Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, julho 27, 2013
(continuação)
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
Na edição de Dezembro de
2004 da Free Inqui ry, Tom Flynn,
director dessa excelente revista, reuniu um conjunto de artigos que documentam
contradições e lacunas clamorosas da bem-amada história do Natal.
O próprio Flynn faz uma
lista das muitas contradições entre Mateus e Lucas, os únicos evangelistas que
abordam a vida de Jesus. Robert Gillooly mostra como todas as componentes
essenciais à lenda de Jesus, que incluem a estrela no Oriente, o parto
virginal, a adoração por reis, os milagres, a execução, e ressurreição e a
ascensão, são todas retiradas de outras religiões já existentes na região do
Mediterrâneo e do Próximo Oriente.
Flynn sugere que o desejo de
Mateus de fazer cumprir as profecias messiânicas (a descendência de David, o
nascimento em Belém) para ir ao encontro dos leitores judeus acabou por colidir
frontalmente com o desejo de Lucas de adaptar o Cristianismo aos gentios pela
via do afloramento dos consabidos pontos sensíveis das religiões helenísticas
pagãs (o parto virginal, a adoração por reis, etc…). As contradições que daí
advêm são gritantes mas os fiéis sempre tenderam a fazer-lhes vista grossa.
Há muitos cristãos que levam
a Bíblia muito a sério como sendo um registo literal e rigoroso da História e,
portanto, como prova das suas crenças religiosas.
Na sua biografia de Jesus,
A.N. Wilson lança dúvidas quanto ao facto de José ter sido carpinteiro. A
palavra grega “tekton” significa, efectivamente carpinteiro, mas foi traduzida
da palavra aramaica “naggar”, que pode significar artesão ou homem erudito.
Esta é apenas uma das traduções
erradas da Bíblia sendo, porém, a mais famosa a tradução de “abmah”, termo
hebraico usado por Isaías para dizer jovem mulher, pelo grego “parthenos” (virgem).
Um lapso do tradutor que é
compreensível mas que deu origem à lenda absurda da virgindade da mãe de Jesus.
E a propósito de virgens,
Ibn Warraq, sustenta com grande humor que, na famosa passagem das 72 virgens
para cada mártir muçulmano, “virgens” é uma tradução errada de “uvas brancas e
cristalinas.
Ora, se esta rectificação
tivesse sido mais divulgada, quantas vítimas inocentes de missões suicidas não
teriam sido salvas?
O Evangelho de Tomé sobre a
infância de Cristo, por exemplo, contem inúmeros episódios anedóticos sobre
Jesus enquanto criança a abusar dos seus poderes mágicos, transformando os seus
colegas de brincadeira em bodes ou a dar uma ajuda ao pai, na oficina de
carpintaria, alongando por magia uma tábua.
Dir-se-á que afinal ninguém
acredita em histórias de milagres tão simplórias como as do Evangelho de Tomé
mas não há nem mais nem menos motivos para acreditar nos 4 Evangelhos canónicos.
Todos eles têm o estatuto de
lendas, de uma factualidade tão dúbia como as histórias do rei Artur e dos seus
cavaleiros da Távola Redonda.
Ninguém sabe quem foram os 4
evangelistas, mas é quase seguro que nunca conheceram Jesus pessoalmente e
muito do que escreveram não foi de modo algum uma tentativa de fazer história,
antes se limitaram a reelaborar e adaptar o Antigo testamento, uma vez que
estavam piamente convencidos de que a vida de Jesus teria de cumprir as profecias
do Antigo Testamento.
Embora Jesus tenha
provavelmente existido, na sua generalidade os estudiosos da Bíblia mais
conceituados não vêm o Novo Testamento como um registo fiável do que na
realidade aconteceu na História e irei dispensar-me de continuar a referir-me à
Bíblia como prova de qualquer tipo de santidade.
(continua)
(continua)
Entre 1972/75, quando trabalhei na cidade da Beira, em Moçambique, mais do que uma vez visitei o parque da Gorongosa que ficava relativamente perto. Foi um tempo áureo da vida daquele Parque. Vinham turistas de todo o mundo visitá-lo. Era uma espécie de Éden da vida animal. Desejo sinceramente que todos os esforços que estão a ser feitos tenham sucesso para bem da natureza e de quem ali vive. Assisti ao nascimento deste país... tenho por ele um carinho especial.
Episódio Nº 69
Depois que desarmou o soldado largou a navalha e
esperou Osório na escuridão. Vinha gente, homens e guardas e mais soldados. Osório
se atirou em cima de Balduíno e recebeu
um daqueles socos pesados do negro.
Ficou estatelado no chão. Um gringo que apreciava a
luta puxou António Balduíno:
- Vá embora que
vêm muitos soldados. Bom soco… Depois eu quero encontrar você…
O negro levantou a navalha e abriu para os lados da
casa de Maria dos reis. Estava em tempo, pois de todos os cantos iam chegando
soldados que ao verem o companheiro ferido começaram a distribuir socos. E o
barulho generalizou-se.
Maria dos Reis escondeu António Balduíno no seu próprio
quarto, sem que a mãe, que dormia, visse. E quando pela madrugada o negro saíu,
o corpo de dos Reis ainda era macio e quente, mas não era mais virgem. Tinha
sido melhor que Oxalá, o maior dos santos.
Foi na “Lanterna dos Afogados” que, dias após, o negro
António Balduíno encontrou o gringo que o ajudara a fugir. Ia entrando com o
Gordo quando ouviu aquele psiu! Era o gringo.
- Estou lhe
procurando há muito tempo, desde aquele dia, Andei por todo canto sem o achar. Onde
se meteu?
Puxava cadeiras, oferecia cigarros. Sentaram-se. Balduíno
agradecia:
- Se não fosse
o senhor, naquele dia, eu levava uma surra danada dos soldados.
- Bom soco
aquele… bom soco…
O Gordo que não tinha estado presente perguntou:
- Qual soco?
- O que ele deu
no soldado… Per la Madona ,
que foi um belo soco…
Pediu cerveja.
- Você já lutou
boxe?
- Não. Eu sei é capoeira…
- Pois você se qui ser pode ser um campeão…
- Campeão?
- Per la
Madona , eu juro… aquele soco… Formidável.
Ficou olhando para as mãos enormes do negro. Apalpou
os ombros, os braços de António Balduíno:
- Um campeão…
um campeão…
Falava como quem tinha saudades de outros tempos.
- Basta querer…
António Balduíno queria
- Como?
- Pode até
lutar no Rio, depois e talvez na América do Norte…
Bebeu o copo de cerveja:
- Eu já fui
treinador, há muito tempo…
sexta-feira, julho 26, 2013
Não sou inglês e muito menos monárqui co. Mas, por nascimento, poderia ter sido
britânico. Por convicção nunca poderia ser monárqui co.
Privilégios de classe por nascimento, do estilo “sangue azul, sempre chocaram
comigo. Claro que me dirão: e então os filhos dos ricos não são privilegiados
de nascença?
-
É verdade, mas ricos sempre os houve… e quantos não nascem ricos e acabaram
pobres? A riqueza não é qualidade inerente, qualquer um pode ser rico, é uma
contingência da vida… mas ser nobre… príncipe, aí, fia mais fino… é o
supra-sumo do privilégio: nasce-se, morre-se e transmite-se geração após
geração.
Teve a sua história, era garantia de
poder e riqueza na Europa que com os excessos de casamentos consanguíneos deu naqui lo que deu…
Hoje, “o sangue real”, especialmente o
britânico, faz as delícias das revistas cor-de-rosa, da imprensa e da televisão
porque a plebe sempre viveu fascinada por esta gente desde os tempos em que se
passeavam de coche ostentando os seus dourados perante os olhares arregalados
da população maltrapilha.
Mas eu que sou português, republicano e
não tenho nada a ver com eles, pensava eu… já não posso mais com aquela mamã,
aquele bebé e tudo quanto à volta dele se passa e que me é vendido a toda a
hora.
Há dias que ligo a televisão, abro os
jornais e deparo com um jovem casal inglês que esperava um filho que já nasceu
e provocou um tal reboliço que até o nome da criança foi objecto de ensaio das
mulheres, aqui do nosso bairro da
Picheleira, para ver se soava bem...
Entretanto, temos uma ministra, portuguesa, que vai
ser novamente mãe e só o sabemos porque o seu estado é indisfarçável quando
aparece em actos públicos.
Aquele povo conqui stou
um império, pôs o mundo a falar a sua língua, inventou e divulgou tudo, ou
quase tudo, quanto é desporto e agora vende-nos as suas tradições com princesas
e príncipes, no nascimento e na morte, como se fôssemos todos ingleses.
Não posso deixar de admirar aquela
gente!
Directamente para a boca do crocodilo... |
*O sonho de
Pedro Passos Coelho*
Pedro Passos Coelho*
(Um discurso com a faca nos dentes…)
«"Um terço é para morrer. Não é que tenhamos gosto em matá-los, mas a verdade é que não há alternativa. se não damos cabo deles, acabam por nos arrastar com eles para o fundo. E de facto não os vamos matar-matar, a
Se qui séssemos
matá-los mesmo era por aí um clamor que Deus me livre. Há
gente muito piegas, que não
percebe que as decisões duras são para tomar, custe o que custar e
que, se nos livrarmos de um terço, os
outros vão ficar melhor.
É por isso que
nós não os vamos matar. Eles é que vão morrendo. Basta que a mortalidade aumente um bocadinho mais que nos outros
grupos. E as estatísticas
já mostram isso. O Mota Soares está a fazer bem o seu trabalho. Sempre com aquela cara de anjo, sem nunca
se desmanchar. Não são
os tipos da saúde pública que costumam dizer que a pobreza é a coisa
que mais mal faz à saúde?
Eles lá sabem. Por isso, joga tudo a nosso favor. A
tendência já mostra isso e o que é importante é a tendência. Como eles adoecem mais, é só ir dificultando cada
vez mais o acesso aos tratamentos.
A natureza faz o resto. O Paulo Macedo também faz o que pode. Não é genocídio, é estatística.
Um dia lá chegaremos, o que é importante
é que estamos no caminho certo. Não há dinheiro para tratar toda a gente e é
preciso fazer escolhas. E as escolhas implicam sempre sacrifícios. Só podemos
salvar alguns e devemos salvar aqueles que são mais úteis à sociedade, os que geram riqueza. Não
pode haver uns tipos que só têm direitos e não contribuem
com nada, que não têm deveres.
Estas tretas da democracia e da
educação e da saúde para todos foram inventadas quando a sociedade precisava de
milhões e milhões de pobres para espalhar estrume e coisas assim. Agora já não precisamos e há
cretinos que ainda não perceberam que,
para nós vivermos bem, é preciso podar estes sub-humanos.
Que há um terço que tem de ir à vida
não tem dúvida nenhuma. Tem é de ser o terço certo, os que gastam os nossos recursos
todos e que não contribuem.
Tem de haver equi dade. Se gastam e
não contribuem, tenho muita
pena... os recursos são escassos. Ainda no outro dia os jornais
diziam que estamos com um milhão de analfabetos.
O que é que os analfabetos podem contribuir para a sociedade do conhecimento?
Só vão engrossar a
massa dos parasitas, a viver à conta.
Portanto, são: os analfabetos,
os desempregados de longa duração, os doentes crónicos, os pensionistas pobres (não vamos meter os velhos todos
porque nós não somos animais e temos os nossos pais e os nossos avós), os
sem-abrigo, os
pedintes e os ciganos, claro. E os deficientes. Não são todos. Mas se
não tiverem uma família que possa
suportar o custo da assistência não se pode atirar esse fardo para cima da sociedade. Não
era justo. E temos de promover
a justiça social.
O outro terço temos de os pôr com
dono. É chato ainda precisarmos de alguns operários e assim, mas esta pouca-vergonha de
pensarem que mandam no
país só porque votam tem de acabar. Para começar, o país não é competitivo com as pessoas a viverem todas decentemente.
Não digo voltar à
escravatura - é outro papão de que não se pode falar -, mas a verdade
é que as sociedades evoluíram muito
graças à escravatura. Libertam-se recursos para fazer investimentos e inovação
para garantir o progresso e permite-se o ócio das classes abastadas, que também precisam.
A chatice de não
podermos eliminar os operários como aos sub-humanos é que precisamos destes gajos para fazerem algumas coisas
chatas e, para mais (por
enquanto), votam - ainda que a maioria deles ou não vote ou vote em
nós.
O que é preciso é acabar com esses direitos
garantidos que fazem com que eles trabalhem o mínimo e
vivam à sombra da bananeira. Eles têm de ser aqui lo
que os comunistas dizem que eles são: proletários.
Acabar com os
direitos laborais, a estabilidade do emprego, reduzir-lhes o nível de vida de maneira que percebam quem manda.
Estes têm de andar sempre borrados de medo: medo de ficar sem
trabalho e passar a ser sub-humanos,
de morrer de fome no meio da rua. E enchê-los de futebol e telenovelas e /reality shows/ para os anestesiar e
para pensarem que os filhos
deles vão ser estrelas de hip-hop e assim.
O outro terço são profissionais e
técnicos, que produzem serviços
essenciais, médicos e engenheiros, mas
estes estão no papo. Já os
convencemos de que combater a desigualdade
não é sustentável (tenho de mandar uma caixa de charutos ao Lobo Xavier), que para eles poderem
viver com conforto não há outra alternativa que não seja liqui dar os ciganos e os desempregados e acabar com o RSI e que
para pagar a saúde deles
não podemos pagar a saúde dos pobres.
Com um terço da população exterminada,
um terço anestesiado e um terço comprado, o país pode voltar a ser estável e viável. A verdade é que a pegada
ecológica da sociedade actual não é sustentável. E se não fosse assim não
poderíamos garantir o nível de luxo crescente da classe dirigente, onde eu espero estar um dia. Não vou
ficar em Massamá a vida toda.
O Ângelo diz que, "se continuarmos a portar-nos
bem, um dia nós também vamos poder pertencer à
elite."»
José Victor
Malheiros - Jornalista do Público
*«um
bom pastor deve tosqui ar as suas
ovelhas, mas não esfolá-las».*
*"A estupidez é infinitamente mais fascinante que a
inteligência; a inteligência
tem seus limites, a estupidez não!" *
(Claude Chabrol)
(continuação)
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
O Argumento das Escrituras
Há ainda algumas pessoas que
são persuadidas a acreditar em Deus pelas provas bíblicas.
Um argumento comum refere
que, Jesus afirmava ser o Filho de Deus, ou teria razão ou era louco ou
mentiroso. «Louco, mau ou Deus». Ou, para usar uma figura de linguagem tosca,
«insano, falso ou Senhor».
De qualquer forma não
existem provas históricas fortes que atestem que Jesus alguma vez tenha pensado
ser divino.
O facto de haver algo
escrito é convincente para aqueles que não estão habituados a fazer perguntas
como:
- “Quem o escreveu, e quando?”
- “Como sabiam o que escrever?”
- “Será que, naquele tempo, queriam realmente
dizer aqui lo que agora entendemos?”
- “Eram observadores imparciais, ou tinham uma
agenda pessoal que imprimia um certo viés àqui lo
que escreviam?”
Desde o Século XIX que
estudiosos de Teologia vêm demonstrando de forma esmagadora que os Evangelhos
não são relatos fiéis do que aconteceu na história do mundo real.
Todos eles foram escritos
muito depois da morte de Jesus e também depois das epístolas de Paulo, que
quase não mencionam os pretensos factos da vida de Jesus.
Foram todos copiados e
recopiados ao longo de muitas “gerações de murmúrios chineses” diferentes por
copistas falíveis, que, de qualquer modo, tinham também as suas próprias
agendas religiosas.
Um bom enviesamento por
causa de agendas religiosas é a reconfortante lenda do nascimento de Jesus em
Belém, seguido do massacre dos inocentes por Herodes.
Quando os Evangelhos foram
escritos, muitos anos após a morte de Jesus, ninguém sabia onde ele tinha
nascido mas uma profecia do Antigo Testamento levaram os Judeus a pensarem que
o tão esperado Messias nasceria em Belém.
À luz desta profecia o
Evangelho de S. João faz concretamente notar que os seus seguidores ficaram
surpreendidos por ele não ter nascido em Belém: “Outros afirmavam: “É o
Messias!” Outros, porém, diziam: “O Cristo virá da galileia? Não diz a
escritura que é da descendência de David e da povoação de Belém, de onde era
David, que vem o Messias?”
Lucas, ao contrário, admite
que Maria e José viviam em Nazaré antes de Jesus nascer. Então, como pô-los em
Belém no momento crucial de modo a que a profecia fosse cumprida?
Lucas diz que no tempo em que Cirénio (Quirino)
era governador da Síria, César Augusto decretou um censo para efeitos de
impostos pelo que todos tiveram de regressar à sua “cidade de origem”. José era
da casa e linhagem de David e, portanto, teve de ir para a cidade de David, que
se chama Belém”. Esta deve ter parecido uma boa solução.
O problema é que historicamente
se trata de um perfeito disparate, tal como já foi salientado por outros. David,
a ter existido, viveu cerca de 1.000 anos antes de Maria e José.
Por que carga de água iriam
os Romanos ordenar a José que voltasse à cidade onde um antepassado longínquo
tinha vivido um milénio antes?
Houve, de facto, um
recenseamento sob a autoridade do governador Quirino – um recenseamento local e
não decretado por César Augusto para todo o império – mas mais tarde, no ano 6
D.C, ou seja, muito depois da morte de Herodes.
Balduíno era perito na luta... |
JUBIABÁ
Episódio nº 68
- Sei lá… pere aí que eu digo… - pensou. Não
sei não…
- De António Balduíno…
- Chi! Aqui lo
não é gente… É o sujo em figura de gente… não tem mulher que ele não pranche…
Tome cuidado, dos Reis…
- Não sei porquê.
- E Osório?
Osório era o soldado.
Maria dos Reis ficou triste e em vez de dobrar o canto que dizia Sim entregou o
cartão intacto. Para António Balduíno foi como se ela tivesse dobrado o canto
que dizia sim.
Agora ia conversar com ela
na porta da casa no fim de Brotas nos dias em que o soldado não aparecia. E o
soldado só aparecia nas qui ntas-feiras,
sábados e domingos. O resto da semana era de António Balduíno que já sentira
com as mãos o calor e a dureza daquele corpo virgem.
Numa terça-feira houve
festa do Cabula e Maria dos Reis foi com umas amigas. Encontraram António
Balduíno no largo. O negro estava muito elegante de sapatos vermelhos e camisa
vermelha. Fumava um charuto barato.
Ficaram conversando. Numa
barraca António Balduíno comprou um número para ver a sorte de Maria dos Reis.
Foram abrir o papel enroladinho e era o número 41. O dono da barraca, um
espanhol gordo, foi ver ao que correspondia. Gritou:
- 41 – uma caixa de pó de arroz.
Em cima vinha um papelinho
com uns versos. Era a sorte:
«Vai haver muito choro,
Muita desgraça, muita briga,
Tudo por causa do namoro
Só por causa de intriga»
António Balduíno riu. Mas
Maria dos Reis ficou triste.
- E se Osório aparecesse, hein?
Nem que fosse de
propósito. Osório vinha fardado em direcção ao grupo. Foi logo dizendo:
- Eu já tava desconfiado… Mas não queria dar
crédito de verdade. Nunca pensei que você fizesse isso…
A sua voz tinha aquele tom
choroso de canto de igreja. Osório falou enquanto Maria dos Reis escondia o
rosto nas mãos. As amigas riam inqui etas,
dizendo, «seu Osório não faça isso»
- Dê seu jeito… - Balduíno encolheu os ombros.
O soldado abriu a mão na
cara de António Balduíno mas o negro já estava por baixo, as pernas batendo nas
do soldado que caiu. Se levantou com o sabre na mão. António Balduíno abriu a
navalha:
- Venha se é homem!
- Não tenho medo de macho…
Maria dos Reis gritava:
- Baldo, por amor de Deus…
As amigas diziam:
- Seu Osório… Seu Osório…
- Eu não respeito farda – e António Balduíno
foi arrancando sabre do soldado que já levava uma navalhada no rosto.
quinta-feira, julho 25, 2013
existência de Deus
(continuação)
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
Eu sei que são idiotas,
hilariantes mas na Internet “estão mais de 300 provas da existência de Deus”.
Deste lote escolhemos algumas:
36 – Argumento
da devastação incompleta: Um avião caiu, do que resultou a morte
de 143 passageiros e da tripulação. Mas uma criança sobreviveu só com
queimaduras de terceiro grau.
Logo, Deus existe.
37 – Argumento
dos mundos possíveis: Se tudo se tivesse passado
de modo diferente, tudo seria diferente. Isso seria mau.
Logo, Deus existe.
38 –
Argumento da pura vontade: Eu acredito mesmo em Deus!
Eu acredito mesmo em Deus! Acredito mesmo, mesmo, mesmo. Eu acredito mesmo em
Deus!
Logo, Deus existe.
39 – Argumento
da não-crença: A maioria da população
mundial não acredita no Cristianismo. Era isto que Satanás queria.
Logo, Deus existe.
40 – Argumento
da experiência pós-morte: A pessoa X morreu ateia.
Agora sabe que estava errada.
Logo, Deus existe.
41 –
Argumento da chantagem emocional: Deus ama-te. Como podes ser
tão cruel ao ponto de não acreditares nele?
Logo, Deus existe.
O Argumento da Beleza
Como justificar:
a) O Quarteto de Cordas Nº 15, em lá menor, de Beethoven? ...
b) E Shakespeare? …
c) E Miguel Ângelo? …
....
....
....
....
É claro que os quartetos da
última fase de Beethoven são sublimes, tal como são sublimes os sonetos de
Shakespeare mas sê-lo-iam sempre com Deus ou sem Deus.
Consta que um grande maestro
terá dito:
«Se temos Mozart para ouvir para que
precisamos de Deus?»
Fui uma vez convidado da
semana de um programa de rádio britânico chamado Desert Island Dises e foi-me
dito para escolher oito discos que levaríamos connosco se fossemos parar a uma
ilha deserta.
Entre as minhas escolhas
contava-se Mache dich mein Herzerein, da Paixão segundo São Mateus, de Bach. O
entrevistador disse não compreender como era possível eu escolher música
religiosa não sendo religioso.
É o mesmo que perguntar como
se pode gostar do Monte dos Vendavais quando se sabe perfeitamente que Cathy e
Heathcliff nunca existiram de facto.
Quando se atribui à religião
a Capela Sistina ou a Anunciação de Rafael deve argumentar-se que até os
grandes artistas têm de ganhar a vida, aceitando encomendas onde as houver.
Não tenho razões para
duvidar de que Rafael e Miguel Ângelo eram cristãos – era quase a única opção,
na época – mas tal facto é pouco mais que acessório. A imensa riqueza acumulada
pela Igreja fazia dela o principal patrono das artes.
Se a História tivesse
seguido um rumo diferente e a Miguel Ângelo tivesse sido pedido que pintasse o
tecto de um gigantesco Museu da Ciência, será que não tinha criado algo no mínimo
tão inspirador como a Capela Sistina?
Que pena nunca chegarmos a poder
ouvir a Sinfonia Mesozóica, de Beethoven ou a ópera o Universo em Expansão, de
Mozart ou a Oratória da Evolução de Hayden – mas isso não nos impede de
apreciar a sua Criação.
Episódio Nº 67
Olhava para o soldado com os olhos
tristes porque sabia que o soldado gostava dela e que por ela mataria um.
Lembrava-se da carta que ele enviara para a sua madrinha, Dª Branca Costa,
pedindo a afilhada em casamento.
Ela a guardava em casa, bem no fundo do
baú. Dizia a carta:
Exma Srª Dª Branca
Saudações Cordiais
Hoje e como nunca sinto-me
transportado para um sincero e confortável paraíso ahonde para mim sorena
intenções íntimas e favorável pellas quais obriga-me adeclarar-me sinceramente
a sua Exlla. Que amo com um amor puro e santo a tua estimada Maria.
Amor que jamais se apagará, e
sim pela evolução dos tempos e confuntamente com a vossa attenciosíssima
bondade fará duplicar eternamente entre nós um amor nos á de conduzir aos
paramos da verdadeira felicidade. E com estas íntimas intenções aproveito esta
mas radiante oportunidade para pedir a V. Esclla. Em casamento á tua gentil e
encantadora Maria.
Que será a minha maior
aventura possuir esta brilhantíssima prenda do vosso confortável coração. Pela
quar esforcei-me para muito breve dar a V. Eclla. E aos demais da vossa nobre
família esta Brilhantíssima sartificação.
Serto de que V. Excll. não
furtar-se-á ao meu pedido aguardo uma resposta favorável. Retero-me aprezentando
a V. Exlla. os meus protestos de ellevada estima e considerações.
Sub. O.S.
Osório, soldado do 19
A madrinha não queria que
ela casasse com um soldado, mas ela fez pé firme e ficou noiva, se bem tivesse
de deixar a casa da madrinha.
O casório já estava marcado
para Agosto, logo depois que ele pegasse as divisas de cabo que o capitão já
lhe havia prometido, quando Maria do Reis conheceu, na macumba de Jubiabá, o
negro António Balduíno que era malandro e fazia sambas. Ele não mandara cartas,
não falara em casamento.
Lhe dera quando passavam
para a sala de jantar na festa de Ribeirinho um cartão assim:
Dobrando este canto
Será o sim Dobrando
este canto será o não
POR
SI MINHA ALMA SOFRE
E feliz seria se a
Srta aceitasse os meus protestos de amor
Devolvendo o cartão
intacto dará uma esperança
Escondeu o cartão no seio.
Fugiu para o quarto da mulher de seu Ribeirinho, onde estavam os chapéus dos
homens e o violão de António Balduíno. Cândida fora com ela e viu o cartão:
- De quem é, mulher?
- Adivinhe…
Modelos caem na passarela
Não há profissões sem risco... Só espero que a passagem de modelos seja de vestidos e não de sapatos...
quarta-feira, julho 24, 2013
«Privatize-se tudo, privatize-se o
mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a
lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for
diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto
privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração
deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a
salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu
a todos.»
José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag.
148
Nota:
- Porque há-de o gestor privado ser melhor do que o público?
- Porque razão o que é bom para os accionistas não pode ser bom para os cidadãos?
- Porque é que os patrões e accionistas têm que ser mais eficazes no controle das suas empresas do que o Estado relativamente às suas?
Deus
Richard Dawkins – “A Desilusão de Deus”
(continuação)
Finalmente o Argumento da
“experiência Pessoal”
Um dos meus antigos colegas
da universidade, mais dotado e maduro, que era muito religioso, foi acampar nas
ilhas escocesas.
A meio da noite, dormia com
a namorada sob a tenda quando foram acordados pela voz do Diabo – do próprio
Satanás, não havia margem para dúvidas: a voz era em tudo diabólica.
O meu amigo nunca viria a
esquecer essa terrível experiência, que de resto, foi um dos factores que mais
tarde o levaram a ser ordenado sacerdote.
O meu jovem ego ficou
impressionado com esta história, que relatei perante um grupo de zoólogos, num
momento de descontracção no Rose and Crown Inn, em Oxford.
Por acaso dois deles eram
ornitólogos experientes e riram às gargalhadas. «Pardela da Ilha de Man»,
gritaram em alegre coro.
Um deles acrescentou que os
cacarejos e guinchos diabólicos desta espécie lhe valeram em várias partes do
mundo e em diversas línguas, a alcunha local de “Pássaro do Diabo”.
Muitas pessoas acreditam em
Deus porque acreditam ter tido, com os próprios olhos, uma visão dele – ou de
um anjo, ou de uma Nossa Senhora vestida de azul.
Ou então, porque dentro das
suas cabeças, Deus fala com elas.
Este argumento da
experiência pessoal é o mais convincente para os que afirmam ter tido tal
experiência, mas é o menos convincente para o resto das pessoas e para quem
quer que esteja bem informado sobre psicologia.
Há quem diga que teve uma
experiência directa de Deus? Bem, há quem diga que teve uma experiência com um
elefante cor-de-rosa, mas isso provavelmente já não deixa ninguém
impressionado.
Peter Sutcliffe, o
estripador do Yorkshire, ouvia distintamente a voz de Jesus a dizer-lhe que
matasse mulheres e foi parar à prisão para o resto da vida.
George Bush afirmou que Deus
lhe disse para invadir o Iraque (que pena Deus não lhe ter revelado de que não
existiam armas de destruição maciça).
Há indivíduos em hospícios
que pensam ser Napoleão ou Charlie Chaplin, ou que todo o mundo conspira contra
eles, ou que conseguem transmitir seus pensamentos para a cabeça de outras
pessoas.
As experiências religiosas
são diferentes destas apenas no facto de as pessoas que as reivindicam serem em
grande número.
Sam Harris não estava a ser
cínico em demasia quando, em
The End of Faith, escreveu:
- «Temos nomes para chamar às pessoas que têm
muitas crenças para as quais não existe justificação racional. Quando as suas
crenças são extremamente comuns chamamos-lhe, simplesmente “religiosas”».
É óbvio de que a sanidade
depende dos números. E, no entanto, é por mero acidente da história que se
considera normal na nossa sociedade acreditar que o Criador consegue ouvir os
nossos pensamentos, mas já será sinal de doença mental acreditar que ele
comunica connosco fazendo a chuva tamborilar em código morse contra a janela do
nosso quarto.
Andava pelos 18 anos mas parecia ter 25... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 66
- Você arranje uns cabelos dela e traga
que eu faço tudo – respondeu Jubiabá.
E desfilaram ante o pai de santo todos
aqueles negros que queriam fazer despachos. Alguns foram rezados com ramos de
mastruço. Era assim que a madrugada se enchia na madrugada seguinte de coisas
feitas que entulhavam as ruas e das quais os transeuntes se afastavam receosos.
Vinha muitas vezes gente rica, doutores de anel, ricaços de automóvel.
Quando António Balduíno entrou na sala
era um soldado quem estava falando com o pai de santo. Ele procurava falar
baixo, mas estava emocionado e todos ouviam a sua voz.:
-
…parece que não gosta mais de mim… deu para não ouvir o que eu digo… acho que
está embeiçada por outro… mas eu não quero, pai… eu quero ela pra mim… eu gosto
dela… sou doido por ela…
A voz do soldado estava chorosa. Jubiabá
perguntou qualquer coisa e ele respondeu:
-
Maria dos Reis…
António Balduíno estremeceu e logo
sorriu. Começou a prestar atenção à conversa. Mas Jubiabá estava despedindo o
soldado.
-
Só trazendo uns cabelo do sovaco dela e uma ceroula sua. Eu faço que ela nunca
mais largue vosmecê… Fica amarrada como cachorro…
O soldado saíu de cabeça baixa, sem
olhar para os presentes, procurando não ser visto.
António Balduíno chegou para perto de
Jubiabá, sentou no chão.
-
Parece que ele gosta mesmo dela…
-
Você conhece, ela Baldo?
-
Não é aquela que Oxalá pegou na festa?
-
O soldado gosta dela, vai fazer despacho… Tome cuidado Baldo…
-
Não tenho cagaço de soldado…
-
Mas ele gosta dela…
-
Parece mesmo, gente…
Ficou esgravatando o chão com um pedaço
de pau. Andava pelos dezoito anos mas parecia ter vinte e cinco. Era forte e
alto como uma árvore, livre como um animal e possuía a gargalhada mais clara da
cidade.
Largou Joana, nunca mais viu aquela desdentada
que tinha uma voz masculina e cantava os seus sambas, não qui s mais saber de cabrochas que iam para o areal.
Rondava em companhia do gordo a casa de
Maria dos Reis. Fez um samba para ela, um samba que dizia assim.
Eu gosto é de você, Maria…
Você tem meu coração.
Eu fui malandro um dia
Mas agora é você quem me
judia
Esse samba ele não qui s vender. Cantou numa festa em que ela estava,
olhando para ela. O soldado já andava desconfiado e não tinha ainda arranjado os
cabelos do sovaco da noiva para levar a Jubiabá.
Maria dos Reis se contentava
a sorrir.