dizem esses católicos?

RAQUEL -  Que tudo o que difundimos nos últimos programas, e nos primeiros também, é infundado, uma infâmia, uma calúnia dos inimigos da Igreja. Já estamos no ar?... Sim, alô?

SENHORA - Mas, como é possível que esse charlatão, que se faz passar por Jesus Cristo, continue falando na sua emissora?

RAQUEL - Bom, senhora…

SENHORA - E você, senhorita jornalista, quanto estão lhe pagando, hein? E aos que escrevem os programas?

RAQUEL-  O que acontece é que…

SENHORA - Uns ressentidos contra a Igreja. Já averiguamos quem são, os mesmos que escreveram a balela de Um Tal Jesus. Mas tenham certeza, não se sairão bem dessa!

RAQUEL - Nota-se que a senhora é muito “cristã”. Outra ligação… Sim, diga-me?

SACERDOTE -  É um sacerdote católico que lhe fala. Muitas das coisas que vocês disseram e denunciaram, eu já conhecia e concordo com vocês. Mas me parecem… inoportunas. O que vocês procuram trazendo tudo isto à tona? O que querem? Sujar a Igreja? Estão contribuindo com algo à fé do povo? Isso é uma crítica construtiva?

JESUS - Diga-lhe que há um tempo para plantar e outro para colher.

SACERDOTE -  Que a Igreja é pecadora? Já sabíamos. Mas também é santa. “Casta meretrix”. Que a Igreja cometeu erros?... Sim, claro, que instituição não os comete? Mas roupa suja se lava em casa.

JESUS - Diga-lhe que se são sujos, se lavam à vista de todos. O que se manteve na obscuridade tem que ser dito à luz do dia. Porque só a verdade nos faz livres.

SACERDOTE - Enfim, rezarei por vocês. Que Deus os perdoe. Também a esse Jesus Cristo.

JESUS - Assim seja.

RAQUEL - Temos outra ligação. Mas agora responda o senhor mesmo, porque já estou com as orelhas quentes…

AVÓ - Bom dia. Eu queria falar com Jesus Cristo.

JESUS - Pois está falando com ele.

AVÓ - O senhor é Jesus Cristo?

JESUS E a senhora deve ter já seus tantos anos, verdade?

AVÓ - 87 anos, filho. E me doem todos os ossos.

JESUS - A senhora fala como minha avó Ana, que descansa em paz.

AVÓ -  Eu não liguei para insultar, Jesus Cristo, mas para chorar.

JESUS -  E por que quer chorar, avó?

AVÓ - Eu tenho lhe ouvido, rapaz e… e creio que tem razão. O que diz é a pura verdade. Mas não me deu paz, me deu a espada. Meu coração está cortado.

JESUS - Como o de minha mãe, quando fui ao Jordão e comecei a proclamar o Reino de Deus.

AVÓ - Eu vivia tranquila com meu rosário e meus santos e minhas velas… E agora, lhe ouvindo, já não sei nem o que pensar…

JESUS - É que pensar dói.

AVÓ -  E minha fé, o que resta agora de minha fé depois de saber estas coisas?

JESUS - Resta-lhe o amor, vó. E a esperança. Deus não falhará contigo. Ele não me faltou. Na verdade lhe digo que quando a senhora descansar estará comigo no paraíso.

RAQUEL  - Temos que cortar a comunicação, Jesus Cristo. Adeus, avó. Estão nos procurando, Jesus Cristo. A polícia israelita diz que o senhor é um perigo para a segurança nacional.

JESUS - Pois sacudamos as sandálias, Raquel. Em Jerusalém matam os profetas. O digo por experiência. Melhor irmos para a minha terra, a Galiléia. Ali podemos continuar conversando no pouco tempo que me resta.

RAQUEL - Como? Já vai?

JESUS - Em breve, Raquel. Já está na hora.

RAQUEL -  Pois eu também vou embora, mas do ar. Cambio e desligo. Raquel Pérez, Emissoras Latinas, Jerusalém. 


GABRIELA

CRAVO

E

CANELA

Episódio Nº 179

 - E então? O único erro em toda esta história foi você ter casado com ela. Foi ruim para você, pior para ela. Você quer, eu falo com ela.
- Será que aceita?
- Garanto que aceita. Vou agora mesmo.
- Diga que é só por uns tempos…
- Porquê? É uma cozinheira, você a empregará enquanto ela lhe servir bem. Porquê uns tempos?
Volto já com a resposta.
Foi assim que nessa mesma noite, nadando em alegria, Gabriela limpou e ocupou o quartinho dos fundos. Antes agradecera a Sete Voltas em casa de Dora.
Da janela de Nacib abanara o lenço quando, depois das seis da tarde, o Canavieiras atravessou a barra e rumou para a Baía.
No outro dia, na hora de almoço, os convidados, mais de cinquenta, encontraram de novo os pratos de todo sabor, a comida sem igual, o tempero entre o sublime e o divino.
Sucesso grande o almoço de inauguração. Com o aperitivo foram servidos aqueles salgados e doces de outrora.
Na mesa, os pratos sucederam-se num desfile de maravilhas. Nacib, sentado entre Mundinho e o Juiz de Direito, ouviu comovido, os discursos do Capitão e do Doutor.
“Benemérito filho de Ilhéus” dissera o Capitão, devotado ao progresso da sua terra. «Digno cidadão Nacib Saad, dotando Ilhéus de um restaurante à altura das grandes capitais» louvara o Doutor. Josué respondeu em nome de Nacib, agradecendo e elogiando, ele também, o árabe. Era uma consagração, culminando com as palavras de Mundinho, desejoso, como disse, de “dar a mão à palmatória”.
Fizera vir cozinheiro do Rio, Nacib fora contra. Tinha razão. Não havia no mundo comida capaz de comparar-se com essa da Baía.
E então todos quiseram ver o artista daquele almoço, as mãos de fada criadoras de tais gostosuras. João Fulgêncio levantou-se, foi buscá-la na cozinha. Ela apareceu sorrindo, calçada em chinelas, um avental branco sobre o vestido de fustão azul, uma rosa rubra atrás da orelha.
O Juiz gritou: «Gabriela!» Nacib anunciou em voz alta:
- Contratei outra vez de cozinheira…
Josué bateu palmas, Nhô Galo também, todos aplaudiram, alguns levantaram-se para cumprimentá-la. Ela sorriu, os olhos baixos, uma fita amarrada nos cabelos.
Mundinho Falcão murmurou para Aristóteles a seu lado:
- Esse turco é um mestre do bom viver…

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