Cidade da Beira e o Arq. Francisco de Castro
A Cidade da Beira em Moçambique e
O Arquitecto Francisco de Castro
Completam-se trinta e dois anos no próximo mês de Setembro desde que saí da Beira rumo a Portugal e ao Quadro Geral de Adidos.
Três anos, apenas três anos, durante os quais trabalhei na Beira como funcionário público e um manancial de recordações foram despertas pela Reportagem da Anabela Saint-Maurice que acompanhada pelo Arq. Francisco de Castro visitaram, em jeito de romagem, a cidade da Beira em Moçambique e que passou na RTP 1, em horário nobre, na noite da passada 2ªfeira.
Atravessada pelo rio Chiveve, pequeno curso de água que só era grande por altura das marés-altas, a Beira possuía um clima de intimidade social que a tornaram cúmplice de muitas vidas.
Dizia-se até, a esse propósito, que quem bebesse a água do Chiveve ficaria para sempre preso à cidade incapaz de se furtar aos seus sortilégios.
Sortilégio e exotismo emprestado pela uma população que era um “caldinho” de raças entre brancos, negros, indianos, chineses e, claro, os inevitáveis mestiços, marca da colonização portuguesa, que fazia daquela pequena comunidade de pessoas um mostruário multirracial em pacífica e harmoniosa convivência.
A minha experiência de vida na cidade da Beira foi muito diferente da do arquitecto Francisco de Castro responsável pela construção da fase final do Grande Hotel, do átrio com a sua espectacular abóbada da lendária Estação dos Caminhos de Ferro e de outros prédios notáveis da cidade e que, aos 84 anos, acompanhou a jornalista Anabela numa visita à cidade que ele próprio ajudou a construir e à qual já não voltava também há mais de 30 anos.
E fê-lo, para surpresa minha, com um estado de alma revelador do carácter de um homem que soube compreender a experiência da vida por que passou, intensa e feliz, por certo, e mesmo quando, numa última “provocação”, a jornalista lhe perguntou o que é que ele tinha achado da visita respondeu, com um ligeiro sorriso à mistura, que “nunca me enganei nas ruas”!...
Talvez a colonização levada à prática pelos países europeus em África tenha sido uma inevitabilidade histórica e por isso vamos apenas culpar a história por tudo quanto aconteceu mas esta Reportagem, e perdoem-me os moçambicanos, deixou rastos de nostalgia em todos nós que vivemos e trabalhámos na cidade da Beira.
A vida dos portugueses que viviam e trabalhavam na Beira, poderia ser Nampula ou Maputo mas é da Beira que estamos a falar, estava montada sobre um equívoco, um terrível equívoco, que era tanto mais forte quanto mais prolongada e intensa tinha sido ali a vivência das pessoas: aquela terra não era a deles, nunca tinha sido e eles foram vítimas desse erro, desse engano, pelos autores da política colonialista.
A vida da maioria dos portugueses em África era inebriante: por um lado, as vantagens de serem brancos numa sociedade em que eles dominavam, por outro, a relação com a natureza, a paisagem, o espaço, o pôr-do-sol, o ritmo, a cor, o cheiro, a convivência, era tudo tão atraente e convidativo que o equívoco se tornou doença… loucura… África era sedução, ópio, encantamento e o fim só poderia ter sido aquele que foi…dor, angústia, desespero, à boa maneira de um drama Shakespeariano.
Por tudo isto foi muito reconfortante ouvir e ver o Arquitecto Francisco de Castro, os seus cabelos brancos, olhar atento, discurso inteligente, ele que deixou obra feita na Beira, uma tornada inútil e já quase desfeita como o Grande Hotel, hoje uma espécie de pardieiro onde vivem centenas de famílias com vidas mais ou menos obscuras ocupando cada uma delas um quarto como se fosse uma casa, a outra, a Estação dos Caminhos de Ferro da Beira que continua linda como sempre foi e bem conservada a provocar alegria nos olhos do seu Arquitecto.
Pergunto a mim próprio se gostaria também de lá voltar, pergunto e não sei responder.
Foram três anos ou uma vida e se foi uma vida que vida foi?
Qualquer tentativa de voltar ao passado é sempre um processo traumático que nada acrescenta para além do choque resultante do confronto do que é hoje e com o que foi ontem.
Aparentemente, o Arquitecto Francisco de Castro terá passado bem por esse teste mas pareceu-me que dentro dele, ao longo daquele regresso ao passado, escondeu, com muita subtileza, emoções e sentimentos que vão deixar marcas para o resto da sua vida que eu desejo, sinceramente, que seja ainda muito longa.
O Arquitecto Francisco de Castro
Completam-se trinta e dois anos no próximo mês de Setembro desde que saí da Beira rumo a Portugal e ao Quadro Geral de Adidos.
Três anos, apenas três anos, durante os quais trabalhei na Beira como funcionário público e um manancial de recordações foram despertas pela Reportagem da Anabela Saint-Maurice que acompanhada pelo Arq. Francisco de Castro visitaram, em jeito de romagem, a cidade da Beira em Moçambique e que passou na RTP 1, em horário nobre, na noite da passada 2ªfeira.
Atravessada pelo rio Chiveve, pequeno curso de água que só era grande por altura das marés-altas, a Beira possuía um clima de intimidade social que a tornaram cúmplice de muitas vidas.
Dizia-se até, a esse propósito, que quem bebesse a água do Chiveve ficaria para sempre preso à cidade incapaz de se furtar aos seus sortilégios.
Sortilégio e exotismo emprestado pela uma população que era um “caldinho” de raças entre brancos, negros, indianos, chineses e, claro, os inevitáveis mestiços, marca da colonização portuguesa, que fazia daquela pequena comunidade de pessoas um mostruário multirracial em pacífica e harmoniosa convivência.
A minha experiência de vida na cidade da Beira foi muito diferente da do arquitecto Francisco de Castro responsável pela construção da fase final do Grande Hotel, do átrio com a sua espectacular abóbada da lendária Estação dos Caminhos de Ferro e de outros prédios notáveis da cidade e que, aos 84 anos, acompanhou a jornalista Anabela numa visita à cidade que ele próprio ajudou a construir e à qual já não voltava também há mais de 30 anos.
E fê-lo, para surpresa minha, com um estado de alma revelador do carácter de um homem que soube compreender a experiência da vida por que passou, intensa e feliz, por certo, e mesmo quando, numa última “provocação”, a jornalista lhe perguntou o que é que ele tinha achado da visita respondeu, com um ligeiro sorriso à mistura, que “nunca me enganei nas ruas”!...
Talvez a colonização levada à prática pelos países europeus em África tenha sido uma inevitabilidade histórica e por isso vamos apenas culpar a história por tudo quanto aconteceu mas esta Reportagem, e perdoem-me os moçambicanos, deixou rastos de nostalgia em todos nós que vivemos e trabalhámos na cidade da Beira.
A vida dos portugueses que viviam e trabalhavam na Beira, poderia ser Nampula ou Maputo mas é da Beira que estamos a falar, estava montada sobre um equívoco, um terrível equívoco, que era tanto mais forte quanto mais prolongada e intensa tinha sido ali a vivência das pessoas: aquela terra não era a deles, nunca tinha sido e eles foram vítimas desse erro, desse engano, pelos autores da política colonialista.
A vida da maioria dos portugueses em África era inebriante: por um lado, as vantagens de serem brancos numa sociedade em que eles dominavam, por outro, a relação com a natureza, a paisagem, o espaço, o pôr-do-sol, o ritmo, a cor, o cheiro, a convivência, era tudo tão atraente e convidativo que o equívoco se tornou doença… loucura… África era sedução, ópio, encantamento e o fim só poderia ter sido aquele que foi…dor, angústia, desespero, à boa maneira de um drama Shakespeariano.
Por tudo isto foi muito reconfortante ouvir e ver o Arquitecto Francisco de Castro, os seus cabelos brancos, olhar atento, discurso inteligente, ele que deixou obra feita na Beira, uma tornada inútil e já quase desfeita como o Grande Hotel, hoje uma espécie de pardieiro onde vivem centenas de famílias com vidas mais ou menos obscuras ocupando cada uma delas um quarto como se fosse uma casa, a outra, a Estação dos Caminhos de Ferro da Beira que continua linda como sempre foi e bem conservada a provocar alegria nos olhos do seu Arquitecto.
Pergunto a mim próprio se gostaria também de lá voltar, pergunto e não sei responder.
Foram três anos ou uma vida e se foi uma vida que vida foi?
Qualquer tentativa de voltar ao passado é sempre um processo traumático que nada acrescenta para além do choque resultante do confronto do que é hoje e com o que foi ontem.
Aparentemente, o Arquitecto Francisco de Castro terá passado bem por esse teste mas pareceu-me que dentro dele, ao longo daquele regresso ao passado, escondeu, com muita subtileza, emoções e sentimentos que vão deixar marcas para o resto da sua vida que eu desejo, sinceramente, que seja ainda muito longa.