Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, julho 25, 2015
IMAGEM
Éfaso
Por duas vezes visitei Éfaso, por mar e por terra. Logo à entrada, do lado direito, estavam situados os banhos públicos. A avenida por onde os turistas descem estava ladeada à esquerda e à direita por moradias. Ao fundo, ainda de pé, a fachada da Biblioteca que tinha uma passagem secreta directamente para a "casa das meninas" que ficava à direita, porque cultura não acaba nos livros, como os gregos muito bem sabiam há mais de 2500 anos... começa no corpo humano e no amor e depois passa ao intelecto onde eles foram mesmo fortes, os melhores.. Sem a cultura grega não existíamos, não éramos nada.
Abba - Dancing Queen
Mais de 81 milhões de visualizações no Youtub... a comprovação do êxito que atravessa o tempo...
Sabia fazer mágicas e se comprazia em exibi-las. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 294
Esclarecido o equívoco das pensões, cumpre
retornar a seu
Carlinhos Silva, hóspede de categoria: o
oposto, no físico e no
comportamento, ao seu antecessor.
O que tinha seu Cícero Moura de franzino e
escrupuloso, tinha seu Carlinhos de espadaúdo e espontâneo. Sarará de carapinha
loira e olhos claros, barata descascada, as más-línguas diziam-no filho natural
de Klaus Koifman, o fundador da firma.
Se assim não fosse, por que o gringo o
teria mandado, molecote, estudar na Alemanha e lá o mantivera durante anos?
Com a morte de Klaus, assumiu a chefia da
sociedade o irmão mais moço, Kurt, que, de imediato, ordenou o regresso ao
Brasil do protegido do finado chefão - filho natural?
Duvidoso. Filho da puta, com certeza.
Voltou o jovem Carlinhos a Ilhéus e à condição de órfão de Benedita Silva,
esplendor de negra que servira à mesa e esquentara a cama germânica de Klaus.
De estudante em Weimar passou a
escriturário na exportadora de cacau. Fez carreira.
Na festa do barracão revelou inesperada
faceta de sua humanidade: sabia fazer mágicas e se comprazia em exibi-las.
Escondia outras surpresas na manga do
colete como se viu depois, na hora da decisão.
5
Razões de peso corroboravam a opinião
entusiástica e generalizada: a maior e melhor festa jamais vista em Tocaia Grande.
Imagine-se que o salão - esse, sim,
merecia ser chamado de salão de baile - fora iluminado com candeeiros de vidro,
as placas, artigo de luxo nas prateleiras do armazém, novidade incorporada aos
utensílios em voga no arraial, substituindo em algumas residências as candeias
e os fifós.
Sem querer desfazer do brilhantismo do
fole e da presença de Pedro Cigano, diga-se, para começo de conversa, não ter
sido ele o único músico a animar o dançarás.
Os estancianos trouxeram os instrumentos:
os violões, o cavaqui nho, a gaita, e
executaram variado repertório de músicas dançantes, em moda nos bailes de
Sergipe. Também o cego Tiago e o filho Lucas, os dois ao violão, demonstraram
seu valor.
Faziam parte de um grupo vindo de Taquaras,
composto por figuras de proa da localidade vizinha, convidados do Capitão, de
Lupiscínio, de Fadul, de Bastião da Rosa: o chefe da estação, seu Lourenço Bapt ista; o telegrafista, o almoxarife, dois ou três
comerciantes, alguns furões e Mara, abadessa de pensão de raparigas, acompanhada
de quatro expansivas folionas.
Procedentes das fazendas próximas,
alugados transitavam na feira desde cedo, faziam fila na pensão de Nora
Pão-de-Ló e nas portas das choças e casebres na Baixa dos Sapos: à noite,
devido à festa, as quengas trancariam os balaios.
Portugal
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 25
Mal souberam da retirada, os dois correram desesperados até à tenda de Ali Yusuf, onde o califa os esperava, caminhando de um lado para o outro, em cima dos tapetes da sua grandiosa instalação.
Ainda sozinho, subitamente
parou, e bateu com a alpercata no chão, espezinhando uma formiga. Aquela antiga
família, que todos julgavam soterrada nos confins da memória muçulmana, podia
renascer e ameaçar o seu herdado califado.
Tal como o pai, Ali Yusuf
não admitia disputas pelos seus estimados domínios, que se estendiam desde o
Sul dos desertos africanos até ao Al-Andaluz, mas teria de procurar uma
desculpa inteligente para pôr fim ao cerco de Coimbra.
Ao admirar as pérolas do
colar, decidiu justificar a partida com guerras maiores a travar contra Afonso
I de Aragão perto de Saragoça! Ou com febres... Ninguém sabia se era um pequeno
surto ou uma epidemia.
As tropas estavam nervosas,
mesmo quando os doentes não chegavam a trinta. Os berberes eram lutadores
ferozes, mas tremiam perante maleitas invisíveis, que não sabiam como combater.
Durante a noite, o califa
hesitara, já retirara no ano anterior, irritava-o não conqui star
o Oeste da peninsular. Al-Mansor chegara a Compostela, mas ele não passaria do
Mondego!
Pela segunda vez tinha de
abandonar Coimbra. Mesmo contrariado, voltara àquela cidade porque Taxfin
queria recuperar o que perdera um ano antes, a mulher e duas filhas.
Os cristãos não eram como os
árabes, não levavam as mulheres para as batalhas. Mas eles faziam-no e por
vezes perdiam-nas.
Quando, no ano anterior, o
primeiro cerco a Coimbra se levantou, naquela confusão que sempre se gera
aquando a partida de milhares de homens, algumas carroças tresmalharam-se e
caíram nas mãos dos cavaleiros de Dona Teresa de Portugal. Entre os
prisioneiros estavam a mulher de Taxfin, Zulmira, e as filhas desta, Fátima e
Zaida.
Louco de raiva, Taxfin qui sera recuperar a família, mas o califa proibira
nova investida. Em troca prometera voltar no ano seguinte e por isso aqui estava hoje.
Desta vez, as tropas
Andaluzes tinham vindo de Córdova e Sevilha por estrada, comandadas por Taxfin,
mas o califa viera de barco com os seus berberes. Entrara Mondego dentro,
desembarcara ali perto, em Montemor-o-Velho e depois instalara-se nesta tenda
vasta, onde agora estava arrependido da promessa que fizera há um ano.
Não iria derrotar os
cristãos, como fizera Yusuf, o anterior califa e seu pai, que enviara cinquenta
mil cabeças decapitadas às capitais muçulmanas de Andaluzia e mais cinquenta
mil para a Berbéria, como prova da sua vitória em Zalaca, onde derrotara Afonso
VI.
O califa encolheu os ombros,
ninguém ousaria criticá-lo por recuar! Só Taxfin se iria revoltar. O governador
de Córdova podia ter um harém como o de Ali Yusuf, e, no entanto, não dormia
com mulheres há um ano.
Era por essas e por outras
que Ali não gostava dele. Taxfin era um serraceno da Andaluzia e o califa
considerava-o corrompido pela poesia dos pederastas de Sevilha, pela música
mole e dolente da região.
O Discurso do
Presidente
Na última 5ª Feira,
23 de Julho, coloquei aqui no
Memórias Futuras um Texto com o título “O discurso do Presidente” em que no 3º
parágrafo dizia:...”Lido nas entrelinhas, é um discurso subliminar de apoio a
Passos Coelho, à austeridade e de crítica à “política despesista” do PS.”
Na
mesma 5ª Fª, o Blog o Jumento explica porquê acrescentando a azul no texto do
discurso do Presidente o que não está lá mas é como se estivesse e o mais que
lhe vai no pensamento mas que ele não pode dizer... a tal mensagem sublimar.
Discurso do
Presidente
Boa Noite
Nos
termos da Constituição e da lei, a que nem sempre me posso escapar recorrendo a pareceres, e depois de ouvir os partidos representados
na Assembleia da República, ainda que para mim só tenha contado a do PSD, decidi marcar para o
dia 4 de Outubro a realização das próximas eleições legislativas.
Os
Portugueses irão ser chamados a eleger os deputados à Assembleia da República por uma campainha cujo botão está no meu gabinete e a escolher, de entre as propostas apresentadas pelas
diferentes forças políticas, aquelas que melhor respondam aos complexos
desafios que o País enfrenta. Essas propostas têm,
como sabem a cara de uns gajos a que designamos candidatos a deputados.
Das
eleições para a Assembleia da República dependerá também a formação do novo
Governo, não sendo admissíveis soluções governativas construídas à margem do
Parlamento, dos resultados eleitorais e dos partidos políticos, o que é uma pena pois gostaria de dar um lugarzinho de ministro ao
Fernando Lesma, agora que se deixou de escutas e que eu vou para a Quinta da
Coelha.
Todas
as eleições são importantes, mas umas são mais
importantes do que outras, o próximo ato
eleitoral é particularmente importante para o futuro de Portugal. Talvez um dia se venham a realizar eleições
importantes para determinar o nosso passado, por exemplo, umas eleições das
quais resultasse que em vez de ter descoberto o caminho marítimo para a Índia o
Vasco da Gama tivesse opt ado por
vender bifanas junto ao Estádio da Luz. Mas enquanto isso não suceder
continuaremos a votar pensando no futuro.
Portugueses,
Em Maio
do ano passado, Portugal concluiu a execução do Programa de Assistência
Económica e Financeira subscrito com as instituições internacionais e voltou a
ter acesso aos mercados para financiamento do Estado e da economia, tudo graças à saidinha limpinha, limpinha
alcançada pelo meu antigo líder da JSD e pelo Paulio portas, pelo qual nutro
uma admiração irrevogável.
Contudo,
de acordo com a legislação europeia, o País continua sujeito a regras muito
exigentes de disciplina financeira e de supervisão das suas políticas
económicas, e como sabem eles
gostam mais da Maria Luís do que do Centeno, enfim a velha história de os
homens gostarem mais das louras, é por isso que a minha Maria tem vindo a ficar
mais loura com o passar dos anos.
Desde
logo, é essencial assegurar o equi líbrio
das contas do Estado, a redução do endividamento externo e o reforço da
competitividade da economia, coisa que temos
conseguido, a Maria Luís apesar do tempo que perde a pedir desculpa às vítimas
do marido ainda conseguiu encher os cofres.
Temos
de vencer estes desafios para conseguirmos promover o crescimento da economia,
a criação de emprego, se ainda por cá andar
algum desempregado que não tenha emigrado ou opt ado
pelo paralelo, a eliminação dos sacrifícios que ainda impendem sobre muitos
Portugueses e a melhoria das condições de vida do nosso povo, coisa que se consegue com muito cimento e
alcatrão ou até mesmo com umas quantas acções da SLN, desde que sejam bem
vendidas.
Neste
contexto, é da maior importância que Portugal disponha de condições de
estabilidade política e de governabilidade na próxima legislatura, isto é, que a
coligação no poder volte a governar com maioria absoluta e, se possível,
apoiada num presidente que confunda a Constituição com o Código da Estrada. Sem elas, será muito difícil alcançar a
melhoria do bem-estar a que os nossos cidadãos justamente aspiram.
Após os
sacrifícios que fizeram com muita alegria, os Portugueses têm
o direito, mas também o dever, de exigir um governo estável e duradouro, que
seja capaz de prosseguir uma política que traga mais riqueza e mais justiça
social ao nosso País, até porque agora que
vou pagar as contas todas as minhas pensões é que não vão chegar para as
despesas.
Neste
sentido, é extremamente desejável que o próximo Governo disponha de apoio
maioritário e consistente na Assembleia da República., de preferência no lado
direito do hemiciclo.
Trata-se,
aliás, de uma realidade comum e natural nas democracias europeias, como é o caso da Bélgica, da Itália e de outros países. Isso só não
sucede regularmente porque nós somos uns atrazadinhos.
Na
verdade, se excluirmos os casos particulares da Suécia e da Dinamarca, países
onde existe uma forte tradição de consenso político e social, todos os governos
dos Estados-membros da União Europeia dispõem actualmente de apoio maioritário
nos respectivos parlamentos. Como sabem quando os governos não têm apoio
maioritário costumam cair ou ser derrubados.
Vejam, por exemplo, o que eu fiz ao governo de coligação depois ter
feito a rodagem do BX.
Alguns
Portugueses podem não estar conscientes deste facto, como sucedeu comigo sempre que o governo não era do meu partido, enfim, como em tudo há uns portugueses mais burrinhos, lorpas ou
distraídos do que outros, e por isso repito para que ao mais lerdos possam perceber: os governos de 26
países da União Europeia dispõem de apoio parlamentar maioritário.
Não há
nenhum motivo para que Portugal seja uma excepção àqui lo
que acontece em todos os Estados-membros da União Europeia. Cá também devia nevar, em Sagres deviam haver
cardumes de bacalhau e poderíamos ter uma rainha Isabel II na Ajuda,
Pelo
contrário: devido aos grandes desafios que tem de enfrentar, Portugal é dos
países da Europa onde a estabilidade política é mais necessária.
Para
alcançar a estabilidade, é frequente na Europa formarem-se governos de
coligação. Dos 28 governos dos países da União Europeia, 23 são governos de
coligação de dois ou mais partidos. Estão a evr como eu li
bem as estatísticas antes de vos dar esta lição? Esqueci-me foi de ler os
livros de história, senão teria reparado que eu fui o último político português
a derrubar uma coligação para governar com um governo minoritário.
Cabe
aos partidos a responsabilidade pelo processo de negociação visando assegurar
uma solução governativa estável e credível que disponha de apoio maioritário no
Parlamento. Se não fosse eu quem
poderia explicar isto aos portugueses?
Os
acordos interpartidários, como é evidente, só têm consistência e solidez se
contarem com a adesão voluntária e genuína das forças políticas envolvidas. Outra novidade que só alguém de Boliqueime vos
poderia explicar!
Em
alguns países da União Europeia, as negociações não foram fáceis e exigiram
tempo, mas o interesse nacional acabou por sobrepor-se aos interesses de cada
um dos partidos. Os líderes políticos sabiam, de antemão, que um governo sem
apoio parlamentar tem sempre muitas dificuldades em aprovar as medidas
indispensáveis à resolução dos problemas nacionais. Estão a ver como os povos inteligentes fazem?
Ainda
há pouco, no passado mês de Abril, realizaram-se eleições na Finlândia, esse país que está sempre presente no nosso
pensamento desde o vídeo do Marcelo, um país que tem um sistema político
semelhante ao português. Após um processo negocial típico de uma democracia
amadurecida, formou-se uma coligação governamental de três partidos. O problema é que uma democracia presidida por
alguém que já bem adulto escrevia de forma estranhas fichas onde se queixava da
sogra pode não estar amadurecida, ainda precisa de mais uns tempos de sol ou de
um pouco de etileno.
Se, em
26 países da União Europeia, as forças partidárias são capazes de se entender,
não é concebível que os nossos agentes políticos sejam incapazes de alcançar
compromissos em torno dos grandes objectivos nacionais. Não faz sentido sermos os anormais da Europa.
Na
verdade, aos problemas económicos e sociais, Portugal não pode dar-se ao luxo
de juntar problemas político-partidários, sim, porque isso da democracia é um luxo que não
está ao nosso alcance e que até os tais 28 países parecem dispensar pois são
todos certinhos.
A
experiência de 40 anos da nossa democracia demonstra que os governos sem apoio
parlamentar maioritário enfrentaram sempre grandes dificuldades para aprovar as
medidas constantes dos seus programas, foram atingidos por graves crises
políticas e, em geral, não conseguiram completar a legislatura. Aqui
está mais uma novidade que só eu poderia dar.
A
incerteza sobre o destino de um governo, a instabilidade permanente, a contínua
ameaça da queda do executivo são riscos que, na atual conjuntura, o País não
deve correr. Especialmente no momento que vivemos, um tempo de grande
exigência, Portugal necessita de um governo sólido, estável e duradouro, um governo dos meus.
Alcançar
um governo estável é uma tarefa que compete inteiramente às forças partidárias,
como se verifica em todas as democracias europeias.
Cabe-lhes,
desde logo, garantir que a campanha eleitoral que se avizinha decorra com
serenidade e com elevação, que não se lembre de
inventar escutas telefónicas ou de dar outros golpes baixos.
Numa
democracia, é salutar e desejável o confronto de ideias e de projetos para o
País, mas não as lutas
partidárias.
Até por isso, a luta partidária não deve resvalar numa crispação sem sentido ou
na agressividade verbal.
A
campanha eleitoral deve servir para informar e esclarecer os Portugueses, coisa que eu achei
necessário começar a fazer já neste discurso, não pode tornar-se num palco de agressões
que em nada resolve os problemas reais dos nossos concidadãos, sim, porque sempre
que há eleições e eu não estou por perto só se ouve gritar "Ó Ilda, mete
os putos na barraca porque vai haver pedrada!".
Nos
países europeus da nossa dimensão, a saudável competição política e a afirmação
de cada partido não se faz pela crítica radical, pela intransigência e pela
desqualificação do adversário, coisa que eu
nunca fiz, nem mesmo quando o meu partido chamava picareta falante ao
Guterres,
mas sim pelo respeito pela diferença de posições, pelo diálogo com elevação e
pela abertura ao compromisso, tudo qualidades que vocês sempre viram e aprenderam
comigo.
É esse
o caminho que temos de fazer, o caminho feito pelos países mais desenvolvidos,
onde os cidadãos gozam de melhores níveis de vida, também eles tiveram um Cavaco a
governar e a presidir quase 20 anos.
No
momento que Portugal atravessa, é essencial preservar as pontes de diálogo
entre forças partidárias e os diversos agentes políticos.
Aos
partidos políticos competirá agora apresentar as suas propostas.
Aos
cidadãos, por sua vez, competirá avaliar a credibilidade e o realismo das
propostas apresentadas, e desde já vos aviso
que anda aí umas propostas irrealistas mas não vos posso dizer quais.
Apelo
aos partidos para que esta campanha eleitoral decorra de forma esclarecedora e
serena.
Está em
causa o futuro do nosso País, coisa que nunca esteve
em causa nas anteriores eleições.
Por
isso, no dia 4 de Outubro, todos os cidadãos devem exercer o seu direito de
voto, de forma livre, consciente e informada e de preferência votando naqueles partidos que vocês sabem muito
bem quais são.
Boa
noite, e
não se esqueçam de beber o leitinho por causa da osteoporose.
PS:
o texto a azul é da responsabilidade de “O Jumento”, o restante foi lido por
Cavaco Silva.
sexta-feira, julho 24, 2015
Bonita não era,tão pouco feia, mas o facto de ser casada. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 293
Os
vaqueiros que tratavam com ele no curral, escolhendo os bois para o abate e a venda
de carne a retalho, diziam que Altamirando ficara com um parafuso a menos: nem
por isso desatento às obrigações e aos compromissos.
Um parafuso a menos, o bastante para viver
e labutar.
4
Apesar da insistência de Lupiscínio, dos
rogos de seus compadres Castor e Diva, não pôde o coronel Robustiano ficar para
a festa do barracão.
Resistiu inclusive à notícia, confirmada
pelo capitão Natário da Fonseca, da presença do coronel Boaventura Andrade: o
proprietário da Atalaia prometera comparecer.
Para compensar, seu Carlinhos Silva, novo
representante da
Koifman & Cia, a principal firma
exportadora de cacau, de volta de costumeiro recorrido pelas fazendas, não
seguiu direto para Taquaras, demorou-se em Tocaia Grande para
participar do arrasta-pé, hospedando-se na Pensão Central.
Que novidade é essa de Pensão Central?
Nesta breve resenha sobre o renascimento de Tocaia Grande já se fez mais de uma
referência à pensão de Nora Pão-de-Ló com detalhes sobre a cor da fachada, a
localização exata, na esqui na da
ruela de barracos, na Baixa dos Sapos.
O número da porta não foi fornecido pela simples
razão de não existir, mas pela boca pecaminosa do Turco Fadul louvaram-se as
qualidades das raparigas que ocupavam os quartos do estabelecimento.
Mais uma prova da facciosidade e da velhacaria
de informes e relatos que se pretendem sérios e correctos. Por ser albergue de
putas, destinada à devassidão, a pensão de Nora mereceu destaque e elogios,
enquanto a Pensão Central, devido sem dúvida ao carácter familiar, permaneceu relegada
ao esquecimento.
Estritamente familiar, apregoava a
tabuleta pendurada na fachada: destinava-se a fornecer, a preços módicos, casa
e comida a eventuais visitantes do arraial.
Dois quartos, cada um equi pado com três camas de campanha e uma bacia de
flandres, das pequenas; no fundo do qui ntal
a tina com água.
Que mais se pode dizer em benefício da
Pensão Central, de propriedade de dona Valentina e seu Juca das Neves? Que dona
Valentina além de proprietária, cozinheira, criada de servir e de limpar,
costumava fraquejar se o forasteiro lhe caía nas graças ou se dispunha a suplementar
o custo da diária?
Bonita não era, tampouco feia, mas o fato
de ser casada dava-lhe categoria, despertava a cobiça. Tais detalhes,
porém, assim como os referentes à voracidade dos
percevejos, cabia aos hóspedes descobri-los.
Portugal
(Amaral Dias)
Episódio Nº 24
Coimbra, Julho de 1117
Muitos anos mais tarde, Abu
Zhakaria acabaria por nos revelar que foi por temor a duas meninas que Ali
Yusuf mandou levantar o segundo cerco a Coimbra.
Suspeitava das origens
nebulosas de Fátima e Zaida, e dos segredos inconfessados de sua mãe, Zulmira.
Antes de sair de Marraquexe o califa ouvira apenas rumores, mas na véspera
recebera certezas absolutas e, contaminado pela insegurança, imaginara um
futuro periclitante para si próprio.
- Ali Yusuf era um cobarde –
rematou Abu Zhakaria mas mandava em nós e, por isso Taxfin e eu abandonamos
Coimbra deixando Zulmira, Fátima e Zaida prisioneiras.
Explicou-nos que Taxfin
odiava aquele califa com aquela barba sempre com gotas de sopa, aquele cheiro
enervante a âmbar, aquela voz áspera, a mania de bater com as alpercatas no
chão para matar formigas, a predilecção feminina pelas pérolas, o turbantezinho
ridículo sempre a deslizar para a esquerda.
O governador de Córdova
achava-o um fraco, a quem nem o manto azul-escuro conferia dignidade.
Era a segunda vez que
cercava Coimbra e se acorbadava!
Taxfin esperara um ano por
este cerco, queria resgatar Zulmira, cuja ausência não suportava!
- Precisava daquela mão que
se fechava na sua todas as noites – disse-me Abu, sempre poético.
E precisava das raparigas.
Fátima fizera dez anos, era impertinente e rezingona, mas linda e adorável com
os seus cabelos negros e longos, e Zaida era tão doce, meiga serena que Taxfin
nunca sentia tanta paz como junto daquela pequena criatura de sete anos.
Os quatro costumavam cantar
canções de Córdova, velhas melodias da Serra Morena, onde elas tinham nascido,
músicas tão bonitas que conseguiam embalar a lua e as estrelas.
Estavam de certeza com os
corações repletos de esperança, agora que o sabiam ali.
Abu Zhakaria era o seu
melhor homem, o único que sabia a verdade sobre as crianças, e foi ele quem me
relatou este episódio décadas depois.
Naquela manhã em Coimbra,
tinha apenas dezoito anos, mas já combatia como um leão e pensava como uma
águia. Arguto, alertara Taxfin que Ali Yusuf já sabia quem eram as meninas.
- Cuidado “wali”, o califa
odeia homens como nós, de famílias andaluzes de Córdova, e só nos tolera
enquanto estiver a lutar longe de Marraquexe.
Os meus amigos, que um pouco por todo o mundo, visitam o Memórias Futuras com regularidade, sabem que eu já passei dos setenta anos, já lá vão seis primaveras.
Que estive na guerra de Angola, quase que no seu início, há tanto
tempo que já pertenço à história porque os confrontos bélicos ficam sempre
assinalados na vida dos países e dos povos, escritos a sangue.
Uma grande parte desses camaradas não resistiu à passagem dos anos
e agora, por muitas chamadas telefónicas que faça para estarem presentes no
almoço anual de confraternização, já não atendem de forma nenhuma.
Por isso, a minha vida, vai enchendo-se de imagens e recordações.
Toda esta conversa para vos dizer o que vocês já sabem: estou velho
e, já agora acrescentar, que não me sinto nada mal sendo velho porque não
conheço outra maneira de continuar vivo, que é uma coisa de que eu gosto, sem
estar ao mesmo tempo velho.
Preservo cada vez mais os meus encontros nos almoços das
penúltimas 4ª feiras de todos os meses com os meus colegas de Curso, a que a
minha neta denomina “almoço dos velhotes”, e até já lhes disse que só não
estarei presente por doença grave incapacitante.
Percebo que estamos a chegar ao fim da corda e nos agarramos todos
uns aos outros para não cair... mas nada disto é dramático, pelo contrário,
sinto-o como uma vitória, uma conqui sta.
Afinal a vida não foi fácil, envolveu riscos, problemas de vária ordem e nós cá
estamos agora para os recordar em amena ou acalorada cavaqueira.
Mas esta história das meias-horas que dá o título a este pequeno
trecho que dedico ao meu colega de Curso Fernando Abreu , já com 81
anos e alguns problemas de saúde, é para mim, simplesmente enervante.
Os meus amigos sabem, aqueles que têm a sorte de estar no meu
segmento de idade, que aqueles sonos de fio a pavio, quando adormecíamos à noite, ao deitar e acordávamos no outro dia para nos espreguiçarmos e abrir os
olhos para um novo dia, são, infelizmente, coisas do passado.
Acordar de noite, sobre a madrugada e ir á casa de banho, ás vezes
de olhos fechados e ás apalpadelas, passaram agora a fazer parte das minhas
aventuras nocturnas.
No outro dia, em conversa com a minha médica, que além de ser mais
nova do que eu, é também uma simpatia porque me ouve com um sorriso nos lábios,
me dizia que também ela, na sua casa, fazia o mesmo percurso de olhos fechados.
Se nos abríssemos todos uns com os outros nestas pequenas coisas
que muitas vezes escondemos ou simplesmente não revelamos, iríamos descobrir
que a velhice, ao reduzir-nos o espaço de acção, nos torna a todos mais iguais.
Eu só não percebo porque é que o relógio de cuco que está no hall
da casa sempre que eu acordo, altas horas da noite para os meus passeios
nocturnos, só bate meias horas e deixa-me sempre na ignorância quanto ao resto... Raio do cuco parece
que faz de propósito!
quinta-feira, julho 23, 2015
Aos quarenta uma catraia boa para os urubus. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 291
Antes da enchente, além do Caminho dos
Burros, artéria única acompanhando o rio, havia o descampado com o terreiro ao centro
e, espalhados na distância, o armazém, a oficina do ferrador de burros, o
depósito de cacau e o curral, pouso das boiadas.
Mais adiante, a Baixa dos Sapos, com as
choças de palha e a casinhota de madeira onde viviam Bernarda e Coroca. Assim
era Tocaia Grande: em paragem tão bonita um lugarejo feio.
Até a lembrança se perdeu nas águas.
O Caminho dos Burros passara a ser Rua da
Frente, de alegres fachadas coloridas. Paralela à Rua dos Fundos: houve quem preferisse
habitar mais distante do rio.
No Beco do Meio que ligava as duas vielas
- as duas ruas na ostentação do povo - os tamanqueiros viviam e trabalhavam.
Ali também dona Natalina colocara a máqui na de costura e não chegava para as encomendas. Uma
delas, recentíssima, trazida pelo capitão Natário da Fonseca: vestido de festa
para Sacramento, a zinha que embeiçara o coronel Boaventura.
Na Baixa dos Sapos novas palhoças
substituíram as que o rio levara, todas aliás. As raparigas precisavam com
urgência de um buraco onde estender ás esteiras. Outras, porém, menos
apressadas, tendo fixado raízes em Tocaia Grande - Nininha, xodó de Lupiscínio, para
lembrar apenas uma - aproveitavam para
construir habitações estáveis.
Assim, uma ruela de barracos de adobe
nasceu e prosperou: na esqui na,
pintada de amarelo, ficava a pensão de Nora Pão-de-Ló: alcunha precisa aos qui nze anos, quando debutara em Aracaju, fofo e
saboroso pão-de-ló; aos quarenta uma catraia boa para os urubus.
Pensão de Nora e não de Ressu. Ressu,
coitada, incapaz de administrar a própria xoxota, passara a idéia a Nora pelo mesmo
preço que a recebera do Capitão: de graça.
Vale a pena uma referência a fato curioso,
demonstrativo da ânsia de construção que dominara o arraial: donos de barracos
que haviam resistido à cheia terminaram por derrubá-los para edificar outros
mais confortáveis.
A
olaria não dava abasto aos pedidos de telhas e tijolos. Zé Luiz e Merência se
não ficaram ricos ao menos tornaram-se credores da maioria dos habitantes.