Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, abril 19, 2014
ANNE MURRAY - YOU NEEDED ME
É uma canção linda, repousante, muito bem cantada por Anne Murray, nascida em 1945, cantora de música country canadense. Iniciou a sua carreira em 1968 e até hoje mantem-se no mundo da música.
- O Nosso 1º Rei – O Fundador
Extraído da Obra de Aqui lino
Ribeiro – Príncipes de Portugal -
-
Suas Grandezas e Misérias.
No seu leito de agonizante, voz sumida e
entrecortada, olhos gázeos de quem está a passar as alpodras para as paragens
de que nunca mais se volta, o conde D. Henrique ditava ao filho as últimas
vontades. Era nos paços de Astorga:
-
Desta terra que te deixo, não percas um palmo. Ganhei-a à custa de muito
esforço e trabalho. Convoca os Concelhos para que te prestem homenagem e
leva-me depois a enterrar a Santa Maria de Braga, que eu povoei. Mas regressa
depressa, que esta vila deves guardar a todo o preço, pois daqui podes romper adiante à conqui sta
de terra.
Se te parecer mais seguro, manda-me a
enterrar com alguns vassalos meus e teus. E eu te abençoo, filho do coração,
para que sejas sempre ao serviço de Deus com muita e prosperada honra.
O Infante, logo que o pai cerrou os
olhos, tratou de cumprir o que ele ordenara. Entre acompanhar ou não o corpo à
sepultura, qui s proceder como os
conselhos determinassem. E ele lá foi, a alma de luto carregada de pesares e
sobressaltos.
Quando voltou a mata-cavalo, encontrou a
terra asonhoreada por seu primo, rei de Castela.
Foi esta a primeira e dura lição aos
seus crédulos e inexperientes anos. E agora?
Volveu a Portugal para levantar gente e
não encontrou castelo ou choupana onde se acolher.
Que sina a sua!
Por um lado, esbulham-no no que era seu
e por outro escorraçavam-no como desmancha-prazeres e aventureiro.
Sua mãe, D. Teresa, não podia fugir à
matéria de que era feita sua irmã, D. Urraca, que todos os historiadores dão
como uma maluca de tomo, infiel a dois maridos com vários amantes e aos amantes
com quantos bonifrates souberam falar aos seus bonitos olhos.
Ainda o corpo do conde D. Henrique não
arrefecera na campa já ela se matrimoniava com D. Vermuim Peres de Trava,
fidalgo galego de muita prosápia e ainda
a lua-de-mel não era transcorrida, viera o irmão deste, Fernando Pernes de
Trava, conde da Trastâmara e porque, fosse ele muito abutre ou ela muito garça,
tomou-lha.
O que se esqueceram foi de explicar como
foi possível acomodar o direito canónico com tão volúvel fantasia de mariposa.
Por toda a Galiza e terras portucalenses
não houve frade nem leigo que não levasse a mão à testa a benzer-se.
Quando o infante D. Henrique se viu desagasalhado
de todo porquanto a terra que o pai lhe deixou se alçara para a mãe e para o
conde da Trastâmara, correu trancos e barrancos como um lobato sem covil.
Por artes e manhas conseguiu
introduzir-se nos castelos de Feira e de Neiva, que ergueram pendão por ele e,
daqui , desatou a guerrear com o
padrasto, fazendo-lhe quanto mal podia e não lhe deixando um instante de tranqui lidade.
Então, o padrasto, Fernando Peres de
Trava, propôs-lhe o seguinte acordo:
-
Acabemos com isto, que estas sarrafuscas não conduzem a nada mais do que a
moermos a paciência de parte a parte.
Proponho-vos que nos encontremos onde e
quando qui serdes, e quebremos
lanças. A sorte das armas dirá quem há-de sair de Portugal, eu ou vós.
Aceitou o Infante o desafio,
todavia não sem que primeiro retorqui sse
ao conde:
- Sair eu de Portugal? Deus não há-de permitir
que a rosa do sol cubra tal iniqui dade!
A terra é minha que muito bem a ganhou meu pai.
- Minha é que ela é – replicou Dª Teresa – que
ma deu e deixou D. Afonso de Castela, meu pai e imperador.
- Pois ver-se-á quem é o dono.
Encontraram-se nos
arrabaldes de Guimarães e Dª Teresa estava ao lado do conde a ampará-lo na
peleja com suas amabilidades de amor.
O Infante foi desbaratado e
só o galope de um bom ginete o pôde salvar. A uma légua de Guimarães corria a
bom correr quando topou com a hoste de Egas Moniz, seu aio. Assim que este foi
inteirado do corrente da batalha, repreendeu severamente o Infante,
dizendo-lhe:
- Andaste mal em cometer o combate, sem eu
estar. Mas tornemos atrás que talvez ainda seja tempo de virar a roda da
fortuna.
Volveram ao campo e, porque
o Infante atacasse de improviso, a gente do conde estivesse quebrantada da
refrega havida antes, ou porque defrontasse agora menor poder, ganharam a
batalha.
O conde saiu de Portugal,
como cumpria a sua palavra de cavaleiro, mas a mãe, que fora impiedosa e a quem
guardava rancor, sem falar na sua desumanidade, pelo opróbrio lançado à memória
do conde D. Henrique, meteu-a em ferros, pouco caso fazendo das suas juras e
imprecauções:
- Maldito sejais, filho D. Afonso, víbora que
trouxe nove meses nas entranhas! Deserdais-me da terra que me deixou meu pai, qui tais-me meu marido, e ainda por cima me
prendeis!... Terás o pago! Hoje deitais-me ferros às pernas que vos trouxeram
quando eras menino, mas com ferros haveis de ter as vossas quebradas, que a
Deus o peço e Deus Nosso Senhor há-de ouvir-me!
Além das maldições, que era
o menos, teve artes Dª Teresa de passar recado a D. Afonso VII de Castela,
estimulando-o que, pois Portugal lhe pertencia de direito, viesse, tanto por
recobrar o que era seu como pelo que devia à virtude, acudir a sua tia,
arrancada ao marido e metida em prisão tão desonesta.
O rei castelhano, que era
impulsivo e grandioso mandou logo aprestar os seus homens de armas de Castela,
Leão e Galiza e, em grande espavento, marchou contra o Infante de Portugal.
Este saiu-lhe ao encontro em
Arcos de Val-de-Vez, infligindo-lhe tal derrota que lhe aprisionou sete condes
e infinitos cavaleiros e ele, ferido com duas lançadas, teve de largar à rédea
solta para Toledo, com medo de perder aquela cidade.
Aos 82 anos de idade, Frederico casou-se com Ana, de 27 que,
em consideração ao marido tão idoso, decide que devem dormir em quartos
separados.
Terminada a festa do casamento, cada
um vai para o seu quarto.
Ana prepara-se para deitar, quando
ouve batidas fortes na porta...
As batidas insistem.
Ao abrir a porta, ela se depara com
Frederico, com seus 82 anos, pronto para acção.
Tudo corre bem e após
uma relação quente e vigorosa...Frederico despede-se e vai para o seu quarto.
Passados alguns minutos, Ana ouve
novas batidas na porta do quarto...
É Frederico, novamente pronto para a
acção.
Ela surpreende-se mas deixa-o entrar.
Terminada a relação, Frederico
beija-a carinhoso e despede-se, indo pra seu quarto.
Ana prepara-se pra dormir novamente,
quando escuta fortes batidas na porta. Espantada, Ana abre e depara-se com...
Frederico!!!
Mais do que pronto para a acção, com aspecto vigoroso e renovado.
Diz ela:
- Estou impressionada que em sua idade possa repetir a relação com esta frequência. Já estive com homens com um terço de sua idade e eles contentavam-se apenas com uma vez. Você, Frederico, é um grande amante!
Desconcertado, ele pergunta:
- O quê!!!???? Mas eu já estive a
MORAL DA HISTÓRIA:
O Alzheimer lá tem suas vantagens!
O Título de Vasco era dos verdadeiros |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 59
Da navegação astronómica ao Direito Internacional Marítimo, capítulo extremamente erudito.
Durante um mês riu às gargalhadas o
Comandante Georges Dias Nadreau, gozando o nervosismo de Vasco, seu esforço de
aluno aplicado, cobrando-se assim do favor que lhe prestava.
Divertiam-se também o coronel, Jerónimo
e Lídio, o Tenente Mário e o Tenente Garcia. Vasco chegara a emagrecer, tanto
zelo empregava na tarefa de decorar as respostas complicadas às três perguntas
de cada matéria, repletas de sextantes, ventos e correntes marítimas, fretes,
mares territoriais e mares internos, higrómetros, indicações magnéticas, uma
confusão.
Todas as tardes, por ordem expressa do
comandante, submetiam o alarmado candidato a uma sabatina. A princípio, Vasco
embrulhava-se nas palavras desconhecidas, a memória refractária àqueles termos
arrevesados, o Tenente Garcia ameaçando reprová-lo. Era um custo levá-lo para o
bilhar, o poker, as mulheres, queria Vasco gastar as noites no estudo.
Mário e Garcia viveram à tripa forra
durante aqueles trinta dias. Vasco convidava-os diariamente para jantar,
pagava-lhes aperitivos, vinho português do bom e do melhor, ceias na Pensão
Monte Carlo.
Pouco a pouco foi-se assenhorando das
respostas, familiarizando-se com os nomes esdrúxulos dos instrumentos de bordo.
Na Capitania dos Portos, o Tenente Mário mostrou-lhe um dia alguns daqueles
objectos, Vasco entusiasmou-se. Pareciam-lhe belos e apaixonantes, começava a
amar sua nova profissão.
O pior de tudo foi ter de copiar, com
sua letra, o trabalho elaborado pelo Tenente Mário, “sua tese de formatura”,
como costumava dizer.
Longo, de trinta e duas páginas de
escrita incompreensível, como se o rapaz fosse médico e não oficial da Marinha,
e cheio de borrões.
Passava as manhãs a copiá-lo, trancado
na sala, a criada proibida de abrir a porta para quem quer que fosse.
Entregue e aprovado o trabalho,
marcou-se finalmente o dia do exame oral. Cerimónia solene, com o coronel
presente e fardado, Dr. Jerónimo e o Tenente Lídio Marinho.
Marinheiros em posição de sentido guardavam a
porta da sala, onde a banca examinadora, constituída pelo Comandante Nadreau e
os dois joviais tenentes da Marinha, sentava-se cheio de gravidade ante a
grande mesa repleta de objectos e mapas.
Pálido e emocionado, Vasco foi introduzido por
um marinheiro, repetindo em voz baixa, numa última rememoração, as perguntas e
respostas.
Ouviu seu nome proclamado enfaticamente
por Georges, aproximou-se, sentou-se rígido na cadeira em frente à mesa, o
coração aos saltos. Mas as respostas saíram-lhe fáceis e correctas, sem um
erro, sem um deslize de pronúncia sequer.
Aprovado plenamente, o diploma foi
expedido, assentados num livro da Capitania dos Portos o nome e o endereço do
novo capitão de longo curso.
Cada vez que mudasse de casa devia
comunicar à Capitania a nova residência. Era um livro grosso, de capa verde e
encadernada, com as armas da República.
Em cada página um nome, com a data do
concurso, a qualidade da aprovação, números e referências, a idade, o estado
civil, o endereço do titular.
Poucas páginas preenchidas, uns quantos
nomes apenas antes do nome de Vasco. E quase todos possuidores apenas de
“cartas de borracha” como eram chamados os títulos dos comandantes de navios
fluviais, para cuja obtenção dispensava-se o trabalho escrito e reduzia-se o
exame oral.
Eram esses títulos facilitados aos
comandantes de barcos a vapor no rio São Francisco, aos quais era vedada a
navegação marítima, os caminhos do oceano.
O
título de Vasco era dos verdadeiros, dava-lhe o domínio dos rios, dos grandes
lagos e dos mares, estava autorizado e tinha direito a comandar navios de todas
as nacionalidades e bandeiras, em todas as rotas, nos cinco oceanos. Armado com
o Direito Internacional Marítimo e a ciência da navegação astronómica.
sexta-feira, abril 18, 2014
Caterina Caseli - Il Gioco Dell' Amore
Regressemos a 1969, Sanremo. Caterina, vista com os olhos de hoje é ainda o máximo da beleza feminina, madura e intensamente sensual: estupenda é dizer pouco...
Depois é o romantismo da época que então nos fazia sonhar... "Senhor, ajuda-me Tu, não sei mais viver sem ele..." cantava ela.
Nasci neste Portugal de pessoas católicas ou simplesmente ditas católicas e é tal a força da tradição milenar religiosa que todos, crentes ou não, estamos marcados por um passado cultural que começou no dia em que nascemos.
Era assim na minha geração, agora é menos.
As comemorações religiosas da morte e
ressurreição de Jesus, o inspirador da religião católica a partir da mensagem
que ele difundiu entre o seu povo, durante o seu breve período de vida e que
chegou até nós através de escritos em datas posteriores á sua
morte - os evangelhos - uns oficiais, quer dizer reconhecidos como bons pela autoridade da
Igreja de Roma, e de outros por ela considerados falsos, não autênticos, não
fiéis à “verdade” não histórica mas religiosa.
Esta “passagem” da vida de Jesus: morte
e ressurreição constitui a “chave” da religião católica que transforma a
mensagem de Jesus aos homens deste mundo, seus contemporâneos, numa profissão
de fé com a força de uma religião porque implica este mundo e o outro.
O seu autor não podia ser um simples mortal
apenas portador de uma mensagem de justiça, amor e de igualdade entre os
homens… ele tinha que ressuscitar, subir aos céus e sentar-se à direita de Deus
Pai Todo Poderoso…
Assim, sim, ganhou transcendência.
Com o poder que lhe advém de estar onde
está ganhou a capacidade de ser adorado… Como homem que foi apenas seria
respeitado, admirado, mais uma figura histórica possivelmente até já esquecida.
Terá sido um golpe de génio dos seus
seguidores não completamente original porque, naqueles povos, já outros teriam
sido imortalizados para que a sua herança reganhasse força, seguidores e
adeptos.
As recreações da morte de Jesus, como
forma de a comemorar, são sinistras, mórbidas, trágicas, quer se passem nas
ruas do mundo católico ou nas telas do cinema.
O sacrifício, sofrimento, crueldade e
sangue, sempre foram espectáculo para o homem que foge da sua própria dor mas
goza com a dor do seu próximo… mesmo que seja o seu vizinho.
Foi assim com a morte dos cristão nos
circos romanos, continuou a ser assim, mais tarde, com as Praças cheias de
gente para verem queimar pessoas nos tempos da Inqui sição
e continua hoje nas recriações feitas um pouco por todo o mundo católico.
A exaltação da dor que purifica faz
parte de um esquema que se aproveita dos “podres” da natureza humana para
afirmar a força da fé, da dependência e obediência a um deus que tem de amedrontar
para se impor mesmo quando a sua mensagem foi de paz, amor e não violência.
Lembrem-se do que dizia a comediante
americana Cathy Ladman:
- “todas as religiões são iguais porque,
basicamente, não passam de um sentimento de culpa e medo com feriados diferentes...”
Como membro da sociedade em que vivo, e
ao contrário do Natal, não gosto da Páscoa mas ela não foi concebida para ser
gostada mas sim, para infundir respeito, veneração, medo...
Não tem a ver com a paz, o amor entre
os homens, a família, como o Natal, mas apenas com o natural mas violento, fim de uma vida transformada em mistério
para um ajuste de contas lá no outro mundo como grande argumento para se ir
mandando neste...
A grande trapaça não cabia neste
mundo... foi preciso outro!
E no dia da entrega do título, vamos fazer uma farra bestial... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 58
- Tem razão. Esqueci de lhe dizer que
não é necessário ser piloto, prático, oficial de bordo para fazer o concurso. É
aberto a todo mundo.
É claro que, em princípio, só o requerem
homens de bordo, em geral após uma vasta experiência. Mas ainda há pouco, para
certificar-me, estudei a lei que estabeleceu o concurso: é aberto a qualquer
pessoa. Só você requerer. Aliás, já estou com o borrão do requerimento pronto,
você só tem o trabalho de copiar e assinar.
Estendia-lhe outro papel, Vasco ficava
com ele na mão:
- Muito bem, posso requerer. E como vou
fazer os exames, não sei nada desse latim todo, nunca vi coisa tão complicada.
Sem falar na tese, onde vou buscar conhecimentos para escrevê-la? Não gosto de
escrever nem carta, levei muito esporro de meu avô por isso...
- Já providenciei tudo, meu velho. A
tese, descrição de uma viagem de Porto Alegre ao Rio, passando por
Florianópolis e Paranaguá, já está sendo escrita.
- Você mesmo?
- Não, até aí não vou, estou velho para
isso. O Tenente Mário está lhe prestando esse favor... Depois você, se qui ser, lhe dá um presente... Uma besteira
qualquer...
- O que ele preferir, sem falar na minha
amizade eterna, Mas, e os exames orais? Não sei pitangas de nada do que está
nesse papel.
- Simples, meu filho, pensei em tudo. Sobre cada
matéria vamos formular duas ou três perguntas e, ao mesmo tempo, as respostas.
Lhe entregamos perguntas e respostas. Você decora as respostas, presta os
exames, é aprovado com distinção, recebe seu bendito título.
Vasco parecia duvidar da realidade
daquela oferta inesperada.
Georges continuava:
- Não se esqueça que a banca examinadora
é nomeada e presidida por mim. vou designar o Tenente Mário e o Tenente Garcia,
bons rapazes e seus amigos. E fica sendo você comandante, jurado e
sacramentado, e sem perigo para a humanidade porque jamais irá se meter a
comandar navio.
- Deus me livre.
Georges levantou-se, bateu nas costas de
Vasco:
- E, se depois me aparecer ainda de
crista caída, junto aos marinheiros, mando lhe dar uma surra.
O coronel interveio, esfregando as mãos:
- E no dia da entrega do título, vamos
fazer uma farra bestial.
Maior que a de ontem... Dessas de lavar a alma.
- Daqui
a um mês reunirei a banca examinadora - anunciou Georges.
- Por que tanto tempo? - amedrontou-se
Vasco.
- Você já está apressado, hein? Para dar
tempo a Mário de redigir o trabalho escrito e a você de copiá-lo com sua letra
e decorar as respostas para a oral, uma por uma, tintim por tintim.
Tem que saber tudo na ponta da língua.
Esse é o preço que você vai pagar pelo título de capitão de longo curso, seu
comandante de merda.
- E se eu me atrapalhar na hora do
exame, se ficar nervoso?
- Não se atrapalhe, não fique nervoso. E
agora copie o requerimento e depois dê o fora, tenho trabalho a fazer.
- Vamos começar a preparar as
comemorações - avisou o coronel.
Vasco curvou-se sobre o papel, passou a
copiar. Estava tonto, tudo aqui lo
parecia-lhe irreal, um sonho absurdo. Sentia os olhos húmidos, mal podia
enxergar as letras. Nada no mundo igual à amizade, os amigos são o sal da
terra. Gostaria de dizer-lhes, não sabia como.
quinta-feira, abril 17, 2014
Alentejano descansando à sombra de uma azinheira... |
Como é um alentejano?
- É, assim, a modos que atravessado. Nem é bem branco, nem preto, nem castanho, nem amarelo, nem vermelho....
E também não é bem judeu, nem bem cigano.
Como é que hei-de explicar?
É uma mistura disto tudo com uma pinga de azeite e uma côdea de pão:
Dos pretos, o gosto pela savana, por não fazer nada e pelos prazeres da vida;
Dos judeus, o humor cáustico e refinado
e as anedotas curtas e autobiográficas;
Dos árabes, a pele curtida pelo sol do
deserto e esse jeito especial de nos escarrancharmos nos camelos;
Dos ciganos, a esperteza de enganar os
outros convencendo-os de que são eles que nos estão a enganar a nós;
Dos brancos, o olhar intelectual de
carneiro mal morto;
Dos vermelhos, essa grande maluqueira de
sermos todos iguais.
Ou melhor, uma caldeirada feita com os melhores ingredientes de
cada uma das raças.
Não é fácil fazer um alentejano.
Por isso, há tão poucos.
É certo que os judeus são o povo eleito de Deus.
Mas os alentejanos têm uma enorme vantagem sobre os judeus:
nunca foram eleitos
por ninguém, o que é o melhor certificado da sua qualidade.
Conhecem, por acaso, alguém que preste que já tenha sido eleito para alguma
coisa?
Até o próprio Milton Friedman reconhece isso quando afirma que:
- «as
qualidades necessárias para ser eleito são quase sempre o contrário das que se
exigem para bem governar».
Era um descanso!!!...
Quarteto Feminino Alemão
É o que se pode dizer: começar com a raiva toda... habilidades à parte é um prazer ouvi-las.
- MINHA AVÓ
De José SARAMAGO
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal.
Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira - sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste a lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma. Vives. Para ti, a palavra Vietname é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguete de cores. Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro.
Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos - e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena.
O mundo continuará sem ti - e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava. Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior.
Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!.
É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua.
Zé
Que lhe parece: Comandante Vasco Moscoso de Aragão... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
Episódio Nº 57
- Pois eu lhe arranjo o título -
reafirmou Georges. - Que lhe parece, seu Vasco, o título de capitão-de-longo-curso?
Sabe o que é um capitão de longo curso?
Vasco ouvia desconfiado:
Comandante de navio mercante, não é?
- Isso mesmo... Que lhe parece:
Comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão-de-longo-curso?
- Mas, como? - voltava-se para o coronel:
- Como?
- É simples. Georges vai lhe dizer...
O capitão dos portos cerrou os olhos,
recostou-se na cadeira giratória, seu rosto cobriu-se de beatitude, começou a
explicar. Naquele tempo o título de capitão de longo curso, o posto de
comandante da Marinha Mercante, não era obtido numa escola após frequência
regular aos estudos e exames anuais.
Conqui stavam-no
os imediatos e pilotos de larga experiência, os práticos e oficiais de bordo,
através de um concurso, requerido e prestado na Capitania dos Portos, ante uma
banca examinadora constituída por oficiais da Marinha.
Constava o concurso, bastante puxado e
difícil por sinal, da apresentação de um trabalho, uma espécie de tese de
doutorado, na qual o candidato demonstrava sua competência descrevendo uma viagem
marítima, num trecho da costa com todas as minúcias geográficas e técnicas,
desde a saída de um determinado porto até a chegada a um outro.
Nesse trabalho devia o candidato resolver
diversos problemas de navegação, em mar calmo, em meio a tempestades, defeitos
no barco, ameaça de naufrágio.
Aprovada a tese, sujeitava-se então a
exames em diversas matérias, provas orais somente: Navegação Astronomia,
Meteorologia, Polícia de Navegação Marítima e Fluvial, Direito Comercial
Marítimo, Direito Internacional Marítimo, Máqui nas
e Caldeiras de Bordo.
Tendo passado nos exames, entregavam-lhe
o título, podia sair mar afora no comando de seu navio.
- Simples, não é? - perguntava-lhe
Georges, estendendo-lhe uma folha de papel na qual pousaram os assombrados
olhos de Vasco.
Passou a vista pela folha cheia de uma
escrita miúda porém nítida.
Ficou sabendo que o exame de Navegação
Astronómica compreendia o uso e a rectificação do sextante, o uso e o traçado
das cartas, a navegação ortodrómica (sobre o círculo máximo), o uso e o estudo
completo do cronómetro, o uso, a teoria e a rectificação das agulhas
magnéticas.
Nem qui s
informar-se das outras matérias. Pousou o papel sobre a mesa, não havia mais
dúvidas, Georges estava a divertir-se à sua custa, mais uma vez.
- Você tinha me prometido... - ... um título
e estou cumprindo ... ,
- ... que não ia fazer pilhéria ... ,
- E que porra de pilhéria eu estou
fazendo? - ficava brabo.
- Ora, não está... Um exame desses...
Sem falar que eu não sou nem piloto, nem imediato, nem prático, nem coisa
nenhuma. Até hoje só entrei em navio desses aí do rio Paraguaçu, para ir até
Cachoeira.
Uma vez fui a Ilhéus, no Marahu, um da
Companhia Baiana, atrás de uma u'a zinha. Vomitei a alma, nunca vi jogar tanto nem
tamanha fedentina.
quarta-feira, abril 16, 2014
Era
o meu 39º aniversário e o meu humor não estava grande coisa. Nessa manhã, ao
levantar-me, dirigi-me à sala para beber o café na expectativa que o meu marido
dissesse:
-“Feliz aniversário, querida!”… mas
ele não disse nada.
- “Este é o homem que eu mereço!”… pensei eu.