Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, janeiro 18, 2014
O RACISMO
O racismo é a convicção de que uma raça é biologicamente superior às outras e, por isso, a preocupação dos racistas em manterem a “pureza da raça” para que esta superioridade não acabe ou, simplesmente, não diminua.
Contudo, sabemos que nenhuma raça é pura e portanto, trata-se de uma preocupação absurda.
A circunstância de quase todos aqueles que nasceram em certas regiões escandinavas serem louros e de olhos azuis enquanto que, quase todos os árabes, são morenos e de olhos mais escuros não significa que, relativamente a outros caracteres, exista uma “pureza semelhante”.
Acontece, apenas, que foi uma questão climática que determinou uma selecção natural a favor daquelas características e apenas dessas porque relativamente aos outros genes os indivíduos louros são tão “impuros” como aqueles que pertencem a populações não escandinavas.
Da mesma maneira, quando seleccionamos cães, cavalos ou qualquer outro tipo de animal para tornar homogénea uma determinada característica visível, como a cor do pelo ou a forma do corpo, ou de outras características como a excelência do faro, a velocidade da corrida, etc., a grande variabilidade individual das restantes características mantém-se inalterada.
E o criador que se exceder demasiado na homogeneização destas raças através de cruzamentos entre parentes chegados na esperança de as “purificar” corre ainda o risco de perder a raça devido à diminuição da fecundidade e, de uma forma geral, da vitalidade do animal.
Existe hoje uma plena e total convicção da impossibilidade de existirem raças puras e perfeitas, mas no passado um falso ideal de “pureza de raça” esteve na base de muitas teorias erradas mas que tiveram uma influência histórica muito importante e negativa.
Vale a pena recordar a teoria avançada por um francês do século XIX, de seu nome Joseph Artur de Gobineau e que era conde.
Este senhor conde começou a sua carreira como secretário de um famoso político e ensaísta francês, Alexis de Toqueville.
No seu “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” (1853-55) expôs a ideia de que a raça superior era representada pelos alemães que considerava serem os descendentes mais puros de um povo mítico, os arianos.
Ao procurar uma causa para a decadência da civilização, considerou tê-la detectado nas misturas étnicas que teriam reduzido a vitalidade da raça aumentando a sua corrupção.
Em determinado sentido, Gabineau, foi o iniciador do mito no qual, mais tarde, se havia de inspirar Hitler para impor ao mundo o regime nazi, da superioridade da raça ariana e do movimento anti-semita.
Mas o racismo é mais velho do que estas ideologias, muito provavelmente ele é tão antigo como as primeiras comunidades humanas que desenvolveram, por questões de sobrevivência, características xenófobas contra os outros grupos, da mesma forma e pelas mesmas razões, que desenvolveram comportamentos de solidariedade para com os indivíduos do mesmo grupo.
Normalmente, cada qual acha que a raça melhor é a sua, se por raça se entender o próprio grupo social, independentemente do facto de que aquilo de que mais nos orgulhamos ser de natureza biológica (sentimo-nos os mais bonitos…) ou sócio-cultural (a vida é mais agradável no nosso cantinho do que em outro lugar), não se fazendo qualquer esforço para separar a parte que é da biologia da que é de natureza cultural.
Numa época mais remota, os gregos consideravam com desprezo quaisquer estrangeiros chamando-lhes de “bárbaros” por não saberem falar grego mas mais tarde “provaram” do mesmo tratamento quando, debaixo do domínio romano, também foram por estes considerados de “bárbaros”.
Mas o que aconteceu é que todos os grupos étnicos, ao longo da história, sempre desenvolveram o orgulho do grupo a que pertencem.
Os franceses do nordeste podem gabar-se, com razão ou sem ela, que para o caso pouco interessa, descenderem dos bárbaros germânicos que, após a queda do Império Romano invadiram o norte do país: os Francos.
Da mesma forma também os ingleses se podem gabar de uma relação com os germânicos em resultado das invasões anglo-saxónicas.
Um deles, Huston Stuart Chamberlain, que casou com a filha de Wagner, tornou-se um grande admirador dos alemães e propagandista do mito ariano.
Este mito, aliás, é uma invenção recente. O termo “arianos” surgiu na linguística do século passado como significado de línguas indianas.
A raiz indo-europeia “ari” significa “condottieri”, nobre e daí aristocrata e Hitler apaixonou-se por esta palavra mas se tivesse sabido a verdadeira origem dela talvez tivesse escolhido outra porque, na verdade, os indianos são mais diferentes dos louros nórdicos do que, por exemplo, os judeus que ele odiou mais que qualquer outro grupo.
Todos sabemos hoje quais foram as consequências do ódio racista que enformou o regime nazi de Hitler que se tornou dono absoluto da Alemanha e no entanto assistimos como é fácil esquecer o passado e repetir os mesmos erros.
Os 6 milhões de judeus mortos nos campos de concentração nazi não foram suficientes? Há mesmo quem tente afirmar que não existiram. Como é possível?
Será que temos que concluir que o racismo é uma doença social de cura impossível e que nos atormentará para sempre?
Lágrima de Preta
António Gedeão |
António Gedeão
Encontrei uma preta
Que estava a chorar
Pedi-lhe uma lágrima
Para analisar.
Recolhi a lágrima
Com todo o cuidado
Num tubo de ensaio
Bem esterilizado
Olhei-a de um lado
Do outro e de frente:
Tinha um ar de gota
Muito transparente.
Mandei vir os ácidos
As bases e os sais
As drogas usadas
Em casos que tais.
Ensaiei a frio,
Experimentei ao lume,
De todas as vezes
Deu o que é costume:
Nem sinais de negro,
Nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
E cloreto de sódio
Faz hoje 30 anos que o meu colega e grande poeta, José Carlos Ary dos Santos, faleceu. Poeta único, força da natureza, vendaval de poesia. Que outro país teve um poeta como este? As minhas homenagens, José Carlos.
O grito de um animal ferido de morte.... |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERO DÀGUA
Episódio Nº 15
Então Quincas Berro Dágua fazia seu
solene juramento: reservara ao mar a honra da sua hora derradeira, de seu
momento final.
Não haviam de prendê-lo em sete palmos
de terra, ah! isso não! Exigiria, quando a hora chegasse, a liberdade do mar,
as viagens que não fizera em vida, as travessias mais ousadas, os feitos sem
exemplo.
Mestre Manuel, sem nervos e sem idade, o
mais valente dos mestres de saveiro, sacudia a cabeça aprovando. Os demais a quem
a vida ensinara a não duvidar de nada, concordavam também, tomavam mais um
travo de pinga.
Pinicavam os violões, cantavam a magia
das noites no mar, a sedução fatal de Janaína. O velho marinheiro cantava mais
alto que todos.
Como fora então morrer num quarto da
Ladeira do Tabuão? Era coisa de não se acreditar, os mestres de saveiro
escutavam a notícia sem conceder-lhe completo crédito.
Quincas Berro Dágua era dado a
mistificações, mais de uma vez embrulhara meio mundo.
Os jogadores de porrinha, de ronda, do
sete- e-meio, suspendiam as emocionantes partidas, desinteressados dos lucros,
apatetados.
Não era Berro Dágua o seu indiscutível
chefe? Caía sobre eles a sombra da tarde como luto fechado. Nos bares, nos botequi ns, nos balcões das vendas e armazéns, onde quer
que se bebesse cachaça, imperou a tristeza e a consumação era por conta da
perda irremediável.
Quem sabia beber melhor do que ele,
jamais completamente alterado, tanto mais lúcido e brilhante, quanto mais
aguardente emborcava?
Capaz como ninguém de adivinhar a marca,
a procedência das pingas mais diversas, conhecendo-lhes todas as nuances de
cor, de gosto e de perfume.
Há quantos anos não tocava em água?
Desde aquele dia em que passou a ser chamado Berro Dágua.
Não que seja facto memorável ou
excitante história. Mas vale a pena contar o caso, pois foi a partir desse
distante dia que a alcunha de “berro dágua” incorporou-se definitivamente ao
nome de Quincas.
Entrara ele na venda de Lopez, simpático
espanhol, na parte externa do Mercado. Freguês habitual, conqui stara o direito de servir-se sem o auxílio do
empregado.
Sobre o balcão viu uma garrafa,
transbordando de límpida cachaça, transparente, perfeita. Encheu um copo,
cuspiu para limpar a boca, virou-o de uma vez. E um berro inumano cortou a
placidez da manhã no Mercado, abalando o próprio Elevador Lacerda em seus
profundos alicerces.
O grito de um animal ferido de morte, de
homem traído e desgraçado:
-
Águuuuuuuua!
Imundo, asqueroso espanhol de má fama!
Corria gente de todos os lados, alguém estava com certeza a ser assassinado, os
fregueses da venda riam às gargalhadas.
sexta-feira, janeiro 17, 2014
As Origens da Pretensa
Superioridade
Biológica
Na história da Europa moderna assistimos a grandes expansões políticas e económicas: a Inglaterra e a França tiveram séculos de grandeza e glória que não estando completamente apagados estão, no entanto, drasticamente redimensionadas.
A Espanha teve também séculos de riqueza e de conquistas e noutras partes do mundo surgiram igualmente impérios que duraram períodos maiores ou menores.
No entanto, a mudança constante do poder, mostra como é difícil mantê-lo por muito tempo mas enquanto dura transmite às pessoas desses países uma sensação inebriante que facilmente a induz a considerar que a sua superioridade é objectiva e inata quando, afinal, ela não passa do resultado de uma política inteligente que beneficiou de um conjunto de circunstâncias que num determinado momento da história se conjugaram para levá-la ao sucesso.
Mas o poder e o sucesso são efémeros, como todos sabemos, e sendo assim constitui um grave erro basearmo-nos neles para reivindicar qualquer espécie de superioridade.
Não se pode pensar que nas poucas gerações necessárias para o naufrágio, mesmo das maiores civilizações, o património genético de um povo possa mudar e degradar-se por culpa de cruzamentos entre raças, como pensava Gobineau.
E isto resulta da confusão ou da ignorância relativamente a conceitos que embora coexistam no tempo são distintos uns dos outros: cultura e civilização por um lado e por outro património genético, sem que nenhum deles confira uma pretensa superioridade biológica que jamais alguém conseguiu demonstrar.
Os argumentos de Gobineau a favor da sua teoria racista são aviltantes porque sem nenhuma espécie de fundamentação pretendia demonstrar que a decadência de todas as civilizações ficou a dever-se à mistura entre as raças e que todos os progressos da humanidade foram o resultado da obra de uns quantos arianos.
Mas o que é estranho, ou talvez não seja, é que esta falsa tese racista convenceu não só a “intelligentsia” europeia como, ainda mais facilmente, os alemães que como directos beneficiários da teoria acreditaram nela com os funestos resultados que todos hoje conhecemos.
O racismo é apenas uma manifestação específica de um síndrome mais vasto que é a xenofobia: o medo ou o ódio aos estrangeiros ou, mais em geral, àqueles que são diferentes de nós.
O grupo social a que se pertence desempenha um papel muito importante na vida de um indivíduo pois é perfeitamente razoável que as pessoas, na sua maneira de agir e pensar, gostem de estar de acordo com o grupo para receber apoio dele e oferecê-lo caso seja necessário.
Isto conduz-nos a uma entidade a que chamamos “Nós”, que sou eu e o meu grupo e a um “Eles” que são os outros em oposição ao “Nós”.
Se aceitarmos esta hipótese vamos ter que reconhecer que este “Nós” tem várias dimensões a primeira das quais será a nossa família, eventualmente com a exclusão de algum membro que não mereça a nossa confiança.
Depois do “Nós” da família virá o “Nós”, companheiros do jogo, colegas da escola, colegas adeptos do mesmo clube, do mesmo trabalho, que habitam na mesma cidade, na mesma região ou no mesmo país.
Há, portanto, muitos “Nós” e alguns deles estão em oposição a outros “Nós” como é fácil de perceber da mesma forma que não atribuímos a mesma importância a todos eles.
Numa cidade onde existam dois clubes adversários é muito difícil não pertencer a um deles e participar activa e emotivamente na vida daquele que nos coube em sorte.
Este último “Nós” é vivido com tal intensidade e adquire tanta importância que bem justifica estudos no plano antropológico os quais, de resto, já foram feitos.
A autenticidade e veemência com que são vividos levam a pensar que existe uma tendência inata para “fabricarmos” estes “Nós” que, por sua vez, são uma extensão do nosso Eu e que nos ajudam formando uma espécie de cinto de protecção.
Mas esta explicação não é suficiente para perceber o racismo e existem outros elementos importantes que ajudam a determiná-lo como o preconceito que por vezes atinge níveis de verdadeira neurose.
O ciúme e a inveja também são, frequentemente, causa do racismo da mesma forma que o é a excessiva valorização da própria pessoa e do seu grupo e o desprezo pelos outros.
O racismo não é apenas uma herança dos europeus ou americanos, está por todo o lado e vem de todos os tempos.
Na República Centro Africana uma Circular do Presidente da República, o famigerado Bokassa, antes de se ter tornado um megalómano e se ter proclamado imperador, dizia:
- É preciso respeitar cada homem como indivíduo e não basear-se no grupo a que ele pertence. E repetia na língua oficial: “zo we zo”, um homem é um homem.
Esta Circular vinha do 1º Presidente, Barthelemy Boganda, homem de grande valor que morreu demasiado cedo num desastre de avião.
Nesta fase, o país estava sob o controle político de uma pequena tribo, os “ngabaka” que tinham contactos muito estreitos com os pigmeus de quem aqui já falámos pelas suas grandes qualidades morais e éticas e a quem o conteúdo desta circular se ajusta perfeitamente.
Os actos de racismo que hoje se praticam um pouco por toda a Europa já não são actos isolados de um delinquente maluco mas crimes atrozes praticados por compactos bandos de jovens que passeiam excitados pelos bairros pobres à procura de vítimas.
E esses jovens racistas não são todos filhos de pais malvados incapazes de compreender os seus problemas, muitos são simplesmente desempregados ou infelizes por outros motivos, irritados por verem pessoas “diferentes” às quais não querem reconhecer o direito de viverem no seu país, encontrarem um trabalho e levarem um vida digna.
Poderá também haver pequenos grupos políticos de extrema-direita e outros, talvez, não tão pequenos, que se aproveitam desta situação e que deitam mais achas na fogueira do racismo.
O Racismo é uma doença social em que a profilaxia deve ser praticada de forma intensiva na família e na escola logo a partir dos primeiros anos de vida mas neste momento pede-se à Comunidade Europeia uma atenção muito especial à política de imigração com o mais rigoroso controle sobre a entrada de estrangeiros que não façam parte dos contingentes definidos pelos governos de cada país, como possíveis de integrar na sociedade em condições dignas.
Temos que reconhecer com humildade que a Europa não tem condições para receber todos aqueles que aqui desejam beneficiar de condições de vida que os seus países não têm condições para lhes oferecerem e não levar isso em linha de conta é criar situações de risco para os que entram e para os que cá estão.
Por outro lado, a Europa tem que ter a coragem e o bom senso de por termo à actual Política Agrícola Comum (PAC) que é insustentável e provavelmente o maior obstáculo a uma relação de trocas comerciais de produtos agrícolas mais favorável aos países africanos e que possa constituir os estímulos certos para criar trabalho e riqueza permitindo fixar esses contingentes migratórios nos seus próprios países.
Em vez disto parece haver mais propensão para a política das ajudas e dos subsídios que ao fim de tantos anos já provaram que são ineficazes.
Apenas uma excepção: que eles se destinem directamente a matar a fome àquelas crianças que vemos na televisão e constituem a vergonha de todos nós.
A Espanha teve também séculos de riqueza e de conquistas e noutras partes do mundo surgiram igualmente impérios que duraram períodos maiores ou menores.
No entanto, a mudança constante do poder, mostra como é difícil mantê-lo por muito tempo mas enquanto dura transmite às pessoas desses países uma sensação inebriante que facilmente a induz a considerar que a sua superioridade é objectiva e inata quando, afinal, ela não passa do resultado de uma política inteligente que beneficiou de um conjunto de circunstâncias que num determinado momento da história se conjugaram para levá-la ao sucesso.
Mas o poder e o sucesso são efémeros, como todos sabemos, e sendo assim constitui um grave erro basearmo-nos neles para reivindicar qualquer espécie de superioridade.
Não se pode pensar que nas poucas gerações necessárias para o naufrágio, mesmo das maiores civilizações, o património genético de um povo possa mudar e degradar-se por culpa de cruzamentos entre raças, como pensava Gobineau.
E isto resulta da confusão ou da ignorância relativamente a conceitos que embora coexistam no tempo são distintos uns dos outros: cultura e civilização por um lado e por outro património genético, sem que nenhum deles confira uma pretensa superioridade biológica que jamais alguém conseguiu demonstrar.
Os argumentos de Gobineau a favor da sua teoria racista são aviltantes porque sem nenhuma espécie de fundamentação pretendia demonstrar que a decadência de todas as civilizações ficou a dever-se à mistura entre as raças e que todos os progressos da humanidade foram o resultado da obra de uns quantos arianos.
Mas o que é estranho, ou talvez não seja, é que esta falsa tese racista convenceu não só a “intelligentsia” europeia como, ainda mais facilmente, os alemães que como directos beneficiários da teoria acreditaram nela com os funestos resultados que todos hoje conhecemos.
O racismo é apenas uma manifestação específica de um síndrome mais vasto que é a xenofobia: o medo ou o ódio aos estrangeiros ou, mais em geral, àqueles que são diferentes de nós.
O grupo social a que se pertence desempenha um papel muito importante na vida de um indivíduo pois é perfeitamente razoável que as pessoas, na sua maneira de agir e pensar, gostem de estar de acordo com o grupo para receber apoio dele e oferecê-lo caso seja necessário.
Isto conduz-nos a uma entidade a que chamamos “Nós”, que sou eu e o meu grupo e a um “Eles” que são os outros em oposição ao “Nós”.
Se aceitarmos esta hipótese vamos ter que reconhecer que este “Nós” tem várias dimensões a primeira das quais será a nossa família, eventualmente com a exclusão de algum membro que não mereça a nossa confiança.
Depois do “Nós” da família virá o “Nós”, companheiros do jogo, colegas da escola, colegas adeptos do mesmo clube, do mesmo trabalho, que habitam na mesma cidade, na mesma região ou no mesmo país.
Há, portanto, muitos “Nós” e alguns deles estão em oposição a outros “Nós” como é fácil de perceber da mesma forma que não atribuímos a mesma importância a todos eles.
Numa cidade onde existam dois clubes adversários é muito difícil não pertencer a um deles e participar activa e emotivamente na vida daquele que nos coube em sorte.
Este último “Nós” é vivido com tal intensidade e adquire tanta importância que bem justifica estudos no plano antropológico os quais, de resto, já foram feitos.
A autenticidade e veemência com que são vividos levam a pensar que existe uma tendência inata para “fabricarmos” estes “Nós” que, por sua vez, são uma extensão do nosso Eu e que nos ajudam formando uma espécie de cinto de protecção.
Mas esta explicação não é suficiente para perceber o racismo e existem outros elementos importantes que ajudam a determiná-lo como o preconceito que por vezes atinge níveis de verdadeira neurose.
O ciúme e a inveja também são, frequentemente, causa do racismo da mesma forma que o é a excessiva valorização da própria pessoa e do seu grupo e o desprezo pelos outros.
O racismo não é apenas uma herança dos europeus ou americanos, está por todo o lado e vem de todos os tempos.
Na República Centro Africana uma Circular do Presidente da República, o famigerado Bokassa, antes de se ter tornado um megalómano e se ter proclamado imperador, dizia:
- É preciso respeitar cada homem como indivíduo e não basear-se no grupo a que ele pertence. E repetia na língua oficial: “zo we zo”, um homem é um homem.
Esta Circular vinha do 1º Presidente, Barthelemy Boganda, homem de grande valor que morreu demasiado cedo num desastre de avião.
Nesta fase, o país estava sob o controle político de uma pequena tribo, os “ngabaka” que tinham contactos muito estreitos com os pigmeus de quem aqui já falámos pelas suas grandes qualidades morais e éticas e a quem o conteúdo desta circular se ajusta perfeitamente.
Os actos de racismo que hoje se praticam um pouco por toda a Europa já não são actos isolados de um delinquente maluco mas crimes atrozes praticados por compactos bandos de jovens que passeiam excitados pelos bairros pobres à procura de vítimas.
E esses jovens racistas não são todos filhos de pais malvados incapazes de compreender os seus problemas, muitos são simplesmente desempregados ou infelizes por outros motivos, irritados por verem pessoas “diferentes” às quais não querem reconhecer o direito de viverem no seu país, encontrarem um trabalho e levarem um vida digna.
Poderá também haver pequenos grupos políticos de extrema-direita e outros, talvez, não tão pequenos, que se aproveitam desta situação e que deitam mais achas na fogueira do racismo.
O Racismo é uma doença social em que a profilaxia deve ser praticada de forma intensiva na família e na escola logo a partir dos primeiros anos de vida mas neste momento pede-se à Comunidade Europeia uma atenção muito especial à política de imigração com o mais rigoroso controle sobre a entrada de estrangeiros que não façam parte dos contingentes definidos pelos governos de cada país, como possíveis de integrar na sociedade em condições dignas.
Temos que reconhecer com humildade que a Europa não tem condições para receber todos aqueles que aqui desejam beneficiar de condições de vida que os seus países não têm condições para lhes oferecerem e não levar isso em linha de conta é criar situações de risco para os que entram e para os que cá estão.
Por outro lado, a Europa tem que ter a coragem e o bom senso de por termo à actual Política Agrícola Comum (PAC) que é insustentável e provavelmente o maior obstáculo a uma relação de trocas comerciais de produtos agrícolas mais favorável aos países africanos e que possa constituir os estímulos certos para criar trabalho e riqueza permitindo fixar esses contingentes migratórios nos seus próprios países.
Em vez disto parece haver mais propensão para a política das ajudas e dos subsídios que ao fim de tantos anos já provaram que são ineficazes.
Apenas uma excepção: que eles se destinem directamente a matar a fome àquelas crianças que vemos na televisão e constituem a vergonha de todos nós.
e para que são tomados.
- Conheço a aspirina , para as dores de
cabeça! Diz quase
instantaneamente um aluno.
E logo
a seguir diz outro:
- O ben-u-ron para as dores.
A
professora felicíssima com o conhecimento geral da turma e,
virando-se
para o Joãozinho pergunta se conhece algum.
- O viagra para a
diarreia!
- Responde o Joãozinho com sentimento de dever cumprido.
Intrigada diz a
professora:
- O viagra para a diarreia?...
Explica o
Joãozinho:
- Sim senhora professora!
Eu ouvi a minha mãe
dizer ao meu pai:
- toma viagra
para endurecer essa merda...
.... dizer-lhe galanteios naquela tarde... |
A MORTE E
A MORTE DE
A MORTE DE
QUINCAS
BERRO
DÁGUA
Episódio Nº 14
Já naquela hora a notícia da inesperada morte de Quincas Berro Dágua circulava pelas ruas da Baía. É bem verdade que os pequenos comerciantes do Mercado não fecharam suas portas em sinal de luto.
Em compensação, imediatamente aumentaram
os preços dos balangandãs, das bolsas de palha, das esculturas de barro que
vendiam aos turistas, assim homenageavam o morto.
Houve nas imediações do Mercado
ajuntamentos precipitados, pareciam comícios relâmpago, gente andando de um
lado para o outro, a notícia no ar, subindo o Elevador Lacerda, viajando nos
bondes para a Calçada, ia de ónibus para a Feira de Santana.
Debulhou-se em lágrimas a deliciosa
negra Paula, ante o seu tabuleiro de beijus de tapioca. Não viria Berro Dágua,
naquela tarde dizer-lhe galanteios naquela tarde torneados, espiar-lhe os seios
vastos, propor-lhe indecências, fazendo-a rir.
Nos saveiros de velas arriadas, os
homens do reino de Iemanjá, os bronzeados marinheiros, não escondiam a sua
decepcionada surpresa: como pudera acontecer essa morte num quarto do Tabuão,
como fora o “velho marinheiro” desencarnar numa cama?
Não proclamara, peremptório, e tantas
vezes, Quincas Berro Dágua, com voz e jeito de convencer ao mais descrente, que
jamais morreria em terra, que só um túmulo era digno da sua picardia: o mar
banhado de lua, as águas sem fim?
Quando se encontrava, convidado de
honra, na popa de um saveiro, ante uma peixada sensacional, as panelas de barro
lançando olorosa fumaça, a garrafa de cachaça passando de mão em mão, havia
sempre um instante, quando os violões começavam a ser ponteados, em que seus
instintos marítimos despertavam.
Punha-se de pé, o corpo gingando,
dava-lhe a cachaça aquele facilante equi líbrio
dos homens do mar, declarava sua condição de «velho marinheiro».
«Velho marinheiro» sem barco e sem mar,
desmoralizado em terra, mas não por culpa sua. Porque para o mar nascera, para
içar velas e dominar o leme de saveiros, para domar as ondas em noite de
temporal.
Seu destino fora truncado, ele, que
poderia ter chegado a capitão de navio, vestido de farda azul, cachimbo na
boca. Nem mesmo assim deixava de ser marinheiro, para isso nascera de sua mãe
Madalena, neta de comandante de barco, era marítimo desde seu bisavô e se lhe
entregassem aquele saveiro seria capaz de conduzi-lo mar afora, não para
Maragogipe ou Cachoeira, ali pertinho, e, sim, para as distantes costas da África,
apesar de jamais ter navegado.
Estava no seu sangue, nada precisava
aprender sobre navegação, nascera sabendo. Se alguém na selecta assistência
tinha dúvidas, que se apresentasse… Empinava a garrafa, bebia em grandes goles.
Os mestres de saveiro não duvidavam, bem
podia ser verdade. No cais e nas praias os meninos nasciam sabendo as coisas do
mar, não vale a pena buscar explicações para tais mistérios.
quinta-feira, janeiro 16, 2014
Alceu Valença - Como Dois Animais
Ele nasceu no interior de Pernambuco em 1946 nos limites de sertão e do agreste. Podia ter sido advogado... felizmente não foi.
A
O Provável Rosto de
Jesus
Em 2001, a
BBC divulgou, numa série intitulada "O Filho de Deus", um rosto,
muito provavelmente, aproximado ao de Jesus. Chegaram a ele depois de uma
cuidadosa investigação forense conduzida Richard Neave na Universidade de
Manchester.
Com base num crânio de um judeu do primeiro século encontrado em Jerusalém e ao qual foram aplicadas camadas de argila, e tecnologia gráfica digital de última geração, Neave foi capaz de se aproximar do rosto que pode ter tido o crânio e chegar à reconstrução facial de Jesus: nariz largo, forte mandíbula, arcadas e sobrancelhas proeminentes.
Os cabelos encaracolados, barba curta e a cor castanha da pele baseiam-se nos primeiros rostos de Jesus pintados na Síria. Jeremy Bowen, apresentador da série, que foi correspondente no Médio Oriente disse no documentário: “Em Jerusalém, hoje, há muitos homens como este. Ele é um judeu real, da região e pode ser visto agora, na cidade, repetido em muitas faces”.
Como era o Rosto de Jesus
Quincas ajeitou-se melhor no caixão... |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO DÁGUA
Episódio Nº 13
Fisionomia melancólica, fitou o cadáver. Sapatos
lustrosos onde brilhava a luz das velas, calça de vinco perfeito, paletó negro
assentando, as mãos devotas cruzadas no peito.
Pousou os olhos no rosto barbeado. E levou um choque,
o primeiro.
Viu o sorriso. Sorriso cínico, imoral, de quem se
divertia. O sorriso não havia mudado, contra ele nada tinham obtido os
especialistas da funerária.
Também ela, Vanda, esquecera-se de recomendar-lhes, de
pedir uma fisionomia mais a carácter, mais de acordo com a solenidade da morte.
Continuava aquele sorriso de Quincas Berro Dágua e, diante desse sorriso de
mofa e gozo, de que adiantavam sapatos novos – novos em folha enquanto o pobre
Leonardo tinha de mandar botar, pela segunda vez, meias solas nos seus – de que
adiantavam roupa negra, camisa alva, barba feita, cabelo engomado, mãos postas
em oração?
Porque Quincas ria daqui lo
tudo, um riso que se ia ampliando, alargando, que aos poucos ressoava na
pocilga imunda. Ria com os lábios e com os olhos, a fitarem o monte de roupa
suja e remendada, esquecida num canto pelos homens da funerária.
O sorriso de Quincas Berro Dágua.
E Vanda ouviu, as sílabas destacadas com nitidez
insultante, no silêncio fúnebre:
- Jararaca!
Assustou-se Vanda, seus olhos fuzilaram como os de
Octacília, mas seu rosto tornou-se pálido. Era a palavra que ele usava, como
uma cuspidela, quando, no início dessa loucura, buscavam, ela e Octacília,
reconduzi-lo ao conforto da casa, aos hábitos estabelecidos, à perdida
decência.
Nem agora, morto e estirado no caixão, com velas aos
pés, vestido de boas roupas, ele se entregava. Ria com a boca e com os olhos, não
era de admirar se começasse a assobiar.
E, além do mais, um dos polegares – o da mão esquerda –
não estava devidamente cruzado sobre o outro, elevava-se no ar. Anárqui co e debochativo.
- Jararaca! – disse de novo, e assobiou gaiatamente.
Vanda estremeceu na cadeira, passou a mão no rosto –
será que estou enlouquecendo? – sentiu faltar-lhe o ar, o calor fazia-se
insuportável, sua cabeça rodava.
Uma respiração ofegante na escada: tia Marocas, as
banhas soltas, penetrava no quarto. Viu a sobrinha descomposta na cadeira, lívida,
os olhos pregados na boca do morto.
Você esta abatida, menina. Também com o calor que faz
nesse cubículo…
Ampliou-se o sorriso canalha de Quincas ao enxergar o
vulto monumental da irmã. Vanda qui s
tapar os ouvidos, sabia, por experiência anterior, com que palavras ele amava
definir Marocas, mas que adiantam mãos sobre as orelhas para conter voz de
morto? Ouviu:
- Saco de peidos!
Marocas, mais descansada da subida, sem olhar sequer o
cadáver, escancarou a janela:
- Botaram
perfume nele? Está um cheiro de tontear.
Pela janela aberta, o ruído da rua entrou, múltiplo e
alegre, a brisa do mar apagou as velas e veio beijar a face de Quincas, a
claridade estendeu-se sobre ele, azul e festiva. Vitorioso sorriso nos lábios,
Quincas ajeitou-se melhor no caixão.
quarta-feira, janeiro 15, 2014
Homenagem a Frank Sinatra um dos maiores cantores e actores dos EUA
A tradução ao pé da letra, muitas vezes, é desconexa.A garantia seria uma versão que buscasse mais a intenção do compositor. Por ex: "And now the end is near and so I face the final curtain": - "E agora o fim está próximo então eu encaro o desafio final . Agora faço um balanço de minha vida". A canção tem muito mais que ver com a coragem de um homem do que seguir um caminho.
Gestão de expectativas... |
A Ucrânia
e a União
e a União
Europeia
No fim das negociações do governo de Kiev com a União Europeia pode-se perguntar:
- Se Bruxelas
tivesse condições para socorrer Kiev e impor uma doutrina reformista, como
aconteceu com Portugal, deveria tê-lo feito?
Dizendo de outra maneira, o alargamento da União
Europeia será uma prioridade?
Isto não foi objecto de debate na política europeia e,
tal como Salazar não discutia a pátria, os europeus também não discutem os méritos
do alargamento.
Com excepção do eterno caso turco – preconceitos étnicos-religiosos pouco se discutiu o impacto do alargamento a
leste para países como Portugal, da precipitação em integrar a Bulgária e a Roménia
sem políticas de anti-corrupção e da adesão de Chipre sem se resolver o
problema com Ancara.
Não sofre contestação que uma União Europeia alargada
com critério e bom senso é positivo como espaço de liberdade, democracia,
primado da lei e economias abertas.
Mas, na prática, nem tudo o que parece é. Para quê
acenar com a adesão ao povo da ucraniano se, na prática, a União Europeia mal
consegue gerir-se a 28, garantir coesão política sustentável ou acondicionar
democracias de sucesso mínimo (veja-se a Hungria de Orbán).
A gestão das expectativas é um dos grandes problemas
da política e, relativamente à União Europeia um dos seus dilemas.
O que é que se pretende:
- Fazer da
Ucrânia a fronteira da Europa com a Rússia ou a fronteira Russa com a Europa. Este
é um debate político que tem de ser feito.
Bernardo Pires de Lima
Investigador universitário
(continuação)
Richard Dawkins
A teoria geral da religião como subproduto acidental – um tiro falhado de algo útil – é aquela que defendo e a título de exemplo continuarei a fazer uso da minha teoria da “criança crédula” cujo cérebro é, por bons motivos, passível de ser infectado por “vírus” mentais.
Por que motivo se manifesta a “infecção” sob a forma de religião e não sob a forma de… bem, de quê?
Parte do que quero dizer é que não importa que tipo concreto de disparate vai infectar o cérebro da criança. Uma vez infectada, ela vai crescer e infectar a geração seguinte com o mesmo disparate, qualquer que ele seja.
Uma panorâmica antropológica dá-nos conta da diversidade das crenças irracionais humanas. Uma vez entrincheiradas numa cultura, perduram, desenvolvem-se e espalham-se, de uma forma que faz lembrar a evolução biológica. Por vezes os feitiços e encantamentos vão inspirar-se no mundo real e de um modo trágico. A crença de que o corno do rinoceronte, uma vez reduzido a pó possui propriedades afrodisíacas, o que é absolutamente absurdo tem a sua origem na suposta semelhança entre um corno e um pénis viril.
Presumo que as religiões, tal como as línguas, evoluem de uma forma bastante aleatória mas também de uma forma interesseira, que favorece a própria religião quando, por exemplo, ensinam a doutrina, segundo a qual, as nossas personalidades sobrevivem à morte física. A própria ideia de imortalidade sobrevive e alastra porque vai ao encontro dos que tendem a tomar os desejos por realidade. E esta ilusão tem o seu valor porque a psicologia humana encerra uma tendência quase universal para permitir que a crença se deixe colorir pelo desejo.
Parece não haver dúvidas de que muitos dos atributos da religião estão bem ajustados ao esforço de ajudar à sobrevivência da própria religião.
Martinho Lutero tinha a clara consciência de que a razão era a arqui -inimiga da religião e muitas vezes advertiu para os seus perigos:
«A razão é o maior inimigo da fé; nunca vem em auxílio das coisas espirituais, e as mais das vezes luta contra o verbo divino, tratando com desprezo tudo o que emana de Deus».
E mais adiante continua:
«Quem qui ser ser cristão deve arrancar os olhos à sua própria razão»
E continua:
«A razão deve ser destruída em todos os cristãos»
Lutero não teria nenhuma dificuldade em conceber ou desenhar de forma inteligente aspectos ininteligentes de uma religião para ajudá-la a sobreviver.
«A verdade, em religião, não é senão a opinião que sobreviveu»
Óscar Wilde
Era um bom pai e um bom esposo |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO DÁGUA
Episódio Nº 12
Ali deviam estar somente ela, o pai
morto, o saudoso Joaqui m Soares da
Cunha e as lembranças mais queridas por ele deixadas.
Arranca do fundo da memória cenas
esquecidas. O pai a acompanhá-la a um circo de cavalinhos, armado na ribeira
por ocasião de uma festa do Bonfim. Talvez nunca o tivesse visto tão alegre,
tamanho homem escarranchado em montaria de criança, a rir às gargalhadas, ele,
que tão raramente sorria.
Recordava também a homenagem que amigos
e colegas lhe prestaram, ao ser Joaqui m
promovido na Mesa de Rendas. A casa cheia de gente. Vanda era mocinha, começava
a namorar.
Nesse dia quem estourava de
contentamento era Octacília, no meio do grupo formado na sala, com discursos,
cerveja e uma caneta-tinteiro oferecida ao funcionário.
Parecia ela a homenageada. Joaqui m ouvia os discursos, apertava as mãos, recebia a
caneta sem demonstrar entusiasmo. Como se aqui lo
o enfastiasse e não lhe sobrasse coragem para dizê-lo.
Lembrava-se também da fisionomia do pai
quando ela lhe comunicara a próxima visita de Leonardo, afinal resolvido a
solicitar-lhe a mão. Abanara a cabeça murmurando:
-
Pobre coitado…
Vanda não admitia críticas ao noivo:
-
Pobre coitado, porquê? É de boa família, está bem empregado, não é de
bebedeiras e deboches…
-
Sei disso… Sei disso… Estava pensando noutra coisa.
Era curioso: não se recordava de muitos
pormenores ligados ao pai. Como se ele não participasse activamente da vida da
casa.
Poderia passar horas a lembrar-se de
Octacília, cenas, factos, frases, acontecimentos onde a mãe estava presente. A
verdade é que Joaqui m só começara a
contar nas suas vidas quando, naquele dia absurdo, depois de ter tachado
Leonardo de “bestalhão”, fitou a ela e a Octacília e soltou-lhes na cara,
inesperadamente:
-
Jararacas!
E, com a maior tranqui lidade deste mundo, como se estivesse a realizar
o menor e mais banal dos actos, foi-se embora e não voltou.
Nisso, porém, não queria Vanda pensar.
De novo regressou à infância, era ainda ali que encontrava mais precisa a
figura de Joaqui m.
Por exemplo, quando ela, menina de cinco
anos, de cabelo cacheado e choro fácil, tivera aquele febrão alarmante. Joaqui m não abandonara o quarto, sentado junto ao leito
da pequena enferma, a tomar-lhe as mãos a dar-lhe remédios.
Era um bom pai e um bom esposo. Com essa
última lembrança, Vanda sentiu-se suficientemente comovida e – houvesse mais
pessoas no velório – capaz de chorar um pouco, como é obrigação de uma boa
filha.
terça-feira, janeiro 14, 2014
Se houvesse um prémio para a canção mais ternurenta, onde as palavras melhor casam com a música, esse prémio eu dava-o à Valsinha do Chico Buarque e Vinícius de Moraes. De quando em vez volto a ela... o prazer nunca se acaba.
Ucrânia, ali, bem encostadinha à Rússia |
A Ucrânia
Se os povos pudessem livremente escolher os seus
destinos, decidir ao encontro do que lhes vai na alma, eu julgo que a Ucrânia
optaria por se libertar da influência da Rússia e do Sr. Putin, não obstante os
laços criados ao longo dos anos com a União Soviética.
Mas, infelizmente, a margem para poder escolher em
liberdade não existe e, no caso concreto da Ucrânia a alternativa era entre o “vento”
e a “tempestade”, ainda que o vento fosse de democracia e liberdade.
Todos os povos europeus têm aspirações ao consumo e ao
bem-estar, talvez mais que quaisquer outros. Após o fim da última grande guerra
abriu-se um período de franco desenvolvimento em que os progressos na qualidade
de vida das pessoas, sob todos os aspectos, foram notáveis e de tal forma
evidentes que nem vale a pena referi-los.
A esses progressos e a essa melhoria na qualidade de
vida não tiveram acesso os países que viveram esse período sob o regime
comunista e a que agora aspiram porque com a queda do muro de Berlim e do império
soviético o panorama político na Europa é outro. Deixou de haver a ameaça da
invasão dos tanques soviéticos de que muitos ainda se lembram.
Mas há outra espécie de “tanques” que, de maneira
diferente, condicionam de forma invisível e sem a espectacularidade das
lagartas dos tanques de guerra desfilando pelas ruas das cidades perante os
olhares de medo das pessoas, e que se desenrolam no silêncio dos gabinetes
longe da vista do povo.
Kiev, capital da Ucrânia. queria até final de 2013 6.000
milhões de euros, frescos, sem contrapartidas mas a União Europeia só foi aos
1.500 milhões e com reformas orçamentais muito duras, critérios de transparência
e a libertação de Júlia Timoshenko.
Transparência? A troco de umas migalhas?...
A nomenclatura do Presidente Ianukovych deve ter
solto uma gargalhada… só podia seu uma piada!
A Rússia chegou aos 15.000 milhões, 33% de desconto no
preço do gás e quanto a essa “coisa” de imposições democráticas, tal como
transparência, não era propriamente o forte do Sr. Putin.
Mudam-se os tempos, mudam-se as armas…
(continuação)
Será a religião irracional um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento?
É verdade que a fé religiosa tem aspectos em comum com o enamoramento (e ambos têm muitas das características da euforia induzida por uma droga viciante). O neuropsiqui atra John Smythies adverte para o facto de haver diferenças significativas entre as áreas do cérebro activadas pelos dois tipos de mania. Contudo, observa também algumas semelhanças:
- Uma faceta das muitas faces da religião é o amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da veneração de ícones dessa pessoa. A vida humana é, em grande parte, impelida pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço.
É grande o reforço de tipo positivo originado pela religião: sentimentos reconfortantes e calorosos por sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte, auxílio vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.
De igual modo, o amor romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma concentração intensa no outro e reforços positivos. Estes sentimentos podem ser desencadeados por ícones do outro, tal como cartas, fotografias e mesmo madeixas de cabelo, como se usava na época vitoriana.
O estado de enamoramento faz-se acompanhar de inúmeras manifestações fisiológicas, como por exemplo, suspirar longa e repetidamente.
Fiz a comparação entre enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um indivíduo infectado pela religião «podem ser surpreendentemente reminiscentes daqueles que habitualmente associamos ao amor sexual.
Trata-se de uma força extremamente potente que há no cérebro e não admira que alguns vírus tenham evoluído no sentido de a explorar (vírus, neste contexto é uma metáfora para religiões.)
O filósofo Anthony Kenny (ordenado padre, regressa depois à sua condição laica por se ter tornado agnóstico) dá um testemunho comovente do grande deleite daqueles que conseguem acreditar no mistério da transubstanciação (acreditar na presença real de Cristo na eucaristia).
Depois de descrever a sua ordenação como padre católico habilitado a celebrar missa pela imposição das mãos, recorda vividamente a exaltação dos primeiros meses em que deteve o poder de rezar missa. Ele próprio diz:
- "Normalmente era lento e preguiçoso a levantar-me pela manhã, agora saltava cedo da cama, bem desperto e muito entusiasmado só de pensar no momentoso acto que tinha o privilégio de desempenhar…
O tocar o corpo de Cristo, a proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me enlevava. Olhava fixamente para a hóstia depois das palavras da consagração, de olhar lânguido como um amante que mira os olhos da sua amada."
O equi valente da reacção das traças à bússola luminosa é o hábito aparentemente irracional, e no entanto útil, de nos apaixonarmos por um, e só um, membro do sexo oposto.
O subproduto falhado – o equi valente a voarmos na direcção da chama – é apaixonarmo-nos por Javé (ou pela Virgem Maria, ou por uma rodela de batata, ou por Alá) e levar a cabo actos irracionais motivados por esse amor.
(continua)
Richard Dawkins
«Filósofo esfarrapado da rampa do Mercado» |
A MORTE
E A MORTE
DE QUINCAS
BERRO
DÁGUA
DÁGUA
Episódio Nº 11
Sentia-se vingada de tudo quanto Quincas
fizera a família sofrer, sobretudo a ela própria e a Octacília. Aquela
humilhação de anos e anos.
Dez anos levara Joaqui m aquela vida absurda. «Rei dos vagabundos da
Baía», escreviam sobre ele nas colunas policiais das gazetas, tipo de rua
citado em crónicas de literatos ávidos de fácil pitoresco, dez anos
envergonhando a família, salpicando-a com a lama daquela inconfessável
celebridade.
O «Cacheiro-mor de Salvador», o
«filósofo esfarrapado da rampa do Mercado», o «senador das gafieiras», Quincas
Berro Dágua, o «vagabundo por excelência», eis como o tratavam nos jornais,
onde por vezes sua sórdida fotografia era estampada. Meu Deus!, quanto pode uma
filha sofrer no mundo quando o destino lhe reserva a cruz de um pai sem
consciência dos seus deveres.
Mas agora sentia-se contente; olhando o
cadáver no caixão quase luxuoso, de roupa negra e mãos cruzadas no peito, numa
atitude de devota compunção.
As chamas das velas elevavam-se, faziam
brilhar os sapatos novos.
Tudo decente, menos o quarto, é claro.
Um consolo para quem tanto se amofinara e sofrera.
Vanda pensou que Octacília sentir-se-ia
feliz no distante círculo do universo onde se encontrasse. Porque se impunha
finalmente a sua vontade, a filha devotada restaurara Joaqui m
Soares da Cunha, aquele bom, tímido e obediente esposo e pai: bastava levantar
a voz e fechar o rosto para tê-lo cordato e conciliador.
Ali estava, de mãos cruzadas sobre o
peito. Para sempre desaparecera o vagabundo, o «rei da gafieira», o «patriarca
da zona do baixo meretrício.
Pena que ele tivesse morto e não pudesse
ver-se ao espelho, não pudesse constatar a vitória da filha, da digna família
ultrajada.
Quisera Vanda nessa hora de íntima
satisfação, de pura vitória, ser generosa e boa. Esquecer os últimos dez anos,
como se os homens competentes da funerária os houvessem purificado com o mesmo
trapo molhado em sabão com que retiraram a sujeira do corpo de Quincas.
Para recordar-se apenas da infância, da
adolescência, o noivado, o casamento, e a figura mansa de Joaqui m Soares da Cunha, meio escondido numa cadeira de
lona a ler os jornais, estremecendo quando a voz de Octacília o chamava,
repreensiva:
- Quincas!
Assim o apreciava, sentia ternura por
ele, desse pai tinha saudades, com um pouco mais de esforço seria capaz de
comover-se, de sentir-se órfã infeliz e desolada.
O calor aumentava no quarto. Fechada a
janela, não encontrava a brisa marinha por onde entrar. Tão pouco a queria
Vanda: mar, porto e brisa, as ladeiras subindo pela montanha, os ruídos da rua,
faziam parte daquela terminada existência de infame desvario.