Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, abril 02, 2016
Estes sons, vozes e ritmos trazem à minha memória Moçambique, África, povos hospitaleiros amantes da música e da dança.
(Jorge Amado)
Episódio Nº 116
DO SUICíDIO DO PREFEITO MAURITÔNIO
DANTAS E DOS CONSELHOS DO CORONEL ARTUR DE TAPITANGA
Impossível negar-se ligação imediata entre a presença em Agreste dos
pioneiros comandados por Elizabeth Valadares, a última verdadeira garota de
Ipanema, e o suicídio do cirurgião-dentista Mauritônio Dantas, prefeito de
Agreste, a horas tardias daquela mesma noite encontrado morto, a língua de
fora, nu e feio. Usara o pijama para enforcar-se no banheiro.
Quando os desbravadores atingiram o bar e desfalcaram os estoques de coca-cola, guaraná e cerveja do honrado português, o dramático prefeito fora visto na janela de sua casa, brechando as exibidas coxas marcianas e cariocas, rosnando nomes, bastante agitado.
Mirinha, irmã e enfermeira, não conseguiu
levá-lo para o quarto onde, durante dia e noite, entregava-se, ansioso e
eficiente ao exercício da masturbação. Naquela tarde, comprovando ter chegado
finalmente a safra de mulheres solicitada, de há muito ao bom Deus, excitara-se
à janela, à vista daquele mar de coxas, prova da magnanimidade divina.
Na opinião geral, doutor Mauritônio Dantas começara a ficar tantã quando a esposa, Amélia, na intimidade Mel, juntou os trapos e foi encontrar-se com Aristeu Regis em Esplanada, dali tomando o casal rumo ignorado.
Na opinião geral, doutor Mauritônio Dantas começara a ficar tantã quando a esposa, Amélia, na intimidade Mel, juntou os trapos e foi encontrar-se com Aristeu Regis em Esplanada, dali tomando o casal rumo ignorado.
Aristeu
Regis visitara Agreste na qualidade de enviado da Secretaria da Agricultura
para estudar problemas ligados ao cultivo da mandioca.
Amélia não aguentava
mais viver ali, nem mesmo ostentando o título de Primeira Dama do Município,
título e merda sendo a mesma coisa, segundo ela.
Aristeu ofereceu-lhe o braço e
o desconforto, ela não vacilou. Algumas senhoras, amigas de Mel, confidentes de
seus desgostos, afirmam ter o delírio do prefeito começado muito antes pois
sujeitava a esposa a desregramentos e abusos insuportáveis, sendo esse o motivo
real da fuga.
Fosse assim ou assado, o processo de esclerose acentuou-se
visivelmente após a partida da infiel. No dizer de Aminthas, nosso prezado
Governador Civil administrara os chifres com perfeita honorabilidade e
descrição enquanto Amélia derramou o mel de sua graça ali no município.
Quando
preferiu fazê-lo longe das vistas e das atenções do cônjuge, o digníssimo chefe
da municipalidade não resistira a tanta ingratidão: jamais se opusera as
folganças da esposa, por que o abandonara?
A demonstração oficial da demência deu-se poucos dias após a deserção de Mel. O prefeito decidiu, no sábado, atender os solicitantes vindos das roças e povoados com reclamações e pedidos, em estado de completa nudez, e para tal fim, despiu-se, retirando inclusive os sapatos. Manteve-se de meias, no entanto, para não pisar descalço o frio soalho da sala.
A demonstração oficial da demência deu-se poucos dias após a deserção de Mel. O prefeito decidiu, no sábado, atender os solicitantes vindos das roças e povoados com reclamações e pedidos, em estado de completa nudez, e para tal fim, despiu-se, retirando inclusive os sapatos. Manteve-se de meias, no entanto, para não pisar descalço o frio soalho da sala.
Qualquer cochilo de
Mirinha e o dentista vinha para a rua ou praça, de cuecas ou sem, a
masturbar-se em público para júbilo dos moleques. Durou meses essa penosa
situação comentada aos cochichos.
Quando, da janela, doutor Mauritônio Dantas constatou o movimento de retirada das celestes mini-saias, não se conformou, Deus as enviara para consolo de seu sofrido servo, como ousavam partir?
Quando, da janela, doutor Mauritônio Dantas constatou o movimento de retirada das celestes mini-saias, não se conformou, Deus as enviara para consolo de seu sofrido servo, como ousavam partir?
Interrompendo a solitária e
deleitosa prática, saiu para fora, aos gritos tentando apoderar-se de pelo
menos meia dúzia, necessitando delas para esquentar-lhe o leito gélido com a
ausência de Mel, suavizar as perfurantes molas do gasto colchão em que rolava
insone. Molas e chifres, segundo o implacável Aminthas.
estraga amizades...
Dois amigos cruzam-se num passeio e diz um:
- Ainda bem que te encontro! És capaz de me emprestar cem euros?
Responde o outro:
- Isso de emprestar dinheiro, muitas vezes, estraga amizades e a nossa vale muito mais do que isso!
O outro:
- Tens razão, vale muito mais! Empresta-me então trezentos euros…
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 230
Dez metros à frente, Gonçalo perguntou ao
príncipe o que iria acontecer às três mouras, acrescentando:
-
Para o Mosteiro não podem ir e são mal empregadas em Tui!
Então, Afonso Henriques deu-lhe autorização
para as ir buscar, enquanto comentava com o amigo:
-
Odeio mosteiros de monjas, nunca os irei ajudar!
Foi já em Guimarães que o meu melhor amigo
desgostoso, decidiu partir para Coimbra o mais depressa possível. Meu tio Ermígio
e meu pai ficariam no Minho. Elvira manter-se-ia com sua mãe e suas irmãs em
Lanhoso, e ele decidiu que apenas Gonçalo, Peres Cativo e eu o iríamos
acompanhar.
Quero ir à festa dos Templários –
declarou.
A Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo ia
fazer um novo juramento, numa cerimónia a decorrer na Sé de Coimbra, e nós queríamos
estar presentes.
Quando Gonçalo lhe perguntou se podíamos
levar as mouras para Sul e o príncipe autorizo0u, as três ficaram exultantes
por regressarem à cidade que o Mondego banhava, apesar de terem pena de ses
separarem de chamoa, de quem eram muito amigas.
Sobretudo Zaida que gostava genuinamente
da rapariga galega, e para quem fora incompreensível aquela decisão súbita de
se enfiar no mosteiro.
E ainda mais inaceitável para mim, para
Zaida e para todas nós fora a omissão de Chamoa, quase uma mentira.
Ela dissera que o marido emudecera depois
dos golpes do príncipe, o que era verdade, mas omitira que Paio Soares, na véspera
da batalha de São Mamede, lhe falara sobre a relíqui a.
Porém, ofendida e magoada com o príncipe,
não só Chamoa se fechou, como não lhe referiu essa derradeira conversa com o
marido, e mais uma vez o segredo da relíqui a
permaneceu inalcançável.
Coimbra, Julho de 1129
Nove dias mais tarde, num Domingo deveras
quente, decorreu durante a manhã uma festa religiosa em frente à Sé de Coimbra.
Muitos foram os populares que vieram
assistir à investidura de vinte e cinco novos monges guerreiros daquela nobre
Ordem Religiosa, que se instalara anos ante em Soure, e cujo nome agora mudava
para Ordem do Templo de Salomão.
Um dos que acorrera à cidade foi o
almocreve Mem que mais de um ano depois se iria reencontrar com as suas amigas
muito amadas, Zulmira e Zaida.
Enquanto elas tinham permanecido em Tui
com Chamoa, ele vivera saudoso, viajando sem encontrar substitutas à altura, e
só se encheu de júbilo quando as soube de volta.
Infelizmente, verificou que tal como Dona
Teresa no passado também Afonso Henriques as mantinha debaixo de olho,
guardadas por Gonçalo de Sousa.
Mem apenas conversara com as mouras uma
vez, na véspera da festa, tendo confirmado que Zulmira e Zaida estavam felizes
por vê-o e que Fátima ainda alimentava a forte fantasia de ser resgatada por
Abu Zakaria.
Tal qui mera
parecia cada vez mais possível. Embora Mem não tivesse reencontrado o Cordovês,
por receio que Abu o considerasse responsável pelo fiasco das cavernas, soubera
que ele inflamara a cidade de Santarém ao ponto de provocar a queda do antigo
governador.
A população local adorava aqueles
destemido guerreiro que queria salvar a sua amada, prisioneira dos cristãos, e
organizara uma revolta para libertar Abu da prisão.
sexta-feira, abril 01, 2016
Nas ditaduras os pratos estão desequilibrados |
O Ridículo
de uma
de uma
sentença?
Um Tribunal angolano condenou a penas de prisão de entre dois a oito anos, dezassete angolanos, um deles com dupla nacionalidade, angolana e portuguesa, por «actos preparatórios de rebelião e associação de mal-feitores».
Local do crime: uma papelaria.
Arma do crime: um livro.
Actividade criminosa: debate sobre o livro de seu título
«Ferramentas para Destituir o Ditador e evitar nova Ditadura» baseado no
clássico de Gene Sharp «Da Ditadura à Democracia».
Nada foi encontrado de perigoso ou ameaçador, armas ou planos para
derrubar o governo por meios violentos.
O Tribunal que decretou esta sentença partiu do princípio que
aquelas pessoas que promoveram entre si o debate sobre aquele assunto não eram
favoráveis ao governo de José Eduardo dos Santos e isso constitui um crime
punível com prisão.
Não esqueçamos que os juízes daquele Tribunal fazem parte de um
regime político ditatorial e sentiram-se na obrigação de defender o tipo de
Estado em que, acima de qualquer lei, está a defesa do ditador.
Nós, em Portugal, temos muitas pessoas da minha idade, que sabem
perfeitamente como foi vivida essa situação, em que acima de qualquer lei
estava a segurança e estabilidade do ditador Salazar.
Tínhamos até mesmo uma Polícia só dedicada a perseguir e prender
os cidadãos que, por exemplo, se reunissem numa livraria para debater um livro
com um título daquele teor.
Aquela sentença só prova o que toda a gente sabia: José Eduardo
dos Santos é um ditador de “falinhas mansas”, como todos os ditadores, à frente
de uma ditadura “justificável” porque venceu uma guerra civil.
Simplesmente, a guerra terminou há já doze anos, a sociedade está
completamente pacificada e o inimigo de José Eduardo dos Santos chama-se, agora, Democracia que ameaça suceder à sua ditadura.
O seu principal objectivo é perpetuar-se no poder, ele e o seu séquito: familiares, amigos, alguns generais vencedores da guerra civil. E o Tribunal interpretou correctamente esse principal desígnio da ditadura
vigente que, como em qualquer outra ditadura, pretende, em primeiro lugar,
perpetuar-se.
Os réus, agora condenados, estavam a discutir entre si a evolução
da sociedade angolana na sua transição para uma democracia e isso não podia
deixar de ser considerado um crime.
A sentença do Tribunal só pode ser considerada ridícula à luz da
Democracia mas faz todo o sentido no contexto de uma Ditadura.
Discuti-la, discordar dela, é afrontar José Eduardo dos Santos, um
dos mais antigos ditadores africanos.
Tudo o resto que se diga é “conversa fiada” para o Ministério dos
Negócios Estrangeiros ouvir...
Imagem
Conheci em Moçambique um fotógrafo que fazia isto para tirar uma fotografia em grande plano de um elefante. Pisava os terrenos do animal e ele ensaiava um carga da qual desistia no último momento dando tempo ao click da máquina.. Não levava arma, limitava-se a levantar os braços em termos de provocação. A investida do elefante, abanando as orelhas e berrando é um discurso corporal que quer dizer: vai-te embora e não me chateis. O guia assumiu a responsabilidade de que tudo ia correr como o previsto mas estes machos solitários têm crises de muito mau humor. Alguns, em toda uma vida, nunca copulam com uma fêmea. Elas é que escolhem...
(Jorge Amado)
EPISÓDIO
Nº 115
- Elizabeth Valadares, Bety para os amigos, Bebé para os
íntimos. Carioca de gema, garota de Ipanema. Morou na rima?
Sorri com inúmeros dentes, alvíssimos, bem tratados, boca de anúncio de
pasta dentífrica:
- Trago um recado para você, amor. – Amor é Ascânio Trindade para
desaponto de Osnar. – Do Magnífico Doutor.
- De quem? – Ascânio, num pé e noutro. – Repita, por favor.
- Do doutor Mirko Stefano, darling, não sabe? Tratam ele de Magnífico
Doutor e é mesmo. Você vai se dar conta sozinho, amor. É aquele pão doce que
veio comigo da outra vez, se lembra? Mandou dizer a você que não pôde vir hoje,
teve de ir a São Paulo para uma entrevista importante, mas dentro de poucos
dias aparecerá para conversar com você e acertar tudo.
- Tudo?
- Tudo, sim, honey. Tudinho.
- Mas tudo o quê?
- Ah!, isso não sei, quem sabe é o Magnífico, é assunto dele e seu, não
me meto. Discrição é o meu lema. Agora, adeusinho, sonhe comigo, petit amour.
Adeus para você também, lindo. –
Lindo é Osnar, ele se regala: se pego essa boa
no escuro, vai sair faísca, Bebé vai saber o valor do pau de um sertanejo.
- Vamos, patota! – comanda a mítica secretária.
- Não tem mais nada para se ver aqui ?
– pergunta o nervoso Rufo, abanando a cabeleira de Mona Lisa.
- Nada.
- Que saco!
Decorador enfadado mas atento, o esteta Rufo passa em frente a Osnar
sem o notar sequer. Mede, porem, o garoto Peto e o aprova mordendo o lábio,
lânguido.
Osnar acompanha-lhe o olhar e gesto: xibungo sem vergonha, bicha
louca, não respeita nem mesmo uma criança. Criança?
O corneta cresceu,
espichou, certamente de tanto bater bronha, está chegando a hora de Osnar
cumprir a promessa feita e levá-lo à pensão de Zuleika.
- Com quantos anos você está, sargento Peto?
- Vou fazer treze no dia 8 do mês que vem.
- Oito de Janeiro! Muito que bem.
Treze anos, a idade exata, Osnar vai combinar a festa com Zuleika e
Aminthas, com Seixas e Fidélio. Na surdina, escondido de Astério, senão ele
conta a dona Elisa e dona Perpétua acaba por tomar conhecimento, o mundo vira
abaixo. Osnar sorri consigo mesmo, vai ser uma pândega, um rebucetê.
Ao cair da noite, chegando de Mangue Seco na canoa a motor, comandante
Mário disse ter sido vista uma escuna ancorada na barra, dela haviam baixado
duas lanchas, uma das quais a que subira o rio, escalando em Agreste; a outra
desembarcara indivíduos e instrumentos na praia. Andaram fazendo perguntas aos
pescadores, internaram-se, depois, no coqueiral. Ao Comandante todo esse
movimento parece suspeito.
Ascânio Trindade, agora inteiramente certo de que se trata do estabelecimento
de uma empresa turística na região, promete ao Comandante notícias concretas
nos próximos dias.
O manda-chuva enviou a secretária executiva com recado, virá
em breve para conversar, na certa para anunciar os projectos e obter apoio da
Prefeitura.
Apoio que não faltará, Comandante. Com o turismo reerguendo Agreste,
Ascânio, timoneiro a comandar o progresso do município, poderá ter esperanças
de transformar o sonho em realidade.
Depois de tantos anos, pela primeira vez Ascânio Trindade sente-se
mordido pela ambição, pelo desejo de ser alguém.
Alguém com possibilidades de
lutar por Leonora Cantarelli, bela e rica. Antes completamente inacessível, uma
qui mera.
Agora conqui sta a ser realizada, meta a ser cumprida por um
batalhador com os pés na terra, ideal de quem provou, em transe difícil, em
duro desafio, coragem e competência capazes de superar os obstáculos e ir em
frente, aspiração de um jovem temerário e lúcido a vencer as provações.
A mais
difícil, a que o virara do avesso, a essa Ascânio já vencera, falta-lhe
tão-somente melhorar de vida, ser alguém, para poder aspirar à mão de Leonora,
pedi-la em casamento.
Um professor pergunta aos seus alunos:
- A morte do meu avô.
-Muito bem - ,responde o professor. ”E como morreu o teu avô”?
Responde a pequena:
- Adormeceu.
Então, o professor pergunta:
- E como seria então, na vossa opinião, uma morte atroz”?
E a mesma pequena responde:
- Seria morrer como os amigos do meu avô..
Intrigado, o professor pergunta então à menina:
- E como morreram?
Responde a menina:
- Iam no carro do meu avô quando ele adormeceu....
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 229
- Foi uma batalha!
Abanando a cabeça, Chamoa
indignou-se:
- Paio Soares teve-vos na ponta da sua espada
e poupo-vos. E vós feriste-o! Por vossa causa morreu o pai dos meus filhos!
Fora em consequência dos
ferimentos que o antigo mordomo-mor de Dona Teresa morrera, embora ele tivesse
passado quase um ano moribundo. Talvez tivesse sido mal tratado ou mal curado.
O príncipe defendeu-se
assim, mas Chamoa nada mais disse. Então colocou-lhe uma questão diferente:
- Paio Soares falou-vos de uma relíqui a que pertenceu a meu pai?
Agora que vencera a guerra
contra sua mãe, o príncipe dava pela primeira vez importância àquele assunto,
que no passado quase ignorara.
- Vosso marido queria falar comigo durante a
batalha, mas...
Afonso Henriques calou-se,
sentindo a trágica ironia daquela situação. Não ouvira o mordomo quando era
possível, ferira-o gravemente , e agora que ele morrera queria saber o que lhe qui sera dizer.
Desolada, Chamoa limitou-se
a abanar a cabeça:
- Meu marido nunca mais falou. Atingido na
boca e na garganta, Paio soares ficara desfigurado e impossibilitado de falar.
O príncipe culpou-se:
emudecera o único homem que lhe poderia revelar o segredo do conde Henrique!
Pesarosa, Chamoa
acrescentou:
- O que sei é que meu marido tinha grande
admiração por vosso pai.
O príncipe questionou-a.
- Então, porque me hostilizou? Porque não se
passou para o nosso lado, conforme lhe pedi em Lamego?
Chamoa alegou que várias
vezes tentara convencer o marido, mas este sempre recusara mudar de partido. Aceitara
ser mordomo-mor porque a amava e queria casar com ela e dela ter filhos, não
porque admirasse dona Teresa.
Orgulhosa, a rapariga
declarou:
- Foi por minha causa que morreu, para não me
perder para vós. E por isso lhe prometi não casar convosco e entrar no
mosteiro, e vós não o podeis impedir. Aqui
é Deus que manda e essa é a sua vontade!
O príncipe irritou-se e
exclamou.
- Não faleis em nome de Deus, de quem não
conheceis as vontades! Se entrais nesse mosteiro, é porque o desejais!
Aquele grito não era o de um
homem desesperado, que temesse perder a sua amada, mas sim o de um príncipe
ameaçador, e por isso Chamoa desiludiu-se.
Se ele a amasse, pensou,
ajoelhava-se e implorava por ela. Mas dava-lhe ordens como se ela fosse já
esposa dele.
Incomodada, afastou-se de Afonso
Henriques em silêncio.
Beijou novamente os três filhos e os pais, o tio e o primo,
abraçou as três mouras.
Zaida tinha as lágrimas nos
olhos, quando Chamoa se dirigiu para a porta do mosteiro, onde duas monjas a
aguardavam.
Ao Vê-la dar aquele passo,
Afonso Henriques ainda lhe gritou em desespero:
- Chamoa, não entreis nessa porta!
A rapariga não olhou sequer
para trás, e quando desapareceu no interior do mosteiro Afonso Henriques
desatou a atirar pedras à parede, colérico.
Só passado algum tempo, se
aproximou da pequena comitiva. Olhando para Fernão Peres, rosnou:
- Regressai à Galiza ou ainda vos mato!
O amante de sua mãe apenas
respondeu:
- Vim despedir-me da minha
sobrinha, nada mais.
Irritado, Afonso Henriques deu
meia volta e subiu para o cavalo, enquanto nas suas costas Fátima comentava:
- Continua sem saber lutar contra mulheres.
quinta-feira, março 31, 2016
É uma história ternurenta de um menino abandonado aos 3 anos e que fugiu do internato aos 5 porque lhe batiam, vivendo na rua a partir dessa idade.A natureza vingou-se....
Dispensa legenda.... |
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO
Nº 114
DA SEGUNDA APARIÇÃO DOS SUOERES-HERÓIS,
DESTA VEZ VINDOS DO MAR, CAPÍTULO RECHEADO DE PERSPECTIVAS E PROJECTOS,
ENVOLVENDO DIVERSOS CIDADÂOS: DO MAGNÍFICO DOUTOR A OSNAR, DE PETO A ASCÂNIO
TRINDADE
Quando os seres luminosos anunciados na profecia do beato Possidónio
surgiram novamente em Agreste, vindos do Oceano Atlântico em potente lancha a
motor, moderníssima, aumentados em número e em sexo pois aconteceram machos,
fêmeas e andrógenos, já se haviam extinguido os ecos do escândalo provocado
pela mini-saia de Leonora.
A formosa paulista, com a compostura demonstrada no
correr do tempo, silenciara os comentários e caíra nas boas graças das devotas.
Elisa desistira de desobedecer ao marido, guardando o seu polémico saiote para
usá-lo em São Paulo ,
em breve, se Deus qui sesse.
Não se atrevera a enfrentar o deboche e a condenação de Agreste. Com a segunda aparição dos seres extra terrenos, porém, a minis saia tornou-se objecto familiar aos olhos de toda a população da cidade.
Desabalado, Peto, chega à beira do rio, a notícia empolga o bar: está desembarcando um batalhão de gringas. Mal acaba de falar e a praça se enche de marcianos. Ascânio Trindade despenca-se da Prefeitura.
Não se atrevera a enfrentar o deboche e a condenação de Agreste. Com a segunda aparição dos seres extra terrenos, porém, a minis saia tornou-se objecto familiar aos olhos de toda a população da cidade.
Desabalado, Peto, chega à beira do rio, a notícia empolga o bar: está desembarcando um batalhão de gringas. Mal acaba de falar e a praça se enche de marcianos. Ascânio Trindade despenca-se da Prefeitura.
Todas as fêmeas vestem
mini saias de tecido de xadrez – escocês graúdo, reconhece dona Carmosina –
blusa amarela, de malha, altas botas de peliça negra. Nem que fosse de
propósito, com o objectivo de redimir Leonora por completo, a cidade é invadida
por aquele desparrame de coxas e ancas expostas à brisa e aos olhares ávidos da
multidão que acorre de todos os lados.
Idênticas no uniforme, devem ser parte de um exército ou de uma seita religiosa. Verdadeiramente a ausência do beato Possidónio, perde farta matéria para indignação e pragas, seria um pagode. Voltara para Rocinha onde medita e cura.
Veterana, pois vinha pela segunda vez, pernalta e flexível, comandante do batalhão ou sacerdotisa, assistente do guru, a ruiva acena com a mão e retira os óculos, oferendo à admiração geral os olhos de rímel. Mini saia de boneca a revelar tudo, constata Osnar:
- Não mede um palmo dos meus…
E avança para saudar a viajante do espaço, para reatar antigo conhecimento:
- Por aqui , de novo? Uma
honra para o condado de Sant’Ana do Agreste.
- Vá, lindo, me ofereça um guaraná, uma coca-cola, vá. Morro de sede. Eu e todo o staff aqui presente.
Os demais membros do staff aproximam-se álacres, efervescentes. Nos machos poucos reparam, os olhos não bastam para as fêmeas.
Idênticas no uniforme, devem ser parte de um exército ou de uma seita religiosa. Verdadeiramente a ausência do beato Possidónio, perde farta matéria para indignação e pragas, seria um pagode. Voltara para Rocinha onde medita e cura.
Veterana, pois vinha pela segunda vez, pernalta e flexível, comandante do batalhão ou sacerdotisa, assistente do guru, a ruiva acena com a mão e retira os óculos, oferendo à admiração geral os olhos de rímel. Mini saia de boneca a revelar tudo, constata Osnar:
- Não mede um palmo dos meus…
E avança para saudar a viajante do espaço, para reatar antigo conhecimento:
- Por a
- Vá, lindo, me ofereça um guaraná, uma coca-cola, vá. Morro de sede. Eu e todo o staff a
Os demais membros do staff aproximam-se álacres, efervescentes. Nos machos poucos reparam, os olhos não bastam para as fêmeas.
Alguns seres deixam
em dúvida atroz os tabacudos cidadãos, confundidos, sem saber o que pensar:
aquele ali será o macho ou a fêmea, mulher ou homem? E aquela figura estranha,
será hermafrodita?
Abre-se a janela da casa do Prefeito, aparece o rosto aflito, a barba de três dias do dentista Mauritônio. O sucesso da mini-saia de Leonora na feira provocara assobio, gargalhada, troça e trova; tantas mini-saias reunidas na praça provocam pasmo e silêncio. Entupida a calçada em frente ao bar, esvaziam-se as lojas e os armazéns.
- No bar já têm água-de-coco – anuncia Ascânio Trindade convidando o Ente Excelso e seus companheiros. Seu Manuel curva-se para recebê-la.
Que eficiência! – Miss espaço eleva a voz, consulta os demais
Abre-se a janela da casa do Prefeito, aparece o rosto aflito, a barba de três dias do dentista Mauritônio. O sucesso da mini-saia de Leonora na feira provocara assobio, gargalhada, troça e trova; tantas mini-saias reunidas na praça provocam pasmo e silêncio. Entupida a calçada em frente ao bar, esvaziam-se as lojas e os armazéns.
- No bar já têm água-de-coco – anuncia Ascânio Trindade convidando o Ente Excelso e seus companheiros. Seu Manuel curva-se para recebê-la.
Que eficiência! – Miss espaço eleva a voz, consulta os demais
– Quem
gosta de água-de-coco?
- Só com uísque, filha – responde Afrodite, a longa cabeleira batendo no rego da bunda, calça bem colada, blusão hindu, uma cascata de colares.
- Por que ela não está de mini-saia? – pergunta Osnar, sentindo-se lesado por não poder admirar coxas e ancas tão prometedoras.
- Porque não é ela, lindo. É ele…Quer dizer… mais ou menos… É Rufo, nosso decorador. Tem um sucesso!...
- Negativo. O lindo aqui não
aprecia, que se há-de fazer?
Demoram pouco, estão de passagem, vindos de Mangue Seco onde outros ficaram, engenheiros e técnicos, conforme revela a nova Barbarela.
- Só com uísque, filha – responde Afrodite, a longa cabeleira batendo no rego da bunda, calça bem colada, blusão hindu, uma cascata de colares.
- Por que ela não está de mini-saia? – pergunta Osnar, sentindo-se lesado por não poder admirar coxas e ancas tão prometedoras.
- Porque não é ela, lindo. É ele…Quer dizer… mais ou menos… É Rufo, nosso decorador. Tem um sucesso!...
- Negativo. O lindo a
Demoram pouco, estão de passagem, vindos de Mangue Seco onde outros ficaram, engenheiros e técnicos, conforme revela a nova Barbarela.
Os que estão
curtindo as paisagens são publicitários, assistentes, secretárias, relações
públicas, contactos: competentíssima equi pe.
Desalteram-se no bar antes de voltar à lancha e seguir rio acima no rumo de
Sergipe.
- O queima-rodinha é Rufo, e vós, Princesa, quem sois e de onde vindes? Por acaso Polaca?
- O queima-rodinha é Rufo, e vós, Princesa, quem sois e de onde vindes? Por acaso Polaca?
Um português, um francês, um italiano e um inglês chegaram ao Céu. São Pedro disse:
- Aqui só pode entrar quem é puro, sem maldade. Vocês têm que passar num teste. Vou fazer uma pergunta a cada um, se acertarem podem entrar.
Começou pelo francês:
- O que é que as mulheres têm no meio das pernas?
Depois de pensar um pouco, diz o francês:
- O joelho.
- Muito bem. Pode entrar! - Felicitou São Pedro
Virando-se para o italiano, pergunta:
- Onde é que as mulheres têm o cabelo mais enrolado?
Diz o italiano:
- Em África.
- Certo. Pode entrar também. - congratula São Pedro.
E perguntou ao inglês:
- O que é que a mulher casada tem mais larga que a solteira?
- A cama. - Respondeu o inglês.
- Ótimo. Pode entrar. - disse São Pedro.
O português virou-se e foi saindo de fininho…
São Pedro interrompe-o e chama-o:
- Não vai responder à sua pergunta?
Explica o português:
- Nem vale a pena. Já falhei as três anteriores…
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 228
Um ano depois, a Galiza
parecia tranqui la, e Afonso VII
permanecia no Leste, entretido nas lutas contra Afonso de Aragão ou contra os
sarracenos.
Governado habilmente por
Afonso Henriques, o Condado de Portucalense prosperava. Porém, nas questões de
coração, o meu melhor amigo continuava confundido.
Minha prima Raimunda, sua
amante há anos, morrera afogada nas aguas do Tejo, não sendo sequer possível
recuperar o corpo para lhe proporcionar um enterro digno.
Sem ela por perto, o
príncipe atirara-se em definitivo para os braços de Elvira. Mandava buscá-la a
Lanhoso uma ou duas vezes por mês, e folgava com a Normanda.
Contudo, por melhor que
fossem essas refregas, o seu coração continuava saudoso da galega e Elvira
sabia disso.
Tenho aqui de reconhecer que a normanda tinha uma qualidade
excelente: não só não era ciumenta, como estava perfeitamente consciente de que
o coração do príncipe batia pela outra, e incentivava-o a visitar Chamoa na Maia,
mesmo quando Paio Soares morria lentamente.
Porém, o orgulhoso príncipe,
nunca seguiu tal conselho.
Quando, finalmente, Paio
Soares faleceu, no início de Junho, Afonso Henriques recusou-se a ir às exéqui as e esperou que fosse Chamoa a vir visitá-lo em
Guimarães, oferendo-lhe o seu amor.
Elvira abanara a cabeça e
comentara:
- Assim ireis perdê-la.
Chamoa não só nunca veio a
Guimarães, como jamais o chamou a Maia, e a primeira notícia que dela teve
depois da morte do marido, foi dada por minha esposa Maria: Chamoa iria entrar
num mosteiro!
Odiando-se por não ter ouvido
melhor as palavras sábias da sua amorosa amiga normanda, Afonso Henriques
resolveu cavalgar depressa ao encontro da rapariga galega, e naquela tarde
apresentou-se à porta do mosteiro de Vairão.
Foram Gonçalo, primeiro, e
depois Zaida que me descreveram o que por lá se passou.
Além dos três filhos de
Chamoa, estavam presentes o seu pai, Gomes Nunes, as mouras Zulmira, Fátima e
Zaida, sua mãe Elvira e para grande surpresa do príncipe também o tio da
rapariga, Fernão Peres de trava, bem como o primo dela, Mem Ramires de Tougues.
Irritado, Afonso Henriques
exigiu falar a sós com Chamoa.
À porta do Mosteiro, a
rapariga afastou-se dos familiares e ele logo lhe declarou:
- Vou levar-vos para Guimarães comigo!
Apesar da viuvez, ela
continuava linda, os seus cabelos cor de mel apanhados em tranças, enrolados
pelas delicadas mãos de Zaida.
Prometi a meu marido que não
me casaria convosco – afirmou.
Afonso Henriques abanou a
cabeça, desagradado.
Não haveis nascido para
monja!
Chamoa entristeceu-se e
murmurou:
- Não me conheceis tão bem assim...
O príncipe rebelou-se:
- A vossa tristeza vai
passar, mas o vosso amor por mim vai durar!
Todavia, nos olhos verdes
dela já não havia ternura do passado, só ressentimento e protestou com veemência:
- Como posso amar quem não cumpriu o
prometido? Não faleis de amor, pois vossas palavras são falsas!