De pé, cabeçudo, tagarela e nu…
Claro que estou a referir-me ao homem, nosso antepassado, naquilo que de essencial ele se distingue dos outros macacos.
Hoje, continuamos de pé, cada vez mais altos, com tendências para sermos mais cabeçudos, imensamente mais tagarelas e embora vestidinhos, às vezes a preceito, cada vez mais despidos de pêlos que já quase não servem para nada.
Em Pé
A posição erecta foi a primeira grande solução para o nosso sucesso sendo nós os únicos que adoptamos em permanência uma verdadeira posição vertical deslocando-nos com facilidade de maneira bípede.
Se nos quisermos comparar, neste aspecto, com os outros primatas que nos estão mais próximos, gorilas e chimpanzés, concluiremos o seguinte:
- No homem, 95% de bipedismo;
- No gorila, 70% de locomoção quadrúpede, 28% de escalada e 2% de bípede;
- No chimpanzé, 50% de locomoção quadrúpede, 40% de escalada e 10% de bipedismo.
No homem o tronco está direito e o centro de gravidade do corpo, situado ao nível da 5ª vértebra lombar, está a prumo com os pés e a coluna vertebral com grande flexibilidade é favorável à manutenção do equilíbrio geral.
A bacia é baixa, larga e orientada de modo a servir de suporte às vísceras.
Os ossos da coxa e da perna, o fémur e a tíbia formam respectivamente, ao nível da anca e do joelho, ângulos favoráveis ao equilíbrio do corpo sobre os membros posteriores.
Ao nível da estrutura do pé temos um dedo grande que se aproximou dos outros dedos e cuja curvatura fez assentar o peso do corpo sobre o calcanhar correspondendo perfeitamente aos imperativos da posição erecta e da locomoção bípede.
E por quê bípede?
O mundo dos macacos que existia até há cerca de 8 milhões de anos com o planeta coberto de florestas, sofreu alterações geológicas que acarretaram mudanças climáticas e por essa razão, em grandes zonas, as árvores deram lugar aos espaços abertos, as savanas e os animais que até aí viviam nas árvores tiveram que arranjar outras soluções e muito provavelmente, grande parte deles, extinguiram-se porque em termos de evolução esse é o desfecho mais provável quando, perante alterações bruscas, a adaptação por ser difícil, não é coroada de êxito.
As árvores eram um refúgio relativamente seguro e bem provido de alimentos e a sobrevivência na savana não foi tarefa fácil.
A posição erecta melhorou consideràvelmente a visibilidade no meio das ervas e essa terá sido a primeira grande vantagem da posição vertical.
A segunda foi, sem dúvida, a libertação dos membros superiores para outras tarefas que não a locomoção como, por exemplo, transportar os filhos ou alimentos.
Cabeçudo
O crânio humano é especial e distingue-se pelo seu volume considerável e pela sua abóbada sobreerguida que provoca a formação da testa inexistente nos macacos.
O rosto humano é pequeno em relação aos outros hominóides representando no homem moderno menos de 30% do volume craniano contra 120% no orangotango, gorila e chimpanzé e, por isso, o nosso nariz e queixo são salientes e os maxilares são curtos.
A espécie humana tem em média uma capacidade craniana de 1.300 centímetros cúbicos enquanto que, em média, essa capacidade é de 125, 350, 400 e 500 respectivamente para o gibão, orangotango, chimpanzé e gorila.
É certo que não se pode ligar automaticamente o volume e a massa do cérebro às capacidades intelectuais mas, relativamente aos homens comparados com os outros hominóides, o maior desenvolvimento do nosso cérebro foi a primeira grande “chave” que nos entreabriu a porta do sucesso.
O cérebro é um centro de tratamento de informações compreendendo um bilião de células, das quais 1.000 milhões são neurónios equipados com uma rede inextrincável de fibras e ligados entre si por mais de 500 biliões de minúsculas conexões, chamadas de “sinapses”.
Embora pese apenas 2% da massa corporal revela-se, no entanto, especialmente guloso por energia consumindo alegremente 18% de todo o oxigénio fornecido ao organismo.
É aqui, no cérebro que reside a sede do funcionamento do “espírito” o que permite à espécie humana (homo sapiens, sapiens) atribuir a si própria um lugar especial dentro do mundo dos seres vivos.
Tagarela
A utilização de uma linguagem articulada é característica da espécie humana e uma consequência do desenvolvimento cerebral mas depende, também, de uma série de disposições anatómicas particulares da região buco-faríngea.
A laringe, que corresponde à parte superior da traqueia, forma uma caixa vocal composta por várias cartilagens (maçã de Adão).
As paredes laterais, de um lado e doutro, possuem músculos membranosos elásticos que são as cordas vocais que actuam abrindo e fechando a glote permitindo, assim, a passagem de lufadas de ar que provocam vibrações acústicas.
Estes sons produzidos pelo funcionamento das cordas vocais são depois amplificadas ao nível da faringe, das fossas nasais e da cavidade bucal que actuam como se fossem caixas de ressonância ligadas umas às outras e de seguida moduladas pela acção da língua e dos lábios.
A linguagem foi muito importante para acelerar o pensamento e permitir a transmissão dos conhecimentos na passagem das gerações.
A interacção entre os homens aumentou e desenvolveu-se com a linguagem e através dela pudemos não só expressar tudo o que nos vai cá dentro, sentimentos, vontades, medos e dúvidas, como igualmente, assimilar o pensamento dos outros acelerando o processo de aprendizagem.
E Nu
Há toda a razão para descrever o homem como um “macaco nu” se nos lembrarmos dos pêlos espessos e abundantes dos seus primos hominóides. No fundo, talvez não seja tão nu como pode resultar dessa comparação pois, os nossos pêlos, sendo finos e mais curtos também lá estão.
Constituem uma característica sexual secundária e por isso só aparecem na puberdade e nos primórdios da humanidade, quando ainda não éramos homens mas já tínhamos deixado de ser macacos, os pêlos das axilas estavam associados a glândulas que reproduziam odores que tinham como objectivo atrair o sexo oposto.
Os pêlos pubianos na mulher servem como uma primeira barreira para proteger o sensível canal vaginal e nos homens, crê-se, que noutros tempos tenha tido como utilidade manter aquela região mais quente e protegida.
Outros pêlos protegem directamente orifícios do corpo tais como o nariz, ouvidos e olhos.
Contudo, sua função original era de protecção da pele contra as agruras do clima desempenhando também um papel importante na protecção e transporte das crias que, no caso dos nossos primos mais chegados, se agarram às mães através dos pêlos suficientemente fortes para neles se segurarem.
O homem supriu a necessidade destas duas funções começando por cobrir o corpo com as peles de outros animais enquanto que, relativamente ao transporte dos filhos, como já vimos, cedo libertou os braços da função locomoção para poder, entre outras coisas, transportar com eles os filhos.
Mas vamos agora olhar para o homem, considerá-lo com um olhar frio e expor seca e resumidamente o que vemos:
-À primeira vista, um indivíduo da espécie humana que tenha alcançado a idade adulta é antes de mais um bípede cuja estatura pode variar, segundo as regiões entre 1,30 e pouco mais de 2 metros nos homens e 1,20 e 1,85 nas mulheres com pesos que vão dos 35 aos 120 Kg não considerando os casos excepcionais.
- Se o virmos ao microscópio, este conjunto relativamente volumoso surge formado por cerca de 100 biliões de minúsculas unidades, as células, das quais existem cerca de 200 tipos diferentes. Algumas são permanentes e duram tanto tempo quanto o indivíduo do qual fazem parte, outras têm uma vida relativamente breve e são substituídas com regularidade. Todas estas células juntam-se para formar os tecidos e estes edificam órgãos que no seu total constituem o organismo.
- Tudo isto vai “embrulhado” numa embalagem formada por 3 a 4 metros quadrados de pele mais ou menos clara ou escura ou até transparente em alguns sítios como por ex. ao nível da córnea do olho.
- Sob o invólucro dissimula-se um esqueleto que dá ao conjunto um mínimo de firmeza e que é constituído por 206 ossos principais e no conjunto, para um ser humano com 80 kg, representam uma massa de menos de 15 kg.
- Por sua vez, o esqueleto serve de suporte a 600 músculos que no caso do homem representam 46% da massa corporal e na mulher 36%.
- O coração é um músculo que pesa mais ou menos 300 gramas e desempenha um papel muito importante porque controla o fluxo sanguíneo através do sistema vascular o que o obriga a uma média de 70 contracções por minuto.
- Na realidade, o corpo humano, contem apenas 4 a 7 litros de sangue por onde circulam 35.000 milhões de glóbulos brancos e 25 biliões de glóbulos vermelhos mergulhados num plasma proteico.
Ao longo de cada dia o coração bombeia 6.000 litros de sangue através de uma rede de vasos sanguíneos de vários milhares de quilómetros.
- A gordura representa uma reserva energética que na actual fase da vida da humanidade é excessiva tendo em conta as necessidades e representa 28% da massa corporal na mulher e 18% no homem.
- Dois pulmões, um estômago, dois rins, um fígado e um cérebro completam o conjunto mas, no total, o corpo humano é sobretudo água, 60% da massa corporal.
Agora, se quisermos ir ao âmago da questão, isto é, até ao nível atómico, podemos também imaginar um homem médio pesando cerca de 80 Kg como uma soma de 51 Kg de Oxigénio, 15 Kg de carbono, 8 Kg de hidrogénio e 2,5 de azoto tudo isto temperado com 1,5 Kg de cálcio, 950 g de fósforo, 300 g de enxofre, 200 de potássio, 100 de sódio, 50 de cloro e uma dezena de gramas de magnésio, ferro, flúor, zinco e cobre.
Para finalizar polvilha-se tudo com umas pitadas de iodo, cobalto, magnésio, molibdénio, cromo, selénio, vanádio, níquel, alumínio, chumbo, estanho, titânio, silício e até de arsénico…misturam-se muito bem todos estes ingredientes, mexe-se e remexe-se com muita paciência, durante muito tempo e talvez consiga encontrar o homem ou a mulher da sua vida...
Em homenagem a esse prodígio de resistência e teimosia em manter-se vivo ao longo de todas as vicissitudes da sua história de vários milhões de anos, que nos permite agora desfrutar da vida com todas as capacidades proporcionadas por esta maravilhosa máquina que é o corpo humano, dedico ao nosso antepassado a canção que se segue na voz excepcional do “tagarela” Frank Sinatra.