Nós, os portugas...
Nós, os portugueses, somos um povo
sui-generis.
Andei pelos confins de África, como militar, aquando da guerra colonial, na fronteira leste de Angola, “nas
raias com a islaterra”, que seria, então ,a Rodésia do Norte, no dizer de um colono transmontano ali instalado, em
carta para a mulher que haveria de chegar mais tarde, e conheci portugueses onde não
poderia ter visto nenhum outro europeu.
Um deles, impossível não o recordar,
ainda jovem e elegante, de camisa imaculadamente branca, atrás do balcão da sua
loja, que se sentava em cima dos calcanhares, na cubata do soba, velho e
desdentado, e entendia-se com ele no dialecto local, tão bem que eu, se
fechasse os olhos, não saberia quem falava.
Agora, vai o Éder, nascido na Guiné mas
português pela criação, que é o que interessa, e faz de nós Campeões Europeus
de Futebol, sendo que este desporto é o que sempre foi jogado pelos miúdos nas
ruas e que são levados pelos “mirones” para os Clubes, como foi com o Ricardo
Sanches, nascido em São Tomé,
e que brincava à bola nas ruas do Bairro da Musgueira, como o Eusébio, muitos
anos antes, nas ruas de um bairro de Lourenço Marques e que, anos mais tarde,
choraria lágrimas que correriam mundo por ter perdido com a Inglaterra, em
1966, na Campeonato do Mundo, com a camisola do seu Portugal.
Isto só é possível porque nós, sendo
portugueses, somos também cidadãos do mundo, estamos bem em qualquer lado,
pertencemos a qualquer sítio ,alimentados pelas saudades da nossa terra.
Nascidos há muitos séculos aqui no extremo da Europa, “onde a terra acaba e o
mar começa”, como dizia o nosso grande Camões, que também só podia ser português,
estávamos sempre dentro e fora, saíamos e entrávamos. Éramos portugueses mas um
bocadinho, também, de qualquer outra coisa, tantas as pessoas que iam e vinham,
que por aqui passavam e muitas até ficavam.
Nunca poderíamos ser como os franceses,
metidos lá no centro da Europa, chauvinistas, antipáticos e sobranceiros... seria
impossível!
Gostam de humilhar os portugueses, não vendo neles outra coisa que não sejam porteiras de prédio e serventes de pedreiro e fazendo de conta que nunca ouviram falar de outros, que conhecem muito bem e até admiram, como o Lobo Antunes, Amadeu Sousa Cardoso, Eduardo Lourenço, Manoel de Oliveira, ou de Carlos Tavares, lisboeta e presidente da Peugeot/Citroen.
A França recebeu vagas de portugueses, e porque essa é a história das suas vidas, desempenharam o papel de pessoas
humildes, trabalhadoras e disciplinadas, e sempre com amor, porque, de todos os
imigrantes que chegaram a França, foram eles os que mais se casaram com
francesas, como nos disse o antropólogo Emmanuel Tod.
Não foi, portanto, só com as “pretinhas”
dos confins de África. Metemos nos nossos corações também as francesas e todas
as mulheres de qualquer lugar do mundo porque, onde chegamos, passamos a ser de
lá, falamos como eles, comportamo-nos como eles, imitamo-los, e tudo de forma
pacífica como se demonstrou, mais uma vez em França, com a mais baixa taxa de criminalidade de
todos os estrangeiros, ou não fosse o nosso D. Afonso Henriques filho do conde
Henrique de Borgonha, francês, como se vê.
Isto, para não dar fé às más línguas
da história que dizem, que por ter ele nascido débil e fraquinho, foi trocado por Egas Moniz, seu tutor, pelo filho de um pastor
transmontano, forte e espadaúdo, ou então, numa outra versão, pelo filho do próprio
Egas Moniz... mas, se é verdade que ele nasceu com debilidades físicas, como diz a história, difícil
é de acreditar que se tenha tornado no cavaleiro temível em que se viria a
transformar...
Parece, igualmente certo, do ponto de vista da verdade histórica, que ele foi criado com os restantes filhos de Egas Moniz como se fossem irmãos sem que a mulher fizesse diferença entre eles no tratamento.