Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, janeiro 17, 2015
Há em cada aldeia um archote: -
O mestre escola
E uma boca que sopra para o apagar: - O pároco
(Victor Hugo)
Não há só o fundamentalismo islâmico |
A CASA
DO
INFERNO
Richard Dawkins entrevistou, perante as câmaras de televisão, o
pastor Keenan Roberts do Colorado que o pôs ao corrente da existência de uma
Casa do Inferno.
E o que é a Casa do Inferno?
É um lugar onde as crianças são levadas pelos pais ou pelas
respectivas escolas cristãs para serem aterrorizadas com imagens do que lhes
pode acontecer depois de morrerem.
Há actores que encenam quadros assustadores de certos pecados
como o aborto e a homossexualidade, perante o regozijo de um diabo vestido de
vermelho vivo.
Finalmente, a representação do próprio inferno ao qual não falta
o característico cheiro a enxofre a arder e os gritos agonizantes dos que estão
condenados por toda a eternidade.
No fim do ensaio em que o diabo esteve devidamente diabólico,
Dawkins entrevistou o pastor Roberts na presença do seu elenco que referiu que
a idade ideal de uma criança para uma visita à Casa do Inferno são os 12 anos.
Mas, perguntou Dawkins, não o preocupa o facto de uma criança de
12 anos ter pesadelos depois de ter visto uma representação destas?
Com honestidade, ele respondeu:
«O que me interessa é que eles compreendam que o inferno é um
lugar para onde, decididamente, não hão-de querer ir. Antes quero
transmitir-lhes essa mensagem aos 12 anos do que não transmitir e vê-los
enveredar por uma via de pecado, sem nunca encontrarem o Senhor Jesus Cristo.
E se vierem a ter pesadelos por causa desta experiência, penso
que terão alcançado e conseguido nas suas vidas um bem mais importante do que
uns simples pesadelos.»… (esta gente não é má, e simplesmente diabólica...)
O versículo do Evangelho de São Marcos refere: «Se a tua mãe é
para ti ocasião de pecado, corta-a; mais vale entrares mutilado na vida do que,
tendo duas mãos, ires para o inferno, para o fogo inextinguível, onde o verme
não morre e o fogo não se apaga» (9:43-4)
Independentemente de como imaginam que o inferno seja de facto,
todos estes entusiastas do fogo infernal, parecem partilhar daquele júbilo que
alguns sentem com o mal dos outros, a complacência daqueles que se vêm entre os
que serão salvos, ideia de resto, muito bem expressa por esse expoente máximo
da Teologia, São Tomás de Aqui no, na
sua Summa Theologica :
«Para que mais abundantemente possam desfrutar da sua beatitude
e da graça do Senhor, é permitido aos santos ver o castigo dos condenados ao
inferno» e Dawkins comenta: “ que homem simpático...” e eu acrescento…
“sádico”.
O medo do fogo do inferno pode ser muito real, mesmo entre
pessoas com um comportamento racional a outros níveis.
Após um seu documentário televisivo sobre religião, Dawkins
recebeu muitas cartas, entre as quais, a de uma mulher visivelmente inteligente
e sincera que dizia assim:
“Andei desde os 5 anos numa escola católica, onde as freiras, de
correia, régua ou de vara em punho me inculcaram a doutrina.
Durante a adolescência li Darwin, e o que ele escreveu sobre a
evolução fez imenso sentido para a parte lógica da minha mente. No entanto, ao
longo da vida, tenho-me debatido interiormente com um grande conflito e com um
intenso medo do fogo do inferno, que desperta em mim com muita frequência.
Fiz psicoterapia, que me permitiu resolver alguns dos meus
problemas mais antigos mas não consigo ultrapassar este medo profundo».
Jill Mytton foi educada no medo do inferno, escapou ao
cristianismo já adulta e hoje aconselha e ajuda outros traumatizados, como ela,
na infância.
«Quando relembro a minha infância, vejo-a dominada pelo medo. E
era o medo de reprovação no presente mas também da condenação eterna. Para uma
criança, as imagens do fogo do inferno e de dentes a ranger são, efectivamente,
muito reais. Não têm nada de metafórico.».
Dawkins pediu-lhe, então, que explicasse o que de facto lhe
tinham dito sobre o inferno em criança e a resposta que ela deu foi rica e
comovente como o seu rosto durante a longa hesitação que precedeu a resposta:
«É estranho, não é? Depois deste tempo todo ainda consegue…
afectar-me…quando…quando me é feita essa pergunta. O inferno é um lugar
assustador. É sermos totalmente rejeitados por Deus. É um julgar total. Há fogo
a sério, sofrimento a sério e dura para sempre, sem tréguas.»
Falou depois do grupo de apoio que agora orienta, destinado a
pessoas que procuram fugir de uma infância semelhante à sua e insistiu na
dificuldade que é, para muitos, sair:
«O processo de saída é extremamente difícil. Ah, o que se
deixa para trás é toda uma rede social, todo um sistema no qual, praticamente,
se foi educado, deixa-se para trás um sistema de crenças que se interiorizou
durante anos. Muitas vezes deixa-se a família e amigos…deixa-se de existir para
eles»
Ele, Pedro Cigano, colocava-se às ordens. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 149
Devido a razões de sobejo conhecidas,
não se pode esquecer a ajuda do capitão Natário da Fonseca. Lastimando não poder
participar da festa, alargou os cordões da bolsa: contribuiu em seu nome e nos
de Bernarda e de Coroca.
Nem por isso as duas raparigas - e quase todas as demais deixaram de colaborar com alguma moeda ganha com o
xibiu, escondida nas profundas da penúria, oferecida com satisfação.
O milho e o coco, o açúcar e o sal
tinham sido distribuídos entre as mulheres; os jenipapos sobravam encarqui lhados sob as árvores. Cada pessoa se encarregava
dessa ou daquela tarefa, em geral de mais de uma.
Para executá-las juntavam-se em grupo animados:
conversavam, caçoavam, discutiam, reclamavam, riam, emborcavam uma lapada de
cachaça para matar o bicho - os bichos ruins do inverno: a chuva aborrecida, o
frio cortante - não eram de ferro.
Não havia obrigação nem horário de
trabalho. Nem feitor nem capataz, nenhum patrão. Se Fadul e Tição orientavam e
dirigiam, faziam-no discretamente sem dar mostras e também eles pegavam no
pesado.
Ninguém mandava em ninguém. Assim
vinha acontecendo desde que, no almoço dominical, Castor propusera festejarem o
São João.
Encontrando vago o posto de comando,
Pedro Cigano o ocupou e seus alvitres tiveram a ver com a ampliação da festa; apontando
uma deficiência, corrigindo uma injustiça. Brincar o São João, feliz ideia. Mas
por que discriminar os outros santos de Junho, se eram os três iguais na
devoção e nos prodígios?
Por que não começar festejando Santo Antônio,
santo casamenteiro, patrono das noivas, e terminar louvando São Pedro,
padroeiro das viúvas?
O
fato de não haver ainda em
Tocaia Grande donzela candidata ao matrimónio nem viúva
lacrimosa nada significava: um dia, com a graça de Deus, sobrariam umas e
outras a dar com os pés.
Ele, Pedro Cigano, colocava-se às ordens com a
sanfona para animar de graça um dançarás na noite de Santo António.
Acenderiam uma pequena fogueira,
provariam um pedaço de canjica, um trago de licor de jenipapo, dançariam o coco
miudinho, a polca e a mazurca, num ensaio preparatório da grande noite, a da
véspera de São João. Para ela guardariam os fogos e a quadrilha.
Não foi difícil convencer a povo.
Naquele solitário e carente fim de mundo nada despertava mais entusiasmo do que
um forró, um bate-coxas.
Acontecia de raro em raro, quando Pedro Cigano
se bandeava por ali ou quando um sanfoneiro, um tocador de violão ou de cavaqui nho pernoitava por acaso em Tocaia Grande.
sexta-feira, janeiro 16, 2015
Tamera - a Aldeia do Futuro
Infelizmente estas experiências não podem ser reproduzidas à escala de um país europeu mas é uma boa resposta, um exemplo, uma boa bofetada nos mercados e nos Fundos de que somos devedores e vítimas, reduzidos e sós aos pequenos espaços dos nossos apartamentos nas cidades que não param de crescer.
Zé Povinho |
O Século ainda
vai no princípio mas, para já, esta pode ser considerada a Frase do Século
sobre Portugal:
- Somos um país essencialmente agrícola: uns já
"cavaram", outros vão "cavar" e os que ficam são
"nabos"!
Nós, portugueses, nascidos como país há 875 anos, depois
de uma vitória memorável numa controversa batalha contra um suspeito
exército "muito poderoso" de mouros, podemos dar-nos ao luxo de
brincar com estas coisas, até de duvidar dessa grande batalha que ficou na
História com o nome de Ourique e serviu de pretexto par D. Afonso Henriques
reivindicar a independência do território junto do Papa que então decidia sobre
essas coisas.
É verdade, que ao longo dos séculos tivemos de cavar muito, cá dentro e lá fora...
por todos as partes do mundo, a cavar e a fazer outras coisas... porque
imaginação nunca nos faltou para podermos sobreviver. O que nos faltou foi quem nos governasse com competência e seriedade mas essa é a história das sociedades e dos povos.
Bigodes espetados de um lado e do outro |
A CASA
DA
LENHA
Na minha aldeia...
Rapaz, disse-me o meu pai quando o sol desaparecia no horizonte: a partir de hoje, começa a ser Inverno nesta casa, vai ao chaveiro, leva a chave da casa da lenha e uma cesta e trás cavacas para debaixo da chaminé.
Não era fácil abrir a porta da casa
da lenha, fechada desde o Inverno anterior, para além de que a chave, de ferro,
era grande para a minha mão e era-me difícil manipulá-la.
Depois, havia o trinco, a aldraba e por fim a
lingueta e todos aqueles sons metálicos a fazerem de acompanhamento sonoro que
emprestavam solenidade à abertura de uma porta nas casas antigas.
Empurrei-a com dificuldade
empecilhada que estava pelos gravetos da lenha que alguém se teria esquecido de
varrer como era de obrigação.
Lentamente, levantei o candeeiro um pouco
acima dos olhos e dei tempo a que a luz definisse os contornos do amontoado da
lenha recortados nas paredes caiadas de branco, mais amarelas que brancas,
convenhamos.
Finalmente, olhei para o chão e bem
na minha frente, a uns três metros de distância, esperava-me um pequeno exército
de ratinhos.
À frente, aquele que deveria ser o chefe,
cabecita levantada na minha direcção, bigodes espetados de um lado e de outro,
numa pose toda ela de desafio.
Atrás dele, em formação militar,
filas de ratinhos, uns a seguir aos outros, todos eles, à imagem do chefe,
cabecitas levantadas na minha direcção, bigodes eriçados, ar desafiador e
hostil não deixando dúvidas de que eu não era bem recebido.
Não estavam ali por acaso, há muito
que, de certo, me esperavam. Os mais velhos, aqueles que pela idade já não
teriam forças para estarem na primeira linha, teriam avisado que um dia, que
eles não saberiam qual, viria um humano estragar o seu belo castelo de cavacas
e mais grave, levar, umas após outras… as suas belas cavacas!
Naquele momento, aguardando o
desfecho da situação, lá atrás, escondidos com medo mas dispostos ao
sacrifício, estariam com certeza, os familiares daqueles ratinhos-soldados,
orgulhosos pela coragem e determinação dos que assumiram heroicamente a
responsabilidade de uma luta tão desigual.
Eu estava perplexo, não sabia o que
pensar. Talvez se saltasse para cima deles com as minhas botas de tacão e cano
alto e pulasse e voltasse a pular com certeza que sairia vencedor esmagando-os
a todos mas algo me tolhia os movimentos e inibia a decisão… e se eles tivessem
uma poção mágica, como a do Obelix?
Se assim fosse estaria explicada
tanta coragem e ousadia que roçavam a loucura e o suicídio.
Defrontarem-me a mim, um humano, e
eles simples ratinhos, tão pequeninos… hum!, teria que haver uma qualquer arma
secreta!
Resolvi dar um passo em frente,
seriam eles ou eu, aquela situação de impasse não podia continuar.
Avancei um passo, nem rápido nem
lento, determinado, não deveria demonstrar medo, a vantagem era toda minha,
essa era a minha convicção, era isso que eu tinha que lhes dar a entender.
Eles fizeram um recuo que percebi que
era táctico e como eram muito pequeninos, para conseguirem responder ao meu
passo fizeram uma pequena corrida atrás sem alterarem entre si as posições e muito
menos a atitude de hostilidade e desafio.
Depois, foi a minha vez de dar um
passo atrás e eles, acto contínuo, uma corridinha à frente e tudo voltou à
situação inicial.
Continuavam a olhar-me com os seus
olhos muito pequeninos mas que irradiavam a enorme força e convicção dos seus
propósitos.
Não era um desafio qualquer… para eles era a
conqui sta do seu espaço, do seu
território, o tudo ou nada, a vida ou a morte.
O meu olhar é que já não era o mesmo,
a surpresa e perplexidade tinham desaparecido, tal como o meu natural instinto
de esmagar o mais fraco.
Caí em mim, desinteressei-me das
cavacas e percebi que estava perante a decisão suprema de um grupo que face ao
direito à vida no seu espaço e território, tinha decidido morrer com honra
lutando sem hipóteses de vencer.
Eu seria um adversário imbatível, as
minhas botas de tacão e cano alto, arma demasiado poderosa. A poção mágica era
apenas produto da minha imaginação, o destino daquela luta estava traçado à
partida.
O massacre seria o desfecho inevitável
e eu não estava preparado para ele. Sentia, no fundo, que a razão lhes assistia
e o simples exercício da lei do mais forte deixou de fazer sentido para mim.
Fortes, eram eles que morreriam
corajosamente enquanto que eu não passaria de um simples executor sem honra nem
glória.
Voltei-lhes as
costas e regressei com a cesta vazia, não sem antes ouvir atrás de mim a porta
da casa da lenha fechar-se com fragor.
Sentei-me ao pé de meu pai que olhou
para a cesta e perguntou-me pelas cavacas da casa da lenha.
Deixei passar tempo sem responder,
ele insistiu na pergunta: disse-lhe que já não tínhamos casa da lenha…
pertencia, por direito próprio, a uma comunidade de heróicos ratinhos.
Não sei o que o meu pai respondeu,
tão pouco se disse alguma coisa… entretanto a história tinha acabado.
Ela obedecia, ele cachopava |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 148
Ao ver Bastião da Rosa, Lupiscínio, Zé
Luiz, Guido, Balbino, atarefados, transformando em espaçoso barracão de palha -rústica
estrutura de varas, estacas e forqui lhas,
bem assente na terra, chão de barro batido, liso e sólido - o antigo toldo
erguido nos tempos de antanho pelos primeiros a pernoitar ali, Pedro Cigano
desistiu de prosseguir viagem.
E
o fez na hora certa, pois Fadul acabara de receber recado de Lulu Sanfona lastimando
não poder aceitar o convite para vir tocar em Tocaia Grande na
festa de São João: famoso na região, disputadíssimo.
Disposto a ajudar e não sendo afeito a
fazer força, Pedro Cigano orientou e dirigiu. Incansável, indo de um lado para
outro, afadigou-se dando palpites e conselhos, transmitindo ordens a homens e
mulheres.
As mulheres faziam de um tudo, não
enjeitavam serviço. Ajudavam a construir o barracão, carregavam lenha que os
homens cortavam na mata para as fogueiras, juntavam gravetos, improvisavam
fogões sobre pedras nos quais cozinhariam a canjica e as demais gulodices
típicas de junho.
Com a ajuda de Epifânia, a laboriosa
Cotinha tratava jenipapos, descascando-os, retirando as sementes amargas,
espremendo-os para transformar depois o suco em licor.
Maneirava o serviço recordando o paladar
- supimpa! – do vinho de missa e as virtudes - ai, tantas!
-
De frei Nuno, luso e galante, o frade lhe dizia com seu engraçado falar: vem
cá, bela cachopa. Ela obedecia, ele cachopava.
Pedro Cigano oferecia-se para provar a
calda quando fosse ao fogo: determinaria o ponto justo do néctar. Gosto
apurado, exímio degustador de comida e bebida, bom na concertina, curinga sem
rival nas redondezas.
Haviam planejado uma fogueira,
monumental, na frente do barracão, no descampado; duas, aliás, uma para cada
noite.
Mas tendo sobrado muita lenha decidiram
por proposta de Merência, apoiada por Tição, entregar o resto das achas àqueles
que desejassem erguer diante de seu casebre fogueira menor onde assar batata-doce
e milho.
Quem qui sesse
poderia levar para casa um pouco de canjica, uma garrafa de jenipapo para
servir à vizinhança antes de se reunirem todos para o início dos festejos, os
alegres festejos de São João: comer pamonha, canjica e
manuê, beber licor, pular o braseiro em compadrio, dançar quadrilha.
Durante aqueles dias a venda de Fadul
conheceu movimento pouco comum, o turco fez a féria mas, em troca, concorreu
para a folia com secos e molhados e com chorado numerário.
Tição aumentara o número de trampas na
mata para garantir caça suficiente, além de fornecer contadas patacas para o
milho, o coco e o foguetório.
"Porquê insistir na representação do
Profeta, que se sabe ofender os muçulmanos?", perguntou a eurodeputada. Não estou de acordo. Não em meu nome.”
(Ana Gomes, socialista, eurodeputada, ex-diplomata)
O
partido socialista silenciou em sinal de reprovação mas eu entendo
perfeitamente. A eurodeputada não abdica da liberdade de imprensa, basta
conhecer o seu passado, mas aceita uma auto censura que tem a ver com o
respeito que lhe merece a maneira de sentir dos seguidores do Profeta,
especialmente os mais fervorosos.
Ela
foi também diplomata e como tal entende que não se provocam problemas e muito
menos guerras quando são desnecessárias e escusadas.
Vejamos,
no entanto, a situação numa outra perspectiva. Os acontecimentos trágicos
chamaram a atenção do mundo inteiro para uma revista que tinha uma tiragem
semanal de 60.000 exemplares e os seus redactores e caricaturistas eram todos
ateus e, como tal, pensavam e reagiam como ateus, assumidos, militantes, que
são de opinião que a religião e os religiosos, como tais, são objecto de um
respeito imerecido.
Por
isso, ridicularizavam os símbolos religiosos como o fariam com os políticos,
artistas, cientistas, pensadores, porque a sua função era fazer rir ou sorrir
por essa forma.
Quem
não gostasse não compraria a revista ou não olharia para ela nos escaparates
dos qui osques onde se vendiam para
não se sentirem ofendidos com os seus desenhos.
Esta
é a liberdade em vigor nos países europeus onde ninguém reprova ou desaconselha
os desenhos que procuram fazer humor com qualquer outro tema que não seja a
religião, que esse ganhou direito a um tratamento especial mas imerecido, na
maneira de pensar dos ateus.
O
ponto de partida é o de que a fé religiosa é particularmente vulnerável à
ofensa e deve ser protegida por uma invulgar grossa muralha de respeito,
respeito esse diferente daquele que qualquer ser humano deve ter para com o seu
semelhante.
Douglas
Adams que foi um escritor e comediante britânico, ateu, famoso por ter escrito
os textos para a série televisa Monty Python’s, num discurso improvisado em Cambridge,
pouco antes da sua morte exprimiu-o tão bem que todos vão entender:
- “A religião tem no seu âmago algumas ideias
a que chamamos sagradas ou santas ou seja lá o que for. O que significa é o
seguinte:
- Aqui
está uma ideia ou uma noção sobre a qual não nos é permitido falar mal, pura e
simplesmente. Porquê? – Porque não.
Se
alguém vota num partido sobre o qual não concordamos somos livres de discuti-lo
tanto quanto nos apetecer, cada um terá algo para dizer mas ninguém se sentirá
agastado por isso. O mesmo se pode afirmar relativamente aos impostos ou
qualquer outro tema.
Mas,
se por um qualquer preceito religioso, não se deve rodar o botão do interruptor
para acender uma lâmpada ao sábado, logo se diz: “eu respeito isso”.
Trata-se
de um respeito pretensioso da nossa sociedade pela religião."
As
pessoas desfilaram aos milhões por toda a Europa para afirmarem o direito da
sua imprensa ironizar com o profeta, como já o tinham feito com Cristo, o
Menino Jesus ou o Papa, independentemente de muitos discordarem, não gostarem
ou terem medo.
A
liberdade sempre teve um preço e a eurodeputada socialista experimentou noutros
tempos, com toda a coragem, esse preço.
Os
cartoonistas do Charlie Hebdo pagaram agora esse preço. A causa foi outra, foi
a deles e não a de Ana Gomes.
Quando
se ironiza com o Profeta, este ou qualquer outro, o objectivo não é o insulto
pelo insulto, é o humor e esta diferença, nas sociedades democratas e laicas é
perfeitamente compreendida.
quinta-feira, janeiro 15, 2015
Cuspiu no chão, passou o pé em cima |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 147
Tição soltou a voz, os olhos postos em
Zuleica como se não houvesse mais ninguém presente:
Maria tu vais casares
E eu vou te dares os parabéns.
Vou te dares uma prenda, ai ai
Saia de renda, ai ai
De dois vinténs...
Tanto bastou para que Epifânia, sentada
ao lado do negro, se retirasse numa rabanada raivosa. Se implicava com as
outras, que dizer dessa fingida? Cuspiu no chão, passou o pé em cima.
8
O fovoco, inventado por Pedro Cigano
para alegrar a noite de Santo Antônio, terminou em pancadaria, bala e sangue.
Devese todavia levar em conta não ter
havido intenção mesqui nha, vil interesse
de dinheiro na aliciante proposta do troca-pernas.
Se o arrasta-pé rendesse qualquer dez réis,
melhor. Não pensara nisso, porém, ao empunhar a harmônica; desejara apenas
celebrar condignamente santo dos mais merecedores.
Argumentou e convenceu, mas não cabe
responsabilizá-lo pelo que veio a acontecer. Aliás ninguém o fez.
Em verdade, ao arribar no lugarejo
naquele dia chuvoso e friorento, não pensava demorar-se mais de uma noite,
dormida se possível na esteira de uma quenga que lhe esquentasse a carcaça.
Seu destino era Taquaras se não fosse
Ferradas, Água Preta, Rio do Braço ou Itabuna, ele próprio não levava certeza.
Almejava brincar as festas de junho onde
pudesse divertir-se a grande e grátis, comendo, bebendo e dançando à la vonté.
Mas ao deparar com os preparativos do
São João em Tocaia
Grande se empolgou.
Os preparativos já em si foram uma
festa. Ocuparam durante bem mais de uma semana todo o tempo livre da reduzida
população que parecia multiplicar-se no remate de tantas e tão diversas empresas.
De volta para as fazendas, os tropeiros utilizaram
cangalhas e caçuás vazios para neles transportarem o que não se podia adqui rir no cacete armado de Fadul: as mãos de milho verde,
o coco seco, os foguetes e os fogos: bombas, buscapés, espadas, incluindo
estrelinhas e outros caprichos infantis das raparigas.
Sem falar no balão, pois o balão era um
segredo compartilhado apenas por Tição e Coroca, ninguém mais sabia de sua
existência.