Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, agosto 29, 2009
sexta-feira, agosto 28, 2009
RIVALIDADES...
Tinha acabado de chegar ao Alentejo uma excursão de espanhóis. Ao verem um alentejano, o guia comunicou aos passageiros:
-Ahora me voy hablar con ese portugues alentejano... - e foi ter com o alentejano:
- Hola, como te llamas?
- Toino...
- Yo también me llamo Antonio ! Cual és tu profesión ?
- Sou músico...
- Yo también soy musico... Y que tocas ?
- Toco trompete, e tu ?
- Yo también toco trompete. Una vez fue a la Fiesta de Nuestra Señora de los Remédios y toqué tan bien, que a Señora bajó del andor y empezó a llorar.
E replicou o alentejano:
E replicou o alentejano:
- E eu fui uma vez à Festa do Senhor dos Passos e toquei tão bem, tão bem, que o Senhor largou a cruz, agarrou-se a mim e disse-me: "Ah, g'anda Toino, tocaste melhor que o cabrão do espanhol que fez chorar a minha mãezinha".
A Origem da Vida – Os Replicadores
Recuemos, na companhia de Richard Dawkins, cerca de 4.000 milhões de anos, para ele nos explicar, com base nos actuais conhecimentos científicos, como terá aparecido a vida no planeta Terra.
Por definição ninguém estava presente para assistir ao que aconteceu e por isso existem algumas teorias rivais mas todas elas com características comuns e aquela que é apresentada por R. Dawkins não andará muito longe da verdade.
A evolução por selecção natural é satisfatória porque nos mostra uma forma pela qual a simplicidade se poderia ter transformado em complexidade, com átomos desordenados a agruparem-se em estruturas cada vez mais complexas e como tudo terá começado pela sobrevivência das «coisas estáveis» o que, de acordo com a Teoria de Darwin, corresponde à «sobrevivência do mais apto» com a eliminação das «coisas instáveis», menos aptas.
Vamos, agora, falar dos Replicadores que são os antepassados dos Genes.
Antes da vida aparecer sobre a Terra não sabemos bem que matérias-primas abundavam mas entre as mais plausíveis teríamos a água, o dióxido de carbono, o metano e a amónia que são compostos simples que sabemos estarem presentes em alguns dos outros planetas do nosso sistema solar.
Recentemente, fizeram-se experiências laboratoriais simulando as condições químicas da Terra antes do aparecimento da vida e foi possível produzir substâncias orgânicas chamadas «purinas» e «pirimidinas» que são já blocos da construção da molécula genética do próprio ADN.
Se tivéssemos encontrado estes elementos em Marte diríamos logo que eles eram um sinal da presença de vida naquele planeta.
Processos análogos a estes desenvolvidos agora em laboratório devem ter originado um «caldo primitivo» que, na opinião de biólogos e químicos, constituíram os mares de há 4.000 milhões de anos atrás.
Essas substâncias orgânicas concentravam-se localmente, talvez na espuma que secava nas margens desses mares e sob a influência posterior de energia, como a luz ultravioleta do sol, combinavam-se em moléculas maiores.
Se fosse hoje, essas moléculas orgânicas não durariam sequer o tempo suficiente para serem notadas porque logo outras bactérias ou outros seres vivos as absorveriam, mas quando essas moléculas boiavam no caldo primitivo mais nada ainda existia pois tudo o resto só apareceria posteriormente e portanto elas podiam boiar nesse caldo cada vez mais denso sem serem molestadas.
Num determinado momento, por acidente, formou-se uma molécula particularmente notável a que vamos chamar o Replicador porque tinha essa propriedade extraordinária de ser capaz de criar cópias.
Este acidente, que está na origem do aparecimento do Replicador, tinha muito poucas probabilidades de acontecer, provavelmente tantas quantas aquelas que nós temos de acertar no jackpot do euromilhões, quase impossível nos poucos anos de vida que temos para apostar.
Mas tempo era aquilo que não faltava ao planeta Terra e por essa razão, no decorrer dos muitos milhões de anos da sua existência, surgiu um dia essa molécula, que não terá sido necessariamente nem a maior nem a mais completa, mas que criava cópias de si própria.
Tivesse o homem a possibilidade de apostar todas as semanas durante 100 milhões de anos e o improvável, quase impossível, tornar-se-ia mais que provável e ganharíamos não um mas vários prémios do Euromilhões.
É que os conceitos de provável e de improvável têm a distingui-los apenas o factor tempo porque ambos se referem a coisas possíveis de acontecerem.
Depois, era apenas necessário que essa molécula aparecesse uma vez…o resto seria com ela.
Temos, portanto, vários tipos de blocos moleculares no tal caldo primitivo onde, a partir de um determinado momento, circulava o Replicador.
Supondo agora que cada um desses blocos tem afinidades para com os seus iguais, quando um bloco, vindo do caldo, se encontrar próximo de uma parte do Replicador para o qual tenha afinidade, tenderá a aderir a ele.
Os blocos que aderirem ao Replicador dispor-se-ão, automaticamente, numa sequência idêntica à do próprio Replicador numa cadeia estável semelhante ao Replicador original.
Este processo poderia continuar com um empilhamento progressivo, camada após camada pois é também assim que se formam os cristais.
As duas cadeias podiam separar-se e passaríamos a ter dois Replicadores, cada um dos quais poderia continuar a produzir outras cópias de si mesmo.
Uma possibilidade mais complexa é a de que a afinidade acontecesse, igualmente, não para os seus iguais mas para um outro tipo particular de bloco e sendo assim, o Replicador actuaria como padrão não para uma cópia idêntica mas para uma espécie de «negativo» exactamente igual ao positivo original.
Neste momento, para os nossos propósitos, não importa muito que este processo de replicação original fosse positivo-positivo ou positivo-negativo, pois o importante a salientar é que, subitamente, uma nova forma de estabilidade apareceu no mundo.
Antes das moléculas replicadoras terem aparecido, muito naturalmente, nenhum outro tipo de molécula seria muito abundante no “caldo primitivo” porque tudo estava dependente dos blocos moleculares assumirem, de forma acidental, configurações estáveis, mas quando surgiu o Replicador este deverá ter espalhado pelo mar as suas cópias e os outros blocos de moléculas mais pequenos tornaram-se um recurso escasso até chegarmos a uma grande população de réplicas idênticas.
Mas, qualquer processo de replicação obedece a uma regra: nada é perfeito, ocorrem erros.
Vamos dar um exemplo de erros num processo de replicação:
- Antes da invenção da tipografia os livros eram copiados à mão e isso aconteceu com os Evangelhos mas todos os escribas, por mais cuidados que tivessem, cometiam erros e outros até nem resistiam à tentação de fazerem pequenos «melhoramentos» nos textos.
Se todos copiassem de um único original o sentido não seria grandemente deturpado mas sendo as cópias feitas de outras cópias os erros começariam a acumular-se e tornar-se-iam sérios.
A primeira ideia que temos do erro é que ele é prejudicial e no caso de documentos humanos é difícil pensar em exemplos em que o erro possa ser encarado como um benefício.
Os eruditos da versão grega do Antigo Testamento traduziram erradamente a palavra hebraica para «mulher jovem» pela palavra grega para «virgem» e com este erro foram reproduzidos todos os textos de então para cá dando origem à seguinte profecia: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho…” o que é consideravelmente diferente, com as inevitáveis consequências, de uma outra profecia que teria rezado assim: “Eis que uma mulher jovem conceberá e dará à luz um filho…”
Mas se saltarmos dos documentos humanos para a biologia e, neste caso concreto para os Replicadores, o erro pode, em vez de ser uma desvantagem, representar uma melhoria essencial para a evolução progressiva da vida.
Os descendentes dos Replicadores, as actuais moléculas de ADN, são admiravelmente fiéis mesmo comparando com a mais alta-fidelidade, mas mesmo elas cometem erros de cópia que estão na origem da diversidade dos seres vivos e consequentemente da evolução possível.
Muito provavelmente, os Replicadores originais era bem mais imprecisos e os erros davam origem a cópias imperfeitas que se formavam e propagavam enchendo o «caldo primitivo» não de réplicas idênticas mas de diversas variedades de moléculas replicadoras todas “descendentes” do mesmo antepassado.
Estas diversas variedades de moléculas replicadoras entraram em «competição», em primeiro lugar porque não tinham todas a mesma «longevidade» e as que duravam mais, logicamente, tinham mais tempo para produzir cópias de si próprias dando lugar a uma tendência evolutiva na direcção de uma maior longevidade.
Mas a longevidade não era o único factor com influência no maior ou menor número de uma determinada variedade de moléculas replicadoras, a «fecundidade» era outro.
Suponhamos que a molécula reprodutora do tipo A forma cópias de si própria uma vez por semana, em média, e as do tipo B formam cópias de hora a hora.
É evidente, numa hipótese destas, que a molécula do tipo A, mesmo com maior longevidade do que a do tipo B, ficaria em minoria.
Finalmente, um terceiro factor nesta competição pelo predomínio:
Suponhamos que as variedades de moléculas reprodutoras do tipo X e Y apresentam a mesma longevidade e a mesma velocidade de se copiarem, mas a do tipo X comete menos erros de cópia pelo que terá mais «descendentes» do que a do tipo Y que, no lugar daqueles, terá mais “mutantes” que terão outras descendências.
A cópia de erros é um requisito para que ocorra evolução e esta pode parecer uma “coisa boa”, especialmente porque nós somos filhos dela, mas na realidade não há nada que queira evoluir.
A evolução é qualquer coisa que acontece quer queiramos ou não, apesar de todos os esforços dos replicadores para evitar que ela aconteça.
Voltando ao «caldo primitivo», se tivesse sido possível colher duas amostras retiradas em dois momentos diferentes separados de alguns milhões de anos, verificar-se-ia que a segunda amostra conteria uma maior proporção de variedades de moléculas replicadoras com mais elevada longevidade/fecundidade/fidelidade de cópia e este é, essencialmente, o sentido da evolução do ponto de vista biológico no que se refere aos seres vivos e ao mecanismo da selecção natural.
Mas será que as moléculas originais replicadoras estavam vivas?
Que importa isso?
Seja qual for a resposta não altera os factos, a história das moléculas replicadoras terá sido, sensivelmente, aquele que foi descrito independentemente de considerá-las «vivas» ou não.
Elas, as células Reprodutoras, foram os antepassados da vida: foram os nossos fundadores.
Finalmente a competição para a qual Darwin chamou a atenção, não a pensar em moléculas, mas em plantas e animais.
O «caldo primitivo» tinha uma capacidade limitada para conter moléculas replicadoras, não só porque a Terra é um espaço finito, mas também porque os blocos construtores devem ter sido utilizados a um ritmo tal pelas replicadoras quando elas eram já muito abundantes que se tornaram num bem escasso e precioso e daí a competição por eles.
Nessa «luta» os Replicadores menos favorecidos diminuíram de número e muitos ter-se-ão extinguido.
Eles não sabiam que estavam a lutar, tão pouco se preocupavam com isso, era luta sem ressentimentos, aliás, sem sentimentos de qualquer espécie mas lutavam, porque qualquer erro de cópia que resultasse num maior nível de estabilidade relativamente aos seus rivais era preservada e multiplicava-se automaticamente.
Com o tempo, esta luta foi-se aperfeiçoando e alguns dos Replicadores devem mesmo ter «descoberto» como quebrar quimicamente moléculas de variedades rivais e como usar os blocos construtores assim libertos para produzir as suas próprias cópias.
Estes protocarnívoros, em simultâneo, obtinham alimento e removiam competidores.
Outros Replicadores talvez tenham «descoberto» como se protegerem a si próprios quer quimicamente, quer erguendo uma barreira física de proteína à sua volta constituindo, assim, as primeiras células vivas.
Começa aqui uma nova fase em que os Replicadores já não se limitam a existir mas também a construir invólucros, veículos para a preservação da sua existência, transformando-se em «Máquinas de Sobrevivência».
Inicialmente, essa máquina de sobrevivência teria sido constituída apenas por um revestimento protector mas com o aumento progressivo da competição essas máquinas tornaram-se maiores e mais elaboradas num processo cumulativo e progressivo.
Teria de haver algum fim para o aperfeiçoamento gradual das técnicas e dos artifícios usados pelos Replicadores para assegurarem a sua continuidade no mundo?
Haveria tempo de sobra para aperfeiçoamentos e por isso perguntamos:
Que máquinas bizarras de auto preservação trariam consigo nos milénios seguintes?
Qual terá sido o destino, 4.000 milhões de anos depois, para os primeiros Replicadores?
Não se extinguiram, pois são mestres antigos nas artes da sobrevivência mas também não andam para aí a flutuar livremente no mar porque há muito tempo que abandonaram essa sua liberdade de cavaleiros andantes.
Agora agrupam-se em colónias imensas, seguros no interior de gigantescos robots desajeitados, afastados do mundo exterior, comunicando com ele através de vias indirectas e tortuosas, manipulando-os por controlo remoto.
Estão dentro de si e de mim; criaram-nos, de corpo e de mente e a sua preservação é a razão da nossa existência.
Percorreram um longo caminho, esses Replicadores.
Agora respondem pelo nome de Genes e as suas «Máquinas de Sobrevivência»… somos nós.
Por definição ninguém estava presente para assistir ao que aconteceu e por isso existem algumas teorias rivais mas todas elas com características comuns e aquela que é apresentada por R. Dawkins não andará muito longe da verdade.
A evolução por selecção natural é satisfatória porque nos mostra uma forma pela qual a simplicidade se poderia ter transformado em complexidade, com átomos desordenados a agruparem-se em estruturas cada vez mais complexas e como tudo terá começado pela sobrevivência das «coisas estáveis» o que, de acordo com a Teoria de Darwin, corresponde à «sobrevivência do mais apto» com a eliminação das «coisas instáveis», menos aptas.
Vamos, agora, falar dos Replicadores que são os antepassados dos Genes.
Antes da vida aparecer sobre a Terra não sabemos bem que matérias-primas abundavam mas entre as mais plausíveis teríamos a água, o dióxido de carbono, o metano e a amónia que são compostos simples que sabemos estarem presentes em alguns dos outros planetas do nosso sistema solar.
Recentemente, fizeram-se experiências laboratoriais simulando as condições químicas da Terra antes do aparecimento da vida e foi possível produzir substâncias orgânicas chamadas «purinas» e «pirimidinas» que são já blocos da construção da molécula genética do próprio ADN.
Se tivéssemos encontrado estes elementos em Marte diríamos logo que eles eram um sinal da presença de vida naquele planeta.
Processos análogos a estes desenvolvidos agora em laboratório devem ter originado um «caldo primitivo» que, na opinião de biólogos e químicos, constituíram os mares de há 4.000 milhões de anos atrás.
Essas substâncias orgânicas concentravam-se localmente, talvez na espuma que secava nas margens desses mares e sob a influência posterior de energia, como a luz ultravioleta do sol, combinavam-se em moléculas maiores.
Se fosse hoje, essas moléculas orgânicas não durariam sequer o tempo suficiente para serem notadas porque logo outras bactérias ou outros seres vivos as absorveriam, mas quando essas moléculas boiavam no caldo primitivo mais nada ainda existia pois tudo o resto só apareceria posteriormente e portanto elas podiam boiar nesse caldo cada vez mais denso sem serem molestadas.
Num determinado momento, por acidente, formou-se uma molécula particularmente notável a que vamos chamar o Replicador porque tinha essa propriedade extraordinária de ser capaz de criar cópias.
Este acidente, que está na origem do aparecimento do Replicador, tinha muito poucas probabilidades de acontecer, provavelmente tantas quantas aquelas que nós temos de acertar no jackpot do euromilhões, quase impossível nos poucos anos de vida que temos para apostar.
Mas tempo era aquilo que não faltava ao planeta Terra e por essa razão, no decorrer dos muitos milhões de anos da sua existência, surgiu um dia essa molécula, que não terá sido necessariamente nem a maior nem a mais completa, mas que criava cópias de si própria.
Tivesse o homem a possibilidade de apostar todas as semanas durante 100 milhões de anos e o improvável, quase impossível, tornar-se-ia mais que provável e ganharíamos não um mas vários prémios do Euromilhões.
É que os conceitos de provável e de improvável têm a distingui-los apenas o factor tempo porque ambos se referem a coisas possíveis de acontecerem.
Depois, era apenas necessário que essa molécula aparecesse uma vez…o resto seria com ela.
Temos, portanto, vários tipos de blocos moleculares no tal caldo primitivo onde, a partir de um determinado momento, circulava o Replicador.
Supondo agora que cada um desses blocos tem afinidades para com os seus iguais, quando um bloco, vindo do caldo, se encontrar próximo de uma parte do Replicador para o qual tenha afinidade, tenderá a aderir a ele.
Os blocos que aderirem ao Replicador dispor-se-ão, automaticamente, numa sequência idêntica à do próprio Replicador numa cadeia estável semelhante ao Replicador original.
Este processo poderia continuar com um empilhamento progressivo, camada após camada pois é também assim que se formam os cristais.
As duas cadeias podiam separar-se e passaríamos a ter dois Replicadores, cada um dos quais poderia continuar a produzir outras cópias de si mesmo.
Uma possibilidade mais complexa é a de que a afinidade acontecesse, igualmente, não para os seus iguais mas para um outro tipo particular de bloco e sendo assim, o Replicador actuaria como padrão não para uma cópia idêntica mas para uma espécie de «negativo» exactamente igual ao positivo original.
Neste momento, para os nossos propósitos, não importa muito que este processo de replicação original fosse positivo-positivo ou positivo-negativo, pois o importante a salientar é que, subitamente, uma nova forma de estabilidade apareceu no mundo.
Antes das moléculas replicadoras terem aparecido, muito naturalmente, nenhum outro tipo de molécula seria muito abundante no “caldo primitivo” porque tudo estava dependente dos blocos moleculares assumirem, de forma acidental, configurações estáveis, mas quando surgiu o Replicador este deverá ter espalhado pelo mar as suas cópias e os outros blocos de moléculas mais pequenos tornaram-se um recurso escasso até chegarmos a uma grande população de réplicas idênticas.
Mas, qualquer processo de replicação obedece a uma regra: nada é perfeito, ocorrem erros.
Vamos dar um exemplo de erros num processo de replicação:
- Antes da invenção da tipografia os livros eram copiados à mão e isso aconteceu com os Evangelhos mas todos os escribas, por mais cuidados que tivessem, cometiam erros e outros até nem resistiam à tentação de fazerem pequenos «melhoramentos» nos textos.
Se todos copiassem de um único original o sentido não seria grandemente deturpado mas sendo as cópias feitas de outras cópias os erros começariam a acumular-se e tornar-se-iam sérios.
A primeira ideia que temos do erro é que ele é prejudicial e no caso de documentos humanos é difícil pensar em exemplos em que o erro possa ser encarado como um benefício.
Os eruditos da versão grega do Antigo Testamento traduziram erradamente a palavra hebraica para «mulher jovem» pela palavra grega para «virgem» e com este erro foram reproduzidos todos os textos de então para cá dando origem à seguinte profecia: “Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho…” o que é consideravelmente diferente, com as inevitáveis consequências, de uma outra profecia que teria rezado assim: “Eis que uma mulher jovem conceberá e dará à luz um filho…”
Mas se saltarmos dos documentos humanos para a biologia e, neste caso concreto para os Replicadores, o erro pode, em vez de ser uma desvantagem, representar uma melhoria essencial para a evolução progressiva da vida.
Os descendentes dos Replicadores, as actuais moléculas de ADN, são admiravelmente fiéis mesmo comparando com a mais alta-fidelidade, mas mesmo elas cometem erros de cópia que estão na origem da diversidade dos seres vivos e consequentemente da evolução possível.
Muito provavelmente, os Replicadores originais era bem mais imprecisos e os erros davam origem a cópias imperfeitas que se formavam e propagavam enchendo o «caldo primitivo» não de réplicas idênticas mas de diversas variedades de moléculas replicadoras todas “descendentes” do mesmo antepassado.
Estas diversas variedades de moléculas replicadoras entraram em «competição», em primeiro lugar porque não tinham todas a mesma «longevidade» e as que duravam mais, logicamente, tinham mais tempo para produzir cópias de si próprias dando lugar a uma tendência evolutiva na direcção de uma maior longevidade.
Mas a longevidade não era o único factor com influência no maior ou menor número de uma determinada variedade de moléculas replicadoras, a «fecundidade» era outro.
Suponhamos que a molécula reprodutora do tipo A forma cópias de si própria uma vez por semana, em média, e as do tipo B formam cópias de hora a hora.
É evidente, numa hipótese destas, que a molécula do tipo A, mesmo com maior longevidade do que a do tipo B, ficaria em minoria.
Finalmente, um terceiro factor nesta competição pelo predomínio:
Suponhamos que as variedades de moléculas reprodutoras do tipo X e Y apresentam a mesma longevidade e a mesma velocidade de se copiarem, mas a do tipo X comete menos erros de cópia pelo que terá mais «descendentes» do que a do tipo Y que, no lugar daqueles, terá mais “mutantes” que terão outras descendências.
A cópia de erros é um requisito para que ocorra evolução e esta pode parecer uma “coisa boa”, especialmente porque nós somos filhos dela, mas na realidade não há nada que queira evoluir.
A evolução é qualquer coisa que acontece quer queiramos ou não, apesar de todos os esforços dos replicadores para evitar que ela aconteça.
Voltando ao «caldo primitivo», se tivesse sido possível colher duas amostras retiradas em dois momentos diferentes separados de alguns milhões de anos, verificar-se-ia que a segunda amostra conteria uma maior proporção de variedades de moléculas replicadoras com mais elevada longevidade/fecundidade/fidelidade de cópia e este é, essencialmente, o sentido da evolução do ponto de vista biológico no que se refere aos seres vivos e ao mecanismo da selecção natural.
Mas será que as moléculas originais replicadoras estavam vivas?
Que importa isso?
Seja qual for a resposta não altera os factos, a história das moléculas replicadoras terá sido, sensivelmente, aquele que foi descrito independentemente de considerá-las «vivas» ou não.
Elas, as células Reprodutoras, foram os antepassados da vida: foram os nossos fundadores.
Finalmente a competição para a qual Darwin chamou a atenção, não a pensar em moléculas, mas em plantas e animais.
O «caldo primitivo» tinha uma capacidade limitada para conter moléculas replicadoras, não só porque a Terra é um espaço finito, mas também porque os blocos construtores devem ter sido utilizados a um ritmo tal pelas replicadoras quando elas eram já muito abundantes que se tornaram num bem escasso e precioso e daí a competição por eles.
Nessa «luta» os Replicadores menos favorecidos diminuíram de número e muitos ter-se-ão extinguido.
Eles não sabiam que estavam a lutar, tão pouco se preocupavam com isso, era luta sem ressentimentos, aliás, sem sentimentos de qualquer espécie mas lutavam, porque qualquer erro de cópia que resultasse num maior nível de estabilidade relativamente aos seus rivais era preservada e multiplicava-se automaticamente.
Com o tempo, esta luta foi-se aperfeiçoando e alguns dos Replicadores devem mesmo ter «descoberto» como quebrar quimicamente moléculas de variedades rivais e como usar os blocos construtores assim libertos para produzir as suas próprias cópias.
Estes protocarnívoros, em simultâneo, obtinham alimento e removiam competidores.
Outros Replicadores talvez tenham «descoberto» como se protegerem a si próprios quer quimicamente, quer erguendo uma barreira física de proteína à sua volta constituindo, assim, as primeiras células vivas.
Começa aqui uma nova fase em que os Replicadores já não se limitam a existir mas também a construir invólucros, veículos para a preservação da sua existência, transformando-se em «Máquinas de Sobrevivência».
Inicialmente, essa máquina de sobrevivência teria sido constituída apenas por um revestimento protector mas com o aumento progressivo da competição essas máquinas tornaram-se maiores e mais elaboradas num processo cumulativo e progressivo.
Teria de haver algum fim para o aperfeiçoamento gradual das técnicas e dos artifícios usados pelos Replicadores para assegurarem a sua continuidade no mundo?
Haveria tempo de sobra para aperfeiçoamentos e por isso perguntamos:
Que máquinas bizarras de auto preservação trariam consigo nos milénios seguintes?
Qual terá sido o destino, 4.000 milhões de anos depois, para os primeiros Replicadores?
Não se extinguiram, pois são mestres antigos nas artes da sobrevivência mas também não andam para aí a flutuar livremente no mar porque há muito tempo que abandonaram essa sua liberdade de cavaleiros andantes.
Agora agrupam-se em colónias imensas, seguros no interior de gigantescos robots desajeitados, afastados do mundo exterior, comunicando com ele através de vias indirectas e tortuosas, manipulando-os por controlo remoto.
Estão dentro de si e de mim; criaram-nos, de corpo e de mente e a sua preservação é a razão da nossa existência.
Percorreram um longo caminho, esses Replicadores.
Agora respondem pelo nome de Genes e as suas «Máquinas de Sobrevivência»… somos nós.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 218
EPISÓDIO Nº 218
Pode-se traduzir murros, pedradas, metralha? A luz se extingue nos olhos baços, Ângelo Bardi volta a falar:
- De acordo, também acho. Devemos, contudo, estar preparados para qualquer emergência. Já concluímos que a zona cacaueira realmente não interessa. Quanto à região da foz do rio Real, apesar dos inconvenientes constatados nos relatórios, de falta de qualquer infra-estrutura…
O de cabelo à escovinha faz novo gesto, Bardi e Mirko obedecem, um se cala, o outro retoma a palavra, capaz e exacto. Rosalvo Lucena ouve com tamanha inteligência que parece até entender a tradução alemã. O magnata de São Paulo retoma a palavra:
- Eu dizia que a região do rio Real, apesar da falta de infra-estrutura, não pode ser ainda posta de lado. Já nos deram o sinal verde: lá podemos instalar a fábrica, não há objecções de maior.
Homem tão dotado - vindo do nada, pior, vindo do Brás, chegara ao topo – não o é Ângelo Bardi para o estudo dos idiomas. Além do italiano familiar, aprendido em casa, fala francês, quem não fala? o acento, aquela coisa. Adquiriu rudimentos de inglês, a duras penas; como tratar com os americanos sem conhecer a língua? Os gringos não falam nenhuma outra, não precisam; os demais que se esforcem em cima de gramática. Ângelo Bardi esforçara-se em cima de gramática e de uma raquítica Miss Judy, ninfomaníaca, a professora. Alemão, tenham paciência, nunca conseguira aprender. Sorri ao pensar que em breve terá de tratar com os japoneses.
- A meu ver, devemos investir um pouco mais nessa perspectiva. Por dois motivos. Primeiro, porque talvez tenhamos, em último caso, de nos instalar mesmo na foz do rio Real. Senão conseguirmos ganhar a outra batalha; segundo, por se tratar de um movimento diversionista de grande utilidade. Enquanto falam sobre Agreste, e sobre Agreste poucos falam, esquecem, deixam em paz…
Não conclui a frase, para quê? Mirko a completará na tradução. Palavra tão bonita, digna de um verso, Arembepe. Mas na pronúncia do Von na cabeceira da mesa soa inflexível.
Nas duas línguas, o Magnífico Doutor pergunta aos três directores:
- Isso significa que posso pôr em marcha a minha proposição?
Ângelo Bardi responde por ele e por Rosalvo Lucena, que sorri, mudo, aprovativo e competente.
- De nossa parte, de acordo. Mas cabe a ele a decisão final. O tal rapaz já está na cidade, não?
- Desde ontem, no mesmo hotel que nós e Ele – Sente-se a letra maiúscula quando o doutor Mirko Stefano pronuncia, respeitoso, o vocábulo ele: - Um bom hotel e de muito auxílio.
Depois de ouvir, palavra por palavra, a pergunta do Magnífico Doutor e a opinião dos dois directores brasileiros, Ele, o de cabelo à escovinha, o de olhos baços, autoriza:
- Iá!
- De acordo, também acho. Devemos, contudo, estar preparados para qualquer emergência. Já concluímos que a zona cacaueira realmente não interessa. Quanto à região da foz do rio Real, apesar dos inconvenientes constatados nos relatórios, de falta de qualquer infra-estrutura…
O de cabelo à escovinha faz novo gesto, Bardi e Mirko obedecem, um se cala, o outro retoma a palavra, capaz e exacto. Rosalvo Lucena ouve com tamanha inteligência que parece até entender a tradução alemã. O magnata de São Paulo retoma a palavra:
- Eu dizia que a região do rio Real, apesar da falta de infra-estrutura, não pode ser ainda posta de lado. Já nos deram o sinal verde: lá podemos instalar a fábrica, não há objecções de maior.
Homem tão dotado - vindo do nada, pior, vindo do Brás, chegara ao topo – não o é Ângelo Bardi para o estudo dos idiomas. Além do italiano familiar, aprendido em casa, fala francês, quem não fala? o acento, aquela coisa. Adquiriu rudimentos de inglês, a duras penas; como tratar com os americanos sem conhecer a língua? Os gringos não falam nenhuma outra, não precisam; os demais que se esforcem em cima de gramática. Ângelo Bardi esforçara-se em cima de gramática e de uma raquítica Miss Judy, ninfomaníaca, a professora. Alemão, tenham paciência, nunca conseguira aprender. Sorri ao pensar que em breve terá de tratar com os japoneses.
- A meu ver, devemos investir um pouco mais nessa perspectiva. Por dois motivos. Primeiro, porque talvez tenhamos, em último caso, de nos instalar mesmo na foz do rio Real. Senão conseguirmos ganhar a outra batalha; segundo, por se tratar de um movimento diversionista de grande utilidade. Enquanto falam sobre Agreste, e sobre Agreste poucos falam, esquecem, deixam em paz…
Não conclui a frase, para quê? Mirko a completará na tradução. Palavra tão bonita, digna de um verso, Arembepe. Mas na pronúncia do Von na cabeceira da mesa soa inflexível.
Nas duas línguas, o Magnífico Doutor pergunta aos três directores:
- Isso significa que posso pôr em marcha a minha proposição?
Ângelo Bardi responde por ele e por Rosalvo Lucena, que sorri, mudo, aprovativo e competente.
- De nossa parte, de acordo. Mas cabe a ele a decisão final. O tal rapaz já está na cidade, não?
- Desde ontem, no mesmo hotel que nós e Ele – Sente-se a letra maiúscula quando o doutor Mirko Stefano pronuncia, respeitoso, o vocábulo ele: - Um bom hotel e de muito auxílio.
Depois de ouvir, palavra por palavra, a pergunta do Magnífico Doutor e a opinião dos dois directores brasileiros, Ele, o de cabelo à escovinha, o de olhos baços, autoriza:
- Iá!
quinta-feira, agosto 27, 2009
COISAS DA RELIGIÃO...
Uma solteirona descobre que uma amiga ficou grávida só com uma oração que rezou na igreja de um lugarejo próximo.
Dias depois, outra solteirona foi a essa mesma igreja e interpelou o padre:
- Bom dia, padre.
- Bom dia, minha filha. Em que posso ajudá-la?
- Sabe, padre, soube que uma amiga minha veio aqui e ficou grávida só com uma Ave-Maria.
- Não, minha filha, foi com um padre nosso, mas já o transferimos.
CALDEIRADA DE ISALTINO MORAIS
Vai recandidatar-se a Presidente da Câmara de Oeiras depois de Condenado em 1ª Instância por um Colectivo de 3 Juizes a 7 anos de cadeia efectiva e a indemenizar o Estado em 463.000 euros por 4 crimes: Fraude Fiscal, Abuso de Poder, Corrupção de Poder e Branqueamento de Capitais. Recorreu da Sentença...
Estamos a Dançar com Fantasmas Diferentes
Tanto quanto sabemos, baseando-nos na informação de que dispomos actualmente, os nossos antepassados saíram de África, ou permaneceram, no caso dos africanos, há aproximadamente setenta mil anos e espalharam-se pelo planeta, tendo chegado à Austrália há aproximadamente sessenta mil anos e às Américas há cerca de trinta mil.
Podemos agradecer à inteligência esta expansão, pois ela exigiu a solução para diversos problemas a uma grande escala.
Para onde quer que fôssemos, descobríamos como extrair comida do ambiente, até estarmos a comer tudo, desde sementes até baleias.
Em seguida descobrimos como produzir os nossos próprios alimentos, não uma mas numerosas vezes em várias regiões do planeta, como Jared Diamond relatou no seu livro mais conhecido: “Guns, Germs and Steel”, 1997, vencedor do Prémio Pulitzer. (Jared Diamond é actualmente professor de Geografia e Ciências da Saúde Ambiental na Universidade da Califórnia, Los Angeles).
Em cada população humana, a lenta sabedoria da selecção natural seguia para onde a rápida sabedoria da inteligência a conduzia.
Em civilizações que criavam gado, pela primeira vez na história dos mamíferos, o leite transformou-se um recurso para adultos. A princípio era difícil de digerir porque o corpo dos mamíferos está adaptado para encerrar o sistema digestivo dos bebés (plano A) e dar início ao sistema digestivo dos adultos (plano B) na altura do desmame.
Pôr os micróbios a fazerem a digestão fermentando o leite proporcionou uma solução de curto prazo. Mutações genéticas ocorridas então permitiram aos seres humanos adultos digerirem-no o que constituiu uma vantagem suficiente para se tornarem comuns em populações criadoras de gado.
Na década de 1950, os programas americanos de ajuda ao estrangeiro passaram a incluir leite em pó para todo o mundo, produzindo flatulência generalizada em regiões onde as pessoas não estão geneticamente adaptadas a digerirem leite em adultos.
Outras populações humanas começaram da mesma maneira a tornarem-se geneticamente adaptadas às suas dietas particulares.
Milhares de anos são tempo suficiente para permitir este tipo de diversificação genética. Lentamente, cada uma das diferentes populações humanas, começou a realizar os passos de dança certos para o seu ambiente, passos estes que podem ser estragados com as migrações em massa ou com as alterações ambientais.
Então, voltaremos a assistir ao sonho irreal em que os dançarinos, volteando no salão de baile, dançam com fantasmas até mergulharem, inexoravelmente, no abismo.
Podemos agradecer à inteligência esta expansão, pois ela exigiu a solução para diversos problemas a uma grande escala.
Para onde quer que fôssemos, descobríamos como extrair comida do ambiente, até estarmos a comer tudo, desde sementes até baleias.
Em seguida descobrimos como produzir os nossos próprios alimentos, não uma mas numerosas vezes em várias regiões do planeta, como Jared Diamond relatou no seu livro mais conhecido: “Guns, Germs and Steel”, 1997, vencedor do Prémio Pulitzer. (Jared Diamond é actualmente professor de Geografia e Ciências da Saúde Ambiental na Universidade da Califórnia, Los Angeles).
Em cada população humana, a lenta sabedoria da selecção natural seguia para onde a rápida sabedoria da inteligência a conduzia.
Em civilizações que criavam gado, pela primeira vez na história dos mamíferos, o leite transformou-se um recurso para adultos. A princípio era difícil de digerir porque o corpo dos mamíferos está adaptado para encerrar o sistema digestivo dos bebés (plano A) e dar início ao sistema digestivo dos adultos (plano B) na altura do desmame.
Pôr os micróbios a fazerem a digestão fermentando o leite proporcionou uma solução de curto prazo. Mutações genéticas ocorridas então permitiram aos seres humanos adultos digerirem-no o que constituiu uma vantagem suficiente para se tornarem comuns em populações criadoras de gado.
Na década de 1950, os programas americanos de ajuda ao estrangeiro passaram a incluir leite em pó para todo o mundo, produzindo flatulência generalizada em regiões onde as pessoas não estão geneticamente adaptadas a digerirem leite em adultos.
Outras populações humanas começaram da mesma maneira a tornarem-se geneticamente adaptadas às suas dietas particulares.
Milhares de anos são tempo suficiente para permitir este tipo de diversificação genética. Lentamente, cada uma das diferentes populações humanas, começou a realizar os passos de dança certos para o seu ambiente, passos estes que podem ser estragados com as migrações em massa ou com as alterações ambientais.
Então, voltaremos a assistir ao sonho irreal em que os dançarinos, volteando no salão de baile, dançam com fantasmas até mergulharem, inexoravelmente, no abismo.
"Evolução Para Todos" de David Sloan Wilson
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 217
EPISÓDIO Nº 217
ONDE SE PRONUNCIA A PALAVRA IÁ
- A última informação que recebemos é um tanto quanto pessimista.
A voz de Ângelo Bardi não revela inquietação ou temor. Acostumada ao mando, porém afável e cordial, conserva leve acento ítalo-paulista de filho de imigrantes nascido no Brás. Têmporas grisalhas, bem posto, nem gordo nem magro, cinquentão, o ar sobranceiro, a figura de Ângelo Bardi infunde confiança. Atento às suas palavras, Rosalvo Lucena, Managerial Scinces Doctor, a quem os jornais qualificam de audaz e vitorioso empresário, parece um estudante recém-saído da universidade. Ângelo Bardi parece exactamente o que é, um magnata.
Estão sentados numa das pontas da grande mesa de reuniões, na sala à prova de som, climatizada, na sede da Indústria Brasileira de Titânio S. A. Além dos dois, o doutor Mirko Stefano e, na cabeceira a presidir, o senhor idoso de cabelo cortado à escovinha e olhos baços.
Doutor Mirko chega a abrir a boca mas não a falar, pois, pedindo licença, Bety penetra na sala, seguida pelo boi que conduz uma bandeja com café, açúcar, três outros tipos de adoçantes, xícaras e colheres. Ela mesmo serve com graça e desenvoltura, um sorriso de quem está plenamente feliz por encontrar-se diante daqueles senhores. O de cabelo cortado à escovinha descansa os olhos baços no busto altaneiro da secretária-executiva, na longa linha das pernas.
Precedida pelo boi, Bety retira-se em silêncio sentindo nas ancas o peso em ouro dos olhos baços, fecha a porta. Então o Magnífico Doutor traduz a frase. Acontece um director de relações públicas ver-se obrigado a exercer funções de tradutor. Quando a reunião é de tal monta a ponto de não admitir a presença de qualquer estranho. Apenas os quatro.
Não devemos nos impressionar demasiado – prossegue Ângelo Bardi.
- Sem dúvida as resistências a vencer são grandes, os homens vacilam. Creio no entanto que, se persistirmos, obteremos a localização desejada, a ideal. Talvez…
O dos olhos baços corta-lhe a frase com um gesto, olha para o doutor Mirko. O magnífico traduz, palavra por palavra. Assim lhe foi ordenado: palavra por palavra. Outro gesto manda o magnata continuar. Director de relações públicas, vitorioso empresário, magnata, patrão, essa a escala.
- Talvez todas essas delongas não passem de uma tentativa para nos arrancarem mais dinheiro, se bem eu pense que realmente existe quem se oponha. Sobretudo na área estadual.
Espera que a tradução seja feita antes de prosseguir: mesmo na voz blandiciosa de Mirko, parece-lhe rude o idioma, áspero a ouvidos latinos, viciados na sonora plasticidade da língua italiana.
- É preciso mais um empurrão forte, forte. Ou seja mais dinheiro. Quero querer que por fim alcançaremos nosso objectivo.
Enquanto ouve a tradução, o dos olhos baços fita os três directores em sua frente, um a um, repentina luz de aço nas pupilas. Pronuncia umas poucas palavras, o Magnífico traduz:
- É imprescindível que seja onde decidimos.
- A última informação que recebemos é um tanto quanto pessimista.
A voz de Ângelo Bardi não revela inquietação ou temor. Acostumada ao mando, porém afável e cordial, conserva leve acento ítalo-paulista de filho de imigrantes nascido no Brás. Têmporas grisalhas, bem posto, nem gordo nem magro, cinquentão, o ar sobranceiro, a figura de Ângelo Bardi infunde confiança. Atento às suas palavras, Rosalvo Lucena, Managerial Scinces Doctor, a quem os jornais qualificam de audaz e vitorioso empresário, parece um estudante recém-saído da universidade. Ângelo Bardi parece exactamente o que é, um magnata.
Estão sentados numa das pontas da grande mesa de reuniões, na sala à prova de som, climatizada, na sede da Indústria Brasileira de Titânio S. A. Além dos dois, o doutor Mirko Stefano e, na cabeceira a presidir, o senhor idoso de cabelo cortado à escovinha e olhos baços.
Doutor Mirko chega a abrir a boca mas não a falar, pois, pedindo licença, Bety penetra na sala, seguida pelo boi que conduz uma bandeja com café, açúcar, três outros tipos de adoçantes, xícaras e colheres. Ela mesmo serve com graça e desenvoltura, um sorriso de quem está plenamente feliz por encontrar-se diante daqueles senhores. O de cabelo cortado à escovinha descansa os olhos baços no busto altaneiro da secretária-executiva, na longa linha das pernas.
Precedida pelo boi, Bety retira-se em silêncio sentindo nas ancas o peso em ouro dos olhos baços, fecha a porta. Então o Magnífico Doutor traduz a frase. Acontece um director de relações públicas ver-se obrigado a exercer funções de tradutor. Quando a reunião é de tal monta a ponto de não admitir a presença de qualquer estranho. Apenas os quatro.
Não devemos nos impressionar demasiado – prossegue Ângelo Bardi.
- Sem dúvida as resistências a vencer são grandes, os homens vacilam. Creio no entanto que, se persistirmos, obteremos a localização desejada, a ideal. Talvez…
O dos olhos baços corta-lhe a frase com um gesto, olha para o doutor Mirko. O magnífico traduz, palavra por palavra. Assim lhe foi ordenado: palavra por palavra. Outro gesto manda o magnata continuar. Director de relações públicas, vitorioso empresário, magnata, patrão, essa a escala.
- Talvez todas essas delongas não passem de uma tentativa para nos arrancarem mais dinheiro, se bem eu pense que realmente existe quem se oponha. Sobretudo na área estadual.
Espera que a tradução seja feita antes de prosseguir: mesmo na voz blandiciosa de Mirko, parece-lhe rude o idioma, áspero a ouvidos latinos, viciados na sonora plasticidade da língua italiana.
- É preciso mais um empurrão forte, forte. Ou seja mais dinheiro. Quero querer que por fim alcançaremos nosso objectivo.
Enquanto ouve a tradução, o dos olhos baços fita os três directores em sua frente, um a um, repentina luz de aço nas pupilas. Pronuncia umas poucas palavras, o Magnífico traduz:
- É imprescindível que seja onde decidimos.
quarta-feira, agosto 26, 2009
E NÓS, HUMANOS? TAMBÉM DANÇAMOS COM FANTASMAS?
Será que a nossa espécie também estará sujeita à “Dança Com Fantasmas”?
À primeira vista pareceria que não. A inteligência humana permite soluções para problemas de sobrevivência que não estão ao alcance das outras espécies.
Os homens ultrapassaram essa fase de comportamentos rígidos, programados, como soluções correctas para a sua sobrevivência.
Esses comportamentos manifestaram-se insuficientes e os nossos antepassados remotos estiveram à beira de constituírem um beco sem saída na luta pela sobrevivência não fora o desenvolvimento do cérebro e de uma progressiva capacidade intelectual.
Mas a inteligência humana protege-nos realmente de “dançarmos com fantasmas”?
Postos numa situação completamente nova, - como aconteceu com as pequenas tartaruguinhas marinhas quando a intensidade da luz das cidades se sobrepôs à do luar desviando-as do seu rumo e conduzindo-as à morte – , dispomos pelo menos de alguma capacidade de compreender que temos um problema e de tentar arranjar para ele uma solução.
Tem então lugar um processo mental rápido que realiza aproximadamente a mesma coisa que o processo geracional lento da selecção natural.
É uma coisa maravilhosa que funciona às vezes, mas quem pensar que ela resolve completamente o problema de “dançar com fantasmas” está tristemente iludido.
Antes de possuirmos inteligência humana éramos simplesmente mamíferos e primatas com um “arsenal de planos de guerra” para lutar pela sobrevivência que evoluíram por selecção natural e a nossa inteligência foi somar-se a esse arsenal.
Não substituiu os outros “planos de guerra” nem nós desejaríamos que isso acontecesse. Alguns desses “planos” nem sequer são mentais. Na realidade, todo o conceito de “mental” está desvanecer-se diante de nós.
Um cérebro é um sistema físico que actua como uma calculadora, recebendo informação e dando respostas sensatas.
Precisamos de alargar o nosso conceito de “mental de maneira a incluir todos os tipos de calculadoras, independentemente da sua composição material.
Como exemplo, vejamos aquilo que se passa com os nossos hábitos alimentares para percebermos como estamos a “dançar com fantasmas”:
- O desejo que sentimos de gordura, açúcar e sal fazia todo o sentido num ambiente em que estas substâncias eram constantemente escassas mas, colocar um restaurante de comida rápida em cada esquina é como iluminar o céu da ilha para as tartarugas marinhas bebés.
Precipitamo-nos para consumir, mas é uma partida cruel e acabamos por nos matar. Sabemos que há um problema, mas isso não significa que saibamos resolvê-lo com um simples acto de força de vontade usando a nossa maravilhosa inteligência.
A nossa chamada “mente racional” não tem assim tanto controlo sobre o resto da nossa mente e do nosso corpo.
No abismo do poço colocado no centro do palco e para o qual os fantasmas das tartaruguinhas, dançando, mergulham totalmente desconhecedoras do seu destino fatal, aos homens acontece-lhes o mesmo mas com conhecimento prévio, incapazes, porém, de aplicarem a solução… ou talvez estejamos a “dançar com fantasmas diferentes”.
À primeira vista pareceria que não. A inteligência humana permite soluções para problemas de sobrevivência que não estão ao alcance das outras espécies.
Os homens ultrapassaram essa fase de comportamentos rígidos, programados, como soluções correctas para a sua sobrevivência.
Esses comportamentos manifestaram-se insuficientes e os nossos antepassados remotos estiveram à beira de constituírem um beco sem saída na luta pela sobrevivência não fora o desenvolvimento do cérebro e de uma progressiva capacidade intelectual.
Mas a inteligência humana protege-nos realmente de “dançarmos com fantasmas”?
Postos numa situação completamente nova, - como aconteceu com as pequenas tartaruguinhas marinhas quando a intensidade da luz das cidades se sobrepôs à do luar desviando-as do seu rumo e conduzindo-as à morte – , dispomos pelo menos de alguma capacidade de compreender que temos um problema e de tentar arranjar para ele uma solução.
Tem então lugar um processo mental rápido que realiza aproximadamente a mesma coisa que o processo geracional lento da selecção natural.
É uma coisa maravilhosa que funciona às vezes, mas quem pensar que ela resolve completamente o problema de “dançar com fantasmas” está tristemente iludido.
Antes de possuirmos inteligência humana éramos simplesmente mamíferos e primatas com um “arsenal de planos de guerra” para lutar pela sobrevivência que evoluíram por selecção natural e a nossa inteligência foi somar-se a esse arsenal.
Não substituiu os outros “planos de guerra” nem nós desejaríamos que isso acontecesse. Alguns desses “planos” nem sequer são mentais. Na realidade, todo o conceito de “mental” está desvanecer-se diante de nós.
Um cérebro é um sistema físico que actua como uma calculadora, recebendo informação e dando respostas sensatas.
Precisamos de alargar o nosso conceito de “mental de maneira a incluir todos os tipos de calculadoras, independentemente da sua composição material.
Como exemplo, vejamos aquilo que se passa com os nossos hábitos alimentares para percebermos como estamos a “dançar com fantasmas”:
- O desejo que sentimos de gordura, açúcar e sal fazia todo o sentido num ambiente em que estas substâncias eram constantemente escassas mas, colocar um restaurante de comida rápida em cada esquina é como iluminar o céu da ilha para as tartarugas marinhas bebés.
Precipitamo-nos para consumir, mas é uma partida cruel e acabamos por nos matar. Sabemos que há um problema, mas isso não significa que saibamos resolvê-lo com um simples acto de força de vontade usando a nossa maravilhosa inteligência.
A nossa chamada “mente racional” não tem assim tanto controlo sobre o resto da nossa mente e do nosso corpo.
No abismo do poço colocado no centro do palco e para o qual os fantasmas das tartaruguinhas, dançando, mergulham totalmente desconhecedoras do seu destino fatal, aos homens acontece-lhes o mesmo mas com conhecimento prévio, incapazes, porém, de aplicarem a solução… ou talvez estejamos a “dançar com fantasmas diferentes”.
"A EVOLUÇÃO PARA TODOS" de DAVID SLOAN WILSON
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 216
EPISÓDIO Nº 216
Aminthas coloca um tape no gravador, ouve o som de uma música brasileira conhecida: “pescador quando sai nunca sabe se volta”; baixa o volume, a melodia persiste como um fundo musical. Estaria por acaso comovido?
- Pensar eu penso, que essa fábrica não se instalará jamais aqui. Para que isso viesse a suceder era necessário que não houvesse outro lugar no Brasil que oferecesse melhores condições. Agreste não tem nada, eles serão obrigados a fazer tudo. Por isso acho que não virão. Mas, ao mesmo tempo, tenho de convir que talvez Agreste seja, por essas mesmas razões, o único local do Brasil onde permitam que eles se instalem. Porque, Fidélio. Essa tal indústria de titânio acaba com tudo. Quem tem razão é Osnar: fede. Fede e apodrece.
- Quer dizer…
- Que se você pensa como eu e Osnar, então não venda, em vez de ir passear ao Rio, vá à casa da Zuleika que lá também tem o que se ver. Tem uma novata, menininha, uma tal de Maria Imaculada…
- Já comi. É um tesouro.
Aminthas aumenta um pouco o volume do gravador, peixes e mar, jangadas enfrentando temporais.
- Me diga Fidélio, você pensa mesmo assim, está disposto?
- Penso. Estou.
- Então meu velho, vamos enfiar no cu desses advogados todos e estourar a merda dessa fábrica. Ouça.
Expôs o seu pensamento, ouvindo a frase de Fidélio sobre Mangue seco, a melodia e o verso sobre o mar, fonte de vida, onde os homens se elevam sobre os elementos. Fidélio escuta em silêncio, quando o amigo termina, diz apenas:
- Tu és um porreta. Só que o Comandante está em Mangue Seco…
- Eu o vi hoje, no Areópago, conversando com dona Carmosina.
- Pois vou falar com ele agora mesmo: - Sai, satisfeito, mas em seu contentamento perdura um pouco de tristeza, a sensação de quem vai abrir mão da única oportunidade de realizar projecto concebido e acalentado em estreito sigilo, jamais revelado a quem quer que fosse – dele nem dona Carmosina tem conhecimento. Projecto múltiplo e por isso mesmo caro, fora de qualquer projecto de concretização par quem recebe do estado diminutos proventos, pouco mais do que o salário mínimo.
Trata-se de uma viagem ao sul para conhecer as grandes capitais, salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, durante as férias. Viagem de turismo mas com objectivos precisos: o primeiro e o principal, a aquisição de uma bateria das mais completas e um manual para aprender a utilizá-la. Quem sabe, um dia virá a tocar tão bem quanto Xisto Bom de Som, genro do coronel Artur de Tapitanga.
Quando o percussionista, sobraçando Célia e os dois rebentos, aparece de visita ao sogro (em busca de numerário), Fidélio não desprega da fazenda. Uma vez em que o músico demorou e trouxe a bateria – um assunto de maconha dissolvera o conjunto Itapuã’s Kings levando o piston e o violão eléctrico ao xadrez – Xisto, após lhe dar algumas explicações, permitira a Fidélio experimentar o vistoso instrumental. “Você leva jeito, bicho”, dissera, animando-o.
Com a bolada oferecida por doutor Caio poderia comprar uma bateria, trazê-la para Agreste, e realizar-se, dando sentido à vida, sendo por fim alguém.
Durante a viagem poderá assistir a um show de Vinícius, outro de Caetano e Gil, seus ídolos. E, para concluir a transa, tirar a limpo certos detalhes, empolgantes, porém, inadmissíveis, da célebre história da polaca de Osnar.
Como até mesmo em Agreste se sabe, no Rio e em São Paulo sobram polacas, dando sopa nas pensões. O bolso abarrotado de dinheiro, Fidélio poderá se regalar com uma e, ao que parece, também com mais de uma, desbancando Osnar, rindo dele à socapa quando o amigo começar a contar vantagem:
- Quem não comeu uma polaca, nada sabe de mulher…
Imutável início de narrativa, prendendo a atenção geral. Se fizesse a viagem, ao voltar, iria ser diferente: Osnar contando, Fidélio rindo para seus adentros.
- Pensar eu penso, que essa fábrica não se instalará jamais aqui. Para que isso viesse a suceder era necessário que não houvesse outro lugar no Brasil que oferecesse melhores condições. Agreste não tem nada, eles serão obrigados a fazer tudo. Por isso acho que não virão. Mas, ao mesmo tempo, tenho de convir que talvez Agreste seja, por essas mesmas razões, o único local do Brasil onde permitam que eles se instalem. Porque, Fidélio. Essa tal indústria de titânio acaba com tudo. Quem tem razão é Osnar: fede. Fede e apodrece.
- Quer dizer…
- Que se você pensa como eu e Osnar, então não venda, em vez de ir passear ao Rio, vá à casa da Zuleika que lá também tem o que se ver. Tem uma novata, menininha, uma tal de Maria Imaculada…
- Já comi. É um tesouro.
Aminthas aumenta um pouco o volume do gravador, peixes e mar, jangadas enfrentando temporais.
- Me diga Fidélio, você pensa mesmo assim, está disposto?
- Penso. Estou.
- Então meu velho, vamos enfiar no cu desses advogados todos e estourar a merda dessa fábrica. Ouça.
Expôs o seu pensamento, ouvindo a frase de Fidélio sobre Mangue seco, a melodia e o verso sobre o mar, fonte de vida, onde os homens se elevam sobre os elementos. Fidélio escuta em silêncio, quando o amigo termina, diz apenas:
- Tu és um porreta. Só que o Comandante está em Mangue Seco…
- Eu o vi hoje, no Areópago, conversando com dona Carmosina.
- Pois vou falar com ele agora mesmo: - Sai, satisfeito, mas em seu contentamento perdura um pouco de tristeza, a sensação de quem vai abrir mão da única oportunidade de realizar projecto concebido e acalentado em estreito sigilo, jamais revelado a quem quer que fosse – dele nem dona Carmosina tem conhecimento. Projecto múltiplo e por isso mesmo caro, fora de qualquer projecto de concretização par quem recebe do estado diminutos proventos, pouco mais do que o salário mínimo.
Trata-se de uma viagem ao sul para conhecer as grandes capitais, salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, durante as férias. Viagem de turismo mas com objectivos precisos: o primeiro e o principal, a aquisição de uma bateria das mais completas e um manual para aprender a utilizá-la. Quem sabe, um dia virá a tocar tão bem quanto Xisto Bom de Som, genro do coronel Artur de Tapitanga.
Quando o percussionista, sobraçando Célia e os dois rebentos, aparece de visita ao sogro (em busca de numerário), Fidélio não desprega da fazenda. Uma vez em que o músico demorou e trouxe a bateria – um assunto de maconha dissolvera o conjunto Itapuã’s Kings levando o piston e o violão eléctrico ao xadrez – Xisto, após lhe dar algumas explicações, permitira a Fidélio experimentar o vistoso instrumental. “Você leva jeito, bicho”, dissera, animando-o.
Com a bolada oferecida por doutor Caio poderia comprar uma bateria, trazê-la para Agreste, e realizar-se, dando sentido à vida, sendo por fim alguém.
Durante a viagem poderá assistir a um show de Vinícius, outro de Caetano e Gil, seus ídolos. E, para concluir a transa, tirar a limpo certos detalhes, empolgantes, porém, inadmissíveis, da célebre história da polaca de Osnar.
Como até mesmo em Agreste se sabe, no Rio e em São Paulo sobram polacas, dando sopa nas pensões. O bolso abarrotado de dinheiro, Fidélio poderá se regalar com uma e, ao que parece, também com mais de uma, desbancando Osnar, rindo dele à socapa quando o amigo começar a contar vantagem:
- Quem não comeu uma polaca, nada sabe de mulher…
Imutável início de narrativa, prendendo a atenção geral. Se fizesse a viagem, ao voltar, iria ser diferente: Osnar contando, Fidélio rindo para seus adentros.
terça-feira, agosto 25, 2009
CANÇÕES BRASILEIRAS
CAETANO VELOSO - CHUVAS DE VERÃO (1949)
Letra e Música de Fernando Lobo.Um clássico da MPB, reflecte o clima de confissões amorosas que prolongavam ou encerravam romances iniciados no ambiente das boites dos anos 40 e 50.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 215
EPISÓDIO Nº 215
De natural enrustido, Fidélio não costuma falar a ninguém dos seus assuntos e agindo assim, sempre se dera bem. Sem cantar glórias, ia ganhando dos parceiros no bilhar, tendo chances de vencer o actual torneio, arrebatando de Astério o cobiçado título de Taco de Ouro. Sem jactar-se de dom-juan, comia as melhores; quando os outros descobriam a boazuda ele já a chamara a si, na discrição. Mas dessa vez não tinha jeito, recorreu a Aminthas, expôs o drama ao amigo. Procurou-o em casa, ouviu em silêncio parte de um tape de rock, não o deixou botar nova fita no gravador.
- Tenho um particular, um conselho a lhe pedir.
- Mande brasa.
- Outro dia você quis apostar com todo mundo, no bar, dizendo que garante que essa tal de fábrica nunca irá se estabelecer aqui. Tu está certo disso ou é mais uma brincadeira tua? Me diga a verdade.
- Por que você quer saber?
- Como tu sabe, tenho parte no coqueiral, pelo menos é o que o doutor Franklin garante e ele entende dessas coisas. Parece que estão botando questão na justiça: Josafá, dona Carlota, até Canuto Alves. Cada um puxando brasa para sua sardinha. Eu estou de fora mas recebo todos os dias propostas para vender minha parte. Seu Modesto não quer comprar, quer se associar comigo, já está de meia com dona Carlota. Os que querem comprar são seu Edmundo Ribeiro e doutor Caio, sendo que o último paga à vista.
- Hum! Hum! Você quer saber qual o melhor negócio? Explique cada um detalhadamente para eu…
- O que eu quero saber é se a merda dessa fábrica vai vir para Mangue Seco ou não. Tu disse que tinha certeza que não.
- Agora entendo. Você quer saber porque, se a fábrica vier, você tem possibilidade de ganhar um dinheiro grande vendendo sua posse directamente à Brastânio, correcto? – Com um gesto, impede que Fidélio o interrompa:
- Se não vem, você vende agora ao imbecil do doutor Caio e embolsa o dinheirinho, deixa para ele o pantanal. Correcto?
– Aminthas se sabe inteligente e gosta de demonstrá-lo.
- Não tudo ao contrário.
- Tudo ao contrário? Passei a não entender nada.
- Se eu tivesse certeza, mas certeza mesmo, que essa fábrica não virá nunca, como tu disse, aí podia vender a doutor Caio e esse dinheiro ia-me servir demais, tu nem sabe. Mas sem ter certeza, não vendo.
- E por quê Para esperar e vender melhor, como eu já disse?
- Não, não vendo de maneira nenhuma. Não quero que essa fábrica se instale aqui e esculhambe – Toma fôlego, não está habituado a falar muito: - Tu sabe que eu não nasci aqui, mas vim menino quando minha mãe voltou, viúva; o velho morreu por lá, coitado. – Ele só pensava em juntar algum dinheiro para regressar, não deu tempo. – Fez uma pausa, o pensamento no pai, calado como ele, desterrado no Rio:
- Daqui não quero sair, a não ser a passeio. Tenho vontade de ir ao Rio, a São Paulo, conhecer o Sul, se um dia tiver oportunidade. Ir e voltar, para isso ia me servir o dinheiro do doutor Caio. Mas prefiro perder qualquer fortuna para não deixar que filho-da-puta nenhum venha acabar com a praia de Mangue Seco. Quando me vejo lá, não sou um pobre empregadinho público, um merda, me sinto um homem, dono do mundo.
- Tenho um particular, um conselho a lhe pedir.
- Mande brasa.
- Outro dia você quis apostar com todo mundo, no bar, dizendo que garante que essa tal de fábrica nunca irá se estabelecer aqui. Tu está certo disso ou é mais uma brincadeira tua? Me diga a verdade.
- Por que você quer saber?
- Como tu sabe, tenho parte no coqueiral, pelo menos é o que o doutor Franklin garante e ele entende dessas coisas. Parece que estão botando questão na justiça: Josafá, dona Carlota, até Canuto Alves. Cada um puxando brasa para sua sardinha. Eu estou de fora mas recebo todos os dias propostas para vender minha parte. Seu Modesto não quer comprar, quer se associar comigo, já está de meia com dona Carlota. Os que querem comprar são seu Edmundo Ribeiro e doutor Caio, sendo que o último paga à vista.
- Hum! Hum! Você quer saber qual o melhor negócio? Explique cada um detalhadamente para eu…
- O que eu quero saber é se a merda dessa fábrica vai vir para Mangue Seco ou não. Tu disse que tinha certeza que não.
- Agora entendo. Você quer saber porque, se a fábrica vier, você tem possibilidade de ganhar um dinheiro grande vendendo sua posse directamente à Brastânio, correcto? – Com um gesto, impede que Fidélio o interrompa:
- Se não vem, você vende agora ao imbecil do doutor Caio e embolsa o dinheirinho, deixa para ele o pantanal. Correcto?
– Aminthas se sabe inteligente e gosta de demonstrá-lo.
- Não tudo ao contrário.
- Tudo ao contrário? Passei a não entender nada.
- Se eu tivesse certeza, mas certeza mesmo, que essa fábrica não virá nunca, como tu disse, aí podia vender a doutor Caio e esse dinheiro ia-me servir demais, tu nem sabe. Mas sem ter certeza, não vendo.
- E por quê Para esperar e vender melhor, como eu já disse?
- Não, não vendo de maneira nenhuma. Não quero que essa fábrica se instale aqui e esculhambe – Toma fôlego, não está habituado a falar muito: - Tu sabe que eu não nasci aqui, mas vim menino quando minha mãe voltou, viúva; o velho morreu por lá, coitado. – Ele só pensava em juntar algum dinheiro para regressar, não deu tempo. – Fez uma pausa, o pensamento no pai, calado como ele, desterrado no Rio:
- Daqui não quero sair, a não ser a passeio. Tenho vontade de ir ao Rio, a São Paulo, conhecer o Sul, se um dia tiver oportunidade. Ir e voltar, para isso ia me servir o dinheiro do doutor Caio. Mas prefiro perder qualquer fortuna para não deixar que filho-da-puta nenhum venha acabar com a praia de Mangue Seco. Quando me vejo lá, não sou um pobre empregadinho público, um merda, me sinto um homem, dono do mundo.
DANÇAR COM
FANTASMAS
Imaginem um sonho irreal: começa numa enorme sala de baile cheia de dançarinos elegantemente vestidos. De súbito, um membro de cada par desaparece, mas os seus companheiros continuam a dançar como se nada se tivesse modificado. Os seus braços continuam estendidos e eles continuam a descrever círculos como se estivessem a dançar com fantasmas.
Depois, surge um poço sem fundo no meio da pista de dança e ficamos a ver, fascinados, os dançarinos solitários aproximarem-se da beira do poço, como actores da beira de um palco.
Infelizmente, os dançarinos mostram-se tão inconscientes do abismo do poço como da ausência dos seus pares… e nada podemos fazer quando eles mergulham um a um e desaparecem.
Este sonho, descreve de forma alegórica mas precisa, o que pode acontecer às espécies quando deparam com um novo meio ambiente.
Vejam o que acontece com as pequenas tartarugas marinhas que nascem nas praias e se dirigem directamente para o mar.
Desde tempos imemoriais, por uma questão de sobrevivência, evoluíram de modo a saírem dos ninhos de noite e a orientarem-se pelo reflexo da luz do luar na água para encontrarem o caminho da segurança no oceano.
Agora, as luzes das casas, brilham ainda mais que a luz do luar na superfície da água e as pobres tartaruguinhas tomam a direcção errada, rumo à morte, exactamente como os dançarinos que caíam ao poço no salão de baile do nosso sonho.
Há muitos outros exemplos que se podiam encaixar nesta “dança com fantasmas” provocados por alterações ambientais da responsabilidade dos homens.
Se mudarmos o meio ambiente nada se modifica na mente das espécies que são alvo dessas mudanças que os leve a alterar os seus comportamentos de há muito programados.
As estratégias que se revelaram bem sucedidas tornam-se, de um momento para o outro, simplesmente mal sucedidas.
As forças da selecção natural necessitam de tempo para que ocorram novas formas adaptativas. Os organismos têm de residir no meio ambiente durante um número suficiente de gerações para a relação organismo-ambiente se consolidar.
Quando as alterações do ambiente são rápidas e extensas as espécies não têm possibilidade de se readaptarem e a espécie extingue-se.
Regressando ao nosso baile surreal, todos aqueles dançarinos desaparecerão para sempre no abismo do poço que se abriu na pista de dança…
Lembremo-nos da “Dança com Fantasmas” quando agredimos e alteramos a natureza.
“Evolução para Todos” de David Sloan Wilson
Depois, surge um poço sem fundo no meio da pista de dança e ficamos a ver, fascinados, os dançarinos solitários aproximarem-se da beira do poço, como actores da beira de um palco.
Infelizmente, os dançarinos mostram-se tão inconscientes do abismo do poço como da ausência dos seus pares… e nada podemos fazer quando eles mergulham um a um e desaparecem.
Este sonho, descreve de forma alegórica mas precisa, o que pode acontecer às espécies quando deparam com um novo meio ambiente.
Vejam o que acontece com as pequenas tartarugas marinhas que nascem nas praias e se dirigem directamente para o mar.
Desde tempos imemoriais, por uma questão de sobrevivência, evoluíram de modo a saírem dos ninhos de noite e a orientarem-se pelo reflexo da luz do luar na água para encontrarem o caminho da segurança no oceano.
Agora, as luzes das casas, brilham ainda mais que a luz do luar na superfície da água e as pobres tartaruguinhas tomam a direcção errada, rumo à morte, exactamente como os dançarinos que caíam ao poço no salão de baile do nosso sonho.
Há muitos outros exemplos que se podiam encaixar nesta “dança com fantasmas” provocados por alterações ambientais da responsabilidade dos homens.
Se mudarmos o meio ambiente nada se modifica na mente das espécies que são alvo dessas mudanças que os leve a alterar os seus comportamentos de há muito programados.
As estratégias que se revelaram bem sucedidas tornam-se, de um momento para o outro, simplesmente mal sucedidas.
As forças da selecção natural necessitam de tempo para que ocorram novas formas adaptativas. Os organismos têm de residir no meio ambiente durante um número suficiente de gerações para a relação organismo-ambiente se consolidar.
Quando as alterações do ambiente são rápidas e extensas as espécies não têm possibilidade de se readaptarem e a espécie extingue-se.
Regressando ao nosso baile surreal, todos aqueles dançarinos desaparecerão para sempre no abismo do poço que se abriu na pista de dança…
Lembremo-nos da “Dança com Fantasmas” quando agredimos e alteramos a natureza.
“Evolução para Todos” de David Sloan Wilson
segunda-feira, agosto 24, 2009
CANÇÕES BRASILEIRAS
CLARA NUNES - CANTO DE AREIA (1974)
Música e Letra de Romildo S. Bastos e Toninho Nascimento
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 214
EPISÓDIO Nº 214
Quanto ao doutor Gustavo Galvão, procedente de Esplanada, jovem e incrementado, camisa esporte, largas costeletas, com pouco tempo de formado, desembarcou em companhia de Canuto Tavares e a seu serviço pois o competente mecânico e relapso telegrafista também descende de Manuel Bezerra Antunes, para surpresa geral. Nem doutor Franklin que sindicara em torno à família daquele famigerado Antunes da escritura, deparara com Canuto Tavares. Não obstante, descendente e dos bons, em linha directa e duplamente, pois era rebento da união de Pedro Miranda (Antunes) Soares com Deodora Antunes do Prado, primos entre si, ele falecido, ela ainda viva, residente com o filho. Existia um irmão, gerente de uma sapataria na capital.
E o esquivo Fidélio, Antunes, ele também, com indiscutíveis direitos, segundo o doutor Franklin, onde anda seu advogado? No incidente com Seixas, falara a verdade ao dizer que não tinha advogado. Quanto a conselheiro, não o precisava pois já o possuía e excelente. Talvez devido à identidade de gosto musical e à admiração que Fidélio votava à inteligência sarcástica de Aminthas, este era o seu predilecto na roda dos cinco amigos íntimos, diariamente juntos, havia muitos anos, no bar para os tacos, a cerveja, o trago de cachaça, o riso inconsequente; na pensão de Zuleika para as noitadas com vitrola, dança e mulheres. Deste último e frequente pouso desertara Astério após o casamento; muito de raro em raro, numa tarde de domingo, quando o vício aperta, surge por lá, às escondidas, em busca de rabo em condições, traindo a esposa. Traição, realmente? Mesmo contra sua vontade e seus princípios, é na bunda de Elisa que ele pensa quando, no bordel, se esvai no rabo da rapariga.
Os Mosqueteiros de Agreste, apelidara-os dona Carmosina, leitora de Alexandre Dumas na distante juventude; seu primo Aminthas era Aramis, cínico e céptico. Mas Fidélio sabe que, por detrás do humor sarcástico, da permanente dúvida, encontrará o amigo leal e de bom conselho. Assim, foi a ele que se dirigiu quando o problema colocado pelo sobrenome Antunes o agoniou fazendo-o perder o sono e um encontro com Ritinha. Com Ritinha o prazer é duplo pois ela é roliça e esperta e ao passá-la nos peitos Fidélio corneia ao mesmo tempo dois bestalhões: Chico Sobrinho e Lindolfo; um metido a nobre, o outro a galã.
A confusão começou exactamente quando Seixas, funcionário da Coletoria, veio procurá-lo de parte de seu chefe, Edmundo Ribeiro, com uma proposta. Sabendo-o pobre, de minguado salário – não fosse ter quarto e comida de graça em casa da tia, o ordenado não chegaria para as apostas no bilhar e as farras na pensão de Zuleika – incapaz, portanto de enfrentar questão na justiça, o Colector candidatava-se a adquirir os seus direitos de posse, sua parte na herança do coqueiral. Em se confirmando o interesse da Brastânio pela área, é claro.
Desejoso de agradar o chefe benevolente e camarada que lhe permitia horário folgado na repartição, Seixas aconselhara o amigo a aceitar a oferta, insistira, não entendendo o porquê da resposta negativa. Ao saber, depois, da existência de novos interessados, Modesto Pires, doutor Caio Vilasboas, o primeiro propondo sociedade, o segundo compra imediata, preço baixo, dinheiro batido, uma coisa compensando a outra, Seixas atribui o aparente desinteresse de Fidélio – não quero saber dessa história de herança – a hábil jogada para levar os concorrentes a uma disputa capaz de elevar as propostas, deixando-o em posição de escolher depois a mais favorável.
Magoou-se Seixas: não negava ao amigo o direito de defender seus interesses aproveitando-se das leis da oferta e da procura. Mas porque esconder o leite, não lhe dizer a verdade? Se o tivesse feito, Seixas não apareceria junto de seu Edmundo Ribeiro com uma seca negativa e sim com a possibilidade de prosseguimento das negociações em novas bases. Como se vê, a provocação feita no bar não acontecera por acaso. Mesmo entre os Mosqueteiros de Agreste, infiltravam-se os gases da Brastânio, afretando relações de amizade nascidas na infância, solidificadas no passar do tempo.
E o esquivo Fidélio, Antunes, ele também, com indiscutíveis direitos, segundo o doutor Franklin, onde anda seu advogado? No incidente com Seixas, falara a verdade ao dizer que não tinha advogado. Quanto a conselheiro, não o precisava pois já o possuía e excelente. Talvez devido à identidade de gosto musical e à admiração que Fidélio votava à inteligência sarcástica de Aminthas, este era o seu predilecto na roda dos cinco amigos íntimos, diariamente juntos, havia muitos anos, no bar para os tacos, a cerveja, o trago de cachaça, o riso inconsequente; na pensão de Zuleika para as noitadas com vitrola, dança e mulheres. Deste último e frequente pouso desertara Astério após o casamento; muito de raro em raro, numa tarde de domingo, quando o vício aperta, surge por lá, às escondidas, em busca de rabo em condições, traindo a esposa. Traição, realmente? Mesmo contra sua vontade e seus princípios, é na bunda de Elisa que ele pensa quando, no bordel, se esvai no rabo da rapariga.
Os Mosqueteiros de Agreste, apelidara-os dona Carmosina, leitora de Alexandre Dumas na distante juventude; seu primo Aminthas era Aramis, cínico e céptico. Mas Fidélio sabe que, por detrás do humor sarcástico, da permanente dúvida, encontrará o amigo leal e de bom conselho. Assim, foi a ele que se dirigiu quando o problema colocado pelo sobrenome Antunes o agoniou fazendo-o perder o sono e um encontro com Ritinha. Com Ritinha o prazer é duplo pois ela é roliça e esperta e ao passá-la nos peitos Fidélio corneia ao mesmo tempo dois bestalhões: Chico Sobrinho e Lindolfo; um metido a nobre, o outro a galã.
A confusão começou exactamente quando Seixas, funcionário da Coletoria, veio procurá-lo de parte de seu chefe, Edmundo Ribeiro, com uma proposta. Sabendo-o pobre, de minguado salário – não fosse ter quarto e comida de graça em casa da tia, o ordenado não chegaria para as apostas no bilhar e as farras na pensão de Zuleika – incapaz, portanto de enfrentar questão na justiça, o Colector candidatava-se a adquirir os seus direitos de posse, sua parte na herança do coqueiral. Em se confirmando o interesse da Brastânio pela área, é claro.
Desejoso de agradar o chefe benevolente e camarada que lhe permitia horário folgado na repartição, Seixas aconselhara o amigo a aceitar a oferta, insistira, não entendendo o porquê da resposta negativa. Ao saber, depois, da existência de novos interessados, Modesto Pires, doutor Caio Vilasboas, o primeiro propondo sociedade, o segundo compra imediata, preço baixo, dinheiro batido, uma coisa compensando a outra, Seixas atribui o aparente desinteresse de Fidélio – não quero saber dessa história de herança – a hábil jogada para levar os concorrentes a uma disputa capaz de elevar as propostas, deixando-o em posição de escolher depois a mais favorável.
Magoou-se Seixas: não negava ao amigo o direito de defender seus interesses aproveitando-se das leis da oferta e da procura. Mas porque esconder o leite, não lhe dizer a verdade? Se o tivesse feito, Seixas não apareceria junto de seu Edmundo Ribeiro com uma seca negativa e sim com a possibilidade de prosseguimento das negociações em novas bases. Como se vê, a provocação feita no bar não acontecera por acaso. Mesmo entre os Mosqueteiros de Agreste, infiltravam-se os gases da Brastânio, afretando relações de amizade nascidas na infância, solidificadas no passar do tempo.
A LIÇÃO DO TERRORISMO
A LIÇÃO DO TERRORISMO É A DE QUE SE HÀ DEUS TUDO É PERMITIDO, INCLUSIVAMENTE MATAR MILHARES DE INOCENTES.
Ao longo da história das religiões milhares de homens falaram em nome de Deus expressando por palavras suas aquelas que seriam as de Deus, ditando em nome dele, formas de pensamento e atitudes em todos os aspectos da vida.
Na realidade, nunca correram o risco de serem desmentidos porque jamais alguém ouviu Deus ou conversou com ele.
Acreditar em Deus tem constituído, assim, um filão para todos quantos se arrogaram o direito de superioridade e de comando de outros homens e nunca argumento algum se mostrou tão eficaz e convincente como o de “falar em nome de Deus”.
Simone Weil, judia, não praticante, irmã do grande matemático André Weil e tal como ele, dotada de uma extraordinária e precoce inteligência (aos 12 anos já falava grego arcaico), cresceu agnóstica e foi uma filósofa militante.
Dizia ela:
- "Há sempre um sentido ilimitado do desejo e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visam o absoluto.
A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de parecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer."
A violência não é um acidente nas religiões, é a sua essência; a disputa religiosa cresce como "uma maré tinta de sangue".
Quando a religião emerge como a principal fonte de violência assassina no mundo, não será o ateísmo a melhor oportunidade de paz?
No romance “Os Irmãos Karamazov” pode ler-se: “ Se Deus não existe tudo é permitido”.
A lição do terrorismo actual é a de que: “Se há Deus tudo é permitido, mormente matar milhares de inocentes, em nome de Deus”.
Lembram-se da Sara Pallin, que perdeu na disputa com John McCain o direito a defrontar o candidato democrata Barack Obama? Quando lhe perguntaram por que tinham os EUA atacado o Iraque, ela, profundamente crente, respondeu simplesmente:
“ Porque Deus quis…”
Pedro Baptista, escritor e investigador, escreve no Público:
- “ O crime será o supremo culto de Deus pelos que mais almejam a pureza da coerência e da obediência na execução dos superiores ditames, no cumprimento do dever".
- “As piores formas de terror decorrem das mais elevadas intenções…" como se prova por todas as guerras de carácter religioso ou de conquista do poder pela afirmação de um deus contra outro deus ou deuses ou até pela maneira diferente de prestar culto a um mesmo deus.
Cristãos e Islamitas, religões monoteístas, há séculos que se matam com requintes de crueldade tal como acontece dentro da mesma religião: anti-judeísmo cristão, anti-islamismo cristão, anti-paganismo cristão, anti-cristianismo e anti-judeísmo islâmico, etc…
Como se deve interpretar a frase de que “todos os homens são irmãos”?
Ao longo da história das religiões milhares de homens falaram em nome de Deus expressando por palavras suas aquelas que seriam as de Deus, ditando em nome dele, formas de pensamento e atitudes em todos os aspectos da vida.
Na realidade, nunca correram o risco de serem desmentidos porque jamais alguém ouviu Deus ou conversou com ele.
Acreditar em Deus tem constituído, assim, um filão para todos quantos se arrogaram o direito de superioridade e de comando de outros homens e nunca argumento algum se mostrou tão eficaz e convincente como o de “falar em nome de Deus”.
Simone Weil, judia, não praticante, irmã do grande matemático André Weil e tal como ele, dotada de uma extraordinária e precoce inteligência (aos 12 anos já falava grego arcaico), cresceu agnóstica e foi uma filósofa militante.
Dizia ela:
- "Há sempre um sentido ilimitado do desejo e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visam o absoluto.
A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de parecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer."
A violência não é um acidente nas religiões, é a sua essência; a disputa religiosa cresce como "uma maré tinta de sangue".
Quando a religião emerge como a principal fonte de violência assassina no mundo, não será o ateísmo a melhor oportunidade de paz?
No romance “Os Irmãos Karamazov” pode ler-se: “ Se Deus não existe tudo é permitido”.
A lição do terrorismo actual é a de que: “Se há Deus tudo é permitido, mormente matar milhares de inocentes, em nome de Deus”.
Lembram-se da Sara Pallin, que perdeu na disputa com John McCain o direito a defrontar o candidato democrata Barack Obama? Quando lhe perguntaram por que tinham os EUA atacado o Iraque, ela, profundamente crente, respondeu simplesmente:
“ Porque Deus quis…”
Pedro Baptista, escritor e investigador, escreve no Público:
- “ O crime será o supremo culto de Deus pelos que mais almejam a pureza da coerência e da obediência na execução dos superiores ditames, no cumprimento do dever".
- “As piores formas de terror decorrem das mais elevadas intenções…" como se prova por todas as guerras de carácter religioso ou de conquista do poder pela afirmação de um deus contra outro deus ou deuses ou até pela maneira diferente de prestar culto a um mesmo deus.
Cristãos e Islamitas, religões monoteístas, há séculos que se matam com requintes de crueldade tal como acontece dentro da mesma religião: anti-judeísmo cristão, anti-islamismo cristão, anti-paganismo cristão, anti-cristianismo e anti-judeísmo islâmico, etc…
Como se deve interpretar a frase de que “todos os homens são irmãos”?
Significa “que aqueles que não aceitam tal fraternidade não são homens?" interroga-se Slavoc Zizec, filósofo e psicanalista esloveno, que adianta o paradoxo de Khomeni ao afirmar, por um lado, que a revolução iraquiana não tinha liquidado uma única pessoa mas quando confrontado com as execuções que foram noticiadas, logo explicou que esses não eram pessoas mas “cães criminosos”…
E assim continua o mundo, ontem como hoje, dominado pelas guerras promovidas pelas pessoas religiosas em nome das suas religiões.
E assim continua o mundo, ontem como hoje, dominado pelas guerras promovidas pelas pessoas religiosas em nome das suas religiões.
domingo, agosto 23, 2009
JOSÉ VIANA - CACILHEIRO
Em homenagem a um grande artista da minha cidade de Lisboa, já falecido, e aos velhinhos barcos que faziam a ligação das margens da foz do rio Tejo.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 213
EPISÓDIO Nº 213
DE COMO UM PERSONAGEM ATÉ AGORA SECUNDÁRIO DESEMBARCA NA MARINETE DE JAIRO DECLARANDO-SE ANTUNES E HERDEIRO; NO QUAL SE FAZ IGUALMENTE REFERÊNCIA ÀS ASPIRAÇÕES SECRETAS DE FIDÉLIO E A UM GRANDE PLANO DE AMINTHAS.
Enganava-se o optimista Josafá ao afirmar que as outras partes ainda não haviam constituído advogado. Na mesma tarde daquela conversa, para ser exacto, no começo da noite., atraso devido a entupimento do carburador, desembarcaram da marinete dois outros bacharéis e ocuparam aposentos na pensão de dona Amorzinho, aliás os últimos quartos vagos, transformando-a num repositório de cultura jurídica, dando lugar e validade à gozação de Aminthas acerca do Congresso de Mestres de Direito.
A presença simultânea nas ruas de Agreste de três cultores das ciências legais, aves raras em terras do município há muitos e muitos anos – o único bacharel em direito a viver na cidade era o doutor Franklin; exercendo função pública, nunca praticara a advocacia – colocou em evidência a abundância de problemas provenientes da simples possibilidade de instalação, em comuna pobre e atrasada, de indústrias, poluidoras ou não. Não existe indústria que não seja poluidora, seu ignorante. Viram? Já começa a discussão!
Dando razão aos que defendem o progresso a todo o custo, imediatamente as terras se valorizaram uma enormidade. Senão as de todo o município, pelo menos as das margens do rio, próximas ao coqueiral de Mangue Seco, local previsto para a construção do complexo industrial da Brastânio. Especulação nascida de uma onda de boatos, anunciando o interesse de várias e diferentes fábricas que viriam a transformar em realidade aquele pólo industrial referido por Ascânio Trindade em histórico discurso quando da inauguração dos melhoramentos da Praça do Curtume (Praça Modesto Pires, a população não se habitua aos novos nomes).
A discutida propriedade do coqueiral, que trouxera à cidade o ilustre doutor Marcolino Pitombo com a bengala de castão de ouro, a astúcia e a envolvente simpatia, trouxe também o emproado doutor Baltazar Moreira e o galante doutor Gustavo Galvão, pelo qual suspiraram as moças do lugar.
Doutor Baltazar Moreira, gordo, respeitável papada, voz grave, estampa arrogante, veio de Feira de Sant’Ana a chamada de dona Carlota Antunes Alves – assim se passara a se assinar, com nome completo. Quem diz dona Carlota quer dizer Modesto Pires, a quem ela se associara, não tendo dinheiro com que sustentar causa na justiça. A Escola Ruy Barbosa, onde aprendem as primeiras letras os filhos dos abastados, rende-lhe o necessário para viver e a prudente professora não se dispõe a negociar sua casa própria para pagar advogado. Alguns amigos apontaram-lhe o exemplo de Jarde e Josafá, que se desfizeram de terras e rebanho; ela, porém, manteve-se firme. Mas tendo sido procurada por Modesto Pires, entrara em acordo com o dono do curtume sobre despesas e lucros. Em caso de lucros, o usurário ficaria com a parte de leão; em troca, concorreria com as despesas. De qualquer maneira, para dona Carlota, bom negócio: aquelas terras semi-alagadas do coqueiral jamais lhe haviam rendido um único tostão. Nem ao menos sabia possuir direitos sobre elas. Fora o doutor Franklin – grato à professora paciente, capaz de interessar Bonaparte no abc e na tabuada e de lhe dotar aquela caligrafia extraordinária – quem a informara, exibindo-lhe a vetusta escritura. Não o houvesse feito, dona Carlota continuaria a ignorar.
Enganava-se o optimista Josafá ao afirmar que as outras partes ainda não haviam constituído advogado. Na mesma tarde daquela conversa, para ser exacto, no começo da noite., atraso devido a entupimento do carburador, desembarcaram da marinete dois outros bacharéis e ocuparam aposentos na pensão de dona Amorzinho, aliás os últimos quartos vagos, transformando-a num repositório de cultura jurídica, dando lugar e validade à gozação de Aminthas acerca do Congresso de Mestres de Direito.
A presença simultânea nas ruas de Agreste de três cultores das ciências legais, aves raras em terras do município há muitos e muitos anos – o único bacharel em direito a viver na cidade era o doutor Franklin; exercendo função pública, nunca praticara a advocacia – colocou em evidência a abundância de problemas provenientes da simples possibilidade de instalação, em comuna pobre e atrasada, de indústrias, poluidoras ou não. Não existe indústria que não seja poluidora, seu ignorante. Viram? Já começa a discussão!
Dando razão aos que defendem o progresso a todo o custo, imediatamente as terras se valorizaram uma enormidade. Senão as de todo o município, pelo menos as das margens do rio, próximas ao coqueiral de Mangue Seco, local previsto para a construção do complexo industrial da Brastânio. Especulação nascida de uma onda de boatos, anunciando o interesse de várias e diferentes fábricas que viriam a transformar em realidade aquele pólo industrial referido por Ascânio Trindade em histórico discurso quando da inauguração dos melhoramentos da Praça do Curtume (Praça Modesto Pires, a população não se habitua aos novos nomes).
A discutida propriedade do coqueiral, que trouxera à cidade o ilustre doutor Marcolino Pitombo com a bengala de castão de ouro, a astúcia e a envolvente simpatia, trouxe também o emproado doutor Baltazar Moreira e o galante doutor Gustavo Galvão, pelo qual suspiraram as moças do lugar.
Doutor Baltazar Moreira, gordo, respeitável papada, voz grave, estampa arrogante, veio de Feira de Sant’Ana a chamada de dona Carlota Antunes Alves – assim se passara a se assinar, com nome completo. Quem diz dona Carlota quer dizer Modesto Pires, a quem ela se associara, não tendo dinheiro com que sustentar causa na justiça. A Escola Ruy Barbosa, onde aprendem as primeiras letras os filhos dos abastados, rende-lhe o necessário para viver e a prudente professora não se dispõe a negociar sua casa própria para pagar advogado. Alguns amigos apontaram-lhe o exemplo de Jarde e Josafá, que se desfizeram de terras e rebanho; ela, porém, manteve-se firme. Mas tendo sido procurada por Modesto Pires, entrara em acordo com o dono do curtume sobre despesas e lucros. Em caso de lucros, o usurário ficaria com a parte de leão; em troca, concorreria com as despesas. De qualquer maneira, para dona Carlota, bom negócio: aquelas terras semi-alagadas do coqueiral jamais lhe haviam rendido um único tostão. Nem ao menos sabia possuir direitos sobre elas. Fora o doutor Franklin – grato à professora paciente, capaz de interessar Bonaparte no abc e na tabuada e de lhe dotar aquela caligrafia extraordinária – quem a informara, exibindo-lhe a vetusta escritura. Não o houvesse feito, dona Carlota continuaria a ignorar.