Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, outubro 03, 2009
AINDA A PROPÓSITO DOS OLHOS
NOS OLHOS
A vida moderna está muito distante da sociedade de pequena escala e às vezes torna-se tão hirárquica e competitiva que mais parece um bando de chimpanzés ou uma matilha de lobos.
O que acontece quando atravessamos a divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?
Pergunto-me se os óculos de sol não serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárquicos?
Cheio de curiosidade a este respeito, David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros primatas, e recebeu a seguinte resposta:
- "Não conheço dados, mas vi o Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de sol."
Estes comportamentos revelam uma preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.
A humanidade evoluiu, cresceram os grupos sociais, hierarquizaram-se inevitàvelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a humanidade encontrava-se por sua conta... , o igualitarismo das sociedades primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição veio para ficar, resta saber se para nos destruir.
Certo, é que nos continuamos a extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto humano. A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?
O que acontece quando atravessamos a divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?
Pergunto-me se os óculos de sol não serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárquicos?
Cheio de curiosidade a este respeito, David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros primatas, e recebeu a seguinte resposta:
- "Não conheço dados, mas vi o Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de sol."
Estes comportamentos revelam uma preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.
A humanidade evoluiu, cresceram os grupos sociais, hierarquizaram-se inevitàvelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a humanidade encontrava-se por sua conta... , o igualitarismo das sociedades primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição veio para ficar, resta saber se para nos destruir.
Certo, é que nos continuamos a extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto humano. A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?
Retirado do Blog do Jumento:
É bom ver como os intelectuais do PSD respeitam os portugueses:
É bom ver como os intelectuais do PSD respeitam os portugueses:
«O povo português acaba de demonstrar a sua fatal propensão para viver num mundo às avessas. Não há nada a fazer senão respeitá-la. Mas nenhum respeito do quadro legal, institucional e político me impede de considerar absolutamente vergonhosa e delirante a opção que o eleitorado acaba de tomar e ainda menos me impede de falar dos resultados com o mais total desprezo.
Só o mais profundo analfabetismo político, de braço dado com a mais torpe cobardia, explica esta vitória do Partido Socialista.» [Diário de Notícias]
Só o mais profundo analfabetismo político, de braço dado com a mais torpe cobardia, explica esta vitória do Partido Socialista.» [Diário de Notícias]
Comentário do Jumento:
Este merdas do Vasco Graça Moura (autor do Artigo do DN) foi deputado europeu e não conseguiu aprender a comer à mesa!
sexta-feira, outubro 02, 2009
PARABÉNS AO BRASIL
Parabéns ao Brasil e à cidade do Rio de Janeiro. Pela primeira vez os Jogos Olímpicos vão ter lugar, em 2016, na América do Sul, na cidade que é um autêntico capricho da natureza pelas belezas que reúne.
Tive oportunidade de a visitar em Dezembro de 1995, fiz a festa da passagem de ano, não à janela do hotel sobranceiro à praia de Copacabana, mas no próprio areal da praia para onde, minutos antes, centenas de milhares de pessoas ao longo dos seus cerca de seis quilómetros tinham sido autenticamente “despejados” pela estrada e passeio da marginal.
Vestidos de branco, com taças e garrafas na mão, ao soar da meia-noite, as pessoas abraçaram-se e beijaram-se numa irmandade de uma dimensão e euforia impossível de conceber fora daquele contexto.
Se existe algum sítio no mundo em que num espaço aberto, uma imensa praia de uma enorme baía, nos podemos sentir fazendo parte de uma família de quase um milhão de pessoas (leu bem, é este o número), esse sítio só pode ser a praia de Copacabana da cidade do Rio de Janeiro na noite de 31 de Dezembro.
O Comité Olímpico Internacional concedeu, com justiça, ao Rio de Janeiro, uma prenda que gostava de ter sido eu a dar pois ainda hoje sinto o calor e a espontaneidade dos abraços que recebi de tantas pessoas desconhecidas apenas porque estavam felizes e eu era só mais uma no meio delas.
Impossível esquecer esse momento que para mim foi uma surpresa de todo inesperada. Eu apenas tinha ido para a marginal para ver melhor, pensava eu, o fogo de artifício.
Vi pior o espectáculo pirotécnico pois o fumo dos foguetes, por cima de nós, a partir de certa altura, constituiu uma nuvem que se instalou e por falta de vento ali ficou a tapar o céu.
Mas, como dizia o nosso querido Vasco Santana: “fogos de artifício há muitos…”
Em contrapartida, aquele clímax de carinho fraternal que por minutos invade uma população inteira e nos mete dentro dela, nos integra como se fossemos dali… seus parentes ou conhecidos de longa data, esse clímax, com aquela força e dimensão, só na festas da Passagem do Ano, no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana.
Mais uma vez, parabéns a todos os brasileiros, em especial aos cariocas. Pessoalmente, sinto-me reconfortado.
Tive oportunidade de a visitar em Dezembro de 1995, fiz a festa da passagem de ano, não à janela do hotel sobranceiro à praia de Copacabana, mas no próprio areal da praia para onde, minutos antes, centenas de milhares de pessoas ao longo dos seus cerca de seis quilómetros tinham sido autenticamente “despejados” pela estrada e passeio da marginal.
Vestidos de branco, com taças e garrafas na mão, ao soar da meia-noite, as pessoas abraçaram-se e beijaram-se numa irmandade de uma dimensão e euforia impossível de conceber fora daquele contexto.
Se existe algum sítio no mundo em que num espaço aberto, uma imensa praia de uma enorme baía, nos podemos sentir fazendo parte de uma família de quase um milhão de pessoas (leu bem, é este o número), esse sítio só pode ser a praia de Copacabana da cidade do Rio de Janeiro na noite de 31 de Dezembro.
O Comité Olímpico Internacional concedeu, com justiça, ao Rio de Janeiro, uma prenda que gostava de ter sido eu a dar pois ainda hoje sinto o calor e a espontaneidade dos abraços que recebi de tantas pessoas desconhecidas apenas porque estavam felizes e eu era só mais uma no meio delas.
Impossível esquecer esse momento que para mim foi uma surpresa de todo inesperada. Eu apenas tinha ido para a marginal para ver melhor, pensava eu, o fogo de artifício.
Vi pior o espectáculo pirotécnico pois o fumo dos foguetes, por cima de nós, a partir de certa altura, constituiu uma nuvem que se instalou e por falta de vento ali ficou a tapar o céu.
Mas, como dizia o nosso querido Vasco Santana: “fogos de artifício há muitos…”
Em contrapartida, aquele clímax de carinho fraternal que por minutos invade uma população inteira e nos mete dentro dela, nos integra como se fossemos dali… seus parentes ou conhecidos de longa data, esse clímax, com aquela força e dimensão, só na festas da Passagem do Ano, no Rio de Janeiro, na praia de Copacabana.
Mais uma vez, parabéns a todos os brasileiros, em especial aos cariocas. Pessoalmente, sinto-me reconfortado.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 249
DOS ESPONSAIS DE PETO
Nunca o tinham visto assim tão limpo, sério e elegante mas, por estranho que pareça, ninguém tirou pilhéria nem o levou na gozação, a não ser seu Manuel:
- Espera lá, Peto! Vais fazer primeira comunhão? Já passaste da idade. Ou vais casar?
Osnar interrompe o português:
- Não sabes, Almirante, que hoje é o aniversário do sargento? Oferece-lhe uma coca-cola pelo menos.
- Aniversário? Pois toque lá, meus parabéns. E ordene a bebida que quiser.
Realmente estava irreconhecível o desmazelado Peto. O cabelo por uma vez assentado à força de brilhantina; gastara uma latinha inteira, o singular odor supera o cheiro dos cigarros e charutos. Relógio no pulso, pálida lembrança da tia que te estima Antonieta, camisa nova, estampados na fazenda, em vermelho e azul, lêem-se os nomes das capitais e das cidades mais importantes do mundo, com os votos e os beijos da prima Leonora – presentes trazidos pelo irmão, entregues na hora do almoço comemorativo – sapatos lustrados e calças compridas, as primeiras; finalmente a mãe se convencera. Mesmo ao torcer por tio Astério na partida amistosa contra Seixas, Peto o faz com certa contenção de quem já não é criança irreflectida.
Quando o sino da Matriz toca as nove badaladas fatais e as luzes se apagam, enquanto seu Manuel trata de acender os lampiões, Osnar faz um sinal e Peto sai discretamente, vai esperar na Praça. Se alguém reparou fez que não viu, a conversa prossegue animada; caso tio Astério o procure, Aminthas dirá que ele já foi para casa.
Alcançando-o na Praça, Osnar busca encorajá-lo:
- Não tenha medo, Sargento.
- Quem falou em medo? Estou na minha.
No escuro, Osnar sorri. Todos repetem o mesmo, ele também garantira estar tranquilo quando acompanhara o primo Epaminondas, que Deus haja. Dentro do peito o coração a descompasso.
Antes de penetrar no sendeiro, avistam o pessoal saindo do Cine Tupy, único lugar iluminado da cidade além das nove e por pouco mais: possui motor próprio.
- Hoje o padre foi ao cinema – diz Osnar, enxergando uma batina.
- É o padre não. É Ricardo. Foi com mamãe. O filme trata de negócio de religião. Deve ser ruim para burro.
Para não despregar de Osnar, Peto faltara a uma sessão de cinema pela primeira vez em três anos. A confiar nos elogios feitos durante o almoço pelo padre Mariano, um careta, a película deve ser de amargar; filme, ao ver de Peto, se não tem tiro e sacanagem, não presta. De qualquer maneira vai assisti-lo amanhã, na matiné.
Marcham na direcção oposta à entrada na cidade, encaminhando-se para as bandas da Jaqueira, onde, entre árvores, discreta, localiza-se a pensão de Zuleika Cinderela.
Na rotina da pensão, sábado é um dia especial, o de maior movimento. Pela tarde até ao começo da noite, frequentam-na os feirantes. Entram na sala, sentam-se para esperar ou escolher mulher, pedem uma cerveja ou um conhaque, contam e recontam o dinheiro, por vezes níqueis agarrados na ponta de um lenço. Alguns são fregueses certos desta ou daquela, outros preferem variar. A clientela rural dura até às sete, nuca vai além das sete e meia. A partir das nove, nove e meia, após o cinema, começam a chegar os moços da cidade.
Sábado é dia festivo, noite de dormir tarde, de vitrola e dança, de farto consumo de bebida. Entre as sete e meia e nove e meia há um tempo quase morto; as raparigas jantam, descansam, algumas vão ao cinema.
A sala está praticamente vazia quando Osnar e Peto aparecem na porta. Numa das mesas, duas mulheres conversam; noutra, Leléu cochila com uma falsa loira por quem anda de rabicho. Uma jovenzinha vai saindo, cruza com eles na entrada:
- Boa noite, seu Osnar. Tu é Peto, não é? Já ouvi falar.
- Onde vai, Maria Imaculada? – A pergunta inclui surpresa e reprovação.
- Vou ali, já volto, seu Osnar. Conte comigo.
EPISÓDIO Nº 249
DOS ESPONSAIS DE PETO
Nunca o tinham visto assim tão limpo, sério e elegante mas, por estranho que pareça, ninguém tirou pilhéria nem o levou na gozação, a não ser seu Manuel:
- Espera lá, Peto! Vais fazer primeira comunhão? Já passaste da idade. Ou vais casar?
Osnar interrompe o português:
- Não sabes, Almirante, que hoje é o aniversário do sargento? Oferece-lhe uma coca-cola pelo menos.
- Aniversário? Pois toque lá, meus parabéns. E ordene a bebida que quiser.
Realmente estava irreconhecível o desmazelado Peto. O cabelo por uma vez assentado à força de brilhantina; gastara uma latinha inteira, o singular odor supera o cheiro dos cigarros e charutos. Relógio no pulso, pálida lembrança da tia que te estima Antonieta, camisa nova, estampados na fazenda, em vermelho e azul, lêem-se os nomes das capitais e das cidades mais importantes do mundo, com os votos e os beijos da prima Leonora – presentes trazidos pelo irmão, entregues na hora do almoço comemorativo – sapatos lustrados e calças compridas, as primeiras; finalmente a mãe se convencera. Mesmo ao torcer por tio Astério na partida amistosa contra Seixas, Peto o faz com certa contenção de quem já não é criança irreflectida.
Quando o sino da Matriz toca as nove badaladas fatais e as luzes se apagam, enquanto seu Manuel trata de acender os lampiões, Osnar faz um sinal e Peto sai discretamente, vai esperar na Praça. Se alguém reparou fez que não viu, a conversa prossegue animada; caso tio Astério o procure, Aminthas dirá que ele já foi para casa.
Alcançando-o na Praça, Osnar busca encorajá-lo:
- Não tenha medo, Sargento.
- Quem falou em medo? Estou na minha.
No escuro, Osnar sorri. Todos repetem o mesmo, ele também garantira estar tranquilo quando acompanhara o primo Epaminondas, que Deus haja. Dentro do peito o coração a descompasso.
Antes de penetrar no sendeiro, avistam o pessoal saindo do Cine Tupy, único lugar iluminado da cidade além das nove e por pouco mais: possui motor próprio.
- Hoje o padre foi ao cinema – diz Osnar, enxergando uma batina.
- É o padre não. É Ricardo. Foi com mamãe. O filme trata de negócio de religião. Deve ser ruim para burro.
Para não despregar de Osnar, Peto faltara a uma sessão de cinema pela primeira vez em três anos. A confiar nos elogios feitos durante o almoço pelo padre Mariano, um careta, a película deve ser de amargar; filme, ao ver de Peto, se não tem tiro e sacanagem, não presta. De qualquer maneira vai assisti-lo amanhã, na matiné.
Marcham na direcção oposta à entrada na cidade, encaminhando-se para as bandas da Jaqueira, onde, entre árvores, discreta, localiza-se a pensão de Zuleika Cinderela.
Na rotina da pensão, sábado é um dia especial, o de maior movimento. Pela tarde até ao começo da noite, frequentam-na os feirantes. Entram na sala, sentam-se para esperar ou escolher mulher, pedem uma cerveja ou um conhaque, contam e recontam o dinheiro, por vezes níqueis agarrados na ponta de um lenço. Alguns são fregueses certos desta ou daquela, outros preferem variar. A clientela rural dura até às sete, nuca vai além das sete e meia. A partir das nove, nove e meia, após o cinema, começam a chegar os moços da cidade.
Sábado é dia festivo, noite de dormir tarde, de vitrola e dança, de farto consumo de bebida. Entre as sete e meia e nove e meia há um tempo quase morto; as raparigas jantam, descansam, algumas vão ao cinema.
A sala está praticamente vazia quando Osnar e Peto aparecem na porta. Numa das mesas, duas mulheres conversam; noutra, Leléu cochila com uma falsa loira por quem anda de rabicho. Uma jovenzinha vai saindo, cruza com eles na entrada:
- Boa noite, seu Osnar. Tu é Peto, não é? Já ouvi falar.
- Onde vai, Maria Imaculada? – A pergunta inclui surpresa e reprovação.
- Vou ali, já volto, seu Osnar. Conte comigo.
quinta-feira, outubro 01, 2009
Redacção feita por uma aluna da Faculdade de Letras que obteve o 1º Prémio num Concurso promovido pelo Professor de Gramática Portuguesa
Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.
Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo.
Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.
Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.
Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.
Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.
Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.
Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.
Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, sub-tónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus!
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto.
Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que, as condições eram estas:
Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.
O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.
Fernanda Braga da Cruz
Fernanda Braga da Cruz
O Padre e a Pecadora
- Padre, perdoa-me porque pequei (voz feminina)
- Diga-me filha - quais são os teus pecados?
- Padre, o demónio da tentação se apoderou de mim, pobre pecadora.
- Como é isso filha?
- É que quando falo com um homem, tenho sensações no corpo que não saberia descrever...
- Filha, apesar de padre, eu também sou um homem...
- Sim, padre, por isso vim confessar-me contigo.
- Bem filha, como são essas sensações?
- Não sei bem como explicá-las - neste momento meu corpo se recusa a ficar de joelhos e necessito ficar mais a vontade.
- Sério??
- Sim, desejo relaxar - o melhor seria deitar-me...
- Filha, deitada como?
- De costas para o piso, até que passe a tensão...
- E que mais?
- É como um sofrimento que não encontro palavras.
- Continue minha filha.
- Talvez um pouco de calor me alivie...
- Calor?
- Calor padre, calor humano, que leve alívio ao meu padecer...
- E com que frequência é essa tentação?
- Permanente padre. Por exemplo, neste momento imagino suas mãos massajando a minha pele me dariam muito alívio...
- Filha?!
- Sim padre, me perdoa, mas sinto necessidade de que alguém forte me estreite em seus braços e me dê o alívio de que necessito...
- Por exemplo, eu?
- Sim padre, você é a categoria de homem que imagino poder me aliviar.
- Perdoa-me minha filha, mas preciso saber tua idade...
- Setenta e quatro, padre.
- Minha Filha, vai em paz ......... o teu problema é reumatismo...
- Padre, perdoa-me porque pequei (voz feminina)
- Diga-me filha - quais são os teus pecados?
- Padre, o demónio da tentação se apoderou de mim, pobre pecadora.
- Como é isso filha?
- É que quando falo com um homem, tenho sensações no corpo que não saberia descrever...
- Filha, apesar de padre, eu também sou um homem...
- Sim, padre, por isso vim confessar-me contigo.
- Bem filha, como são essas sensações?
- Não sei bem como explicá-las - neste momento meu corpo se recusa a ficar de joelhos e necessito ficar mais a vontade.
- Sério??
- Sim, desejo relaxar - o melhor seria deitar-me...
- Filha, deitada como?
- De costas para o piso, até que passe a tensão...
- E que mais?
- É como um sofrimento que não encontro palavras.
- Continue minha filha.
- Talvez um pouco de calor me alivie...
- Calor?
- Calor padre, calor humano, que leve alívio ao meu padecer...
- E com que frequência é essa tentação?
- Permanente padre. Por exemplo, neste momento imagino suas mãos massajando a minha pele me dariam muito alívio...
- Filha?!
- Sim padre, me perdoa, mas sinto necessidade de que alguém forte me estreite em seus braços e me dê o alívio de que necessito...
- Por exemplo, eu?
- Sim padre, você é a categoria de homem que imagino poder me aliviar.
- Perdoa-me minha filha, mas preciso saber tua idade...
- Setenta e quatro, padre.
- Minha Filha, vai em paz ......... o teu problema é reumatismo...
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 248
EPISÓDIO Nº 248
ONDE O AUTOR SE DESMANDA EM INESPERADA LOUVAÇÃO – HÁ DE TER AS SUAS RAZÕES PARA FAZÊ-LA, COM CERTEZA.
Muito se tem falado acerca de patriotismo e de patriotas neste folhetim. No particular, torna-se indispensável reparar grave injustiça e devo corrigi-la com urgência antes de introduzir os leitores na animada e única pensão de mulheres da vida situada em Agreste, cuja direcção e propriedade Zuleika Cinderela assegura com delicadeza e eficiência.
Louvou-se com justiça o desprendimento do comandante Dário de Queluz, abandonando gloriosa carreira nos buques de guerra da Armada por amor às belezas, ao clima e à tranquilidade de Agreste. Cantaram-se loas aos poemas dedicados pelo aplaudido vate Gregório Eustáquio de Matos Barboza ao torrão natal, em cuja paisagem se inspirou; noticiou-se a importância para a cidade de seu retorno, abalado pela doença, portador de inestimável património: o sucesso, a fama, a recordação de amizades ilustres, os exemplares dos livros publicados. Traçaram-se amplas considerações em torno do apego de Ascânio Trindade ao município pobre e atrasado que ele deseja rico e progressista; morto o pai poderia ter retornado à faculdade e, após a formatura, desenvolver-se pelo Sul – não lhe faltam qualidades, reconhecidas, inclusivé, pelos directores da Brastânio. Foram lembrados nomes do passado, feitos e merecimentos.
Não se falou no entanto na dedicação, no devotamento incondicional a Sant’Ana do Agreste de Zuleika Rosa do Carmo, a Cinderela, à qual tanto devem a cidade e o município. Não somente seu nome deixou de figurar entre os dos patriotas comprovados, como sua presença nas inumeráveis páginas deste folhetim é raridade, quase sempre citação casual. Uma vez, foi vista na igreja, rodeada de raparigas, na noite de Ano-Novo; no bar os quatro amigos beberam à sua saúde, não o fazendo Astério por ausente e bem casado. Foi tudo. Injustiça das maiores, busco compensá-la.
Não houvesse ela permanecido em Agreste, desprezando ofertas diversas e vantajosas, não uma ou duas, muitas, o que seria da alegria desse perdido burgo? Que restaria aos jovens (e aos menos jovens) além das cabras? Algumas catraias asquerosas mendigando no Beco da Amargura, no Buraco Fundo, nos cantos perdidos.
Citei a pensão de Zuleika na relação dos centros culturais de Agreste. Por tê-lo feito, mereci áspera crítica de Fúlvio D’Alembert, rigoroso na literatura e na moralidade. Mas pergunto: onde tomam contacto com a civilização dos grandes centros e se educam os tabaréus vindos das plantações e sítios de Rocinha, aos sábados, para a feira? Onde encontrar, em permanência, perfume e graça, música e baile, namoro e galanteio, tertúlia, canto, recitativo um tango no rigor dos floreados, além da teoria e prática da sexualidade, ciência tão em voga nos tempos actuais?
Bem mais tristes e solitários seriam as noites e os dias de Agreste, sobretudo as noites, se Zuleika, tentada pela avidez do dinheiro, seduzida pelo fausto, houvesse partido em busca de fortuna e renome nacional, para o que contava com os atributos necessários, físicos e morais. O quotidiano de Agreste não se caracterizaria pela boa convivência, a discórdia não teria esperado pela Brastânio para estabelecer seu reino. Zuleika Cinderela distribui aprazimento e cordialidade entre o povo, sendo inclusivé responsável pela harmonia de vários casais – não fossem as raparigas a oficiar na pensão, muitos maridos teriam desertado do lar em busca de plagas mais evoluídas.
Desde cedo Zuleika recusou convites. De donas de pensão de Esplanada, Mata de São João, Caldas do Cipó, Dias D’Ávila, Feira de Santana, Itabuna, Aracajú e Salvador, todas oferecendo boas condições pois ela era uma tentação de garota, um azougue. Apelidaram-na de Cinderela por ter chegado da cozinha da fazenda Tapitanga, onde o coronel Artur exercera o direito de pernada antes dela completar catorze anos. Quando mulher feita, estabelecida com a pensão, não lhe faltaram tampouco lucrativas propostas para transferir a centros mais populosos e adiantados sua capacidade de empresária e administradora: poderia enriquecer.
Igual a Comandante, a Barbozinha, a Ascânio, revelou-se irredutível patriota. Jamais admitiu a ideia de deixar Agreste, sabendo-se não apenas querida mas indispensável. Não lhe cabia quase sempre a delicada tarefa de iniciar os meninos de boa família? Pais conscienciosos, atentos à educação dos filhos varões, depositavam nas mãos de Zuleika Cinderela o futuro dos herdeiros, colocando-os aos seus cuidados, por vias travessas de parentes e amigos suplicando-lhe ocupar-se deles, fazendo-os homens íntegros e inteiros. Por bondade e apetite, iniciava também alguns moleques, de graça. Pequena de estatura, grande de alma.
Quando, aos onze anos de idade, levado por um primo, Osnar a procurou, ela cumprira vinte e já conquistara fama de especialista na matéria. Hoje, tendo atravessado com garbo a casa dos cinquenta, se contasse os cabaços que desfolhou no curso da existência, proclamaria um recorde. Não ostenta mais o viço de mocinha, a turbulência juvenil; fez-se pousada, mas a desenvoltura é a mesma, maior é a gentileza e conserva aquele primor de corpo bem feito, a sensualidade irresistível, as marcas da bexiga esvanecendo-se no rosto sempre em festa.
Houvesse justiça no mundo, não estivessem os cidadãos de Agreste amarrados à hipocrisia dos preconceitos, Zuleika e seu modelar estabelecimento teriam sido há muito proclamados de utilidade pública. Mas a vida é um repositório de injustiças – repita-se aqui esta verdade, juntando mais um lugar comum aos tantos outros que se acumulam nas deslustradas páginas deste folhetim
Muito se tem falado acerca de patriotismo e de patriotas neste folhetim. No particular, torna-se indispensável reparar grave injustiça e devo corrigi-la com urgência antes de introduzir os leitores na animada e única pensão de mulheres da vida situada em Agreste, cuja direcção e propriedade Zuleika Cinderela assegura com delicadeza e eficiência.
Louvou-se com justiça o desprendimento do comandante Dário de Queluz, abandonando gloriosa carreira nos buques de guerra da Armada por amor às belezas, ao clima e à tranquilidade de Agreste. Cantaram-se loas aos poemas dedicados pelo aplaudido vate Gregório Eustáquio de Matos Barboza ao torrão natal, em cuja paisagem se inspirou; noticiou-se a importância para a cidade de seu retorno, abalado pela doença, portador de inestimável património: o sucesso, a fama, a recordação de amizades ilustres, os exemplares dos livros publicados. Traçaram-se amplas considerações em torno do apego de Ascânio Trindade ao município pobre e atrasado que ele deseja rico e progressista; morto o pai poderia ter retornado à faculdade e, após a formatura, desenvolver-se pelo Sul – não lhe faltam qualidades, reconhecidas, inclusivé, pelos directores da Brastânio. Foram lembrados nomes do passado, feitos e merecimentos.
Não se falou no entanto na dedicação, no devotamento incondicional a Sant’Ana do Agreste de Zuleika Rosa do Carmo, a Cinderela, à qual tanto devem a cidade e o município. Não somente seu nome deixou de figurar entre os dos patriotas comprovados, como sua presença nas inumeráveis páginas deste folhetim é raridade, quase sempre citação casual. Uma vez, foi vista na igreja, rodeada de raparigas, na noite de Ano-Novo; no bar os quatro amigos beberam à sua saúde, não o fazendo Astério por ausente e bem casado. Foi tudo. Injustiça das maiores, busco compensá-la.
Não houvesse ela permanecido em Agreste, desprezando ofertas diversas e vantajosas, não uma ou duas, muitas, o que seria da alegria desse perdido burgo? Que restaria aos jovens (e aos menos jovens) além das cabras? Algumas catraias asquerosas mendigando no Beco da Amargura, no Buraco Fundo, nos cantos perdidos.
Citei a pensão de Zuleika na relação dos centros culturais de Agreste. Por tê-lo feito, mereci áspera crítica de Fúlvio D’Alembert, rigoroso na literatura e na moralidade. Mas pergunto: onde tomam contacto com a civilização dos grandes centros e se educam os tabaréus vindos das plantações e sítios de Rocinha, aos sábados, para a feira? Onde encontrar, em permanência, perfume e graça, música e baile, namoro e galanteio, tertúlia, canto, recitativo um tango no rigor dos floreados, além da teoria e prática da sexualidade, ciência tão em voga nos tempos actuais?
Bem mais tristes e solitários seriam as noites e os dias de Agreste, sobretudo as noites, se Zuleika, tentada pela avidez do dinheiro, seduzida pelo fausto, houvesse partido em busca de fortuna e renome nacional, para o que contava com os atributos necessários, físicos e morais. O quotidiano de Agreste não se caracterizaria pela boa convivência, a discórdia não teria esperado pela Brastânio para estabelecer seu reino. Zuleika Cinderela distribui aprazimento e cordialidade entre o povo, sendo inclusivé responsável pela harmonia de vários casais – não fossem as raparigas a oficiar na pensão, muitos maridos teriam desertado do lar em busca de plagas mais evoluídas.
Desde cedo Zuleika recusou convites. De donas de pensão de Esplanada, Mata de São João, Caldas do Cipó, Dias D’Ávila, Feira de Santana, Itabuna, Aracajú e Salvador, todas oferecendo boas condições pois ela era uma tentação de garota, um azougue. Apelidaram-na de Cinderela por ter chegado da cozinha da fazenda Tapitanga, onde o coronel Artur exercera o direito de pernada antes dela completar catorze anos. Quando mulher feita, estabelecida com a pensão, não lhe faltaram tampouco lucrativas propostas para transferir a centros mais populosos e adiantados sua capacidade de empresária e administradora: poderia enriquecer.
Igual a Comandante, a Barbozinha, a Ascânio, revelou-se irredutível patriota. Jamais admitiu a ideia de deixar Agreste, sabendo-se não apenas querida mas indispensável. Não lhe cabia quase sempre a delicada tarefa de iniciar os meninos de boa família? Pais conscienciosos, atentos à educação dos filhos varões, depositavam nas mãos de Zuleika Cinderela o futuro dos herdeiros, colocando-os aos seus cuidados, por vias travessas de parentes e amigos suplicando-lhe ocupar-se deles, fazendo-os homens íntegros e inteiros. Por bondade e apetite, iniciava também alguns moleques, de graça. Pequena de estatura, grande de alma.
Quando, aos onze anos de idade, levado por um primo, Osnar a procurou, ela cumprira vinte e já conquistara fama de especialista na matéria. Hoje, tendo atravessado com garbo a casa dos cinquenta, se contasse os cabaços que desfolhou no curso da existência, proclamaria um recorde. Não ostenta mais o viço de mocinha, a turbulência juvenil; fez-se pousada, mas a desenvoltura é a mesma, maior é a gentileza e conserva aquele primor de corpo bem feito, a sensualidade irresistível, as marcas da bexiga esvanecendo-se no rosto sempre em festa.
Houvesse justiça no mundo, não estivessem os cidadãos de Agreste amarrados à hipocrisia dos preconceitos, Zuleika e seu modelar estabelecimento teriam sido há muito proclamados de utilidade pública. Mas a vida é um repositório de injustiças – repita-se aqui esta verdade, juntando mais um lugar comum aos tantos outros que se acumulam nas deslustradas páginas deste folhetim
OLHOS NOS OLHOS…
Por que se diz que os olhos são o espelho da alma? – Porque, para além de serem órgãos de visão, no caso particular da espécie humana, eles evoluíram para órgãos de comunicação que permitem aos seus pares perceberem, através deles, pensamentos e estados de alma.
Lembro bem, que quando era estudante, preferia as provas orais às escritas porque nestas faltavam-me os olhos dos professores para me orientarem na resposta.
Quando olhamos para uma pessoa, mesmo a uma distância razoável, graças ao contraste entre a esclerótica (o chamado branco do olho) e a íris, podemos ver com nitidez para onde os seus olhos estão a apontar, independentemente do sítio para onde o seu rosto está virado.
De mais perto, podemos ver se os olhos estão dilatados, graças ao contraste entre a íris e a pupila. Somos os únicos, entre os primatas, que possui janelas através das quais os outros podem olhar.
Os investigadores japoneses examinaram noventa e duas espécies de primatas e descobriram que somos a única na qual os contornos do olho e a posição da íris são claramente visíveis. Em todas as outras a esclerótica é pigmentada de modo a fornecer um contraste baixo. Além disso, em comparação com outros primatas, nos seres humanos a porção do olho visível é desproporcionalmente grande e alongada no sentido horizontal.
Os gorilas, por exemplo, sendo muito maiores que nós a dimensão do olho exposto é mais pequena o que faz com que os seus olhos se pareçam a contas, ou seja: enquanto os olhos dos outros primatas evoluíram para serem “difíceis” de ver, para “ocultarem” e não “revelarem” informação sobre eles próprios - qualquer coisa que será o equivalente natural, hoje, aos óculos escuros de sol ou de janelas com as cortinas corridas – os dos humanos abriram-se à “leitura” pelos outros do que vai dentro deles.
Com aqueles adereços pretendemo-nos ocultar, esconder, ver sem sermos vistos, por outras palavras, favorecem a segregação e não o igualitarismo que permitiu aos pequenos grupos humanos de caçadores recoletores estabeleceram entre os seus membros a cooperação desviando-se da sociedade dos chimpanzés.
Assim que o igualitarismo estabilizou o suficiente nas primeiras comunidades dos nossos antepassados, logo a evolução genética começou a conferir novas formas às nossas mentes e aos nossos corpos de modo a funcionarem como jogadores de uma equipa em vez de entrarem em competição com membros do nosso próprio grupo.
Um cientista americano, Michael Tomasello, está na linha da frente no estudo e investigação dos olhos dos primatas. A sua base de estudo e centro de investigação encontra-se no Jardim Zoológico de Leipzig onde comunidades de chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, alojados separadamente em grandes instalações que recriam condições naturais, estão a ser observados e estudados podendo os estudiosos efectuar, paralelamente, investigação comportamental em crianças.
Mike desenvolveu aquilo que designa por “hipótese do olho cooperativo” para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros primatas.
Todos os símios estão profundamente cientes dos outros membros do seu grupo e atentos ao sítio para onde estão a olhar, com base na orientação da cabeça. Contudo, a sua utilização desta informação não é necessariamente cooperativa.
Numa sociedade onde os indivíduos dominantes fuzilam com os olhos os seus subordinados, que não se atrevem a devolver-lhes o olhar, a selecção natural favorece a ocultação da informação e já que a direcção da cabeça não pode ser ocultada, a direcção do olhar pode sê-lo minimizando a porção de olho exposta e o contraste entre a íris, a parte branca do olho e o resto do rosto.
Numa sociedade igualitária torna-se vantajoso para os membros da equipa partilhar informação, transformando os olhos, para além de órgãos de visão em órgãos de comunicação.
A páginas 240 e seguintes do livro A Evolução Para Todos, de David Sloan Wilson, encontrará a descrição do resultado deste interessante estudo.
Entretanto, continuemos a olharmo-nos, cada vez mais, “olhos nos olhos”porque talvez a informação que transmitimos através deles seja mais genuína e verdadeira do que a outra, a da palavra.
Lembro bem, que quando era estudante, preferia as provas orais às escritas porque nestas faltavam-me os olhos dos professores para me orientarem na resposta.
Quando olhamos para uma pessoa, mesmo a uma distância razoável, graças ao contraste entre a esclerótica (o chamado branco do olho) e a íris, podemos ver com nitidez para onde os seus olhos estão a apontar, independentemente do sítio para onde o seu rosto está virado.
De mais perto, podemos ver se os olhos estão dilatados, graças ao contraste entre a íris e a pupila. Somos os únicos, entre os primatas, que possui janelas através das quais os outros podem olhar.
Os investigadores japoneses examinaram noventa e duas espécies de primatas e descobriram que somos a única na qual os contornos do olho e a posição da íris são claramente visíveis. Em todas as outras a esclerótica é pigmentada de modo a fornecer um contraste baixo. Além disso, em comparação com outros primatas, nos seres humanos a porção do olho visível é desproporcionalmente grande e alongada no sentido horizontal.
Os gorilas, por exemplo, sendo muito maiores que nós a dimensão do olho exposto é mais pequena o que faz com que os seus olhos se pareçam a contas, ou seja: enquanto os olhos dos outros primatas evoluíram para serem “difíceis” de ver, para “ocultarem” e não “revelarem” informação sobre eles próprios - qualquer coisa que será o equivalente natural, hoje, aos óculos escuros de sol ou de janelas com as cortinas corridas – os dos humanos abriram-se à “leitura” pelos outros do que vai dentro deles.
Com aqueles adereços pretendemo-nos ocultar, esconder, ver sem sermos vistos, por outras palavras, favorecem a segregação e não o igualitarismo que permitiu aos pequenos grupos humanos de caçadores recoletores estabeleceram entre os seus membros a cooperação desviando-se da sociedade dos chimpanzés.
Assim que o igualitarismo estabilizou o suficiente nas primeiras comunidades dos nossos antepassados, logo a evolução genética começou a conferir novas formas às nossas mentes e aos nossos corpos de modo a funcionarem como jogadores de uma equipa em vez de entrarem em competição com membros do nosso próprio grupo.
Um cientista americano, Michael Tomasello, está na linha da frente no estudo e investigação dos olhos dos primatas. A sua base de estudo e centro de investigação encontra-se no Jardim Zoológico de Leipzig onde comunidades de chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos, alojados separadamente em grandes instalações que recriam condições naturais, estão a ser observados e estudados podendo os estudiosos efectuar, paralelamente, investigação comportamental em crianças.
Mike desenvolveu aquilo que designa por “hipótese do olho cooperativo” para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos dos outros primatas.
Todos os símios estão profundamente cientes dos outros membros do seu grupo e atentos ao sítio para onde estão a olhar, com base na orientação da cabeça. Contudo, a sua utilização desta informação não é necessariamente cooperativa.
Numa sociedade onde os indivíduos dominantes fuzilam com os olhos os seus subordinados, que não se atrevem a devolver-lhes o olhar, a selecção natural favorece a ocultação da informação e já que a direcção da cabeça não pode ser ocultada, a direcção do olhar pode sê-lo minimizando a porção de olho exposta e o contraste entre a íris, a parte branca do olho e o resto do rosto.
Numa sociedade igualitária torna-se vantajoso para os membros da equipa partilhar informação, transformando os olhos, para além de órgãos de visão em órgãos de comunicação.
A páginas 240 e seguintes do livro A Evolução Para Todos, de David Sloan Wilson, encontrará a descrição do resultado deste interessante estudo.
Entretanto, continuemos a olharmo-nos, cada vez mais, “olhos nos olhos”porque talvez a informação que transmitimos através deles seja mais genuína e verdadeira do que a outra, a da palavra.
quarta-feira, setembro 30, 2009
Poema Triste...
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.
De Fernando Pessoa
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 246
Sentam-se diante do mar em fúria querendo romper e penetrar a terra. Tão grande emoção, pequeno riso, medroso. Feliz, Ascânio emudece; no entanto pensara as frases, escolhera cada palavra. Leonora pergunta:
- Correu tudo bem?
- Tudo. Muito bem. Depois te conto, timtim por timtim – Decide-se: - Agora quero te falar de outra coisa, de nós.
Leonora o interrompe, de repente aflita, o olhar na distância do oceano, infinitivamente triste, roto o canal da voz:
- Ascânio tem uma coisa que eu quero te dizer, tenho de te dizer. Ele tapa-lhe a boca com a mão, rápido. Tudo menos isso. Sabe o que Leonora deseja contar, não pode permitir que ela própria confesse o acontecido. Não quer ouvir de sua boca a narrativa, seria o pior dos sofrimentos. Se é necessário reabrir e revolver a chaga apenas fechada, deve caber a ele o sacrifício:
- Não diga nada eu já sei de tudo.
- Sabe? Quem lhe contou?
Dona Carmosina. Dona Antonieta disse a ela para me pôr a par. Para ver se eu desistia.
- Contou tudo? – Saltam as primeiras lágrimas.
- Tudo. Como o canalha do teu noivo te enganou, abusou da tua inocência. Lembras da viagem que fiz para Rocinha? Foi naquela ocasião. Mas o plano não surtiu efeito. Para mim o que aconteceu não tem importância. Eu te considero tão pura quanto a Virgem Maria.
As lágrimas escorrem pela face de Leonora, pranto silencioso. Ascânio as enxuga com beijos, exige:
- Só te peço uma coisa: nunca mais falaremos sobre isso, nem uma palavra. Está bem?
Afirma que sim com a cabeça. Ia lhe dizer outra coisa, contar a verdade, mas agora, diante do que acaba de ouvir, cadé coragem para falar? Irrompe o soluço. Ascânio o apaga com um beijo.
Um som distante, de onde vem? Do cômoro vizinho, entrevisto na sombra? Mal se enxerga mas se ouve cada vez mais distintamente doce gemer e pedaços de frases partindo-se no vento: ai meu Pedro, meu amor… Ascânio perscruta a noite, Leonora esboça um sorriso, usa o pretexto para romper o confuso círculo de enganos:
- É o engenheiro com a mulher. Mãezinha me contou: todas as noites.
- Vale a pena ser casado… - inveja Ascânio.
- Ascânio, aconteça o que acontecer, não pense nunca que eu quis te enganar. Jamais tive outro amor em minha vida. Antes de te conhecer não sabia o que era amar.
Quando ele, grato, se curva para beijá-la, Leonora o aconchega nos braços e num gesto inesperado o prende com as pernas, fazendo-o deitar-se sobre o seu corpo. Pega teu bode pelos chifres, arreia os quartos, aconselhara Mãezinha. Ascânio ainda tenta desprender-se, teme perder a cabeça e abusar de tanta inocência e confiança, fazendo por amor o que o canalha fizera por ignóbil cálculo. Mas ela o mantém seguro, corpo contra corpo, ele sente os seus seios, as coxas, o ventre, custa-lhe conter-se. Leonora murmura:
- Me perdoa não ser como pensaste. Vem, sou tua. Ou não me queres?
- Escorrem novamente as lágrimas.
- Ai, se te quero!
Intensificam-se os suspiros no cômoro vizinho. A ventania, cúmplice, levanta a barra do vestido de Leonora, ela se abre. Diante da costa de África Ascânio a teve e, no lugar do hímen perdido, tocou a fulva esteira de um cometa. Pela primeira vez na vida Leonora se entregou por puro amor, sem mescla de qualquer outro sentimento, bom ou ruim. Chora e ri. Foi cabrita desmamada, chiva batida pela vida. Naquele fim do mundo, em frente à costa de África, faz-se mulher, completa e feliz como quem mais o seja ou tenha sido. Possui um sol azul e uma lua negra.
Misturam-se os ais de amor, evolando-se dos cômoros. Manto nupcial de branca areia, grinalda de estrelas, noiva dissoluta, rosa desfolhada. Faltam as forças a Leonora. No horizonte nasce o sol azul, no abismo do mar desaparece a lua negra, as lágrimas se apagam, acende-se o riso. Ai, amor, agora, sim, posso morrer.
EPISÓDIO Nº 246
Sentam-se diante do mar em fúria querendo romper e penetrar a terra. Tão grande emoção, pequeno riso, medroso. Feliz, Ascânio emudece; no entanto pensara as frases, escolhera cada palavra. Leonora pergunta:
- Correu tudo bem?
- Tudo. Muito bem. Depois te conto, timtim por timtim – Decide-se: - Agora quero te falar de outra coisa, de nós.
Leonora o interrompe, de repente aflita, o olhar na distância do oceano, infinitivamente triste, roto o canal da voz:
- Ascânio tem uma coisa que eu quero te dizer, tenho de te dizer. Ele tapa-lhe a boca com a mão, rápido. Tudo menos isso. Sabe o que Leonora deseja contar, não pode permitir que ela própria confesse o acontecido. Não quer ouvir de sua boca a narrativa, seria o pior dos sofrimentos. Se é necessário reabrir e revolver a chaga apenas fechada, deve caber a ele o sacrifício:
- Não diga nada eu já sei de tudo.
- Sabe? Quem lhe contou?
Dona Carmosina. Dona Antonieta disse a ela para me pôr a par. Para ver se eu desistia.
- Contou tudo? – Saltam as primeiras lágrimas.
- Tudo. Como o canalha do teu noivo te enganou, abusou da tua inocência. Lembras da viagem que fiz para Rocinha? Foi naquela ocasião. Mas o plano não surtiu efeito. Para mim o que aconteceu não tem importância. Eu te considero tão pura quanto a Virgem Maria.
As lágrimas escorrem pela face de Leonora, pranto silencioso. Ascânio as enxuga com beijos, exige:
- Só te peço uma coisa: nunca mais falaremos sobre isso, nem uma palavra. Está bem?
Afirma que sim com a cabeça. Ia lhe dizer outra coisa, contar a verdade, mas agora, diante do que acaba de ouvir, cadé coragem para falar? Irrompe o soluço. Ascânio o apaga com um beijo.
Um som distante, de onde vem? Do cômoro vizinho, entrevisto na sombra? Mal se enxerga mas se ouve cada vez mais distintamente doce gemer e pedaços de frases partindo-se no vento: ai meu Pedro, meu amor… Ascânio perscruta a noite, Leonora esboça um sorriso, usa o pretexto para romper o confuso círculo de enganos:
- É o engenheiro com a mulher. Mãezinha me contou: todas as noites.
- Vale a pena ser casado… - inveja Ascânio.
- Ascânio, aconteça o que acontecer, não pense nunca que eu quis te enganar. Jamais tive outro amor em minha vida. Antes de te conhecer não sabia o que era amar.
Quando ele, grato, se curva para beijá-la, Leonora o aconchega nos braços e num gesto inesperado o prende com as pernas, fazendo-o deitar-se sobre o seu corpo. Pega teu bode pelos chifres, arreia os quartos, aconselhara Mãezinha. Ascânio ainda tenta desprender-se, teme perder a cabeça e abusar de tanta inocência e confiança, fazendo por amor o que o canalha fizera por ignóbil cálculo. Mas ela o mantém seguro, corpo contra corpo, ele sente os seus seios, as coxas, o ventre, custa-lhe conter-se. Leonora murmura:
- Me perdoa não ser como pensaste. Vem, sou tua. Ou não me queres?
- Escorrem novamente as lágrimas.
- Ai, se te quero!
Intensificam-se os suspiros no cômoro vizinho. A ventania, cúmplice, levanta a barra do vestido de Leonora, ela se abre. Diante da costa de África Ascânio a teve e, no lugar do hímen perdido, tocou a fulva esteira de um cometa. Pela primeira vez na vida Leonora se entregou por puro amor, sem mescla de qualquer outro sentimento, bom ou ruim. Chora e ri. Foi cabrita desmamada, chiva batida pela vida. Naquele fim do mundo, em frente à costa de África, faz-se mulher, completa e feliz como quem mais o seja ou tenha sido. Possui um sol azul e uma lua negra.
Misturam-se os ais de amor, evolando-se dos cômoros. Manto nupcial de branca areia, grinalda de estrelas, noiva dissoluta, rosa desfolhada. Faltam as forças a Leonora. No horizonte nasce o sol azul, no abismo do mar desaparece a lua negra, as lágrimas se apagam, acende-se o riso. Ai, amor, agora, sim, posso morrer.
terça-feira, setembro 29, 2009
Bate a luz
no cimo...
Bate a luz no cimo
Da montanha, vê...
Sem querer eu cismo
Mas não sei em quê....
Não sei que perdi
Ou que não achei...
Vida que vivi,
Que mal eu a amei !...
Hoje quero tanto
Que o não posso ter,
De manhã há o pranto
E ao anoitecer...
Tomara eu ter jeito
Para ser feliz...
Como o mundo é estreito,
E o pouco que eu quis !
Vai morrendo a luz
No alto da montanha...
Como um rio a flux
A minha alma banha,
Mas não me acarinha,
Não me acalma nada...
Pobre criancinha
Perdida na estrada !...
Da montanha, vê...
Sem querer eu cismo
Mas não sei em quê....
Não sei que perdi
Ou que não achei...
Vida que vivi,
Que mal eu a amei !...
Hoje quero tanto
Que o não posso ter,
De manhã há o pranto
E ao anoitecer...
Tomara eu ter jeito
Para ser feliz...
Como o mundo é estreito,
E o pouco que eu quis !
Vai morrendo a luz
No alto da montanha...
Como um rio a flux
A minha alma banha,
Mas não me acarinha,
Não me acalma nada...
Pobre criancinha
Perdida na estrada !...
Cancioneiro - Fernando Pessoa
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 245
EPISÓDIO Nº 245
Afastam-se os passos de Tieta, aproximam-se os de Ascânio. Excitada e trémula Leonora aguarda – silente e lívida, tu me aguardavas, escrevera o vate Barbozinha no verso para Tieta, ah!, os poetas sabem do exposto e do oculto!
Se Ascânio a aceitar de criada ou amásia, ela jamais partirá de Agreste, Mãezinha retornará sem companhia. Mesmo sendo puta sabe cuidar de uma casa, é fanática por limpeza, cozinha razoavelmente, desde menina lava a própria roupa, lavou e engomou a de Cid Raposeira, remendou-lhe calças e camisas. Rafa precisa de descansar, o próprio Ascânio diz que a velha mãe de leite está caduca, esquece as coisas, cochila o dia inteiro. O vulto surge entre os coqueiros, na mão um tubo enorme:
- Nora!
- Ascânio, meu amor!
O abraço estreito, o beijo ardente, não mais roçar de lábios tímido, rola no chão o canudo. Rolam estrelas no céu, as estrelas do vate Barbozinha iluminando o caminho para os cômoros. Leonora oferece o braço a Ascânio, aponta com os olhos a massa alvadia das dunas.
- Vamos?
- O tempo de guardar isso aí. Depois te mostro – Pega o tubo no chão, entrega a Leonora que o leve para a sala. Beijam-se novamente antes de saírem andando entre as estrelas.
Na marinete, horas antes, Ascânio anunciara triunfante:
- Não vai tardar e essa trilha infame irá ser uma das melhores da Bahia e do Brasil. Duas pistas largas de asfalto, mão única, na prática uma auto-estrada.
Impressionados os passageiros pedem detalhes, ele os fornece, precisos.
A CBEP – Companhia Baiana de Engenharia e Projectos a que asfaltou o Caminho da Lama, sabem qual é, não? – está ultimando os estudos para a aprovação final da Brastânio. Ascânio regressa da capital trazendo o progresso na pasta negra de couro, moderna e cara, e no comprido e grosso canudo de metal.
A pasta, presente do doutor Rosalvo Lucena, depositada com um cartão gentil na portaria do hotel, guarda os materiais enviados pelo Magnífico Doutor, documentação exaustiva. No tubo, o desenho do decorador Rufo, aquele monumento! A voz de Ascânio adquiriu vigor e clareza, sílabas bem pronunciadas, palavras escolhidas e correctas. Todos sentem a modificação ocorrida: o esforçado jovem secretário da Prefeitura, de pequenos empreendimentos e sonhos irrealizáveis, transformou-se é um executivo realista e dinâmico. Na capital, tratando com homens de grande capacidade e grande coração amadurecera.
Quem sabe, por não lhe agradar a notícia sobre a próxima pavimentação da estrada, a marinete de Jairo, apelidada por alguns maldizentes de Mula do Lamaçal, entrou em pane, uma daquelas. Quando por fim chegaram a Agreste, caía o crepúsculo, hora romântica. Na porta da casa de Perpétua o seminarista Ricardo, de batina, relógio de pulso, no dedo anel de jade, risonho, informou estar a prima Leonora em Mangue Seco. Sem sequer dizer até logo, Ascânio partiu à procura de condução.
Andam em silêncio para os cômoros, de mãos dadas, rindo um para o outro. Perscrutando-lhe a face envolta em sombra, Ascânio tenta compara-la com Pat, Nilsa, Bety. Impossível! Não apenas por ser Leonora infinitamente mais bela, sobretudo, porém pela imensa distância moral a separá-la daquelas piranhas. Piranhas, assim o jornalista Ismael Julião se referia ao mulherio reunido na beira da piscina; nem parece ser noivo de uma delas. Tipo repugnante, cabe razão ao doutor Lucena.
A face de Leonora reflecte pureza, fidalguia, sentimentos nobres. Percebe-se de imediato a família de bons princípios, a educação primorosa. As outras, coitadas, o que podem ser senão…piranhas, para não aplicar a palavra torpe e exacta. Em nenhum momento, naqueles dias e noites tão movimentados, Ascânio considerou estar traindo Leonora ao ir para a cama com Pat, Nilsa e Bety.
Em Agreste, ao menos duas vezes por semana, comparece à pensão de Zuleika Cinderela para descarregar o corpo numa quenga qualquer. Não se trai a amada, aquela que se escolheu para esposa, deitando-se com mulher dama. Mulher dama, piranha ou puta, sinónimos. Amor e cama são coisas diferentes, uma não tem a ver com a outra, assim como Leonora nada tem em comum com aquelas desvairadas da Bahia, as três suas conhecidas e as demais, entre as quais Astrud. Astrud, sim, igual a Pat, Nilsa e Bety; pior ainda, por hipócrita. Agora já nenhuma Astrud pode enganá-lo. Ascânio é outro, aprendeu a distinguir.
Sempre de mãos dadas e a sorrir, iniciam a subida do cômoro mais alto, os pés enterram-se na areia. Leonora tropeça numa palma de coqueiro, vacila, tomba, tenta reerguer-se, Ascânio a levanta nos braços, leve corpo alado, síflide – os poetas acertam sempre, não erram nunca. Nos braços a conduz. Leonora encosta-se em seu peito, rosto contra rosto, as respirações se cruzam e se confundem.
Ao depositá-la de pé, no alto, beijam-se diante do abismo tenebroso e deslumbrante. Ali, em noite de lua cheia, ela roçara os lábios em seu rosto, quando Ascânio contara da traição de Astrud. Na noite sem lua a noite é ainda mais densa de mistério, imensa e obscura. Quando se desprendem do beijo, ela recorda, voz de cristal:
- Do lado de lá fica a costa de África. Não me esqueci. Só que a lua que encomendei para hoje não chegou, São Jorge não é meu chapa.
Se Ascânio a aceitar de criada ou amásia, ela jamais partirá de Agreste, Mãezinha retornará sem companhia. Mesmo sendo puta sabe cuidar de uma casa, é fanática por limpeza, cozinha razoavelmente, desde menina lava a própria roupa, lavou e engomou a de Cid Raposeira, remendou-lhe calças e camisas. Rafa precisa de descansar, o próprio Ascânio diz que a velha mãe de leite está caduca, esquece as coisas, cochila o dia inteiro. O vulto surge entre os coqueiros, na mão um tubo enorme:
- Nora!
- Ascânio, meu amor!
O abraço estreito, o beijo ardente, não mais roçar de lábios tímido, rola no chão o canudo. Rolam estrelas no céu, as estrelas do vate Barbozinha iluminando o caminho para os cômoros. Leonora oferece o braço a Ascânio, aponta com os olhos a massa alvadia das dunas.
- Vamos?
- O tempo de guardar isso aí. Depois te mostro – Pega o tubo no chão, entrega a Leonora que o leve para a sala. Beijam-se novamente antes de saírem andando entre as estrelas.
Na marinete, horas antes, Ascânio anunciara triunfante:
- Não vai tardar e essa trilha infame irá ser uma das melhores da Bahia e do Brasil. Duas pistas largas de asfalto, mão única, na prática uma auto-estrada.
Impressionados os passageiros pedem detalhes, ele os fornece, precisos.
A CBEP – Companhia Baiana de Engenharia e Projectos a que asfaltou o Caminho da Lama, sabem qual é, não? – está ultimando os estudos para a aprovação final da Brastânio. Ascânio regressa da capital trazendo o progresso na pasta negra de couro, moderna e cara, e no comprido e grosso canudo de metal.
A pasta, presente do doutor Rosalvo Lucena, depositada com um cartão gentil na portaria do hotel, guarda os materiais enviados pelo Magnífico Doutor, documentação exaustiva. No tubo, o desenho do decorador Rufo, aquele monumento! A voz de Ascânio adquiriu vigor e clareza, sílabas bem pronunciadas, palavras escolhidas e correctas. Todos sentem a modificação ocorrida: o esforçado jovem secretário da Prefeitura, de pequenos empreendimentos e sonhos irrealizáveis, transformou-se é um executivo realista e dinâmico. Na capital, tratando com homens de grande capacidade e grande coração amadurecera.
Quem sabe, por não lhe agradar a notícia sobre a próxima pavimentação da estrada, a marinete de Jairo, apelidada por alguns maldizentes de Mula do Lamaçal, entrou em pane, uma daquelas. Quando por fim chegaram a Agreste, caía o crepúsculo, hora romântica. Na porta da casa de Perpétua o seminarista Ricardo, de batina, relógio de pulso, no dedo anel de jade, risonho, informou estar a prima Leonora em Mangue Seco. Sem sequer dizer até logo, Ascânio partiu à procura de condução.
Andam em silêncio para os cômoros, de mãos dadas, rindo um para o outro. Perscrutando-lhe a face envolta em sombra, Ascânio tenta compara-la com Pat, Nilsa, Bety. Impossível! Não apenas por ser Leonora infinitamente mais bela, sobretudo, porém pela imensa distância moral a separá-la daquelas piranhas. Piranhas, assim o jornalista Ismael Julião se referia ao mulherio reunido na beira da piscina; nem parece ser noivo de uma delas. Tipo repugnante, cabe razão ao doutor Lucena.
A face de Leonora reflecte pureza, fidalguia, sentimentos nobres. Percebe-se de imediato a família de bons princípios, a educação primorosa. As outras, coitadas, o que podem ser senão…piranhas, para não aplicar a palavra torpe e exacta. Em nenhum momento, naqueles dias e noites tão movimentados, Ascânio considerou estar traindo Leonora ao ir para a cama com Pat, Nilsa e Bety.
Em Agreste, ao menos duas vezes por semana, comparece à pensão de Zuleika Cinderela para descarregar o corpo numa quenga qualquer. Não se trai a amada, aquela que se escolheu para esposa, deitando-se com mulher dama. Mulher dama, piranha ou puta, sinónimos. Amor e cama são coisas diferentes, uma não tem a ver com a outra, assim como Leonora nada tem em comum com aquelas desvairadas da Bahia, as três suas conhecidas e as demais, entre as quais Astrud. Astrud, sim, igual a Pat, Nilsa e Bety; pior ainda, por hipócrita. Agora já nenhuma Astrud pode enganá-lo. Ascânio é outro, aprendeu a distinguir.
Sempre de mãos dadas e a sorrir, iniciam a subida do cômoro mais alto, os pés enterram-se na areia. Leonora tropeça numa palma de coqueiro, vacila, tomba, tenta reerguer-se, Ascânio a levanta nos braços, leve corpo alado, síflide – os poetas acertam sempre, não erram nunca. Nos braços a conduz. Leonora encosta-se em seu peito, rosto contra rosto, as respirações se cruzam e se confundem.
Ao depositá-la de pé, no alto, beijam-se diante do abismo tenebroso e deslumbrante. Ali, em noite de lua cheia, ela roçara os lábios em seu rosto, quando Ascânio contara da traição de Astrud. Na noite sem lua a noite é ainda mais densa de mistério, imensa e obscura. Quando se desprendem do beijo, ela recorda, voz de cristal:
- Do lado de lá fica a costa de África. Não me esqueci. Só que a lua que encomendei para hoje não chegou, São Jorge não é meu chapa.
segunda-feira, setembro 28, 2009
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 244
EPISÓDIO Nº 244
DE COMO ASCÂNIO TRINDADE, PALMILHANDO VERSOS DO POETA BARBOZINHA, EMBARCA NA ESTEIRA FULVA DE UM COMETA, CAPÍTULO DE UM ROMANTISMO MAIS QUE ATROZ – SILENTE E LÍVIDO
A lua veleja do outro lado do mundo ou descansa no fundo do mar, no negrume da noite, os cômoros são brancos vestidos de noiva cravejados de estrelas reflectidas do céu de Mangue Seco; assim escrevera Barbozinha num dos Poemas de Agreste, recordando o encontro com Tieta. Límpido manto de areia, teu vestido de núpcias, grinalda de estrelas, é desfolhada rosa, noiva dissoluta, abscôndita lua negra – versos antigos, bons de recitativo em festas de outrora. Leonora os lera naqueles dias agoniados quando Ascânio ficara como doido e o sonho ameaçara ruína e término. Para ilustrar o poema de De Matos Barboza, Calasans Neto fincara uma lua negra no abismo do mar, traçara nas dunas um caminho de estrelas para a bem – amada. Um sol azul, uma lua negra, dias e noites de Leonora.
No rio, ruído de motor de popa do barco de Pirica:
- É ele Mãezinha, o coração me diz – Leonora levanta-se, precipita-se para a porta do Curral do Bode Inácio.
Chegara na véspera com o Comandante e dona Laura, atendendo ao recado de Mãezinha: venha ajudar na arrumação. Apesar de alérgica ao cheiro de tinta fresca, Tieta, de tão apressada, mudara-se com as portas verdes ainda recém pintadas. Exibe com orgulho cada cômodo: um ovo, o meu barraco, mas uma graça, não é? Sala, dois quartos, banheiro; agasalhante tem de um tudo, até geladeira movida a querosene. Tieta não fez conta de dinheiro, mandou buscar do bom e do melhor. No domingo, algumas pessoas amigas virão para o almoço e o banho de mar. Os ritos da morte, tão severos em Agreste, não permitem festa de inauguração: apenas uns quantos dias decorreram após o enterro de Zé Esteves, que Deus o tenha em sua guarda. Deus ou o Diabo?
Tieta anda até à porta, abraça Nora pela cintura:
- Aproveita a ocasião, cabrita. Eu vou bater um papo com o Comandante e dona Laura. Se tu está apaixonada de verdade, como tu diz, segura teu bode pelos chifres, arreia as ancas; está chegando o dia da gente ir embora. Toma tento para não subir no mesmo combro que Pedro e Marta, é hora do casal estar lá em cima, dando a deles. Não perdem uma noite.
Abandona Leonora ali, parada, some no escuro em direcção à Toca da Sogra onde brilha a luz de acetileno dos lampiões marítimos do Comandante. Apoia no bordão, não o larga desde a morte do Velho. Ricardo partira para Agreste, deixando-a carente. As noites de sábado para domingo pertencem a Deus. Depois da confissão, à tarde, com frei Timóteo, no arraial do Saco, abstinência total, nem um beijo para remédio. Somente na volta, domingo, após a missa.
Naquele sábado, porém, ele viajara antes da hora habitual, embarcando de madrugada na canoa de Jonas. Deve chegar a Agreste a tempo de comparecer à missa comemorativa do aniversário de Peto, leva presentes de Tieta e Leonora, além de se ter comprometido a ajudar padre Mariano, ela não sabe exactamente em que espécie de cerimónia, não é entendida em coisas de religião.
A sociedade estabelecida entre Tieta e a Santa Madre Igreja para gerir o emprego do tempo de Cardo, bem comum, começa a afectá-la. No auge da paixão, desvairada e possessiva, ela o exige em cada instante, sabendo quanto é breve o prazo que lhe resta junto a seu menino. Capricho igual a esse, xodó tão forte, jamais sentiu em toda a vida, rabicho de cabra velha por cabrito ainda cheirando a leite. Ah!, se a Senhora Sant’Ana aceitasse cedê-lo em regime de dedicação integral, durante aqueles poucos dias, menos de um mês, em troca de uma benfeitoria qualquer na Matriz! Na família Esteves, como se comprova, mercadejar com o Céu torna-se um hábito. Sem possuir os merecimentos de Perpétua, Tieta estaria disposta a pagar caro a essas últimas noites de sábado para domingo, a essas breves horas em que Ricardo cumpre obrigações de levita do Templo.
A lua veleja do outro lado do mundo ou descansa no fundo do mar, no negrume da noite, os cômoros são brancos vestidos de noiva cravejados de estrelas reflectidas do céu de Mangue Seco; assim escrevera Barbozinha num dos Poemas de Agreste, recordando o encontro com Tieta. Límpido manto de areia, teu vestido de núpcias, grinalda de estrelas, é desfolhada rosa, noiva dissoluta, abscôndita lua negra – versos antigos, bons de recitativo em festas de outrora. Leonora os lera naqueles dias agoniados quando Ascânio ficara como doido e o sonho ameaçara ruína e término. Para ilustrar o poema de De Matos Barboza, Calasans Neto fincara uma lua negra no abismo do mar, traçara nas dunas um caminho de estrelas para a bem – amada. Um sol azul, uma lua negra, dias e noites de Leonora.
No rio, ruído de motor de popa do barco de Pirica:
- É ele Mãezinha, o coração me diz – Leonora levanta-se, precipita-se para a porta do Curral do Bode Inácio.
Chegara na véspera com o Comandante e dona Laura, atendendo ao recado de Mãezinha: venha ajudar na arrumação. Apesar de alérgica ao cheiro de tinta fresca, Tieta, de tão apressada, mudara-se com as portas verdes ainda recém pintadas. Exibe com orgulho cada cômodo: um ovo, o meu barraco, mas uma graça, não é? Sala, dois quartos, banheiro; agasalhante tem de um tudo, até geladeira movida a querosene. Tieta não fez conta de dinheiro, mandou buscar do bom e do melhor. No domingo, algumas pessoas amigas virão para o almoço e o banho de mar. Os ritos da morte, tão severos em Agreste, não permitem festa de inauguração: apenas uns quantos dias decorreram após o enterro de Zé Esteves, que Deus o tenha em sua guarda. Deus ou o Diabo?
Tieta anda até à porta, abraça Nora pela cintura:
- Aproveita a ocasião, cabrita. Eu vou bater um papo com o Comandante e dona Laura. Se tu está apaixonada de verdade, como tu diz, segura teu bode pelos chifres, arreia as ancas; está chegando o dia da gente ir embora. Toma tento para não subir no mesmo combro que Pedro e Marta, é hora do casal estar lá em cima, dando a deles. Não perdem uma noite.
Abandona Leonora ali, parada, some no escuro em direcção à Toca da Sogra onde brilha a luz de acetileno dos lampiões marítimos do Comandante. Apoia no bordão, não o larga desde a morte do Velho. Ricardo partira para Agreste, deixando-a carente. As noites de sábado para domingo pertencem a Deus. Depois da confissão, à tarde, com frei Timóteo, no arraial do Saco, abstinência total, nem um beijo para remédio. Somente na volta, domingo, após a missa.
Naquele sábado, porém, ele viajara antes da hora habitual, embarcando de madrugada na canoa de Jonas. Deve chegar a Agreste a tempo de comparecer à missa comemorativa do aniversário de Peto, leva presentes de Tieta e Leonora, além de se ter comprometido a ajudar padre Mariano, ela não sabe exactamente em que espécie de cerimónia, não é entendida em coisas de religião.
A sociedade estabelecida entre Tieta e a Santa Madre Igreja para gerir o emprego do tempo de Cardo, bem comum, começa a afectá-la. No auge da paixão, desvairada e possessiva, ela o exige em cada instante, sabendo quanto é breve o prazo que lhe resta junto a seu menino. Capricho igual a esse, xodó tão forte, jamais sentiu em toda a vida, rabicho de cabra velha por cabrito ainda cheirando a leite. Ah!, se a Senhora Sant’Ana aceitasse cedê-lo em regime de dedicação integral, durante aqueles poucos dias, menos de um mês, em troca de uma benfeitoria qualquer na Matriz! Na família Esteves, como se comprova, mercadejar com o Céu torna-se um hábito. Sem possuir os merecimentos de Perpétua, Tieta estaria disposta a pagar caro a essas últimas noites de sábado para domingo, a essas breves horas em que Ricardo cumpre obrigações de levita do Templo.
No Dia Seguinte Às Eleições…
- “Como se vê, ganhar eleições é uma grande maçada. Por isso, O Bloco seguirá em frente, protestando e rindo.” Pedro Tadeu – Jornalista
- “Perante o resultado do Bloco o melhor é emigrarmos todos e juntarmo-nos ao contingente que sai todos os meses para a Suiça…” Maria Augusta Monteiro, presidente do Partido da Nova Democracia, do Manuel Monteiro, que conquistou 21.380 votos quase metade dos obtidos em nas legislativas de 2005.
- “Portugal está neste momento sob um pesadelo. Há qualquer coisa de errado neste país.” Alberto João Jardim Presidente do PSD da Madeira.
- "Portas é o homem certo no lugar errado. Fosse ele líder do PSD e outro galo cantaria…” Vozes.
“ - Se não se demitir, Manuela F. Leite vai em morte vegetativa até às eleições autárquicas” Luís Mira do Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva.
- "Tudo farei para que o próximo líder seja alguém que represente o país novo, moderno. Alguém jovem, arejado, fresco.” Luís Filipe Meneses ex – líder do PSD.
- “Haverá Governo minoritário com acordos parlamentares com o CDS ávido de nacos de poder”. Carlos Abreu Amorim da Universidade do Minho.
- “Depois, foi ficando claro que a hipótese de maioria entre PS e Bloco se esfumava. O BE morria na praia…" comentário do jornalista na sede do Bloco.
- “Perdedores também houve alguns, mas há um que ofusca todos: Cavaco. Conseguiu num dia perder duas eleições a de ontem e a daqui a dois anos”. Ferreira Fernandes, jornalista.
“A experiência da história mostra a que absurdos chega o homem quando exclui Deus do horizonte das suas escolhas e das suas acções”. Papa Bento XVI.
- Estará o Papa a referir-se a tudo o que o homem fez ao longo da história em nome de Deus e das crenças ou haverá outra história da humanidade que só ele conhece?
- “Perante o resultado do Bloco o melhor é emigrarmos todos e juntarmo-nos ao contingente que sai todos os meses para a Suiça…” Maria Augusta Monteiro, presidente do Partido da Nova Democracia, do Manuel Monteiro, que conquistou 21.380 votos quase metade dos obtidos em nas legislativas de 2005.
- “Portugal está neste momento sob um pesadelo. Há qualquer coisa de errado neste país.” Alberto João Jardim Presidente do PSD da Madeira.
- "Portas é o homem certo no lugar errado. Fosse ele líder do PSD e outro galo cantaria…” Vozes.
“ - Se não se demitir, Manuela F. Leite vai em morte vegetativa até às eleições autárquicas” Luís Mira do Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva.
- "Tudo farei para que o próximo líder seja alguém que represente o país novo, moderno. Alguém jovem, arejado, fresco.” Luís Filipe Meneses ex – líder do PSD.
- “Haverá Governo minoritário com acordos parlamentares com o CDS ávido de nacos de poder”. Carlos Abreu Amorim da Universidade do Minho.
- “Depois, foi ficando claro que a hipótese de maioria entre PS e Bloco se esfumava. O BE morria na praia…" comentário do jornalista na sede do Bloco.
- “Perdedores também houve alguns, mas há um que ofusca todos: Cavaco. Conseguiu num dia perder duas eleições a de ontem e a daqui a dois anos”. Ferreira Fernandes, jornalista.
“A experiência da história mostra a que absurdos chega o homem quando exclui Deus do horizonte das suas escolhas e das suas acções”. Papa Bento XVI.
- Estará o Papa a referir-se a tudo o que o homem fez ao longo da história em nome de Deus e das crenças ou haverá outra história da humanidade que só ele conhece?
domingo, setembro 27, 2009
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 243
Virou manchete editorial num semanário de cavação, dirigido por conhecido picareta, o combativo Leonel Vieira. Referiu-se ele à importância da instalação da indústria de dióxido de titânio mas acentuou-lhe os inconvenientes, o alto teor de poluição, prometendo voltar ao assunto no próximo número com novas informações, provindas directamente de Agreste para onde estava seguindo um repórter do vibrante hebdomadário.
Não foi necessário enviar repórter aos confins do sertão, pois o Magnífico Doutor forneceu ao caro e simpático Leonel Vieira todas as informações necessárias sobre a indústria de dióxido de titânio, cheque, uísque e senhoritas. Acalmou-lhe inclusivé os melindres ideológicos pois, como foi antes referido, para gasto e renda em certos círculos, o impávido Vieira arrota esquerdismo bastante radical. Voltou ao assunto, conforme prometera, dando magnífico exemplo de honorabilidade jornalística aos seus (poucos) leitores.
De posse das novas informações teve a coragem cívica de confessar de público o engano cometido e repudiar o aleive levantado contra a Brastânio, cuja instalação no Estado iria contribuir para o progresso, a independência económica do Brasil e para a formação do proletariado baiano.
Os doutores Mirko Stefano e Rosalvo Lucena, o Magnífico Doutor e o Manangerial Doctor, estabelecem o balanço da situação. De São Paulo, em repetidas chamadas telefónicas, o director-presidente Ângelo Bardi informa sobre entraves surgidos em Brasília. As resistências provêm sobretudo das autoridades baianas, dispostas a ceder prazerosamente quando se fala em Agreste e Mangue Seco, lonjuras sem ressonância nem campeões, intransigentes quanto a Arembepe, próxima, visível, evidente, conflitual. Em defesa de Agreste, além de Giovani Guimarães, levantam-se apenas um poeta sem maior renome e meia dúzia de pescadores. Mas nas trincheiras de Arembepe tomam posição de combate artistas e escritores de projecção nacional, turistas e hipies e, pesando na balança das influências bem mais do que todo esse folclore, o prestígio das empresas proprietárias de vastos e valiosos loteamentos iniciados e à venda na extensa área: com a Brastânio a espalhar seus gases venenosos, os preços altíssimos dos terrenos descerão a zero.
Apesar de depositar confiança nos efeitos salutares do novo subsídio posto à disposição do Velho Parlamentar, o director-presidente louva, em telefonema urgente, a precaução tomada na última reunião, por proposta de Mirko. Não somente pelo desvio da atenção dos jornais e do público mas porque devem encarar a possibilidade de que não lhes reste finalmente outra opção para além de Mangue Seco.
Por isso mesmo recomenda o envio a Agreste de um advogado capaz, para estudar a situação das terras onde, caso não tenham mesmo jeito, erguerão as fábricas. Pelo visto, não se sabe a quem pertence o coqueiral, é tempo de tirar a limpo os detalhes desse assunto. Por via das dúvidas.
Doutor Mirko Stefano, familiar da vida baiana, lembra ao doutor Lucena o nome de um professor da faculdade de direito, não tanto pela cátedra ou pelo título mas pela sagacidade demonstrada em casos igualmente confusos e difíceis, doutor hélio Colombo. Catedrático, chefe de importante escritório de advocacia, aceitará deslocar-se para Agreste, viagem chata e cansativa? Rosalvo duvida, não vá ele enviar um ajudante qualquer. Mirko esclarece: por dinheiro, doutor Colombo vai até à puta que o pariu quanto mais a Agreste.
Colocará um carro à sua disposição e, para dar à viagem um certo encanto, uma secretária para acompanhá-lo e tomar notas, ou seja, tomar na bunda. Conversando assim informalmente os dois directores da Brastânio permitem-se certa liberdade de linguagem. O Magnífico Doutor chega ao extremo de deixar de lado as citações em várias línguas para referir, a propósito dos acontecimentos de Mangue Seco e da repercussão na imprensa, um provérbio nacional (ou português), a seu ver de perfeita aplicação: enquanto o pau canta no lombo do vizinho, folgam as nossas costas. Enquanto se ocupam de Mangue Seco esquecem a existência de Arembepe.
Numa coisa estão de acordo, eles, directores e o apavorado chefe de equipe – caso se vejam obrigados a implantar a indústria em Mangue Seco, antes de tudo será necessário limpara a área da imunda ralé que a ocupa, terminando de vez com aquele covil de contrabandistas, coito de bandidos. Uma operação pente fino da qual não escape nem um único marginal ou subversivo, a começar pelo tal padreca: a igreja está se transformando num viveiro de terroristas, seu Mirko! Rosalvo Lucena encerra o balanço:
- Sem esquecer os meninos. Aprígio me contou que os moleques eram os piores, assanhavam os tubarões. Ademais, estavam nus, cada galalau enorme, com tudo à mostra. Lambrosianos, assim me disse Aprígio.
O Magnífico Doutor sorriu seu bom sorriso, amável e descontraído:
- Não se preocupe meu caro Rosalvo. Se nos instalarmos em Mangue Seco, meninos e tubarões vão durar pouco, sumirão nos efluentes…
EPISÓDIO Nº 243
Virou manchete editorial num semanário de cavação, dirigido por conhecido picareta, o combativo Leonel Vieira. Referiu-se ele à importância da instalação da indústria de dióxido de titânio mas acentuou-lhe os inconvenientes, o alto teor de poluição, prometendo voltar ao assunto no próximo número com novas informações, provindas directamente de Agreste para onde estava seguindo um repórter do vibrante hebdomadário.
Não foi necessário enviar repórter aos confins do sertão, pois o Magnífico Doutor forneceu ao caro e simpático Leonel Vieira todas as informações necessárias sobre a indústria de dióxido de titânio, cheque, uísque e senhoritas. Acalmou-lhe inclusivé os melindres ideológicos pois, como foi antes referido, para gasto e renda em certos círculos, o impávido Vieira arrota esquerdismo bastante radical. Voltou ao assunto, conforme prometera, dando magnífico exemplo de honorabilidade jornalística aos seus (poucos) leitores.
De posse das novas informações teve a coragem cívica de confessar de público o engano cometido e repudiar o aleive levantado contra a Brastânio, cuja instalação no Estado iria contribuir para o progresso, a independência económica do Brasil e para a formação do proletariado baiano.
Os doutores Mirko Stefano e Rosalvo Lucena, o Magnífico Doutor e o Manangerial Doctor, estabelecem o balanço da situação. De São Paulo, em repetidas chamadas telefónicas, o director-presidente Ângelo Bardi informa sobre entraves surgidos em Brasília. As resistências provêm sobretudo das autoridades baianas, dispostas a ceder prazerosamente quando se fala em Agreste e Mangue Seco, lonjuras sem ressonância nem campeões, intransigentes quanto a Arembepe, próxima, visível, evidente, conflitual. Em defesa de Agreste, além de Giovani Guimarães, levantam-se apenas um poeta sem maior renome e meia dúzia de pescadores. Mas nas trincheiras de Arembepe tomam posição de combate artistas e escritores de projecção nacional, turistas e hipies e, pesando na balança das influências bem mais do que todo esse folclore, o prestígio das empresas proprietárias de vastos e valiosos loteamentos iniciados e à venda na extensa área: com a Brastânio a espalhar seus gases venenosos, os preços altíssimos dos terrenos descerão a zero.
Apesar de depositar confiança nos efeitos salutares do novo subsídio posto à disposição do Velho Parlamentar, o director-presidente louva, em telefonema urgente, a precaução tomada na última reunião, por proposta de Mirko. Não somente pelo desvio da atenção dos jornais e do público mas porque devem encarar a possibilidade de que não lhes reste finalmente outra opção para além de Mangue Seco.
Por isso mesmo recomenda o envio a Agreste de um advogado capaz, para estudar a situação das terras onde, caso não tenham mesmo jeito, erguerão as fábricas. Pelo visto, não se sabe a quem pertence o coqueiral, é tempo de tirar a limpo os detalhes desse assunto. Por via das dúvidas.
Doutor Mirko Stefano, familiar da vida baiana, lembra ao doutor Lucena o nome de um professor da faculdade de direito, não tanto pela cátedra ou pelo título mas pela sagacidade demonstrada em casos igualmente confusos e difíceis, doutor hélio Colombo. Catedrático, chefe de importante escritório de advocacia, aceitará deslocar-se para Agreste, viagem chata e cansativa? Rosalvo duvida, não vá ele enviar um ajudante qualquer. Mirko esclarece: por dinheiro, doutor Colombo vai até à puta que o pariu quanto mais a Agreste.
Colocará um carro à sua disposição e, para dar à viagem um certo encanto, uma secretária para acompanhá-lo e tomar notas, ou seja, tomar na bunda. Conversando assim informalmente os dois directores da Brastânio permitem-se certa liberdade de linguagem. O Magnífico Doutor chega ao extremo de deixar de lado as citações em várias línguas para referir, a propósito dos acontecimentos de Mangue Seco e da repercussão na imprensa, um provérbio nacional (ou português), a seu ver de perfeita aplicação: enquanto o pau canta no lombo do vizinho, folgam as nossas costas. Enquanto se ocupam de Mangue Seco esquecem a existência de Arembepe.
Numa coisa estão de acordo, eles, directores e o apavorado chefe de equipe – caso se vejam obrigados a implantar a indústria em Mangue Seco, antes de tudo será necessário limpara a área da imunda ralé que a ocupa, terminando de vez com aquele covil de contrabandistas, coito de bandidos. Uma operação pente fino da qual não escape nem um único marginal ou subversivo, a começar pelo tal padreca: a igreja está se transformando num viveiro de terroristas, seu Mirko! Rosalvo Lucena encerra o balanço:
- Sem esquecer os meninos. Aprígio me contou que os moleques eram os piores, assanhavam os tubarões. Ademais, estavam nus, cada galalau enorme, com tudo à mostra. Lambrosianos, assim me disse Aprígio.
O Magnífico Doutor sorriu seu bom sorriso, amável e descontraído:
- Não se preocupe meu caro Rosalvo. Se nos instalarmos em Mangue Seco, meninos e tubarões vão durar pouco, sumirão nos efluentes…