ENTREVISTA Nº 43
Raquel – A nossa unidade móvel deslocou-se hoje para sul da cidade de Jerusalém… um barranco que é conhecido como o Vale de Gehenna. Acompanha-nos, como nos dias anteriores, Jesus Cristo que caminhou por estes lugares quando não estavam tão povoados como agora…
- Como vê isto, muito mudado?
Jesus – Muitíssimo, Raquel. É que Jerusalém, então, era muito pequena… cabia toda dentro das suas muralhas. E aqui era a lixeira.
Raquel – A lixeira?
Jesus – Sim, a lixeira da cidade. Vês esta porta? No meu tempo chamava-se Porta do Lixo. Por aí saíam as vizinhas ao entardecer e atiravam fora as sobras da comida, ramos secos, animais mortos… depois, um queimador das imundices, regava tudo com enxofre e zás… deitava-lhe o fogo… fogo e enxofre!
Raquel – Escutando-o, a nossa audiência recordará as descrições do inferno…
Jesus – Tu acabaste de o dizer. Desse braseiro nasceu a mentira do inferno. E agora, vendo aquilo que vejo nos dias de hoje, dou-me conta de que é a maior de todas as mentiras, a que mais danos provocou aos filhos e filhas de Deus.
Raquel – Qual foi essa mentira tão daninha?
Jesus – O inferno.
Raquel – Mas não foi o senhor mesmo que pregou sobre o inferno?
Jesus – Eu preguei o amor a Deus.
Raquel – Talvez se tenha esquecido mas em várias ocasiões o senhor referiu-se ao “pranto e ranger de dentes” que haverá no inferno…
Jesus – É que quando me indignava vendo tantas injustiças eu dizia: “vale mais entrar manco, coxo ou cego no reino de Deus do que te queimem juntamente com o lixo de Gehenna… eu referia-me a esta lixeira.
Raquel – Seja como for, por que é que o senhor disse que o inferno é a maior das mentiras?
Jesus – Porque não existe nem nunca existiu.
Raquel – Dá-se conta do que está dizendo?
Jesus – Claro que me dou conta.
Raquel – Um momento, senhor Jesus Cristo. Se os meus dados estiverem correctos, crer no inferno é uma obrigação de fé. Aqui o tenho, ano de 1123, Concílio de Latrão e mais recentemente o Papa Bento XVI.
Jesus – Pois, e eu digo o contrário. Não se pode acreditar em Deus e no inferno.
Raquel – Por que razão?
Jesus – Porque Deus é amor. Como podes pensar que Deus tenha preparado um calabouço de torturas, um lugar de tormentos infinitos para castigar os seus filhos desobedientes? Esse não seria Deus… seria Herodes.
Raquel – Então Deus não castiga os pecadores?
Jesus – Deus é como aquele pai que tinha dois filhos. Um era bom, cumpridor, o outro, um malandro. No fim, o pai recebeu os dois, ao bom e ao pródigo.
Raquel – E tanto canalha que há por esse mundo… os que fazem as guerras, que matam inocentes, que torturam… vão ficar sem castigo?
Jesus – Deixa isso nas mãos de Deus. Ele saberá o que fazer com esse lixo. Mas tu, quando o teu coração condena não penses em nenhum inferno. Recorda que Deus é maior do que o teu coração e compreende tudo.
Raquel – Que diz a nossa audiência? Há ou não inferno, há ou não castigos eternos? O tema é candente e parece-me que Jesus Cristo não terá dito tudo sobre ele.
Continuem connosco. Desde o inferno, quero dizer, desde o vale de Gehenna, Raquel Perez, emissoras Latinas.
NOTA
O Vale de Gehenna – Este vale rodeia a cidade de Jerusalém por oeste. Aqui se ofereciam sacrifícios humanos ao deus pagão Moloc fazendo com que os profetas maldissessem este vale.
Uns 2.000 anos A.C. era crença popular que ali estaria situado um inferno de fogo para os condenados pelas suas más acções e, por ser um lugar desacreditado e maldito, este vale foi destinado a um braseiro público dos lixos da cidade de Jerusalém.
O Abismo Sheol – Durante séculos, o povo de Israel não acreditava em nenhum inferno. Em vez dele, acreditava que quando a vida terminava no mundo visível, os mortos desciam ao “sheol”, que era um lugar situado nas profundezas da terra ou debaixo das águas onde maus e bons se misturavam e desfaziam sem que estivessem sujeitos a prazeres ou a dores… simplesmente desfaziam-se.
Este “sheol” é mencionado 65 vezes no Antigo Testamento como um lugar triste onde não havia esperança de mudança. Os babilónicos também acreditavam num lugar parecido e até mesmo o livro do Apocalipse o refere.
O dogma do inferno deve-se mais a crenças de alguns povos da antiguidade e suas filosofias do que a textos bíblicos.
O Fogo do Inferno – O fogo de Gehenna aparece muitas vezes citado por Jesus e foi sempre traduzido, e mal, por “fogo do inferno”. Ao longo da Idade Média, a crença no inferno como um lugar de fogo real era geral entre os teólogos católicos. Em 1123, no Concílio de Latrão, a crença no inferno foi imposta como um dogma da fé, advertindo o Concílio que quem o negasse seria réu de prisão, tortura e até de morte. No Século XIII, Tomás de Aquino, opôs-se mesmo aos primeiros padres da Igreja que atribuíam ao fogo do inferno um sentido metafórico e afirmou como uma certeza Teológica que o fogo era real.
Mais recentemente, o Vaticano falou sobre esse “fogo” advertindo que ele não deveria ser entendido como um fogo real, que queimasse… flexibilidade doutrinal?...
Vejamos o que disse o Cardeal Ratzinger, hoje Papa, quando em 1979, na qualidade de Presidente da Congregação para a Doutrina e Fé, escrevia:
- “… ainda que a palavra “fogo” seja apenas uma “imagem” ela deve ser tratada com todo o “respeito”.
Que queria dizer, aquele que hoje é Papa, quando utilizou a palavra “respeito”? – Com muita probabilidade seria sinónimo de “medo”. E não é descabido pensar isso quando, ao longo da história da Teologia, as “chamas do inferno”, suas “caldeiras fervendo” e os seus “fogos crematórios” estiveram sempre presentes em prédicas e catequeses fazendo sofrer desnecessária e inexplicavelmente gerações e gerações de crianças e adultos dando, com isso, uma imagem horrível de Deus e totalmente deformada do que Jesus quis ensinar.
Em Março de 2007,Bento XVI, preocupado pelo relativismo de uma certa “modernização doutrinal” quis de novo acentuar a crença no inferno:
- “Jesus veio ao mundo para nos dizer que queria a todos no Paraíso e que o Inferno, de que pouco se fala no nosso tempo, existe e é eterno para os que fecham o coração ao seu amor”…
Baixou aos Infernos – A ideia de um céu e de um inferno – incluindo o purgatório e até o limbo (para onde vão as crianças que morrem sem serem baptizadas) - são lugares concretos com uma tradição arreigadíssima na Teologia Cristã mais tradicional.
Os verdadeiros “infernos” a que Jesus baixou foram os calabouços da Torre Antónia de onde foi levado para ser cruelmente torturado pela tropa romana antes de ser condenado à morte.
Estes “infernos” existiram no seu tempo e continuam a existir hoje: campos de concentração, câmaras de gás, prisões clandestinas e celas onde seres humanos são torturados e mortos desaparecendo para sempre de seus familiares e amigos.