Acompanhada de Leonora e de Ricardo, de batina, Tieta, dias depois, paga a
visita. Modesto e dona Aída a recebem e tratam nas palmas das mãos; licor de
jenipapo, bolo de milho, doce de banana em rodinhas, confeitos e bolachas de
goma.
Dona Aída esconda essas tentações, estou engordando a olhos vistos, vou
virar uma baleia. Que nada, a senhora está óptima.
Leonora regala-se com o doce de banana em rodinhas, Tieta promete:
- Depois lhe digo como se chama este doce aqui…
Risos na sala. Modesto Pires comporta-se como homem do mundo, liberal:
- Se quiser dizer não se acanhe,
dona Antonieta. Aída e o padrezinho tapam os ouvidos.
- Maluquice minha, sou uma
estouvada. Me desculpe, dona Aída. O que quero pedir ao senhor, seu Modesto, é
um conselho.
Homem rico, importante plantador de mandioca em Rocinha, criador de cabras e
ovelhas, proprietário do curtume, de terras a perder de vista, na beira do rio,
nas imediações de Mangue Seco, de várias casas de aluguel, entre as quais
aquela onde Elisa reside, ninguém melhor do que Modesto Pires para aconselhar
sobre casas e terrenos.
- Quanto a terreno em
Mangue Seco, se desejar, eu mesmo lhe posso servir. Boa parte
do coqueiral daquela área me pertence. Temos lá uma casa de veraneio, para
receber os netos, só que não vêm.
Dona Aída não esconde a mágoa: apenas a filha mais velha, casada na Baía com um
engenheiro da Petrobrás, aparece nas férias e traz os dois meninos.
O filho, médico, no interior de São Paulo, sócio de uma casa de saúde, casado
com paulista, promete muito, nunca se decide. Tão pouco a filha mais nova; vive
em Curitiba, o marido é paranaense, empresário, construtor de imóveis.
Para ver filhos e netos dona Aída tem de viajar, tomar o avião em Salvador,
morre de medo. Antonieta simpatiza com a queixosa:
- A vida no sul é muito absorvente, ninguém tem tempo para nada. É por isso que
quero comprar casa aqui e terreno na
praia.
Ali mesmo acertam os detalhes sobre o lote em Mangue Seco, vizinho
ao do Comandante Dário, adquirido
também a Modesto Pires. Depende dela ver e gostar, naturalmente.
- Vai adorar, o lugar é lindo e está a salvo da chuva de areia. De lá para as
dunas, um pulo, uma caminhadinha a pé, Boa para manter a forma.
- É bonito, sim – confirma dona Aída. – Tomara que a senhora venha sempre,
assim aumenta a nossa colónia de veraneio. Daqui
a uns dias estaremos lá. Logo que Marta e Pedro cheguem – refere-se à filha e
ao genro engenheiro.
- Nós iremos com o Comandante, neste fim-de-semana. Estou contando as horas.
Faz para mais de vinte e seis anos que não vejo a praia de mangue Seco.
Modesto Pires informa:
- Quanto à casa na cidade, sei que dona Zulmira quer vender a dela, até já
mandou me oferecer. Não me interessei, comprar casa de aluguer em Agreste é
comprar consumição.
Os alugueis são baixos, as casas sempre precisando de
conserto, o pagamento atrasa. Tenho algumas, vivo me amofinando com elas. Mas
essa casa de dona Zulmira vale a pena. Construção boa, terreno plantado. Ela
quer se desfazer para dar dinheiro à Igreja.
Tem medo que o sobrinho, se ela
morrer, faça como os parentes do finado Lito que botaram causa na justiça,
contestando o testamento pelo qual ele deixou tudo para o padre dizer missa.
Não sei a conselho de quem, dona Zulmira resolveu vender a casa e dar logo o
dinheiro à Senhora de Sant’Ana. A velhinha só ocupa um pedaço da residência: um
quarto, a cozinha e o banheiro, o resto trancado, se estragando.
- Onde ela vai morar?
- Tem uma casinha pequena desalugada. Vai morar lá.
- E quanto ela está pedindo, o senhor sabe?
- Já lhe digo – Modesto Pires vai em busca da pasta, retira um papel.
- Está aqui a quantia, escrita pela
mão dela.
- Barato, não é?
- Para a senhora, talvez. Para Agreste razoável. Não digo que seja caro mas
casa aqui não tem valor. Passe na
rua e veja quantas ao abandono, em ruínas. Como diz minha filha Teresa, a que mora
em Curitiba, Agreste é um cemitério.
- Um cemitério? Se Agreste, com este clima, esta fartura de frutas e peixes,
essa água santa é um cemitério, o que se há-de dizer de São Paulo?
- São Paulo, dona Antonieta é uma grandeza, com aquele parque industrial,
aquele movimento, aqueles edifícios uma potência. Que ideia a sua comparar
Agreste com São Paulo.
Não estou comparando seu Modesto. Para quem quer ganhar dinheiro, São Paulo é a
cidade ideal. Mas para viver, para descansar, gozar de um pouco de sossego,
quando a gente cansou de trabalhar e de ganhar dinheiro…
- E tem quem se canse de ganhar dinheiro? Me diga, Dona Antonieta? Não sei de
ninguém.
- Tem sim, seu Modesto – Tieta pensa em Madame Georgette,
passando o negócio adiante, embarcando para França no auge dos lucros.
- Pois eu não acredito, me perdoe – Muda de assunto, - soube que a senhora
mandou telegramas para São Paulo pedindo que Hidrelétrica nos forneça luz.
- Telegrafei para dois amigos do meu finado marido que me consideram. Pode ser
que dê resultado.
- Deus permita. Estão falando que um dos dois foi o doutor Ademar, será
verdade?
- É sim, dou-me muito bem com ele, lhe arranjei uns votos na última eleição.
Filipe não votava nele, coisa de paulista metido a nobre. Mas se davam bem e
comigo ele sempre foi muito atencioso.
- Para mim – sentenciou o dono do curtume – é um grande homem. Rouba mas faz.
Se todos fizessem como ele, seríamos rivais do EUA. Não pensa assim dona
Antonieta?
Nessas trincas de polícia, sou ignorante, seu Modesto. Lhe digo apenas que
grande coisa é ter amigos. Felizmente, eu tenho.
- Se a senhora conseguir a luz da Hidrelétrica, o povo lhe vai entronizar no
altar-mor da Matriz, junto com a Senhora de Sant’Ana.
Ideia tão estapafúrdia, Antonieta riu às gargalhadas.