sábado, maio 02, 2009

VÍDEO
FUGIR DAS MANIFESTAÇÕES...

BOBBY VINTON - MISTER LONELY


DON MCLEAN - CRYING



CANÇÕES BRASILEIRAS
ELIS REGINA - ARRASTÃO (1965)

MÚSICA - EDU LOBO
LETRA - VINÍCIO DE MORAIS

BAÚ DAS RECORDAÇÕES
JIMMY DORSEY-BOB EBERL- HELEN O'CONNEL - GREEN EYES
(1957)


Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 119



- Namoro em São Paulo, Ascânio, não é como aqui, noivado, muito menos – recordava as palavras de Tieta e as repetia – Lá os noivos vão a festas sozinhos, a boates, voltam pela madrugada, até viajam juntos. No Sul, moça para casar não precisa ser virgem. O preconceito da virgindade, porque é simples preconceito… É como se ela fosse viúva…

- Leonora? O tal noivo não é mais…

Leu a resposta nos olhos mínimos de dona Carmosina. Cobriu o rosto com as mãos, de súbito esvaziado e inerme. Um desejo único o assaltou: matar o canalha que conspurcara a pureza de Nora e, que ao fazê-lo, destruíra o mais belo dos sonhos.

Dona Milú vinha da cozinha com uma bandeja, cafezinho acabado de coar, bolos de milho e puba. Ascânio levantou-se e partiu, sem uma palavra.

Sabê-la deflorada foi dura prova. Atravessou os quintos do inferno e não pôde conter as lágrimas por mais se acreditasse macho, infenso ao choro.

Quando recebera a carta de Astrud, rompendo o noivado e comunicando o próximo casamento, e logo depois a soube grávida do outro, sofrera como um cão danado mas nem assim chorara. Na noite indormida porém, após a notícia pungente, o ardor dos olhos fixos dissolve-se em pranto.
Noite de pesadelo, de lágrimas e meditação, de luta consigo mesmo. Antes de ouvir a sentença de morte da boca de dona Carmosina, Ascânio deixara Leonora na porta, a acenar adeus da casa de Perpétua, íntegra, pura, perfeita. Imagem para sempre perdida, jamais a reverá assim completa. Agora, manchada, penetrada, rota, desonrada, nem por inocente vítima deflorada. Noite em que o amor foi medido, pesado, confrontado, sujeito a todas as provas de uma vez, noite da batalha inicial contra o preconceito. Preconceito, simples preconceito, dissera dona Carmosina e tinha razão. Muitas vezes, na faculdade, Ascânio participara em discussões sobre o candente tema: virgindade e casamento. Teoricamente, tudo simples e fácil: mero preconceito feudal.

Citando o exemplo dos Estados Unidos e dos países mais adiantados da Europa: França, Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Noruega, sem falar nos países socialistas, onde, segundo os reaccionários, campeava o amor livre, os estudantes progressistas, entre os quais Ascânio, defendiam o direito da mulher à vida sexual antes do matrimónio. Por que apenas o homem tem esse direito? Preconceito patriarcal, machismo, opressão do homem sobre a mulher, atraso social, os argumentos sucediam-se esmagadores mas, ainda assim, a maioria se mantinha apegada à exigência secular: a mulher deva chegar virgem ao leito conjugal, deixar sobre o alvo lençol as gotas de sangue, dote do marido. Não adiantavam sequer as perguntas irónicas dos mais exaltados e cáusticos, querendo saber a diferença entre a cópula e as desenfreadas sacanagens de todo o tipo empreendidas por namorados e noivos, a bolinação levada aos últimos extremos, dedo e língua, pau nas coxas, na bunda e etecetera e tal. Que adianta respeitar o hímen e conspurcar o resto? Argumentos todos eles irrespondíveis mas nem por isso convincentes para a maior parte dos universitários. Exaltadas e inconsequentes, as discussões acabavam descambando para o relato de anedotas frascarias sem que chegassem a acordo.

Ao rememorar na noite interminável de amargura e indagação, os debates com os colegas, Ascânio lembrou-se da surpreendente declaração de máximo Lima, tanto mais inesperada por ser o colega líder inconteste da esquerda estudantil, celebrada pelo radicalismo de suas posições ideológicas, expostas em inflamados discursos contra a economia e moral burguesas. Amigos fraternos desde o tempo de ginásio, Ascânio via em Máximo a expressão mais alta e sincera do revolucionário, liberto de abusões e convencionalismos, lúcido e consciente. Ele próprio, Ascânio, se bem solidário com as reivindicações do movimento estudantil, não se comprometera com nenhuma organização estudantil, não se comprometera com nenhuma organização ou grupo político, nem sequer apoiava todas as posições de máximo, contando-se em admirá-lo e defendê-lo quando a direita atacava, acusando-o de inimigo de Deus, da Pátria e da Família.

Haviam saído juntos de acalorado debate sobre divórcio, virgindade, direitos da mulher, Máximo ainda exibia nos olhos um resto da exaltação com que defendera a igualdade dos sexos em todos os domínios humanos.

Rindo, em tom de pilhéria, para divertir-se Ascânio lhe perguntara:

- Me diga a verdade, mano velho. Se um dia você viesse a saber que Aparecida – Aparecida era a noiva de Máximo, colega de faculdade e de ideário político – não era virgem, tivera um caso antes, você assim mesmo casava com ela?

- Se casaria com ela, sabendo que não era virgem? É claro que sim. – Respondeu sem vacilar. Em seguida, porém, deixando cair os braços e a exaltação, honradamente confessou. – Para falar verdade, não sei. Nunca pensei no assunto em termos pessoais. Uma coisa é certa, Ascânio: o preconceito vive dentro da gente. Você pensa uma coisa, defende seu pensamento, ele é correcto,
você sabe disso, mas na hora de aplicá-lo… Casaria mas, antes, teria de esmagar o preconceito…

sexta-feira, maio 01, 2009

VÍDEO
VEJA ESTA MANOBRA...

DALIDA - JE NE SAIS PLUS


DICK RIVERS - C'EST PAS SERIEUX



CANÇOES BRASILEIRAS


PAULINHO MOSKA - A FLOR E O ESPINHO


Samba (1964) - NELSON CAVAQUINHO/ GUILHERME DE BRITO/ ALCIDES CAMINHA


BAÙ DAS RECORDAÇÕES


JOLIO - PEG O MY HEART (1947)



Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 118



DO HÍMEN NA GARUPA DO CAVALO



Por uma porta saía das profundas dos infernos o seminarista Ricardo, por outra nelas penetrava, atravessando as chamas eternas, desvairado, Ascânio Trindade, secretário da prefeitura do município de Sant’Ana do Agreste, amoroso votado à decepção. Liberto de condenação e pena, ressuscitado no campo dos hipies, na aura da santidade do frade, na força dos remos de Jonas, o seminarista cedeu sua vaga nos infernos ao amargurado sofredor, reincidente vítima dos descabaçadores profissionais.

Para quem fora mais difícil a conversa? Para ele, sobre cuja cabeça ruiu o mundo pela segunda vez, ou para dona Carmosina, aplicada e atenta estudiosa das relações dos seres humanos, mas não fria, insensível analista. Sofrera com a dor do amigo, dilacerando-se ao dilacerá-lo, prendendo as lágrimas nos olhos húmidos ao revelar a verdade sobre as consequências físicas do infeliz noivado de Leonora. Desejara ser subtil e delicada, escolher as palavras, explodiu brusca e aflita:

- Seja homem!

Foi tudo quanto disse num arroubo infeliz. Explicação difícil, mesmo para dona Carmosina, de verbo fácil e eloquente. Quando Ascânio a viu cheia de dedos, vacilante, gaguejando, sem rumo para a confidência, pedira numa voz de condenado à morte:

- Diga de uma vez, seja o que for.

Pensava saber do que se tratava desde a tarde, quando dona Carmosina lhe avisara, em segredo, no Areópago:

- Tenho um assunto a falar com você. Passe lá em casa hoje à noite. Aqui não pode ser.

Certamente, ante as visitas diárias, as conversas na varanda da casa de dona Perpétua, a presença imposta a qualquer pretexto, as flores, o pássaro sofrê, o casal de noivos montado num burro, evidente insinuação em barro cozido, a noiva em branco, o noivo em azul, dona Antonieta ou a própria requestada tinha mandado dona Carmosina chamar a sua atenção para a desagradável inutilidade de tamanha insistência. Não se dava conta do abismo a separá-lo da moça paulista? Um pobretão do Agreste, reduzido a ínfimo salário de servidor municipal de prefeitura sem rendas, não tem direito a aspirar a mão de herdeira milionária, cobiçada por potentados e lordes do Sul. Não podia ser outro o tema da conversa.

Restava-lhe saber de quem a iniciativa. De dona Antonieta? De Leonora? Idêntica na terrível consequência, a punhalada causaria maior ou menor sofrimento, dependendo no entanto de quem a vibrasse. Ascânio esperava que partisse o recado de dona Antonieta, madrasta preocupada com o futuro da enteada, adoptada e amada como filha nascida do seu próprio ventre. Não nega razões ao amor materno: ele as compreende e agirá como homem de bem, afastando-se; antes de tudo a felicidade de Leonora.

Talvez ela também sofresse com a drástica medida e esse sofrimento da bem-amada ajudá-lo-ia a suportar a provação, a cumprir o sacrifício. Podia acontecer também – e por que não? – que Leonora se revoltasse contra a madrasta dinheirista e resolvesse lutar ao lado dele pela continuação do idílio.

Caber-lhe-ia então mostra dignidade e desprendimento, renunciando, imolando-se, já que não pode oferecer a quem tem tanto a dar. Exaltantes pensamentos a consolá-lo durante a desassossegada tarde de espera.

Apesar do corajoso apelo para desembuchar tudo de uma vez, fosse o que fosse, dona Carmosina continuou buscando forças, reunindo coragem, um nó na garganta. Não suportando mais tanta demora, Ascânio resolveu colocar as cartas na mesa, a voz lúgubre:

- Dona Antonieta mandou pedir que eu deixe Nora em paz, não foi?

Antes fosse tarefa assim tão fácil: junto com o recado, dona Carmosina daria opinião, conselho para que continuasse a luta, não abandonasse o campo de batalha. Vendo-a ainda calada, Ascânio adiantou a pior hipótese:

- Então foi Leonora mesmo quem mandou dizer… - voz de condenado à morte após a denegação do pedido de graça.

Dona Carmosina tenta falar, emite apenas um som gutural, Ascânio entra em pânico:

- Pelo amor de Deus, fale alguma coisa, Carmosina. Ela é doente? Pulmão? Já pensei nisso, não tem importância. Tuberculose, hoje, não mete medo a ninguém…

Dona Carmosina faz das fraquezas forças:

- Nora foi noiva, você sabe.

- De um canalha, sei. Queria avançar no dinheiro dela mas dona Antonieta o desmascarou, você me contou. Mas eu não quero dinheiro de ninguém, só lastimo que ela seja rica. Tem muita gente que casa com separação de bens.

- Também tem homens que casam com viúva…

- Com viúva? A que vem isso? Não entendo.

Tendo começado, dona Carmosina foi em frente:

quinta-feira, abril 30, 2009


As Janelas do quarto de António Gedeão

De: António Gedeão







"As janelas do meu quarto"


Tenho quarenta janelas,
nas paredes do meu quarto,
sem vidros nem bambinelas,
posso ver através delas,
o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas,
que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea,
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza,
que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança,
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa.

E o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio,
a que se chama poesia.

E a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade.

E o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro,
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo.

Todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra,
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
que vos pudesse rasgar,
com tanta janela aberta,
falta-me a luz e o ar.




VÍDEO

AVÉ MARIA - CARMEN MONARCHA

ORQUESTRA DE ANDRÉ RIEU - MÚSICA DE SEBASTIAN BACK

DEMIS TOUSSOS - SHADOWS


MIGUEL BOSÉ - EL JUEGO DEL AMOR


CANÇÕES BRASILEIRAS

ROBERTO CARLOS - A DEUSA DA MINHA RUA

MÚSICA - NEUTON TEIXEIRA (1940)
LETRA - JORGE FARAJ


BAÚ DAS RECORDAÇÕES


ELLA FITZGERALD AND THE INK SPOTS - INTO EACH LIFE SOME RAIN MUST FALL (1945)


Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 117




Seminu e atrasado, decadente campeão, chegou ao bar quando o onírico batalhão já se desvanecia no caminho do rio. Seu Manuel Português, Astério e Seixas sujeitaram o prefeito, o mais delicadamente possível, e o restituíram à irmã em pranto.

No cemitério, Ascânio Trindade, herdeiro certo do posto fez o elogio póstumo do “saudoso chefe e amigo”. Se bem nascido na capital, Mauritônio Dantas, nos dezoito anos de residência no Agreste, tornara-se estimado de todos e prestara reais serviços à colectividade, profissional competente e administrador dedicado. Além dos benefícios devidos à diligente actuação de Amélia, que tantos eleitores conquistara para o marido antes de desertar da política, como murmurou Aminthas a dona Carmosina, em fúnebre aparte. Padre Mariano espargiu o caixão com água benta, terminando de vez com a principal diversão dos moleques de Agreste.

De conformidade com a lei, o Presidente da Câmara Municipal, coronel Artur de Figueiredo, assumiu o posto. Mas o senhor de Tapitanga, marchando com passo firme para os noventa anos, assumiu apenas para constar. Ninguém mais indicado do que Ascânio Trindade para dirigir os destinos, gloriosos e decadentes, de Sant’Ana do Agreste.

- Ascânio, meu filho, confio em você. No próximo pleito a gente o elege de uma vez, acabou-se. Enquanto isso, vá conduzindo o barco que eu já estou mais para lá do que para cá, só sirvo para cuidar das minhas cabras e assuntar a lavoura de minhas roças.

Com a bengala aponta para fora da janela:

- Agreste foi terra de muito cabedal e muito fausto. Teve até mulher-dama francesa fazendo a vida nessas bandas. Mais de uma. Tudo se consumiu na fumaça do trem, até o contrabando e as gringas. Só ficou a medicina das águas, o clima salubre, sem falar da boniteza.

Encarou Ascânio com afecto:

- Você é meu afilhado e podia ter sido meu filho se, em vez de se meter com uma lambisgóia na Bahia, tivesse casado com Célia.

Referia-se à filha mais moça, nascida quando o coronel já tinha mais de sessenta e cinco anos e seis netos. Dos dois casamentos tivera quinze filhos, na rua não sabe quantos.

- Não quis e por isso tive de sustentar um vagabundo que passa o dia tocando bumbo, esse tal marido de Célia…

- Bumbo, não, coronel. Bateria. Xisto Bom de Som é considerado um dos melhores bateristas de Salvador…

- Isso é lá profissão de homem…

Por um momento pensou na filha, tinha-lhe apego e a quisera na fazenda. Terminara sozinho com as cabras, esparramados pelo mundo os onze filhos.

- Você vai ser o Prefeito de Agreste, seu avô foi intendente, eu fui intendente e prefeito. Só lhe recomendo uma coisa: mantenha a cidade limpa. Essa terra sempre primou pela limpeza e pelo clima, desde os tempos de antanho, de dinheiro sobrando e muita animação. Conserve agreste assim, já que não se pode trazer de volta a animação.

Engano do coronel de Tapitanga: a animação ia voltar inesperadamente,
ameaçando limpeza, saúde e clima.

quarta-feira, abril 29, 2009

CHRIS NORMAN - MIDNIGHT LADY


terça-feira, abril 28, 2009

VÍDEO
Exame Médico

NO COMENTS...

CHARLES DUMOND - DIS, CETTE MELODIE


CANÇÔES BRASILEIRAS

ALMIR SATER - CABECINHA NO MEU OMBRO


BAÚ DAS RECORDAÇÕES


DIAMONDS (Original) - LITTLE DARLING



Tieta do Agreste
Episódio Nº 116


DO SUICÌDIO DO PREFEITO MAURITÔNIO DANTAS E DOS CONSELHOS DO CORONEL ARTUR DE TAPITANGA


Impossível negar-se ligação imediata entre a presença em Agreste dos pioneiros comandados por Elizabeth Valadares, a última verdadeira garota de Ipanema, e o suicídio do cirurgião-dentista Mauritônio Dantas, prefeito de Agreste, a horas tardias daquela mesma noite encontrado morto, a língua de fora, nu e feio. Usara o pijama para enforcar-se no banheiro.

Quando os desbravadores atingiram o bar e desfalcaram os estoques de coca-cola, guaraná e cerveja do honrado português, o dramático prefeito fora visto na janela de sua casa, brechando as exibidas coxas marcianas e cariocas, rosnando nomes, bastante agitado. Mirinha, irmã e enfermeira, não conseguiu levá-lo para o quarto onde, durante dia e noite, entregava-se, ansioso e eficiente ao exercício da masturbação. Naquela tarde, comprovando ter chegado finalmente a safra de mulheres solicitada, de há muito ao bom Deus, excitara-se à janela, à vista daquele mar de coxas, prova da magnanimidade divina.

Na opinião geral, doutor Mauritônio Dantas começara a ficar tantã quando a esposa, Amélia, na intimidade Mel, juntou os trapos e foi encontrar-se com Aristeu Regis em Esplanada, dali tomando o casal rumo ignorado. Aristeu Regis visitara Agreste na qualidade de enviado da Secretaria da Agricultura para estudar problemas ligados ao cultivo da mandioca. Amélia não aguentava mais viver ali, nem mesmo ostentando o título de Primeira Dama do Município, título e merda sendo a mesma coisa, segundo ela. Aristeu ofereceu-lhe o braço e o desconforto, ela não vacilou. Algumas senhoras, amigas de Mel, confidentes de seus desgostos, afirmam ter o delírio do prefeito começado muito antes pois sujeitava a esposa a desregramentos e abusos insuportáveis, sendo esse o motivo real da fuga. Fosse assim ou assado, o processo de esclerose acentuou-se visivelmente após a partida da infiel. No dizer de Aminthas, nosso prezado Governador Civil administrara os chifres com perfeita honorabilidade e descrição enquanto Amélia derramou o mel de sua graça ali no município. Quando preferiu fazê-lo longe das vistas e das atenções do cônjuge, o digníssimo chefe da municipalidade não resistira a tanta ingratidão: jamais se opusera as folganças da esposa, por que o abandonara?

A demonstração oficial da demência deu-se poucos dias após a deserção de Mel. O prefeito decidiu, no sábado, atender os solicitantes vindos das roças e povoados com reclamações e pedidos, em estado de completa nudez, e para tal fim, despiu-se, retirando inclusive os sapatos. Manteve-se de meias, no entanto, para não pisar descalço o frio soalho da sala. Qualquer cochilo de Mirinha e o dentista vinha para a rua ou praça, de cuecas ou sem, a masturbar-se em público para júbilo dos moleques. Durou meses essa penosa situação comentada aos cochichos.

Quando, da janela, doutor Mauritônio Dantas constatou o movimento de retirada das celestes mini-saias, não se conformou, Deus as enviara para consolo de seu sofrido servo, como ousavam partir? Interrompendo a solitária e deleitosa prática, saiu para fora, aos gritos tentando apoderar-se de pelo menos meia dúzia, necessitando delas para esquentar-lhe o leito gélido com a ausência de Mel, suavizar as perfurantes molas do gasto colchão em que rolava insone. Molas e chifres, segundo o implacável Aminthas.

VÍDEO
A CENA DA BICICLETA

JEANEMANSON - AVANT DE NOUS DIRE ADIEU


DEMIS ROUSSOS - WHEN FOREVER HAS GONE


CANÇÕES BRASILEIRAS


SAMBA - ATIRE A PRIMEIRA PEDRA


BAÚ DAS RECORDAÇÕES


BILL HALEY - ROCK AROUND THE CLOCK (1956)



Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 115





- Elizabeth Valadares, Bety para os amigos, Bebé para os íntimos. Carioca de gema, garota de Ipanema. Morou na rima?

Sorri com inúmeros dentes, alvíssimos, bem tratados, boca de anúncio de pasta dentífrica:

- Trago um recado para você, amor. – Amor é Ascânio Trindade para desaponto de Osnar. – Do Magnífico Doutor.

- De quem? – Ascânio, num pé e noutro. – Repita, por favor.

- Do doutor Mirko Stefano, darling, não sabe? Tratam ele de Magnífico Doutor e é mesmo. Você vai se dar conta sozinho, amor. É aquele pão doce que veio comigo da outra vez, se lembra? Mandou dizer a você que não pôde vir hoje, teve de ir a São Paulo para uma entrevista importante, mas dentro de poucos dias aparecerá para conversar com você e acertar tudo.

- Tudo?

- Tudo, sim, honey. Tudinho.

- Mas tudo o quê?

- Ah!, isso não sei, quem sabe é o Magnífico, é assunto dele e seu, não me meto. Discrição é o meu lema. Agora, adeusinho, sonhe comigo, petit amour. Adeus para você também, lindo. – Lindo é Osnar, ele se regala: se pego essa boa no escuro, vai sair faísca, Bebé vai saber o valor do pau de um sertanejo.

- Vamos, patota! – comanda a mítica secretária.

- Não tem mais nada para se ver aqui? – pergunta o nervoso Rufo, abanando a cabeleira de Mona Lisa.

- Nada.

- Que saco!

Decorador enfadado mas atento, o esteta Rufo passa em frente a Osnar sem o notar sequer. Mede, porem, o garoto Peto e o aprova mordendo o lábio, lânguido. Osnar acompanha-lhe o olhar e gesto: xibungo sem vergonha, bicha louca, não respeita nem mesmo uma criança. Criança? O corneta cresceu, espichou, certamente de tanto bater bronha, está chegando a hora de Osnar cumprir a promessa feita e levá-lo à pensão de Zuleika.

- Com quantos anos você está, sargento Peto?

- Vou fazer treze no dia 8 do mês que vem.

- Oito de Janeiro! Muito que bem.

Treze anos, a idade exata, Osnar vai combinar a festa com Zuleika e Aminthas, com Seixas e Fidélio. Na surdina, escondido de Astério, senão ele conta a dona Elisa e dona Perpétua acaba por tomar conhecimento, o mundo vira abaixo. Osnar sorri consigo mesmo, vai ser uma pândega, um rebucetê.

Ao cair da noite, chegando de Mangue Seco na canoa a motor, comandante Mário disse ter sido vista uma escuna ancorada na barra, dela haviam baixado duas lanchas, uma das quais a que subira o rio, escalando em Agreste; a outra desembarcara indivíduos e instrumentos na praia. Andaram fazendo perguntas aos pescadores, internaram-se, depois, no coqueiral. Ao Comandante todo esse movimento parece suspeito.

Ascânio Trindade, agora inteiramente certo de que se trata do estabelecimento de uma empresa turística na região, promete ao Comandante notícias concretas nos próximos dias. O mandachuva enviou a secretária executiva com recado, virá em breve para conversar, na certa para anunciar os projectos e obter apoio da Prefeitura. Apoio que não faltará, Comandante. Com o turismo reergendo Agreste, Ascânio, timoneiro a comandar o progresso do município, poderá ter esperanças de transformar o sonho em realidade.

Depois de tantos anos, pela primeira vez Ascânio Trindade sente-se mordido pela ambição, pelo desejo de ser alguém. Alguém com possibilidades de lutar por Leonora Cantarelli, bela e rica. Antes completamente inacessível, uma quimera. Agora conquista a ser realizada, meta a ser cumprida por um batalhador com os pés na terra, ideal de quem provou, em transe difícil, em duro desafio, coragem e competência capazes de superar os obstáculos e ir em frente, aspiração de um jovem temerário e lúcido a vencer as provações. A mais difícil, a que o virara do avesso, a essa Ascânio já vencera, falta-lhe tão-somente melhorar de vida, ser alguém, para poder aspirar à mão de Leonora, pedi-la em casamento. Ela rica, ele pobre. Não importa mais. Porque, se ele não tem fortuna a oferecer-lhe, em compensação ela já não possui o bem mais precioso que a noiva deve trazer para ofertar ao noivo na noite de matrimónio, o sangue da virgindade. Na face de Ascânio espelha-se a vitória mas não a paz, constata o comandante Dário.

segunda-feira, abril 27, 2009

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YOU' VE GOT A FRIEND 2009 - MARCELO

THE FEVERS - ONDE ESTÃO TEUS OLHOS NEGROS?


CHRISTINA AQUILERA - HURT


CANÇÕES BRASILEIRAS


CLARA NUNES - O MAR SERENO


BAÚ DAS RECORDAÇÕES


ELVIS PRESLEY - SENTIMENTAL ME (1961)



Tieta do Agreste


EPISÓDIO Nº 114




DA SEGUNDA APARIÇÃO DOS SUOERES-HERÓIS, DESTA VEZ VINDOS DO MAR, CAPÍTULO RECHEADO DE PERSPECTIVAS E PROJECTOS, ENVOLVENDO DIVERSOS CIDADÂOS: DO MAGNÍFICO DOUTOR A OSNAR, DE PETO A ASCÂNIO TRINDADE


Quando os seres luminosos anunciados na profecia do beato Possidónio surgiram novamente em Agreste, vindos do Oceano Atlântico em potente lancha a motor, moderníssima, aumentados em número e em sexo pois aconteceram machos, fêmeas e andróginos, já se haviam extinguido os ecos do escândalo provocado pela mini-saia de Leonora. A formosa paulista, com a compostura demonstrada no correr do tempo, silenciara os comentários e caíra nas boas graças das devotas. Elisa desistira de desobedecer ao marido, guardando o seu polémico saiote para usá-lo em São Paulo, em breve, se Deus quisesse.

Não se atrevera a enfrentar o deboche e a condenação de Agreste. Com a segunda aparição dos seres extra terrenos, porém, a minis saia tornou-se objecto familiar aos olhos de toda a população da cidade.

Desabalado, Peto, chega à beira do rio, a notícia empolga o bar: está desembarcando um batalhão de gringas. Mal acaba de falar e a praça se enche de marcianos. Ascânio Trindade despenca-se da Prefeitura. Todas as fêmeas vestem minis saias de tecido de xadrez – escocês graúdo, reconhece dona Carmosina – blusa amarela, de malha, altas botas de peliça negra. Nem que fosse de propósito, com o objectivo de redimir Leonora por completo, a cidade é invadida por aquele desparrame de coxas e ancas expostas à brisa e aos olhares ávidos da multidão que acorre de todos os lados.

Idênticas no uniforme, devem ser parte de um exército ou de uma seita religiosa. Verdadeiramente a ausência do beato Possidónio, perde farta matéria para indignação e pragas, seria um pagode. Voltara para Rocinha onde medita e cura.

Veterana, pois vinha pela segunda vez, pernalta e flexível, comandante do batalhão ou sacerdotisa, assistente do guru, a ruiva acena com a mão e retira os óculos, oferendo à admiração geral os olhos de rímel. Minis saia de boneca a revelar tudo, constata Osnar:

- Não mede um palmo dos meus…

E avança para saudar a viajante do espaço, para reatar antigo conhecimento:

- Por aqui, de novo? Uma honra para o condado de Sant’Ana do Agreste.

- Vá, lindo, me ofereça um guaraná, uma coca-cola, vá. Morro de sede. Eu e todo o staff aqui presente.

Os demais membros do staff aproximam-se álacres, efervescentes. Nos machos poucos reparam, os olhos não bastam para as fêmeas. Alguns seres deixam em dúvida atroz os tabacudos cidadãos, confundidos, sem saber o que pensar: aquele ali será o macho ou a fêmea, mulher ou homem? E aquela figura estranha, será hermafrodita?

Abre-se a janela da casa do Prefeito, aparece o rosto aflito, a barba de três dias do dentista Mauritônio. O sucesso da mini-saia de Leonora na feira provocara assobio, gargalhada, troça e trova; tantas mini-saias reunidas na praça provocam pasmo e silêncio. Entupida a calçada em frente ao bar, esvaziam-se as lojas e os armazéns.

- No bar já têm água-de-coco – anuncia Ascânio Trindade convidando o Ente Excelso e seus companheiros. Seu Manuel curva-se para recebê-la.

Que eficiência! – Miss espaço eleva a voz, consulta os demais – Quem gosta de água-de-coco?

- Só com uísque, filha – responde Afrodite, a longa cabeleira batendo no rego da bunda, calça bem colada, blusão hindu, uma cascata de colares.

- Por que ela não está de mini-saia? – pergunta Osnar, sentindo-se lesado por não poder admirar coxas e ancas tão prometedoras.

- Porque não é ela, lindo. É ele…Quer dizer… mais ou menos… É Rufo, nosso decorador. Tem um sucesso!...

- Negativo. O lindo aqui não aprecia, que se há-de fazer?

Demoram pouco, estão de passagem, vindos de Mangue Seco onde outros ficaram, engenheiros e técnicos, conforme revela a nova Barbarela. Os que estão curtindo as paisagens são publicitários, assistentes, secretárias, relações públicas, contactos: competentíssima equipe. Desalteram-se no bar antes de voltar à lancha e seguir rio acima no rumo de Sergipe.

-
O queima-rodinha é Rufo, e vós, Princesa, quem sois e de onde vindes? Por acaso Polaca?

Os heróis com pés de barro de João César das Neves

Na sua coluna de hoje no DN, João César das Neves faz a recensão acrítica da tradução para português da obra "Intelectuais" do panfletista de extrema-direita britânico Paul Johnson. O panfleto a que JCN alude trata-se de uma compilação de "biografias" de alguns intelectuais que moldaram decisivamente a cultura, as artes e a filosofia (Rousseau, Marx, Ibsen, Hemingway, Brecht, Tolstoi, Russel, Sartre, Gollancz), recorrendo à verrina e procurando desvalorizar o seu humanismo com recurso aos mais baixos argumentos ad hominem, elencando e fazendo a exegese dos seus defeitos e taras.

Ora Paul Johnson, "guru" da extrema-direita anglo-saxónica, herói dos "neo-cons" americanos, é alegadamente um santo com pés de barro. Foi publicamente desmascarado pela sua amante durante 11 anos (Johnson é casado e pai de família), Gloria Stewart, que entre outros detalhes íntimos, revelou as tendências masoquistas de Johnson, que aparentemente gosta de ser espancado (veja-se aqui, aqui e aqui).

Cá está uma manifestação típica do falso moralismo da grande maioria dos fanáticos religiosos/moralistas, que frequentemente têm eles próprios esqueletos no armário. Johnson através da verrina procurou denegrir personalidades que pela sua obra marcaram a humanidade salientando os detalhes negros da sua vida privada. Johnson também tem os seus pecadilhos, e a sua obra reduz-se a panfletos de baixa extracção. JCN devia escolher melhor os seus ídolos...
posted by Rui Cascao @ 4:28 AM

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Comentário:


João César das Neves é um católico compulsivo-militante-de-grande vocação religiosa. Tivesse ele seguido a via do Seminário e o sacerdócio não lhe escapava seguindo aquela linha de grande intransigência comportamental que afasta, mais do que atrai, os candidatos a devotos do Senhor.
No tempo das cruzadas tê-lo-íamos visto, a pé ou a cavalo, atravessar o Mediterrâneo para ir libertar o Santo Sepulcro da presença "tinhosa" dos infiéis.
Ele não compreende a razão por que todos não são crentes como ele e reage mal aos que se manifestam em discordância das suas convicções religiosas e, muito especialmente, não percebe porque a maioria esmagadora dos grandes intelectuais, cientistas, prémios Nobel são ateus ou não crentes, como também tem dificuldade em entender por que são as sociedades mais atrasadas, menos desenvolvidas, com maior grau de analfabetismo, as mais fervorosamente religiosas.
Será a religião o grande refúgio dos “pobresinhos” ? “…vinde a mim que será vosso o reino dos céus”.
Efectivamente, a selecção natural constrói o cérebro das crianças de maneira a neles incutir uma tendência para acreditarem naquilo que os pais e os chefes das tribos lhes dizem. Tal, favorece a sobrevivência mas por outro lado, essa mesmo selecção natural, privilegiou a inteligência e o uso da razão – qualidades decisivas para o sucesso da nossa espécie - que não se compatibilizam com dogmas e explicações que se subtraem completamente a tudo aquilo que hoje é o conhecimento científico da humanidade.
Por esta razão, à medida que as pessoas evoluem intelectual e cientificamente, os critérios da razão e do saber vão-se impondo gradualmente no sentido de destronar a predisposição para as crenças com que nascemos.
De um total de 43 estudos realizados desde 1927 sobre a relação entre a crença religiosa e o grau de inteligência/instrução apenas 4 encontraram uma conexão inversa.
João César das Neves, académico, economista, católico fervoroso, revolta-se porque nada pode fazer contra os números que provam esta realidade social e então vinga-se dizendo mal, no jornal onde escreve, de iminentes intelectuais da nossa cultura acima mencionados mas fá-lo pela boca de um panfletista de extrema-direita britânico, Paul Johnson, que ele deveria ter pudor sequer em citar pelas razões que são denunciadas no blog acima transcrito.
A imensa maioria dos homens intelectualmente eminentes descrê da religião cristã, mas escondem o facto em público por receio de perderem os proventosescreveu Bertrand Russel e ficou-se agora a saber que Paul Johnson não gostou e João César das Neves também não…

E não resisto, mais uma vez, a repetir o que disse Steven Weinberg, físico norte-americano, galardoado com o prémio Nobel:
…Com ou sem religião, haverá sempre gente boa a fazer o bem e gente má a fazer o mal. Mas é preciso a religião para pôr gente boa a fazer o mal”
Esperemos que não seja o caso de João César das Neves mas esta “tirada” com recurso ao Sr. Paul Johnson, panfletista de extrema direita britânico, não é de bom augúrio…

domingo, abril 26, 2009

FRASE DO DIA
Sendo a velocidade da luz superior à velocidade do som, é perfeitamente natural que algumas pessoas pareçam brilhantes até abrirem a boca.

VÍDEO


TIC - TAC DA MÚSICA

JEANETTE - PORQUE TE VÁS



BOBBY VINTON - BLUE VELVET



CANÇÕES BRASILEIRAS



JORGE BEN - MAS QUE NADA


BAÙ DAS RECORDAÇÕES



JIMMY DORSEY - BOBEBEQLE - HELEN O'CONNEL - GREEN EYES (1941)



Tieta do Agreste


EPISÒDIO Nº113






Certa feita um missionário, desses que vão de cidade em cidade pelo interior do Norte e do Nordeste, assustando o povo, e que não era outro senão o nosso conhecido Dom Alfonso de Narbona Y Rodomon, cuja pronúncia da língua portuguesa já era pronúncia de condenação, ao vê-lo, patriarca no recesso do lar, em companhia da terceira e derradeira amásia, a mais linda das três, jovem de vinte e poucos anos – curimã digna de um rei, no verso do violeiro Claudionor das Virgens, que rimou sua face de romã com luz da manhã – ao vê-lo rodeado de filhos e netos, apontou-lhe um dedo acusador e apostrofou:

- Não tem vergonha padre de levar vida assim licenciosa e, não contente de pecar, exibir publicamente as provas do pecado, escandalizando os fiéis?

- Deus disse: crescei e multiplicai-vos – respondeu o padre Inocêncio Maltêz, a voz pacata e o sorriso ameno – eu cumpro a lei de Deus. Não vi, em parte nenhuma, notícia de que Deus houvesse dito que padre não pode ter mulher nem fazer filho. Muito depois é que inventaram essa lorota, obra de algum capado como vossa reverendíssima.

Quanto ao escândalo dos fiéis, para mortificação do missionário, ele próprio constatou não existir. Ao contrário, o que havia era certo gáudio, dir-se-ia mesmo certo orgulho do vigor do santo varão, aos oitenta anos se gabando de ainda cumprir as obrigações inerentes ao seu estado de mancebia. Não sendo padre Inocêncio homem de mentiras, os fiéis viram na potente façanha por ele revelada aspecto milagroso, evidente sinal de graça divina.

Aliás, ao que parece, os primeiros milagres do padre Inocêncio os realizou ainda em vida, antes de Deus o chamar ao paraíso onde o esperavam as três mulheres e nove filhos, os cinco mortos cedo e os quatro adultos e alguns netos e bisnetos, um pequeno clã. Não foram, no entanto, grandiosas essas primeiras provas de santidade: pequenas curas, feitas à base da simples aplicação de água benta, de moléstias de pouca gravidade. Fez chover por duas vezes quando a seca ameaçou o povo de Sergipe.

Apenas faleceu, porém, e já no mesmo dia do funeral, acompanhado por toda a população da cidade e das vizinhanças começou a safra dos prodígios, cada qual mais impressionante. Logo depois que o corpo do padre baixou à terra, ali mesmo junto ao jazigo perpétuo onde repousa ao lado dos restos mortais das três saudosas, uma paralítica invocou seu nome, largou as muletas e saiu andando com passo firme. A notícia se espalhou.

Depois desse espectacular começo nunca mais se deteve o Padre-Mestre e até hoje as curas se sucedem, cada vez mais numerosas e extraordinárias.

Laranjeiras, cidade da maior beleza, esperara durante anos, inutilmente, igual a agreste, os turistas que não vieram admirar-lhe o casario deslumbrante antes da completa destruição, obra do tempo e do descaso. Em troca, com os milagres do padre Inocêncio, há uma romaria permanente de enfermos e aflitos a acender velas na igreja e no cemitério, junto à campa onde atende o boníssimo e viril pastor de almas. Para mulher estéril, basta rezar um terço e fazer o pedido, é tiro e queda; se forçar a reza nascem gémeos.

Na data aniversaria da sua morte, a romaria cresce em santa missão e os peditórios somam milhares, a cidade ganha movimento, comércio e alegria.

Para acolher os peregrinos, além dos descendentes do reverendo, encontram-se gratos miraculados, à frente dos quais a hoje beata Marcolina, a que largou as muletas no dia do enterro do padre Inocêncio, a primeira agraciada.

Cito um exemplo, poderia citar vários, deixo de fazê-lo por não querer tomar mais tempo aos senhores. Antes de despedir-me, lastimo apenas que não exista em Agreste padre assim perfeito como o reverendo Inocêncio Maltêz, o santo de Laranjeiras, para promover o turismo religioso da cidade. Padre Mariano não dá asa a falatórios, por incorruptível ou discreto, não sei. Não pretendo me imiscuir em sua vida, não o acompanho quando vai à capital, resolver assuntos da diocese, certamente; para dar vazão à natureza, segundo a má-língua de Osnar e de outros debochados. Pelo menos escândalos não provoca, capazes de desencadear a ira de missionários em busca de pecados; em Agreste jamais deu que falar. As beatas, a começar por Perpétua, estão de olho em cima dele, permanentemente, não afrouxam a vigilância.

Fugindo à tal vigilância me despeço. Preparo-me para ir a Laranjeira, muito em breve. A idade está chegando, sabem como é. Dizem que um óbolo para os pobres de padre Inocêncio, se obtêm surpreendentes
resultados, tanto mais rígidos e duradouros quanto maior o óbolo. Assim seja.

TOM JONES - I'llNEVER FALL IN LOVE AGAIN



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