Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, outubro 11, 2014
IMAGEM
O OUTONO
A minha neta teria uns três anos quando, debruçada no chão sobre uma folha caída no passeio, lhe perguntei: - Que estás a ver Filipa? - As cores do Outono, avô.
O outono é a estação do ano que sucede ao Verão e antecede o Inverno. É caracterizado por queda na temperatura, e pelo amarelar das folhas das árvores, que indica a passagem de estações (excepto nas regiões próximas ao equador).
O Outono do hemisfério norte é chamado de "Outono boreal", e o do hemisfério sul é chamado de "Outono austral". O "Outono boreal" tem início, no hemisfério norte, a 22 ou 23 de Setembro e termina a 21 ou 22 de Dezembro. O "Outono austral" tem início, no hemisfério sul, a 20 de Março e termina a 20 ou a 21 de Junho.
- Padre! Queria
confessar-me.....
- Então meu filho que me tens
a dizer?
- Sabe... fui infiel à minha mulher.
Eu sou produtor de cinema e na semana passada tive relações sexuais com a
Jenifer Lopez, com
a Cindy Crawford e com a Cameron Diaz, cada uma à sua vez...
Pois é meu filho, mas não poderei absolver-te....!!!
- Mas, mas, Padre, porquê se a
misericórdia de Deus é infinita?
- Não me lixes! Nem eu nem Ele
vamos acreditar que estejas arrependido...!
NEIL DIAMOND - I AM I SAID
Admirador de sempre da sua voz única, inimitável e das canções
de extraordinária linha melódica que compôs, ficaria em dívida para com ele sem
referir uma pequena biografia da sua vida.
Estudou com Bárbara Streisand na Escola Secundária Abraham
Lincoln e chegou a cantar com ela no coro.
Começou
a sua carreira compondo canções por encomenda como: “I Am a Believer” (1966) e
“A Little Bit Me, a Litle Bit You” (1967), para o Grupo “The Monkees”.
- “Cracklin Rosie”, “Sweet Caroline”,
“I Am I Said”, “Don’t Bring Me Flowers” (c/ Barbara Striesand), “Song Sung
Blue”, “September Morning”, “Girl, you’ll Be A Woman Soon” e muitas outras
canções suas constituíram enormes e merecidos sucessos musicais.
Muitos
dos seus discos ganharam certificados de ouro e platina e recebeu diversos
Grammys ao longo da carreira.
A
crítica americana considerou-o um dos dez maiores cantores e compositores de
todos os tempos.
Do
primeiro casamento com a sua professora Jay Posner teve duas filhas. Do segundo
casamento, também já terminado, teve mais dois filhos.
O
seu CD mais recente foi lançado em 2008, intitulado Home Before Dark.
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Interrompi o curso, estou perdendo aulas! |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 72
Não aparece todo dia e as poucas vagas tinham sido disputadas por candidatos de todo o país e até do estrangeiro.
Ficasse o Coronel sabendo que entre os
pretendentes encontravam-se argentinos. Argentinos, sim senhor. Ele,
Venturinha, obtivera inscrição devido às boas relações que estabelecera com
ilustres professores durante essa curta estada no Rio de Janeiro.
Curta? Cinco meses, o Coronel contava
nos dedos: Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio.
O Coronel tomara conhecimento das
intenções de Venturinha através de longa epístola recheada de considerandos e
de arrazoados, na qual o rapaz dava conta aos pais da resolução de prolongar os
estudos, participando de importante curso sobre o Direito de Propriedade da
Terra, necessário a quem qui sesse
advogar com sucesso na região; ser-lhe-ia de grande proveito.
Tropeçando na linguagem sibilina em que
a carta fora vazada, linguagem de bacharel, o Coronel, imerso em dúvidas,
ordenou ao filho que viesse a Ilhéus explicar-se melhor pois não pretendia nem
achava possível decidir tal assunto por correspondência.
A seu ver, tendo completado o curso da
Faculdade de Direito, ostentando o rubi no dedo anular, emoldurados e postos na
parede da sala de visitas o diploma e o quadro de formatura, Venturinha estava
apto a iniciar a carreira e a palmilhar o caminho traçado: advogar, casar com
moça de família rica - tão rica pelo
menos quanto a dele - fazer política,
assumir as responsabilidades e os postos que lhe competiam.
Para isso o Coronel trabalhara como um mouro,
lutara de armas na mão, derramara sangue, correra perigo de vida. Não via
necessidade de novos cursos, não já se formara e recebera o canudo de doutor?
Colocado contra a parede, Venturinha não
teve jeito senão suspender a temporada carioca e vir argumentar de viva voz:
-
Interrompi o curso, estou perdendo aulas! - Lamentava-se.
Enternecida, dona Ernestina erguia-se em
apoio ao filho. Em geral não ousava discutir os planos do marido quando deles
tomava conhecimento, o que acontecia raramente.
Mas, naquela ocasião, saiu de
sua habitual pacatez para reclamar, com inesperada energia, a compreensão e o
indispensável financiamento do Coronel para que o seu menino pudesse
empanturrar-se de conhecimentos.
O que o menino queria era estudar,
pretensão louvável, como impedi-lo?
-
Curso ditado por mestres consagrados, os maiores especialistas.
Perorava Venturinha parado no meio da
sala, os braços erguidos para o alto.
está escrito.
Havia muito a impressão de que, para não
deixar dúvidas, as “coisas” deviam ficar escritas porque “palavras leva-as o
vento”. A palavra oral não tem o valor da palavra escrita.
O resultado está à vista: dois textos,
a Bíblia e o Corão, escritos há muitos séculos e milénios, muito antes da
Revolução Francesa, da Abolição da Escravatura, da Carta Universal dos Direitos
do Homem, dos avanços científicos, do esplendor da civilização ocidental e das
lutas sem fim pela conqui sta da
liberdade e do respeito pelos direitos, hoje consagrados, de todos os homens e
mulheres, esses dois textos, marcam as preocupações dos nossos dias.
Melhor seria que nunca tivessem sido
escritos, que tivéssemos ficado pelas “palavras leva-as o vento”.
Na América do Norte um grupo poderoso
de cristãos evangélicos mais um grupo de judeus, continua a dizer, como no
Velho Testamento, que Deus deu aos judeus o território de Israel e os deserdados
dos palestinianos, que sempre lá viveram, que façam o favor de se retirarem, a
bem ou a mal.
O Corão, 1500 anos depois de ter sido
escrito não faz sentido nenhum. Tomado literalmente é um Código Penal obsoleto
e inaceitável onde Deus, pela voz do Profeta, pretende regular cada hora e cada
aspecto da vida de um crente.
Tem sido assim a evolução da sociedade
árabe nestes últimos 100 anos fruto do petróleo e do conjunto de interesses que
à sua volta se constituíram.
Os mais ricos, compram palácios,
castelos e clubes de futebol, enquanto os outros mandam ensinar nas madrassas o
ódio aos ocidentais.
Assim, chegámos à génese do que é
verdadeiramente grave como problema mundial dos dias de hoje: diferenças
religiosas e culturais entre os povos ditadas pelo motor da fé.
Só resta resistir, lutar e resistir.
As Forças Armadas Portuguesas não
acertam com o campo de batalha. Lutaram em África para impedirem o legítimo
direito de acesso dos povos colonizados à independência e agora, para questões
da nossa sobrevivência e ao contrário do que faz a Holanda, a Bélgica e a
Dinamarca, cuja aviação está envolvida nos combates ao EI, ficam em casa a discutir
carreiras e promoções ou o outro magno problema que é fusão entre o Colégio de
Odivelas e o Colégio Militar.
“O apoio militar está fora de causa”
diz ufano e vitorioso o nosso carismático ministro dos Negócios estrangeiros,
Rui Machete.
Está cheio de razão Miguel de Sousa
Tavares no seu artigo de hoje no Expresso, leiam.
sexta-feira, outubro 10, 2014
Chamava-se Loukanikos ou o "salsicha" em grego e estava presente, na primeira linha, em todas as manifestações de protesto na Grécia. Morreu ontem de ataque cardíaco, anunciaram os seus donos. Honras lhe sejam prestadas.
Dulce Pontes - Mãe Preta
Mãe Preta é uma canção que surgiu no Brasil na década de 30 do século passado, sobre o drama pungente de uma ama negra no tempo da escravatura. Com música composta por "Caco Velho" (Matheus Nunes) e letra de "Piratini" (António Amabile), Mãe Preta chegou a Portugal nos primeiros anos da década de 50 pela voz da fadista Maria da Conceição. Esta versão portuguesa foi um êxito colossal, que as rádios tocavam sem cessar e que as pessoas cantarolavam e assobiavam por todo o lado. Até que, de repente, a Mãe Preta deixou de se ouvir nas rádios. E as pessoas interrogavam-se sobre este silêncio subitamente instalado:
O que é que aconteceu à Mãe Preta, que nunca mais ouvi no rádio?
- Não sabe? O Salazar proibiu.
- Oh, que pena! Era tão bonita!
Seria de esperar que, depois da queda da ditadura em 25 de Abril de 1974, a Mãe Preta reaparecesse em Portugal com a sua letra original, cantada por uma das novas vozes saídas após a Revolução. Porém, tal quase não aconteceu.
O que aconteceu foi que as novas fadistas voltaram a cantar o Barco Negro, que Amália Rodrigues cantara, e não a original Mãe Preta, que Maria da Conceição tinha popularizado. Foi o que fez Mariza e foi o que fez, mesmo, o brasileiro Ney Matogrosso. No meio das várias vozes que cantaram de novo o Barco Negro, uma voz, pelo menos, se fez ouvir com a "velhinha" Mãe Preta: a de Dulce Pontes.
(É disto que muita gente tem medo)
Telefonista:
Talvez não seja boa ideia...
- Cliente: O quê...?
- Telefonista: Consta na sua ficha
médica que o senhor sofre de hipertensão e tem a taxa de colesterol muito alta.
Além disso, o seu seguro de vida proíbe categoricamente escolhas perigosas para
a saúde.
- Cliente: Claro! Tem razão! O que é
que sugere?
- Telefonista: Por que é que não
experimenta a nossa Pizza Superlight, com Tofu e Rabanetes? O senhor vai
adorar!
- Cliente: Como é que sabe que vou
adorar?
- Telefonista: O senhor consultou a
página 'Receitas Gulosas com Soja' da Biblioteca Municipal, no dia 15 de
Janeiro, às 14:27 e permaneceu ligado à rede durante 39 minutos. Daí a minha
sugestão...
- Cliente: Ok, está bem! Mande-me
então duas Pizzas tamanho familiar!
- Telefonista: É a escolha certa para
o senhor, a sua esposa e os vossos quatro filhos, pode ter a certeza.
- Cliente: Quanto é?
- Telefonista: São 49,99.
- Cliente: Quer o número do meu
Cartão de Crédito?
- Telefonista: Lamento, mas o senhor
vai ter que pagar em
dinheiro. O limite do seu Cartão de Crédito foi ultrapassado.
- Cliente: Tudo bem. Posso ir ao
Multibanco levantar dinheiro antes que chegue a Pizza.
- Telefonista: Duvido que consiga. A
sua Conta de Depósito à Ordem está com o saldo negativo.
- Cliente: Meta-se na sua vida!
Mande-me as Pizzas que eu arranjo o dinheiro. Quando é que entregam?
- Telefonista: Estamos um pouco
atrasados. Serão entregues em 45 minutos. Se estiver com muita pressa pode vir
buscá-las, se bem que transportar duas Pizzas na moto, não é lá muito
aconselhável. Além de ser perigoso...
- Cliente: Mas que história é essa?
Como é que sabe que eu vou de moto?
- Telefonista: Peço desculpa, mas
reparei aqui que não pagou as últimas
prestações do carro e ele foi penhorado. Mas a sua moto está paga e então,
pensei que fosse utilizá-la.
- Cliente: Porr........!!!!!!!!!
- Telefonista: Gostaria de pedir-lhe
para não ser mal educado... Não se esqueça de que já foi condenado em Julho de
2006 por desacato em público a um Agente da Autoridade
- Cliente: (Silêncio).
- Telefonista: Mais alguma coisa?
- Cliente: Não. É só isso... Não.
Espere... Não se esqueça dos 2
litros de Coca-Cola que constam na promoção.
- Telefonista: O regulamento da nossa
promoção, conforme citado no artigo 095423/12, proíbe a venda de bebidas com
açúcar a pessoas diabéticas...
- Cliente:
Aaaaaaaahhhhhhhh!!!!!!!!!!! Vou atirar-me pela janela!!!!!
- Telefonista: E torcer um pé? O
senhor mora no rés-do-chão...!
RACISMO E
PRECONCEITO
Por Carlos de Matos Gomes
(Coronel do Exército reformado e escritor)
A
eleição que a direcção do Partido Socialista entendeu levar a cabo para
escolher o seu candidato a primeiro-ministro teve um efeito colateral: fez
estalar o fino verniz que cobre o racismo de muito boa gente com quem nos
cruzamos nas ruas, nos ecrãs de televisão e nas colunas dos jornais. De gente
que nos dá conselhos sobre o défice, o sistema político, a forma de sermos
felizes. Isto a propósito da cor da pele de António Costa.
A propósito desse assunto, que eu julgava fazer parte das secções de tratamentos de beleza das revistas de cabeleireiros e barbeiros, li e ouvi de tudo, não só de idiotas assumidos e reconhecidos, mas de gente que julgava imune a essa doença.
E o mais surpreendente foi verificar que o preconceito era transversal, vinha de mulheres e de homens, de pessoas que se afirmam progressistas, liberais, abertos e de conservadores e reaccionários das velhas cepas do salazarismo e do colonialismo. Só faltou o velho anúncio do restaurador Olex de não ser natural um preto com carapinha branca.
O preconceito racista – neste caso contra António Costa – prova a existência nos aparelhos políticos da noção de que vale tudo na luta política, à esquerda e à direita. O preconceito racista expôs as contradições dos dois grandes grupos da sociedade com os elementos caracterizadores das suas ideologias.
Os conservadores, a direita nacionalista,
que se assumem como os verdadeiros patriotas, os herdeiros das glórias da nação
que “deu mundos ao mundo” entram em conflito com a História de Portugal, que glorificam
e restringem à época de ouro dos descobrimentos e da diáspora colonial. Uma
certa esquerda, herdeira das revoluções francesa e russa, entra em conflito com
as ideias de igualdade.
O recurso ao argumento da cor da pele – um não branco, um hindu, um preto, um monhé, um chamussa – por parte daqueles a que Eça de Queiroz classificou de patrioteiros revela como o discurso salazarista do Portugal do Minho a Timor, todos iguais, todos portugueses não passava de um slogan para explorar os que não eram brancos.
Mais, revela como
os exemplos da Exposição do Mundo Português de António Ferro e de Henrique
Galvão e da História do Matoso para o 2º ciclo dos antigos liceus, utilizados
pelo regime durante 40 anos não passavam de pura e reles propaganda: o caso tão
cantado da política de miscigenação de Afonso de Albuquerque na Índia afinal
era e é uma treta.
Os patrioteiros acham bem que os valentes
marinheiros portugueses tenham copulado com mulheres indianas, mas não aceitam
os seus filhos como portugueses de pleno direito. Cantaram e apaparicaram a
teoria do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, mas afinal acham que os mulatos
só são bons para cantar, dançar e jogar à bola.
Mas nem tudo é ideologia. Há o mercado, claro. O preconceito racista agora revelado contra António Costa tem também uma forte componente de oportunismo político e partidário. António Costa entra no mercado dos votos da esquerda e da direita. Por isso os aparelhos partidários da esquerda e da direita utilizaram o argumento da cor para o esconjurar. António Costa tem politicamente dois pecados: sendo de “cor”, não é um pobre explorado, um trabalhador da construção civil, um operário, um proletário.
Sendo um “homem de cor”, é também um intelectual, um burguês. Não se enquadra nos estereótipos, incomoda uma certa esquerda e uma certa direita. Ele é alguém cuja “cor” lhe permite ser adoptado por minorias desfavorecidas como um dos seus e colher o seu voto. O que essa esquerda não pode admitir. E também visto como alguém que atingiu elevados patamares de sucesso “apesar da cor”.
Isto é, ele é excepcional, o que uma
certa direita não aceita, por ser um péssimo exemplo e um concorrente de peso.
Daí a acusação que alguém lhe fez de se ter maqui lhado
de branco para uma entrevista na TV, como quem diz: ele está a fazer-se de
branco, ele não é o “preto” que vos vai defender.
Daí os comentários de fim de semana dos gurus da direita nas TV: Passos Coelho que se cuide, que se ouviram logo a seguir à votação. Daí ainda duas outras acusações: Uma: Costa é o “mainato” o criado de Sócrates (como é preto não pode ser patrão de si mesmo). Costa que diga qual é o seu programa (como é preto não tem nada na cabeça. Já agora, qual é o programa de Passos Coelho, o de Jerónimo de Sousa, o do Semedo e Catarina, ou até o de Seguro, para não falar no de Portas?)
A utilização do preconceito racista contra
António Costa revela os limites da abertura ao mundo dos portugueses, os seus
medos e, no final, a sua mesqui nhez.
Revela porque somos pobres e marginais.
A expulsão dos judeus é considerada hoje uma
das causas da nossa decadência e do nosso subdesenvolvimento, o preconceito
racista está na mesma linha. Conheci Orlando Costa, pai de António Costa,
escritor, linguista de mérito, Aqui no
de Bragança, um dos grandes intelectuais que pensava o papel de Portugal no
mundo que se reorganizava após a 2ª G.G. ambos naturais de Goa; estudei num
colégio com muitos colegas de África, quase todo o comité central do PAIGC –
Filinto Barros, Fidélis Almada, heróis como Areolindo da Cruz… conheci
intelectuais negros como Mário Cabral, como Mário Pinto de Andrade, percebo
agora melhor porque os afastámos de nós, porque fizemos deles nossos inimigos
na guerra colonial.
Perante o triste espectáculo do racismo latente, profundo, revelado na campanha contra António Costa, percebo hoje melhor o logro da chamada “política ultramarina” dos governos de Salazar e de Caetano.
Parece-me agora evidente que Amílcar Cabral, sendo português,
engenheiro agrónomo não podia ser chefe do governo de Portugal. Nem o médico
Agostinho Neto. Nem o professor Eduardo Mondlane, nem nenhum dos portugueses de
cor, mesmo que nascidos em Portugal, mesmo que formados em universidades
portuguesas. Isto é, esses homens e mulheres não eram e sentiram que não eram
portugueses.
Eram Antónios Costas, que, logo que se
apresentassem a disputar um lugar de poder para o qual estavam intelectual e
profissionalmente capacitados, logo alguém lhes lembraria a cor da pele.
Esta campanha de racismo contra António Costa
revela também a hipocrisia da homenagem nacional e verdadeiramente popular que
foi feita a Eusébio. Um artista de cor? Excelente. Diverte-nos. Podemos
exibi-lo. Um primeiro ministro de cor? Inaceitável. Coloca em causa a nossa
matriz. Esta campanha explica ainda o racismo e o preconceito subjacente nas
homenagens a “heróis da guerra do ultramar”. Heróis aclamados porque nunca
entenderam os direitos dos “de cor” a discordarem dos brancos, a
governarem-nos, se fosse caso disso, ou então a governarem-se sem tutelas.
Por isso, para esses, não é admissível ter na
presidência do governo alguém de “cor”, mesmo que nascido em S. Sebastião da
Pedreira, na Maternidade Alfredo da Costa (por acaso também ele um médico de
“cor”), licenciado em direito pela universidade de Lisboa, mas filho de um intelectual
e democrata Orlando Costa, descendente de goeses, brâmanes convertidos ao
catolicismo.
Isso é que não pode ser! Ofende a pureza do sangue celta, de onde
saíram, pelo que vejo na televisão a cores, os loiros Passos Coelho, Paulo
Portas, Paula Teixeira da Cruz, Maria Luíz Albuquerque, Carlos Moedas, o
defunto António Borges, mas também Teresa Guilherme, a loiríssima Lili Caneças,
Ricardo Espírito Santo, e até, segundo alguns quadros, o menino rei D.
Sebastião, o responsável pelo maior desastre da nossa História.
PS – Este
ataque racista a António Costa de que Carlos
Matos Gomes fala neste texto, foi pretexto para
desenterrar muito lixo do passado.
Eu estive em
Moçambique, local de portugueses racistas, uns envergonhados outros assumidos e
declarados que por lá viviam há muitos anos reconfortados e inspirados pela vizinhança do
Apartheid na África do Sul.
De um, lembro-me eu,
trabalhava no meu Serviço quando lá cheguei, em Setembro de 1972, e a quem, depois de uma primeira conversa, não mais voltei a falar. Não vou repetir o que ele pensava porque me enoja.
Carlos Matos Gomes conheceu essa realidade: dos brancos, dos castanhos ou monhés, dos chineses, dos mulatos, uma vergonhosa palete de cores humanas.
Durante os três anos em que vivi em Moçambique recusei visitar a África do Sul de então para não ser confrontado com a descriminação racial nos hotéis e em outros locais públicos. Uma amiga minha que estudava na Suiça foi lá e ficou chocada por não ter podido encontrar-se com um amigo não branco no hotel onde estava.
Alguns desses que integram a palete de cores, nasceram lá, vieram para Portugal estudar e nunca mais regressaram. Aqui fizeram vida e carreira, tive-os como colegas, alguns brilhantes. Não mais voltaram à terra que os segregou.
Outros nasceram cá, como o António Costa e ainda bem porque me permitiu, com toda a propriedade, uma alternativa de voto ao Tó Zé.
De qualquer maneira, foi uma surpresa para mim este regresso de concidadãos meus aos velhos preconceitos racistas que eu julgava enterrados juntamente com os colonialistas de então mas, tudo quanto é erva ruim, arranja sempre forma de resistir.
Se lembra de Venturinha, Maria Gina? |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 71
O sol lá estava em brasa marcando a hora, se o trem de ferro não se atrasasse, daí a pouco Venturinha desembarcaria em Taquaras.
Será que ele ainda se recorda de Maria
Gina?
Natário a conhecia da Fazenda Atalaia,
menina já destrambelhada, o olhar vago, sorrindo sem por que, mostrando as
partes.
Venturinha experimentara mulher fazia
pouco, vivia arretado, não podia ver rabo-de-saia.
-
Se lembra de Venturinha, Maria Gina?
A rapariga suspendeu a marcha, ficou
parada no caminho segurando os galhos, fez um esforço; a memória vinha de
longe, da outra banda, embrulhada, confusa de sonhos e visões:
-
Quem, seu Capitão? - Do Capitão, sim, ela se lembrava: quando o lobisomem
começara a espancá-la, ele se intrometeu, tomou as dores da indefesa, partiu o
lobisomem em três pedaços e o malvado nunca mais voltou a maltratá-la.
-
Não me lembro não.
-
Venturinha, o filho do Coronel, lá da Atalaia. Faz um tempão.
-
Do filho não se lembra não. Só se lembra do Coronel, ele
gostava de deitar mais eu, era bondoso.
Havia quem não qui sesse
andar com ela por ser lesa. Com medo de castigo do céu, pois essas criaturas
pancadas são da estimação de Deus, quem delas abusa pode pagar caro, aqui na terra, ou depois quem sabe onde.
Venturinha não acreditava em agouros, derrubava
Maria Gina debaixo da barcaça no cheiro do cacau posto a secar. Do Coronel,
Natário nunca soubera nem desconfiara.
-
O coronel Boaventura?
-
Tinha o peito cabeludo, bom de passar a mão.
Recomeçou a marcha lenta, os olhos outra
vez perdidos, os lábios abertos no sorriso de júbilo: ia à procura do rei da
Babilónia, dono do sol.
Meteu no cós da saia as moedas que o Capitão lhe
pôs na mão.
O capitão Natário da Fonseca esporeou a mula,
ganhou distância.
Se o trem de ferro cumprisse o horário,
Venturinha não tardaria a desembarcar. Doutor formado. Será que ainda se
recorda de Maria Gina?
6
Nem em Dezembro, tampouco em Maio: os
planos do Coronel viram-se adiados novamente. Até quando? A pergunta ficara no
ar, Venturinha não fixara data: o curso de especialização não tinha prazo certo
para terminar. Prolongar-se-ia por alguns meses, cinco ou seis, quantos, exactamente,
não sabia: no máximo até Dezembro. Mas como deixar escapar uma oportunidade
daquelas?