sábado, julho 16, 2016

A violência ditada pela religião
Radicalização 

Islâmica

















É este o fenómeno que explica o assassínio de pessoas inocentes, quer os criminosos sejam “lobos solitários” ou grupos organizados.

Sou ateu e considero que a crença é um vírus que se instala no nosso cérebro, quase sempre inofensivo para os outros, nunca para os próprios porque lhes condiciona toda a vida.

Mas, como tudo ao que o homem respeita, nada é simples, linear, ou pode ser medido pela mesma bitola.

Jesus da Nazaré, terá sido, no seu tempo, mais um profeta numa época difícil em que o povo vivia sob a exploração e humilhação do exército romano, que transmitia uma esperança acrescida de vida.

Teria ficado na ignorância da história, como tantos outros, se Paulo não tivesse divulgado a sua mensagem sob a forma de uma religião universal.

Na base da sua mensagem, o amor, a igualdade e a liberdade, ideias força da religião cristã, transmitida pela palavra persuasiva.

Muito mais tarde, missionários facciosos, utilizaram outros processos, porque o vírus da religião têm um enorme grau de perigosidade mas, não foi essa a sua génese.

Maomé, não era profeta, mas sim, comerciante, líder de tribos desunidas que ele uniu pela força até que um dia, inspirado por Abraão e Jesus, também subiu à montanha onde, igualmente, Deus lhe terá falado.

A partir daí passou a ser profeta e, utilizando processos já seus conhecidos a quando da união das tribos, impôs a religião pela lei da espada... Quem não se convertia era morto.

O Papa resignado, Bento XVI, numa palestra que deu numa universidade, ainda antes de ser Papa, chamou a atenção para a génese violenta da religião islamita. Depois pediria desculpa.

Estas acções violentas que matam, cruel e indistintamente, centenas de pessoas, são da responsabilidade de um pequeno grupo radical de seguidores de Maomé, da facção sunita, os jihadistas, que fizeram do Corão uma interpretação extrema que leva aos infiéis a morte e o extermínio, numa última fase a toda a humanidade.

O resultado é este que se vê.

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 43























Compostela, dezembro de 1132




Uma bela rapariga rezava, compenetrada e solitária, num canto da grande catedral de Compostela e por várias vezes, Afonso VII, tentou cruzar o seu olhar com o da beldade, mas não foi bem sucedido porque, a absorta moça, nada ligava ao que se passava à sua volta.

O rei de Castela, Galiza e Leão viera ali para pedir a ajuda divina nas muitas guerras que enfrentava. A sul de Toledo tinha de suster os berberes do califa Ali Yusuf.

A leste mantinha-se intensa a contenda com o antigo marido de sua mãe, Dona Urraca, o rei Afonso I de Aragão, que lhe disputava a hegemonia peninsular.

Por fim, a oeste, havia o sempre irrequieto Afonso Henriques, que persistia em recusar-lhe vassalagem e construíra um novo castelo em plena Galiza, na povoação de Celmes.

Alem disso, também o perturbava a divisão religiosa da Igreja de Roma, o cisma grave verificado quando Anacleto recusou a eleição de Inocêncio II para Papa, disputando-lhe o trono de São Pedro.

O monarca Leonês apoiara o Antipapa, na esperança de que vencesse o conflito, mas as querelas agudizavam-se e Anacleto exigia que ele proibisse os “monges apostólicas”, que por toda a península se começavam a instalar.

Como se tudo isso não fosse já suficiente, Berengária de Barcelos, sua esposa há quatro anos, mostrava-se incapaz de engravidar.

Sem qualquer herdeiro para exibir, Afonso VII começava a sentir a pressão da paternidade, matutando já numa possível alternativa a tanta esterilidade e certamente por isso se alvoraçava com a visão daquela magnífica rapariga.

Os cabelos loiros e os olhos verdes da moça tinham feito trepidar as suas entranhas masculinas, o que era coisa rara, pois Afonso VII sempre de mostrara contido e de reputação intocável, para assim esbater a desvairada herança materna.

Dona Urraca coleccionara inúmeros amantes e o seu inconstante útero multiplicara os problemas nos territórios cristãos onde reinava.

Não querendo repetir tais desgraças, Afonso VII impusera a si próprio o recato e evitava galantear as senhoras.

Porém, pela primeira vez e perante tal visão celestial, o monarca leonês sentiu-se tentado a meter conversa. Mas foi tanta a hesitação que, quando finalmente já se tinha decidido, viu que a beldade se levantava, sempre de olhos no chão e com um ar tristíssimo, desaparecendo entre as gentes que rezavam na catedral.

Angustiado, Afonso VII sentiu que alguém tinha apagado a luz que o ofuscara e uma breve angústia assolou-o, como se tivesse perdido a oportunidade de uma vida.

sexta-feira, julho 15, 2016

Mortos em Nice
Um dia Não


















Hoje é um dia Não. Para mim e para uma imensidade de pessoas, franceses ou sem serem franceses, e aquilo que eu pergunto, é se este é o preço que temos de pagar para viver em sociedade. Se for, então, o melhor será arranjar uma casinha isolada no cimo de um monte...

Anteontem em Paris, ontem em Nice, dezenas de pessoas foram mortas por jovens criminosos desequilibrados, que roubam a vida a pessoas anónimas, simples transeuntes, a troco das suas próprias vidas, numa espécie de jogo em que eles tiram a vida a uns para outros tirarem as deles.

Eu li, aqui há dias, a opinião de um especialista que, relativamente a estes jovens, avançava a ideia de que eles seriam indivíduos desmotivados, sentindo-se inúteis, incapazes de aceitar o desenrolar normal das suas vidas, impotentes para alterar seja o que for.

Entram nestas associações de objectivos ambiciosos de pseudo liderança da sociedade pelo terror, assassínio e suicídio, deixando atrás de si rastos de sangue, único sinal das fracassadas passagens das suas vidas por este mundo, para desespero dos familiares e amigos das suas vítimas.

Sinto-me deprimido perante a impotência das autoridades para lutarem contra este inimigo que vive nas redes sociais, refugiando-se a coberto das leis como se fossem cidadãos normais, muitas vezes já identificados, assinalados pela sua potencial perigosidade, mas que, enquanto não matarem, nada se lhes pode fazer...

François Hollande, fala agora em mexer nas leis porque é óbvio que, senão o fizerem, as autoridades a quem compete defender os cidadãos, estarão indefesas, manietadas, ao sabor da iniciativa destes jovens criminosos, porque é necessário actuar antes deles matarem, desrespeitando a actual lei...

São casos e situações de carácter excepcional que deverão ter, também, um tratamento excepcional.

Já lã vão os tempos do Zé do Telhado que, dizem, roubava aos ricos para dar aos pobres. Jaz em Angola para onde foi desterrado, e os tempos dos gangsters americanos, do Alcapone, que sendo um reconhecido assassino foi preso por motivos fiscais...

Depois, chegarem os crimes de colarinho branco, praticados por pessoas incapazes de fazerem mal a uma mosca.

Agora, aparece esta gente, estranha, que mata por atacado, mata por matar, quantos mais melhor, sem que se perceba por quê e para quê, desprendidos das suas próprias vidas, desinteressados de bens materiais e que baralham a nossa capacidade de entendimento.

- Vamos continuar à sua mercê? – Parece que sim. A simples vigilância e desconfiança não permite à polícia actuar e quando os prendem ou matam, já eles, primeiro, fizeram as suas matanças.

Vamos, pois, simplesmente, continuar a reagir enterrando e chorando os mortos... e eu vou continuar deprimido.

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 42





















Zaida desejava regressar para junto de sua mãe e de seu pai ambos enterrados no pequeno mausoléu onde estavam também depositados os restos mortais do avô das raparigas, Hixam III, o último califa de Córdova.

 - Levai-me para lá Mem querido – insistira Zaida.

Fora aquele segundo, Mem querido que precipitara o momento. Zaida tirara o vestido e entrara na água nua. O almocreve fizera o mesmo e, já dentro da piscina, enlaçara o corpo dela, enquanto fechava os olhos e se recordava de Zulmira. As mãos que o tocavam agora pareciam as dela.

- Sois tão bela como a vossa mãe – murmurou ele.

Zaida sorrira-lhe e dissera:

 - Eu sou a minha mãe.

O almocreve permaneceu de olhos fechados imaginando o que era mesmo que era mesmo Zulmira que estava ali, já longínquo, encostada à borda da piscina, de costas para ele.

- Eu sou a minha mãe -  repetira Zaida.

Mem encaixara-se nela e de repente recordava-se de que da outra vez tinham sido interrompidos pelo berro de Fátima, vindo da rua.

Agora, não havia ninguém a gritar, mas a lembrança perturbou-o.

Coração alarmado, coito parado...

Se Zaida era Zulmira, não podiam continuar na piscina, pois ali nada mais acontecera a não ser uma interrupção desagradável das carícias.

 - Vamos – dissera então Zaida sentindo o mal -  estar dele.

A rapariga dirigira-se ao corredor e Mem ouvira-a nos seus afazeres íntimos, enquanto se secava. Avançara depois até uma pequena salinha onde existia um colchão e Zaida viera ter com ele, sorrindo e já pronta.

Mem abraçara-a de novo e beijara-a na boca e fechara os olhos e vira a mãe dela.

Mãe amorosa, filha dengosa...

Fora ali que Zaida o tentara enganar, gemendo de dor e mostrando os vestígios da quebra da virgindade no colchão. Mem sorrira e agradecera-lhe ter cumprido a jura que um dia lhe fizera.

Mesmo sabendo que ela o enganara, não valia a pena estragar o momento e mostrara-se encantado.

Tal como um dia fizera a Zulmira, prometera a Zaida ser seu criado, o seu anjo da guarda, o seu soldado mais feroz que a poria a salvo de qualquer demónio, com uma lealdade cega que não exigia qualquer contrapartida.

Infinitamente grata, Zaida comovera-se com tanta dedicação e entregara-se novamente com doçura e atrevimento, levantando para ele as nádegas.

Rabo arqueado, menino consolado...


Mais tarde, Mem a deixou em casa, sabia que por causa daquela bela moura iria a Lisboa, a Córdova, ao fim do mundo, se fosse preciso, mas nunca esqueceria o seu estatuto menor.

Podia tomá-la como um dia fizera a Zulmira, mas nunca seria mais do que um leal amigo, pois, tal como a mãe, Zaida era uma princesa e as princesas não casavam com almocreves.

quinta-feira, julho 14, 2016

Nós, os portugas...





















Nós, os portugueses, somos um povo sui-generis.

Andei pelos confins de África, como militar, aquando da guerra colonial, na fronteira leste de Angola, “nas raias com a islaterra”, que seria, então ,a Rodésia do Norte, no dizer de um colono transmontano ali instalado, em carta para a mulher que haveria de chegar mais tarde, e conheci portugueses onde não poderia ter visto nenhum outro europeu.

Um deles, impossível não o recordar, ainda jovem e elegante, de camisa imaculadamente branca, atrás do balcão da sua loja, que se sentava em cima dos calcanhares, na cubata do soba, velho e desdentado, e entendia-se com ele no dialecto local, tão bem que eu, se fechasse os olhos, não saberia quem falava.

Agora, vai o Éder, nascido na Guiné mas português pela criação, que é o que interessa, e faz de nós Campeões Europeus de Futebol, sendo que este desporto é o que sempre foi jogado pelos miúdos nas ruas e que são levados pelos “mirones” para os Clubes, como foi com o Ricardo Sanches, nascido em São Tomé, e que brincava à bola nas ruas do Bairro da Musgueira, como o Eusébio, muitos anos antes, nas ruas de um bairro de Lourenço Marques e que, anos mais tarde, choraria lágrimas que correriam mundo por ter perdido com a Inglaterra, em 1966, na Campeonato do Mundo, com a camisola do seu Portugal.

Isto só é possível porque nós, sendo portugueses, somos também cidadãos do mundo, estamos bem em qualquer lado, pertencemos a qualquer sítio ,alimentados pelas saudades da nossa terra.

Nascidos há muitos séculos aqui no extremo da Europa, “onde a terra acaba e o mar começa”, como dizia o nosso grande Camões, que também só podia ser português, estávamos sempre dentro e fora, saíamos e entrávamos. Éramos portugueses mas um bocadinho, também, de qualquer outra coisa, tantas as pessoas que iam e vinham, que por aqui  passavam e muitas até ficavam.

Nunca poderíamos ser como os franceses, metidos lá no centro da Europa, chauvinistas, antipáticos e sobranceiros... seria impossível!

Gostam de humilhar os portugueses, não vendo neles outra coisa que não sejam porteiras de prédio e serventes de pedreiro e fazendo de conta que nunca ouviram falar de outros, que conhecem muito bem e até admiram, como o Lobo Antunes, Amadeu Sousa Cardoso, Eduardo Lourenço, Manoel de Oliveira, ou de Carlos Tavares, lisboeta e presidente da Peugeot/Citroen.

A França recebeu vagas de portugueses, e porque essa é a história das suas vidas, desempenharam o papel de pessoas humildes, trabalhadoras e disciplinadas, e sempre com amor, porque, de todos os imigrantes que chegaram a França, foram eles os que mais se casaram com francesas, como nos disse o antropólogo Emmanuel Tod.

Não foi, portanto, só com as “pretinhas” dos confins de África. Metemos nos nossos corações também as francesas e todas as mulheres de qualquer lugar do mundo porque, onde chegamos, passamos a ser de lá, falamos como eles, comportamo-nos como eles, imitamo-los, e tudo de forma pacífica como se demonstrou, mais uma vez em França, com a mais baixa taxa de criminalidade de todos os estrangeiros, ou não fosse o nosso D. Afonso Henriques filho do conde Henrique de Borgonha, francês, como se vê.

Isto, para não dar fé às más línguas da história que dizem, que por ter ele nascido débil e fraquinho, foi trocado por Egas Moniz, seu tutor, pelo filho de um pastor transmontano, forte e espadaúdo, ou então, numa outra versão, pelo filho do próprio Egas Moniz... mas, se é verdade que ele nasceu com debilidades físicas, como diz a história, difícil é de acreditar que se tenha tornado no cavaleiro temível em que se viria a transformar...

Parece, igualmente certo, do ponto de vista da verdade histórica, que ele foi criado com os restantes filhos de Egas Moniz como se fossem irmãos sem que a mulher fizesse diferença entre eles no tratamento.

TIETA DO AGRESTE
(Jorge Amado)

EPISÓDIO Nº 172




























Também Tieta esconde um sorriso ao contar do caibro escapando-lhe das mãos. Adorado caibro, além dos lábios e dentes vorazes; a juventude, a areia, as ondas. Ah!, o amor na praia, na fímbria do mar, carícia de espumas. Anjo revel, terei forças para desprender-me dos teus braços e partir?

Sob a canícula do começo da tarde, pai e filha sobem as dunas, em silêncio, ela pensando nas sublimes estrepolias de Ricardo, ele buscando a palavra precisa para colocar a premente questão. Resolve-se:

- Tenho um pedido a te fazer, minha filha.

- Peça, meu pai que, se eu puder, atendo, vosmicê sabe.

- É a coisa que mais desejo no mundo mas tu tem sido tão boa comigo, tem me dado tanta satisfação que fico com medo de abusar. – Ora, pai, deixe disso, que vosmicê nunca foi de cerimónias. Quando vosmicê queria uma coisa só não pedia se pudesse tomar. Vá peça.

Diante deles se abre passo a passo a paisagem violenta, fascinante e infinita. Naquele mar-oceano pai e filha temperam a alma, crestaram a pele ao contacto do vento de areia, cortante fio de punhal. O cajado, inútil no chão movediço, atrapalha mais que ajuda na subida. O Velho sente o esforço, já não possui a agilidade e a resistência de antes quando, atrás de raparigas, escalava os cômoros a correr e saltava sobre as pedras dos cabeços para segurar e montar cabras em cio, não lhe bastando a mulher jovem e bonita trazida dos roçados. Ainda assim avança sem se queixar do escaldante sol de verão, o pensamento no pedido e na resposta.

Lá em cima, depois de contemplar por instante o panorama insólito, sentam-se sobre uma palma de coqueiro. Tieta se ajeita para encobrir outra mancha ainda maior. Felizmente a ventania varreu a marca dos corpos sobre a areia e na praia o mar lavou a lembrança nocturna dos embates. Imagine vosmicê, Pai, sua filha e seu neto na descaração. Assim como eu vi vosmicê se pondo nas cabras.

Tu bem sabes minha filha que passei a vida criando cabras. Depois que tu partiu as coisas desandaram, acho que foi castigo de deus – coça a cabeça, a areia incrusta-se nos cabelos brancos e crespos, duros capuchos de algodão – por minha ruindade te botando para fora de casa. Só pode ter sido.

- Não fale nisso, Pai. Ninguém se lembra mais, esqueça também.

- Castigo, sim. Acabei perdendo tudo e se tu não tivesse vindo em meu auxílio, ia acabar mendigando porque se dependesse de Perpétua eu morria de fome e Elisa não tem onde cair morta. Tu me deu de um tudo mas, antes que Deus me chame, queria ainda ter uma alegria, além dessa de te ver que eu não merecia.

Pai pare com essas galantezas, não são de seu feitio nem precisa me gabar tanto. Diga logo qual é essa alegria que vosmicê tanto deseja. Se eu puder lhe satisfaço.

- Poder você pode não sei se vai querer. Como lhe disse dou a vida por meio metro de terra e um casal de cabras. Um casal, três ou quatro, meia dúzia e já é demais, dá para ocupar meus dias.

- Se bem entendo, vosmicê quer ter outra vez, uns alqueires de terra e umas cabeças de cabras, é isso?

- E mais um bode, um bodastro bem inteiro, parecido com Inácio, tu te recorda dele? Nunca mais houve um bode igual em Agreste.

- Se me recordo? Botei o nome dele na minha biboca: Curral do Bode Inácio. Ele não atendia a ninguém, nem a vosmicê, mas vinha comer na minha mão. Então, o Pai quer terá e rebanho, de novo. A gente pode pensar nisso. Ou vosmicê já tem alguma coisa em vista e veio de trato feito?

- Ninguém lhe pode esconder nada, minha filha, você nasceu inteligente, saiu a mim. Elisa é tola, saiu a Tonha. Perpétua é enrolona e tratante…

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 41




















Como conhecia as ruínas por ter passado lá perto várias vezes nas suas viagens comerciais, Mem podia juntar-se ao cordovês na velha povoação, à procura da relíquia do conde Henrique.

- Para quê perder tempo? – ripostara Zaida – Se Sohba onde está o tesouro é mais fácil descobri-la em Lisboa e levá-la a Sellium.

E estaria Sohba em Lisboa? Ao falar dela Mem sentiu saudades. Nutria um verdadeiro sentimento de gratidão para com aquela misteriosa e idosa senhora de negro.

Depois do que haviam passado juntos, mantivera-se vivo um elo de forte cumplicidade entre eles. Mem era o único que não lhe chamava bruxa nem a temia.

- Sohba gosta de vós – reconhecera Zaida com um sorriso meigo e já prometedor, acrescentando – como todas as mulheres...

Porém, o almocreve temia os riscos da aventura. Equilibrar-se naqueles tempos duvidosos era uma arte difícil.

- Há guerras na Andaluzia. Afonso VII combate os mouros e estes lutam entre si. Irem para Córdova agora é arriscado – recordara.

Sem qualquer sinal de desânimo, Zaida contrapusera o argumento de que Zakharia era um grande combatente, seria capaz de as levar até lá sãs e salvas.

Além disso, o governador de Córdova, chamado Ismar, um árabe andaluz que odiava os berberes e o califa Ali Yusuf, certamente as iria receber de braços abertos no Azzahrat.

Tudo é frágil nestes tempos – murmura Mem, preocupado.

Sentindo-o hesitante, Zaida encostara-se a ele, o seu peito tocando-lhe no antebraço. Mem escutara o coração a acelerar. Recordava os seios cheios dela, pressionados contra as costas dele e relembrara-se da primeira vez que os tinha beijado.

Fora ali mesmo, naqueles banhos públicos à porta dos quais estavam agora.

Memória quente anima a gente.

Como fazia muito calor, Mem sugerira que entrassem no local que em breve seria destruído devido à construção do mosteiro de santa Cruz.

Porém, ao verem várias pessoas lá dentro, Zaida deduzira que os cristãos não iriam aceitar tais liberdades em público.

- É melhor voltarmos à noite – dissera ela.

Mem prometera então descobrir quem roubara o punhal de casa das irmãs e dirigira-se às portas da cidade, à Sé e à alcáçova fazendo aqui e ali discretas perguntas, ficando a saber que no dia do assalto á casa das mouras, Ramiro havia chegado de manhã a Coimbra, trazendo à pendura o Velho, que, no entanto, já não acompanhara o jovem templário de regresso a Soure.

Ao princípio da noite, Zaida regressara e depois de Mem revelar que o autor devia ter sido o Velho, os dois dirigiram-se de novo aos banhos públicos e haviam, entrado, avançando até próximo da piscina onde, anos antes, ambos se tinham banhado com Zulmira.

Nesse momento, a nostalgia invadira Mem, que suspirara.

 - Que foi? – perguntou Zaida.

O almocreve murmurara:

 - Todos os dias me lembro de vossa mãe.

Zaida comovera-se e chorara durante algum tempo, encostada ao ombro dele.

Por fim, limpara as lágrimas ao lenço e desabafara:

 - Não aguento mais esta cidade.

A sua vontade de regressar a Córdova, uma de onde tinha saído em criança, era suplantada pelo irresistível desejo de fuga de Coimbra, onde as recordações da mãe lhe eram insuportáveis.

- Tirai-me daqui, Mem, por favor! - pedira

quarta-feira, julho 13, 2016

Para os adultos aprenderem...
O Momento

mais lindo....

















O jogo tinha acabado, a França perdido, e os franceses, anestesiados pela surpresa, desgosto e o sabor amargo da derrota, só lhes restava chorar.

Foi o que fez um espectador francês que não resistiu à emoção e afastou-se em lágrimas sem ter compreendido o que lhe aconteceu... até que um menino português, de uns dez anos de idade, se aproximou com pudor, receoso, lhe pegou na mão para o consolar e quando o francês, reconhecido, parou para o abraçar, ele disse-lhe ao ouvido:

 - “Vocês jogaram bem, mereciam ganhar, só que o Patrício não deixou...”.

Coisa maravilhosa!

Naquele momento e naquela situação, o que de melhor ocorreu àquele menino português, de dez anos, fazer, com humildade e ternura, foi consular um adulto francês desgostoso, como que a pedir-lhe desculpa por ter ganho.

Esta cena ficou gravada, por sorte, e milhões de pessoas puderam vê-la e aprender com ela, ouvindo mais tarde aquela criança, já em entrevista na sua casa, dar uma autentica lição de moral ao mundo, especialmente àqueles franceses chauvinistas, que são antipáticos e sobranceiros, pelo menos com os portugueses, que se habituaram a desconsiderar por insistirem em ver neles apenas serventes de pedreiro e porteiras de prédio.

Reagiram à derrota da França dizendo mal da vitória dos portugueses e dificilmente poderia ter sido de outro modo, de acordo com aquilo que relatam os profissionais da Comunicação portuguesa que lá estiveram e acompanharam o desenrolar do evento.

Aquela criança, pelo seu comportamento, é esperança do mundo no futuro, e mesmo que essa esperança venha a ser gorada, como acontece quase sempre ao que é de muito bom e bonito no relacionamento dos homens, foi reconfortante tê-la conhecido.

O golo de calcanhar do Ronaldo e o da vitória do Éder, foram quase tão bonitos como o seu gesto...

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)






Episódio Nº 40




















A verdade que a possuíra e seria deselegante não se sentir grato, arruinando a tórrida noite com perguntas inconvenientes.

Zaida era bela e dona de um corpo glorioso, dos melhores que lhe haviam passado pelas mãos, e adorou tê-la tomado, finalmente, por inteiro.

No passado tinham estado juntos, mas sempre a três, na presença de Zulmira. Respeitando o seu papel secundário, Zaida deixara-o sempre para a mãe.

Havia-o beijado e sido beijada por ele, mas o almocreve nunca se metera dentro dela, como fizera com Zulmira.

Sentia saudades daquela mulher bem mais velha do que ele e ainda se castigava por não ter conseguido evitar a sua morte às mãos do maldito assassin enviado por Ali Yusuf.

Mas os três anos já passaram sobre esse fatídico dia haviam minorado o sofrimento da perda de Zulmira, e Mem estava contente por Zaida o querer.

Sendo assim limitou-se a tentar entender o truque intencional dela e a conclusão a que chegou foi simples: ela enganara-o para ressuscitar a amizade.

Já à porta do seu casão agrícola, Mem recordou o que se passara nessa tarde, quando Zaida ali chegara, afogueada pelo calor.

- Meu querido, é bom ver-vos!

Aquelas palavras encantaram-no. Mem querido era a expressão usada no passado por Zulmira, o subtil convite para entrar numa terra prometida.

Quando ouvira Zaida repetir esse código, ficara com a absoluta certeza de que, naquele dia, iria tê-la pela primeira vez.

Primeiro dia, exige sabedoria...

Convidara-a a entrar no casão agrícola, mas ela não conseguira. Aflita, olhara para a porta e justificara-se: era-lhe insuportável a visão do local onde a mãe fora degolada.

Mem respeitara esse impedimento da alma dela e sugerira um passeio aos banhos públicos.

A certa altura, Mem sentira-se triste, quando verificara que ninguém, nem ele, faria Zaida ficar em Coimbra, tal era a vontade dela em regressar a Córdova.

Sem revelar tal sentimento, escutara o pedido de ajuda para ir a Lisboa procurar Sohba.

O almocreve já estivera naquela cidade algumas vezes e podia trazer de lá mel, frutas, vinho e queijadas, abastecendo a sua carroça de requintados produtos que depois venderia em Coimbra ou Santarém.

A viagem seria fácil, a sua maior preocupação era o fossado de Peres Cativo.

- É mau para os almocreves, o comércio diminui com as guerras. Por isso a urgência, declarara Zaida! Sohba ou Zakharia tinham de encontrar a relíquia antes da região se transformar num inferno.

Apesar da crença entusiasta da princesa, Mem duvidara da execução do plano, pois Sohba seria difícil de encontrar em pouco tempo.


Zakharia devia ir já para Sellium – sugerira.

terça-feira, julho 12, 2016

Alameda em festa...
As alegrias de 

Campeão

















Os portugueses viveram nas últimas vinte e quatro horas os momentos de maior alegria colectiva de toda a sua história graças a esse desporto de massas que se chama futebol.

Só nos acontecem coisas más, desde a dívida que é uma enormidade para o país que somos, do PIB que cresce muito abaixo do que deveria crescer, das sanções que nos vão aplicar para humilhação nossa e de um governo que é de esquerda, mas nas últimas horas exultamos como loucos e quem nos mirasse, lá de cima e nada soubesse, diria:

 - “Ora ali está o povo mais feliz do planeta Terra”.

Ainda bem que isto aconteceu com os governantes que temos agora e nada tem a ver com os anteriores.

Actuais Presidente da República, da Assembleia Nacional e Chefe do Governo, há muito que são amantes do futebol, vibram e sofrem com ele e, portanto, terá sido uma feliz e bem-aventurada coincidência.

- Já viram o que teriam sido todos estes festejos com Cavaco e Passos a liderar o país?

- Por um lado, são mal encarados e, por outro, parece não vibrarem com estas coisas dos “futebóis”...

- Não, efectivamente, tivemos nestes momentos, as pessoas certas nos lugares certos e, coincidência ou não que tenha sido, porque eu, que sou ateu, ao contrário do Eng. de todos nós, o Fernando Santos, católico fervoroso, tal como o nosso Presidente da República, que até reza enquando nada, para não perder tempo, nunca ponho completamente de parte a intervenção dos deuses que são muitos e podem entreter-se com estas coisas...

Depois, por uma questão de justiça, não estava certo que outros políticos, que não estes, beneficiassem desta vitória que pôs o país aos saltos de felicidade sem que eles tivessem contribuído, fosse o que fosse, para tão grande alegria.

Detestaria ver nas fotografias da consagração, dois fulanos mal encarados, completamente desenquadrados do contexto, que nunca puseram um cachecol ao pescoço que não fosse para o aquecer, a sorrirem, oportunistas, para a imagem, coisa que nem um nem outro sabem fazer, porque, em vez de sorrirem, fazem esgares.

Sempre os políticos, em todo o lado e em todo o tempo, gostaram de se associar às vitórias do desporto do seu país como se elas fossem suas, mas, Marcelo, Costa e Ferro Rodrigues, já estavam no desporto como praticantes ou simples e apaixonados espectadores, não se limitando a aparecer agora... já lá estavam.

Tudo quanto faz feliz o povo a que pertenço me faz feliz a mim, mesmo estas vitórias efémeras e passageiras que nos afagam e enaltecem o ego e que, pelas reacções que despertam, parecem ser as que sabem melhor.

Todo o mundo, desta vez, falou de Portugal por uma boa razão. 

Fomos notícia por sermos os melhores, aparecemos nos cabeçalhos dos jornais como vencedores, desfeiteámos quem troçava de nós e se julgava superior. Tivemos, à última da hora, que arranjar um autocarro para, em França, podermos fazer a primeira viagem desfile de triunfo, enquanto toda a “máquina” dos franceses preparada e já com os motores a trabalhar, ficou, envergonhada, silenciada!


Obrigado, ó deuses!...

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 39



















Fátima olhou-a de soslaio. Se a irmã já se amigara com um cristão, Gonçalo de Sousa, não teria qualquer pudor em dar-se também ao almocreve.

Havia, porém, um risco. Anos antes, Zaida prometera a Mem que ele seria o seu primeiro homem.

O almocreve vai descobrir que foi ultrapassado... – avisou Fátima.

Zaida encolheu os ombros. Sendo certo que não podia cumprir essa antiga promessa, não desistiu e adiantou:

 - Nossa mãe ensinou-nos como se engana um homem.

Com uma certa arrogância que por vezes a iludia, aquela bela Eva, julgava-se muito hábil, esquecendo-se, porém, de que teria de iludir um experiente Adão.




Coimbra, Agosto de 1132



Há uma semana que uma canícula enorme assentara arraiais em Coimbra. O povo refrescava-se em banhos no Mondego e mesmo àquela hora da madrugada, quando a leste surgia a luz nascente do novo dia, um bafo pesado começava já a abater-se sobre a cidade.

Mem avançou devagar pelas ruas desertas, regressando ao casão agrícola, enquanto dentro da sua alma a serenidade se sobrepunha aos maus pensamentos, acompanhada de ditos espirituosos, um hábito que herdara do seu pai.

Amigo enganado, passado negado...

Notara perfeitamente que aquelas manchas vermelhas não eram de Zaida. Pelo cheiro era sangue de carneiro. O almocreve estava habituado aos cheiros dos animais, mortos ou vivos, e era um macho viciado, que já dormira com muitas mulheres.

Bonito e simpático, com uns olhos azuis e uns cabelos onde sobressaíam alguns caracóis, vestígios herdados de uma mãe cristã e clara de pele, Mem sempre se safara bem.

Conhecera na intimidade mouras e judias, moçárabes e cristãs, novas e velhas, casadas e solteiras, virgens e soldadeiras, por isso sabia reconhecer uma mulher inaugurada.

Marota sabida, já foi comida...


Ao dar-se conta de que Zaida o enganava, o seu primeiro pensamento fora sobre o potencial rival que o precedera.

Quem tivera o privilégio de a tomar pela primeira vez? Naturalmente, Mem, nada perguntou ou comentou, pois respeitava muito as mulheres e, não sendo casado com nenhuma, não tinha o direito de lhes exigir fidelidade.

Zaida não lhe devia explicações, nem queria colocá-la na posição desconfortável de ser apanhada a mentir. Portanto, ignorou a questão.

Fosse quem fosse o primeiro homem de Zaida não fora ele.

Bom proveito enche-nos o peito.

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