sábado, novembro 21, 2015

     Bob, está preocupado com António Costa
O Bob










O embaixador de Portugal nos E.U.A. em Portugal, Robert Sherman, está preocupado com o futuro governo do PS que aí vem por causa do apoio parlamentar que António Costa negociou junto dos partidos à sua esquerda, o PCP e o BE.
Diz ele, o Bob, que quando era jovem o seu pai lhe dizia. “mostra-me com quem são os teus amigos, dir- te-ei quem és”.
O seu passado de advogado em Massachusetts não o envergonha, pois apoiou centenas de pessoas que processaram a arquidiocese de Boston por terem sido vítimas de pedofilia e, politicamente, foi doador da campanha de Barack Obama.
Para mim, que não sei mais dele, são boas razões para o considerar boa pessoa mas, é natural que, como americano, quando se lhes fala em comunistas ficam, não de pé atrás, mas com tudo atrás.
Há um contencioso histórico relativamente recente que justifica essa aversão. A história dos mísseis U2 instalados em Cuba, no tempo do Presidente Kenedy e do meu, a longa guerra fria, e aquele entendimento que os soviéticos tinham da sociedade, dirigida, planeada e sem liberdades individuais, mexia fortemente com as características do povo americano e do seu amor às liberdades individuais.
Portanto, eu compreendo os receios do Bob mas ele é embaixador no nosso país e, por isso, tem obrigação de conhecer bem os líderes dos nossos principais partidos, especialmente António Costa que está prestes a ser 1º ministro.
Uma vida inteira, quase 50 anos de provas dadas de democracia e de defesa da liberdade do líder do PS não serão suficientes para o deixar descansado?
Será que António Costa não explicou tudo bem explicadinho sobre o tipo de apoio do PCP e do BE, nomeadamente quanto à NATO.
Que os adversários internos de António Costa se “sintam” muito preocupados com as posições anti Nato dos dois partidos à esquerda do PS, compreende-se, é a luta política e, vindo de quem vem admiraria era se não viesse, mas o Sr, Embaixador, creio eu, não entra nessa luta, pois não?...
Se ele se quer preocupar porque não com a possibilidade de Donal Trump vir a ser o próximo Presidente do seu país? – É que eu, que não sou americano, preocupar-me-ia se não tivesse confiança no bom senso da maioria dos compatriotas do embaixador Robert Sherman.


Avé Maria no Morro - Boceli e Pavaroti


Sensacional. Ave Maria não é canção brasileira como se diz. É de autoria de Johann Sebastian Bach (1685 -1750) e de Schubert, uma das mais famosas músicas sobre o texto da oração da "Ave Maria", aperfeiçoada por Mozart, apreciada por Bethoven e com a versão mais famosa do francês Gounot de 1859.
Portanto "Ave Maria" que toca em nossos casamentos atuais tem mais de 300 anos. A Versão apresentada é "Ave Maria no Morro" do Brasileiro Herivelto Martins com Dalva de Oliveira.


Joãozinho














Joãozinho e Luisinho conversam na hora do recreio.

- Meu pai é tão alto - diz Luisinho, contando vantagem. - Mas tão alto que um dia ele levantou os braços e encostou a mão nos nuvens.

- Quando ele encostou sentiu algo macio? - Perguntou Joãozinho sem querer ficar por baixo.

- Exactamente.

- Pois era o saco do meu pai.



Linda na sua nudez de mulher
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 11





















Conhece-lhe a letra, grande, de escolar, incerta, enchendo com poucas palavras a bonita folha de papel, ora azul, ora laranja, ora verde cana, chique a valer. A letra e o perfume, fragrância rara para narinas habituadas ao fedor das velas consumidas, à morrinha das emboloradas alfaias, das fanadas flores, ao pobre odor das sacristias, das suarentas salas de aulas, à fumaça do incenso.


Ao remeter a bola de futebol, a tia rabiscara uma página dirigida a Cardo: Para meu sobrinho querido, pálida lembrança da tia Tieta. Feliz, colocara o papel lilás dobrado em quatro entre as folhas do livro da missa e às escondidas aspirava-lhe o perfume.

Num assomo de orgulho, exibiu dedicatória e aroma a Cosme, amigo predilecto, companheiro de devoções e retiros espirituais, vizinho de carteira.

Cosme, um asceta, recusou-se a cheirar; em tudo via pecado, tentação do demónio. Perfume? Pecado mortal; para os servos de Deus basta o incenso. O padre confessor tranquilizou Ricardo; casto perfume da velha tia, não continha pecado, mortal nem venial.

Esses olhos misericordiosos a vós volvei – como seriam os olhos, a face da tia Antonieta? Austera como a da mãe, rígida e devota? Inquieta, melancólica, igual à da tia Elisa? Ou semelhante à do avô, dura carranca de caboclo?


Certa feita, há vários anos, meninote ainda, mostraram-lhe de relance uma foto da tia numa revista do Rio – revista da qual Elisa se apoderou e nunca mais ninguém a viu. Ricardo guardou memória apenas dos cabelos loiros, encaracolados novelos de ouro – como explicá-los se todos na família eram bem morenos?

Soube então que as mulheres oxigenavam e até pintávamos cabelos, sobre o assunto discutiram a mãe e a tia Elisa. Moda condenável na opinião de Perpétua: Deus designa a cor dos cabelos de cada um, ninguém tem o direito a mudá-la. Elisa retrucara, tachando a irmã de atrasadona, rata de igreja. Dos olhos, da boca, Ricardo não se lembra; recorda somente os novelos de ouro puro. Agora, à luz das velas, ele os enxerga brancos de algodão, tantos anos se passaram – era um menino, agora é um rapaz.

E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, há quantos anos dura o desterro da tia? Quando Ricardo nasceu Tieta partira há muito e jamais ele ouvira da mãe, de tia Elisa, do avô e de sua segunda mulher, vó Tonha, a menor referência àquela outra parenta; jamais escutou nome ou apelido a recordá-la. Da tia de São Paulo, só veio a saber depois da primeira carta e ainda hoje sabe tão pouco, além da riqueza, da bondade, da velhice.

Se a Virgem a salvar, pode ser que ela um dia apareça de visita, em pele e osso, anciã amorável, de tão velha quase avó. Ricardo não conheceu avó verdadeira, a materna falecida antes do casamento tardio de Perpétua com o major, cujos pais já repousavam no Cemitério das Quintas, na Baía, quando o aposentado militar surgiu no Agreste, por acaso e de chofre se curou da asma, recuperou as forças, clima de sanatório.

Tia Antonieta preenche o vazio dos avós, Senhora Sant’Ana, a matriarca, a protectora da família. Se ela sarar, se a Virgem lhe restituir a saúde, Ricardo, após cumprir promessa, poderá lhe escrever outra carta, solicitando uma vara de pesca, molinete, fio e iscas artificiais, semelhante à do anúncio na reviste caça e Pesca, folheada no Correio com permissão de dona Carmosina. Implorando segredo à tia – se a mãe soubesse o mundo viria abaixo.

Em troca dos joelhos macerados, da semana inteira de orações, não era pedir muito; vara de pesca, molinete, fios e iscas e um segredo a mais entre os dois. Coisa boa, um segredo. Ricardo tem segredos em comum com alguns santos, com a Virgem e sobretudo com Santa Rita de Cássia, de quem é devoto.

Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria.

Na vela acesa a mando da mãe pela alma da irmã, o fogo da morte vacila e se apaga sozinho. Esbugalham-se os olhos de Ricardo no assombro do milagre. Só a chama da vida persiste na outra vela, poderosa é a santa Mãe de Deus, Amem

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 115





















Manter-se-ia na peugada dos cavaleiros, pelo menos até chegarem a Coimbra o que lhes levaria talvez dois dias.

Estava determinado, e embora um pouco cansado da corrida, convencido de que o conseguiria, mas duas horas mais tarde nasceram-lhe dúvidas.

Fazia muito frio, a noite ia alta, estava cheio de dores nas pernas e tinha muita sede.

Os seus pés latejavam e, senão parassem, iria colapsar de fraqueza.

Os cavaleiros continuavam à sua frente, a passo, e ele ouvia-os a falarem uns com os outros, crente de que não sabiam que os seguia.

Estava errado. A dada altura, Gondomar parou e esperou que ele chegasse.

Vejo que sois teimoso, mas também resistente – disse.

O cavaleiro da Terra Santa estendeu o braço e ofereceu-lhe um cantil com água. Depois de saciado, Ramiro agradeceu e declarou decidido.

- Não vou voltar para Viseu.

Gondomar examinou-o e perguntou.

 - Que idade tendes?

Ramiro disse-lhe que tinha dezassete anos e o velho murmurou.

 - Idade suficiente para decidir pela vossa cabeça.

Ao escutar esta mudança de opinião, o rapaz sorriu, animado, mas o cavaleiro avisou-o:

 - Se Paio Soares se zangar, tereis de dizer a verdade, que é por vossa vontade que aqui estais, não por minha.

Ramiro prometeu fazê-lo, embora tivesse a certeza de que não seria necessário.

Com uma força inesperada para alguém da sua idade, Gondomar içou-o para o seu cavalo, e Ramiro sentou-se atrás dele na sela.

Mal o animal começou a andar, o rapaz sentiu um enorme alívio. Parecia que as pernas e os pés se distendiam e o seu corpo finalmente descansava.

Nas horas seguinte, é provável que tenha adormecido, embalado pelo andar do animal e encostado a Gondomar. Só quando a madrugada chegou é que espevitou e observou com atenção os restantes cavaleiros do grupo.

Todos tinham um manto branco a cobri-los, usavam vestes modestas por baixo e pareciam homens de poucas posses. Um deles era muito grande mas o seu companheiro de cavalo era o oposto, com o cabelo cortado rente, ao contrário dos outros que usavam todos barba.

sexta-feira, novembro 20, 2015

Sexta-feira, 13








Sexta-feira, dia 20, passa hoje, exactamente, uma semana que pequenos grupos de jovens armados, em Paris, se preparavam para matar, indiscriminadamente, mais de uma centena de pessoas que estavam simplesmente nos locais onde costumam estar regularmente, a comer, a conviver, a divertirem-se.
As razões, o porquê destas acções parece residir num sentimento profundo da natureza religiosa combinado com um projecto político de liderança do povo islâmico, um enorme califado, numa primeira fase e, de seguida, do mundo.
 A estratégia, é o terror infundido nas pessoas, a obediência cega aos mandatários dessa entidade mítica representada por um livro, o Corão.
Sem dúvida, a fé, neste caso religiosa, parece ser o motor, o ponto de partida para todo este processo uma vez que a crença religiosa, já provou ser, de todas, a mais poderosa, a mais eficaz e mobilizadora.
Richard Dawkins, Prof. Catedrático, Prémio Nobel, doutorado em Oxford, especialista no comportamento animal, ateu militante, explica que a crença inculcada no cérebro humano durante o seu processo de evolução, tem a sua explicação na necessidade de acreditar, numa fase primária dessa evolução, não em em deuses mas sim, nos pais e membros mais velhos do grupo, cujos conselhos e orientações revelavam-se determinantes para aumentar as possibilidades dos mais novos passarem os genes à geração seguinte, numa espécie especialmente frágil que vivia nos limites da sobrevivência.
Acreditar no que lhes diziam e seguir essas recomendações, representava a diferença entre viver e morrer... e a humanidade sobreviveu.
A obediência aos mais velhos sem discutir e hesitar, cegamente, transformou-se numa crença, e terminou na fé religiosa.
Eu sou ateu e, conforme as sociedades, a maioria das pessoas instruídas, por opção, vão recusando os dogmas da religião, mesmo quando afirmam que acreditam em Deus.
A percentagem de prémios Nobel que são fieis à herança religiosa é residual, mas a fé e a crença num Deus dificilmente desaparecerá porque essa característica está no nosso cérebro como a vingança e o ciúme.
Este movimento jihadista não nasce de geração espontânea. 

Tal como as pragas de gafanhotos só acontecem porque há gafanhotos com os quais, no dia a dia, convivemos sem nenhum problema.
Um vez, irão reunir-se uma série de circunstâncias de natureza climática e ambiental, perfeitamente excepcionais, e aí estaremos confrontados com a praga.
Agora, os franceses, os europeus e o mundo acordaram, demasiado tarde para os que morreram, para esta praga e é evidente que, uma vez bem acordados, os gafanhotos não podem vencer.

IMAGEM


Como não ter um verdadeiro xódó por esta neta?... que, ainda por cima me desafia à gargalhada?



Camané - Lume


Histórias de vida do Camané



3 Perguntas para Richard Dawkins



Joãozinho













Joãozinho conversando com um vizinho do prédio:

 - Meu pai é melhor que o seu - desafia o miúdo vizinho. - É porra nenhuma! - retruca Joãozinho.

- Meu irmão é melhor que o seu! - É o car*lho!

 - Minha mãe é melhor que a sua! - Bem... isso pode ser! Meu pai vive dizendo a mesma coisa! 

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)

Episódio Nº 114


















- Não era boa ideia, explicou, amanhã seria procurado como ladrão. Curiosa, Elvira questionou-o:

 - Por que quereis fugir?

Num arremesso de honestidade só possível perante estranhos, Ramiro contou-lhe a verdade. A normanda suspirou, desalentada.

- Quem me dera ir convosco mas eles só levam homens.

Intrigado, Ramiro, perguntou-lhe se estava enamorada de alguém, mas ela apenas encolheu os ombros.

 - Ninguém me quer.

Depois, como se não quisesse falar mais sobre ela, disse ao rapaz que corresse, pois era possível que os homens de Gondomar ainda estivessem perto, e ele assim fez.

Lançou-se na estrada fora, passou pela estalagem e prosseguiu durante mais de uma légua. Quando estava quase a desistir viu à sua frente uns vultos.

O som dos seus apressados passos avisou-os e viu-os a pararem à sua frente, temendo talvez um assalto. À medida que se aproximava, Ramiro contou quatro cavalos, mas só Gondomar estava sozinho no seu.

Os outros seis homens formavam duplas nos três cavalos restantes. Ouviu o velho do manto branco perguntar:

 - Quem vem lá?

Ramiro apresentou-se como filho bastardo de Paio Soares, dizendo que desejava juntar-se a eles. Intrigado, Gondomar questionou-se:

 - Vosso pai conhece essa vontade?

O rapaz pensou em mentir mas decidiu não o fazer.

 - Sou bastardo, trata-me como um cão ou uma besta de carga.

Houve alguns sorrisos entre os homens, mas Gondomar recordou:

 - Paio Soares é o novo mordomo - mor do Condado. Lembro-me de o ouvir dizer que precisava de vós. Não quero problemas, regressai a Viseu. Se ele vos deixar podereis ir ter connosco.

Contrariado, Ramiro mordeu o lábio.

Só precisa de mim para me bater.

Gondomar não se comoveu com o queixume.

 - Isso é entre vós.

Dito isto, rodou o cavalo e os outros seguiram-no. O rapaz ficou a vê-los afastarem-se, desanimado, mas quando eles desapareceram no escuro decidiu continuar a segui-los. 

Linda, na sua nudez de mulher.
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 10

























DA PRECE PELA SAÚDE DA VELHA TIA DESCONHECIDA, CAPÍTULO CASTO E NOVO



…vida, doçura, esperança nossa, salve! As palavras da oração nascem sinceras e sentidas da incómoda espinha, do nebuloso pesar. Maquinais, no entanto, solta-se livre o pensamento em busca da tia nas vascas da morte ou já no caixão – dela pouco sabe, praticamente nada.


Vida, doçura e esperança, a tia de São Paulo, que não esteja defunta como garante a mãe – a mãe vê tudo em luto – que se afirme a crença da tia Elisa e o perigo desapareça, a Vós bradamos os degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos e oferecemos pela saúde da tia Antonieta um rosário rezado de joelhos sobre grãos de milho. Promessa mixa, mísera oferta em paga de portentoso milagre.


Dá-se conta e, exagerado, amplia para uma semana inteira de rosários completos e macerados joelhos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas, salvai da morte a tia Antonieta.

Que doença a matara ou a estava matando? Nenhuma referência ouvira, a mãe e a tia Elisa devem saber mas guardam segredo, na certa por se tratar de doença ruim, cujo nome não se pronuncia, tísica ou câncer.

Quem comunicara a notícia, como chegara, em carta, em telegrama? Quando o pai de Austragésilo faleceu, houve um primeiro telegrama anunciando estado de saúde grave com hemoptise. Duas horas depois o Reitor do Seminário viera em pessoa com um segundo telegrama, o fatal, e palavras de consolo. Apertara Austragésilo contra o peito, falara sobre o reino dos céus. Do mesmo modo agora, o primeiro telegrama já chegara comunicando doença e diagnóstico pessimista.

A mãe, experiente da vida, percebera o engodo, a intenção de prepará-los para o pior; tia Elisa só perderia a esperança quando o segundo afirmasse a verdade nua e crua. Neste vale de lágrimas eis pois advogada nossa, para Vós Mãe de Nosso Senhor o impossível não existe; podeis interromper o custo dos telegramas, revogar sentenças de morte, o Filho atende todos os Vossos pedidos. Contrito, Cardo renova a promessa sete vezes maior. Promessa e tanto.

Zero sobre a doença, e sobre tia Antonieta? Zero vezes zero, imprecisas, fugazes notícias, tia desconhecida, quase uma abstracção. Não obstante ninguém tão concreto, presente, indispensável na vida de cada um deles, de toda a família. A tia de São Paulo, a ricaça.

Para Ricardo apenas um nome, um apelido de infância, Tieta, vagas e entusiásticas referencias ao marido milionário e comendador, mensalmente a carta e o cheque, os presentes a bola de futebol número cinco, dando solidez e contorno a uma imagem, que imagem?

Olhos misericordiosos a nós volvei, neste vale de lágrimas, de pobreza e limitações, a imagem da santa padroeira, a protectora a possibilitar pequenas regalias e o dinheiro que a mãe deposita na Caixa Económica para a festa da primeira missa, ainda tão distante, e para os estudos de Peto se um dia Peto se dispuser a estudar.

Ao pensar na tia jamais vista, não a compara com a Virgem a quem roga por ela e, sim, com a Senhora Sant’Ana, padroeira da cidade, protectora da família, da sagrada família e de todas as demais. Na chama das velas enxerga a imagem da velha senhora, de mãos generosas, plena de ternura, doce patrona.

Será assim débil anciã ou ainda se mantém rija e disposta, igual à mãe? Qual das duas a primogénita? Sobre a idade da tia, Ricardo nunca ouviu a menor referencia, a mãe diminui a sua quando perguntada. A ausente deve ser bem mais velha, não é ela a rica, a poderosa, a doadora, o verdadeiro chefe da família, a quem o próprio avô reverencia? Boca de praga e maldições, a resmungar queixas e ameaças, o avô desmancha-se em louvores ao pronunciar o nome de Tieta.

Deus lhe dê saúde e aumente a fortuna, ela merece a boa filha. Anciã de passo cansado, cabelos brancos – ou ela ainda pinta os cabelos como outrora? Na chama das velas são brancos os cabelos da tia Antonieta. 

quinta-feira, novembro 19, 2015

IMAGEM

Vocês têm as armas... vão à merda ... nós temos o champanhe!...



Cavaco: não se come bolo-rei com a boca aberta
O Aníbal












No conforto dos lençóis de linho, apagadas as luzes, no silêncio do quarto, ouve-se distintamente a voz da Maria Cavaco:

 - Aníbal, acaba com esta espera! Não sei onde foste buscar esta mania de ouvires toda a gente para acabares por fazer só o que tens na cabeça. Fossem os tempos outros e ainda chamarias a Presidente do Sindicato das Criadas de Servir...
... já deste sinais suficientes para que todos percebam que esta indigitação do Costa com o apoio dos comunistas e daquelas miúdas convencidas, te dói mais na alma do que alguma coisa que já tenhas feito na vida, mas lembra-te que herdaste esta maldita Constituição que deveria dar-te muito mais poderes, a ti, que foste o português mais votado na história deste país...
... e mais..., não tens nada que te apontem naquela mal fadada história do 25 de Abril... não fosses tu, mais tarde, e tudo poderia ter sido muito pior para o país, mas não esperes agradecimentos... não fosse aquela atenção do Oliveira e Costa para contigo e a nossa filha, com as 250.000 acções que entre 2001 e 2003 renderam 100%, tudo na mais perfeita das transparências, tanto que até disseste que para serem mais honestos do que tu, tinham de nascer duas vezes...,  aquele, sim, foi dos poucos amigos que se lembrou de ti ...
... depois foram aquelas palavras infelizes..., nem sei o que te deu nesse dia..., Aníbal, para ires dizer a um jornalista no Porto, em 2012, que não recebias salário como PR, sabendo toda a gente que auferes a reforma que é superior e não podes acumular...
... ai, Aníbal, às vezes até parece que te passas... e como se isso não bastasse, em 2011, logo em Janeiro, foste “chorar” para os jornais, em Viana do Castelo, que tudo quanto recebes, somado não vai chegar para pagar as tuas despesas e que tens que trabalhar para mim porque a minha reforma de professora em Moçambique se perdeu e que não chega a 800 euros por mês.
... achas... Aníbal, que era necessário exagerar daquela maneira...
... olha, sabes que mais, já estou deserta que isto acabe... quantos anos passei ao teu lado em cerimónias e viagens... quantas viagens?! ... ainda hei-de pedir a um dos nossos assessores, para verem qual dos dois, tu ou o Soares – que sempre te detestou – deu mais passeios à custa dos contribuintes... mas uma coisa me posso gabar em relação à Maria Barroso: é que eu nunca tive que te ir ver à prisão e também, tenho quase a certeza, ela não foi ver as cidades subterrâneas da Capadócia, na Turquia...
... adorei, a mim faltava-me logo o ar, viver dentro daqueles buracos... sabes bem como eu sou, gosto de abrir as janelas da casa para entrar o ar...
... até te pedi para mandares levantar os muros da nossa casa da Coelha por causa dos mirones...
... mas agora chega de consultas, de ouvir pessoas... 
Aníbal, acorda Aníbal!... detesto que adormeças quando falo contigo.

Elis Regina - Folhas Secas

Elis é única no seu estilo de criar intimidade...


Gato Fedorento - Eu garanto que...



Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 113
















Aquela antiga lembrança pareceu desequilibrá-lo e, enfurecido, deu meia-volta e saíu do quarto. Desceu as escadas a correr, pregando, no final um violento pontapé na porta, que saltou das dobradiças.

A sua fúria parecia impossível de estancar, e atravessou o pátio às biqueiradas em barris e fardos de palha. Por fim, entrou de rompante no quarto onde pernoitava e logo saíu de volta com uma espada na mão.

Colérico, vergastou o alpendre, sulcando as vigas de madeira e trespassou mais barris e fardos, desvairado e aos urros:

 - Canalhas, malditos!

Só perante a chegada de meu pai, Egas Moniz, o meu melhor amigo acalmou e suspendeu aquelas brutais investidas. Eu estava na varanda, e vi-o a arfar e a ranger os dentes.

Meu pai e ele ficaram a olhar um para o outro calados, como se soubessem que um novo tempo, conturbado e perigoso, iria começar.

Depois, estranhamente sereno, Afonso Henriques disse a meu pai, antes de entrar em casa:

 - Preparai-vos para a guerra.

Meu pai ficou no alpendre, pensativo, a mirar a habitação da rainha, no interior da qual se via ainda a luz trémula das velas.

Depois, minha prima Raimunda apareceu vinda do escuro onde se escondia para todos espiar, e quando se preparava para entrar o meu pai apenas lhe disse.

 - Hoje não, deixai-o sozinho.


Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

Quando se soube da sua partida, suspeitei de que Ramiro decidira fugir do pai. É evidente que ele teria preferido mil vezes que Chamoa casasse com o príncipe pois assim ficaria longe dela, e o seu coração não sofreria tanto. Com aquela decisão da rainha sentia-se enlouquecer.

Não poderia regressar à Maia, seria incapaz de ver Chamoa nas mãos e na cama do seu progenitor. Ao planear a sua escapada, confessou-me tempos mais tarde, lembrara-se de Gondomar.

Ouvira-o dizer que partiria de Viseu no domingo e a ideia de se juntar à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo pareceu-lhe a única saída.

Ao fazê-lo aproximava-se perigosamente do segredo da relíquia, que só seu pai conhecia.

 Naquela noite, Ramiro levou apenas o arco e as flechas, e correu pelas ruas, saindo por uma das portas da muralha. Já na estrada além de vários mendigos que se arrastavam enregelados, viu uma mulher que caminhava à sua gente.

Era alta e forte e estava enrolada num manto para se proteger do frio da noite. Ao ouvir passos virou-se para ver quem a seguia e Ramiro perguntou-lhe pelos homens de Gondomar.

Acho que já partiram – informou ela.

Disse que se chamava Elvira e sorriu levemente quando Ramiro lhe perguntou onde podia encontrar uma montada.

- Ides roubar um cavalo?


Joãozinho













Na aula de biologia, o professor pergunta:

- Joãozinho! Quantos testículos nós temos?

- Quatro professor - responde o menino sem pestanejar. - 

- Quatro? Você ficou doido? 

- Bem... Pelo menos os meus dois eu garanto!

Linda, na sua nudez de mulher
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 9

















Ricardo não entende os motivos da discordância, e antes mesmo de condoer-se pela morta, sente pena da tia Elisa, assim desolada igual à imagem de Santa Maria Madalena, num nicho da capela do seminário.


Perpétua não se abala:

- Nunca é cedo demais para pedir um bom conselho. O que está esperando aí, Cardo? Não ouviu o que mandei fazer?

- Já vou, Mãe…

Deseja acrescentar uma palavra condizente com a notícia, o pensamento voltado agora para a tia desconhecida, de morte anunciada e discutida, nome obrigatório em suas orações; não enviava ela dinheiro todos os meses?

Quando ingressara no seminário, menino ainda, recebera mandado de São Paulo, um breviário rico, lombada dourada, papel fino, letras de cor, numa caixa de veludo vermelho, coisa mais linda, presente da tia Antonieta para o futuro padre que mal viu e tocou preciosidade tamanha, logo ofertada por Perpétua ao bispo Dom José por intermédio do padre Mariano.

A bola de futebol número 5 também fora ela que mandara; às escondidas da mãe, Cardo escrevera uma cartinha à tia pedindo bola e segredo, se mamãe souber arranca meu couro.

Recebeu bola, calção e camisola do Palmeiras. Tinham um segredo em comum, ele e tia Tieta. Levanta a cabeça, enfrenta Perpétua:

- Tomara não seja verdade.

Sai em busca das velas. Já não está alegre e, se não espreme lágrimas, sente um ardor nos olhos, uma espinha nasce-lhe no coração, incómoda como as do rosto. Por sua conta acenderá uma vela aos pés da Virgem e lhe prometerá um rosário de cinco terços, rezado de joelhos sobre grãos de milho, para que a má notícia não se confirme.

Na sala cai o silêncio entre as duas irmãs, sobre as duas e a outra – múltiplas a face e a postura da ausente.

Moça formosa e atrevida, enfrentando a ira do pai e a denúncia da irmã; tu tem é inveja porque nenhum homem repara em ti, tribufu; atrevida desde menina, pastora de cabras nos outeiros da terra safara de Zé Esteves; a saltar, adolescente, a janela nocturna para encontrar-se com homens, o caixeiro-viajante não fora o primeiro, Perpétua tem certeza; audaciosa, desleixada dos preceitos de Deus, igreja só para namorar; a rir tão cínica e bela, na boleia do caminhão, rumo da Baía, indo embora para sempre; irmã rica, esposa de comendador, em São Paulo, a mandar mesada para pai e sobrinhos, merecedora de toda a consideração, esquecido o feio passado, enterrada a louca adolescência, tia presente na oração das crianças, elogiada pelo padre Mariano; fada generosa dos sonhos de Elisa, a feliz e atenta benfeitora, a âncora da esperança; na cidade, exemplo de boa filha e boa irmã, uma zelação, uma lenda, inesgotável assunto.

Perpétua guarda o lenço, cumprido o ritual, pergunta:

- E Astério?

- Passei na loja…sabe que a carta não chegou mas hoje é sábado, não pode sair nem para o almoço. Por falar nisso, vou indo, tenho de mandar a marmita.

- De noite passo em casa de vocês, digo o que o padre aconselhou. Vamos decidir o que fazer.

Elisa, de pé, um soluço a sacode:

- Por que a gente não espera até ao fim do mês?

- Já se esperou até demais. Vamos logo discutir o que fazer. Eu não vou ficar de braços cruzados, não lhe disse? Quero minha parte – Já sem lágrimas, suspiros, lamentações, Perpétua troca o lenço pelo terço. Mais valem as orações.

Elisa gasta o derradeiro argumento:

- Quem sabe, a carta se perdeu no caminho…

- Carta registada não se perde. Nestes anos todos já perdeu alguma? Tolice. Diga a Astério que me espere, nada de bilhar hoje. Com a cunhada morta…

- E o pai?

Perpétua começa a passar as contas do terço:

- Amanhã a gente avisa a ele.

- É capaz de ter uma coisa…

- Quem? O Velho? Vai ficar uma fera, vai querer tomar dinheiro da gente, o mais que puder, isso sim. Se prepare, o tempo das larguezas se acabou.

Ao passar em frente ao corredor, Elisa enxerga ao fundo a chama das velas iluminando os santos no oratório. Uma, pela salvação da morta, aos pés de Cristo crucificado; a outra pela vida da tia, aos pés da Virgem. Ouve a voz do rapazola rezando Salve-Rainha, mãe de misericórdia.

Misericórdia, meu Deus!



quarta-feira, novembro 18, 2015

IMAGEM


Hoje fui a Lisboa almoçar com os meus colegas. Segui a pé da Estação de Santa Apolónia até à Baixa. Tinha tempo e fiquei sentado, cerca de um quarto de hora, aqui, neste preciso sítio, olhando esta mesma vista que vos trago, fresquinha ainda nos meus olhos. A mais linda praça da Europa...



Site Meter