sábado, setembro 10, 2016

Zeca Afonso
Zeca Afonso 


















Zeca Afonso foi uma personagem ímpar, inigualável no panorama musical e na história deste país.

Não possuo nenhuma preparação musical para falar da voz e da música de Zeca Afonso e nem sequer o meu pobre ouvido me pode ajudar nesse aspecto mas em mim, o impacto das suas canções é tão grande que, fora eu um crítico musical, e a diferença não se faria sentir.

A música e a voz do Zeca Afonso bate-nos em cheio, entra-nos pelos poros, sente-se na alma, comove-nos, sensibiliza-nos.

No tempo, separam-me de Zeca Afonso quase dez anos, ele nasceu em 29 e eu em 39 mas se ele não tivesse desaparecido prematuramente seria hoje, com os seus 83 anos, feitos em Agosto, o mais jovem de todos nós.

Zeca Afonso foi sempre igual a si próprio, os anos não o moldaram, a sua intransigência à volta dos valores era total porque o seu mundo não era deste mundo, o seu mundo era o da Utopia, ele mesmo explica:


Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
Afaga a cantaria
Cidade do Homem
Não do lobo mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
Nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
Lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
O nada disto custa
Será que existe
Lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
Na minha rota?


Por isso, quando começamos a falar do artista inevitavelmente acabamos na pessoa que sobreleva os restantes aspectos. Os dotes de cantor e de músico constituíram uma “prenda” da natureza a uma personalidade rica, pura e de carácter excepcional.

Por sete anos que não nos cruzámos na cidade da Beira, em Moçambique, pois ele saiu em 1967 enquanto que eu cheguei em 1972 mas o contacto aconteceu através dos seus 5 Álbuns editados por essa altura e que eu adquiri na cidade, dos quais me atrevo a destacar as Cantigas de Maio e dentro delas a enorme e deliciosa Grândola Vila Morena que de tão deliciosa que era conseguiu enganar a PIDE que não a proibiu de passar na Rádio ficando disponível para marcar o arranque irreversível da Revolução do 25 de Abril.

Dizia, um amigo meu, há muitos anos atrás, ainda em Moçambique, que sempre que ouvia a Grândola os cabelos dos braços eriçavam-se e ficava com pele de galinha… e era um pacato comerciante mais entendido em bacalhau que em música ou política.

A guerra em Moçambique não era directamente do Zeca Afonso, era da Frelimo e por isso regressou a Portugal deixando lá ficar o exemplo do único professor branco que deu aulas numa associação de negros e, claro…as canções, que foram de tal forma importantes que levaram Samora Machel, anos mais tarde, a recebê-lo com honras de Chefe de Estado.

Considero Zeca Afonso um dos injustiçados deste país: a solidariedade, a justiça social, o respeito pelas pessoas, o amor desinteressado pelos outros que foram suas bandeiras em vida, nunca constituíram verdadeiros desígnios da nossa sociedade e por isso Zeca Afonso não tinha muito espaço nela se é que tinha algum.

O Portugal dos lucros exorbitantes, dos especuladores, dos milionários na hora, dos oportunistas e corruptos, dos políticos que passam a vida a manobrar para ganharem ou manterem-se no poder, constitui uma realidade do pós 25 de Abril que seria sempre um espinho cravado no seu coração de poeta das utopias.

Mas a sua obra é vasta e está longe de ser apenas de temas políticos e sociais: as baladas, o folclore, os fados, as canções de embalar, tudo lá está na melhor voz masculina do nosso panorama musical.

Ouçam e comparem. Dizem entendidos insuspeitos que não tivera ele nascido neste pequeno país e as suas canções já teriam dado várias voltas ao mundo.

De qualquer maneira, elas estão editadas em CD e não há razão nenhuma para não nos deliciarmos em ouvi-las. 

OS OLHOS


















A vida moderna está muito distante da sociedade de pequena escala que em tempos fomos e às vezes torna-se tão hierárquica e competitiva que mais parece um bando de chimpanzés ou uma matilha de lobos.

 O que acontece quando atravessamos a divisória da cooperação em sentido contrário? Deixamos de falar e pomo-nos a apontar para mostrar as coisas uns aos outros? Evitamos o contacto visual?

Pergunto-me se os óculos de sol não serão uma maneira moderna de correr as cortinas sobre as janelas da alma, como os olhos opacos dos nossos parentes primatas. Quando não se destinam a proteger do sol, não serão usados sobretudo em ambientes sociais competitivos e hierárquicos?

Cheio de curiosidade a este respeito, David Sloan Wilson, enviou um e-mail a Mike Tomaselo, exactamente o cientista que desenvolveu a teoria "do olho cooperativo" para explicar como os nossos olhos se tornaram tão diferentes dos outros primatas, e recebeu a seguinte resposta:

- "Não conheço dados, mas vi o Campeonato Mundial de Pocker na televisão e todos eles usavam óculos escuros de sol."

Estes comportamentos revelam uma preocupação competitiva prevalecente que é o contrário da que teve por base a evolução dos nossos olhos. Incapazes de os tornar opacos, como os dos chimpazés, tapamo-los com óculos escuros.

A humanidade evoluiu, cresceram os grupos sociais, hierarquizaram-se, inevitavelmente, as "cartas" do evolucionismo estavam lançadas, a humanidade encontrava-se por sua conta..., o igualitarismo das sociedades primitivas dos Bosquímanos do Kalahari ficou desadequado, milhões de anos de evolução tornaram os nossos olhos perigosos aos nossos intentos... a competição veio para ficar, resta saber se para nos destruir.

Certo, é que nos continuamos a extasiar perante uns olhos bonitos, expressão máxima da beleza natural do rosto humano.

A evolução fez o seu trabalho, levou-nos, dentro dos nossos pequenos grupos sociais, com o toque de beleza dos nossos olhos, à igualdade, entreajuda e harmonia, e nós, para além de nos continuarmos a apaixonar por eles, vamos continuar a escondê-los para surpreendermos o nosso adversário?

Por favor, olhem-me, olhos nos olhos, frontalmente, olhem para dentro de mim, os olhos são a janela do meu rosto, abertas de par em par aguardam a tua visita, o interesse da tua pessoa por mim, há!,  e se vierem de óculos escuros, daqueles muitos escuros, horríveis e ameaçadores, que se usam agora, tirem-nos para cumprimentarem, como se fazia antigamente quando se andava de boné ou chapéu.

Nunca poderei esquecer a forma como o povo Luena se cumprimentava quando se cruzavam nos caminhos, lá nas terras do “fim-do-mundo”, do Alto-Zambeze, no Leste de Angola.

Parados, em frente um do o outro, os pulsos seguros com firmeza, perguntavam, os olhos nos olhos, brilhando de alegria por se verem:

 - “Gum”… “Gum”… “Gum”? … (estás bom?)

Jamais aquele “olá”, olhando em frente, distraído, sem parar, baixando ligeiramente a cabeça, leve aceno de braço… mais despedimento que cumprimento…

Civilização, em alguns aspectos, é retrocesso.


sexta-feira, setembro 09, 2016

Lionl Richie - Say You Say Me




A HIPOTENUSA




























Um Quociente apaixonou-se
Doidamente
Por uma Incógnita.



Olhou-a com seu olhar inumerável 

E viu-a, do Ápice à Base...

Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.

Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela.
Até que se encontraram
No Infinito.

"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode chamar-me Hipotenusa."

E de falarem descobriram que eram
O que, em aritmética, corresponde 
A alma irmãs
Primos-entre-si.

E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Rectas, curvas, círculos e linhas sinusoidais. 

Escandalizaram os ortodoxos
das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas
e pitagóricas.
E, enfim, resolveram casar-se.
Constituir um lar.
Mais que um lar. 
Uma Perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e
diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.

E casaram-se e tiveram 
uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até àquele dia
Em que tudo, afinal,
se torna monotonia.

Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Frequentador de Círculos Concêntricos. 
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
chamado amoroso. 
E desse problema ela era a fracção
Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.


Richard Dawkins
ADITAMENTO

ao EPITÁFIO




















Como podemos nós, os poucos privilegiados que, contra todas as probabilidades, ganhámos a lotaria do nascimento, atrever-nos a queixar do nosso inevitável regresso a esse estado anterior do qual a esmagadora maioria nunca despertou?

É evidente que existem excepções, mas eu desconfio, que para muitas pessoas, a principal razão pela qual se mantêm agarrados à religião não é o facto de esta dar consolo, mas de lhes ter faltado o apoio do sistema educativo e de ensino e de não ter sequer a consciência de que a não-crença é uma opção.

Isto é seguramente verdade para a maior parte das pessoas que se julgam Criacionistas. O que aconteceu, pura e simplesmente, foi que não lhes ensinaram de maneira adequada a espantosa alternativa proposta por Darwin.

Provavelmente, o mesmo será verdade no que se refere a esse mito desmerecedor que diz que as pessoas “necessitam” da religião.


Num recente colóquio realizado em 2006, um antropólogo citou Golda Meir quando lhe perguntaram se acreditava em Deus. “Acredito no povo judeu, e o povo judeu acredita em Deus”. O nosso antropólogo ofereceu a sua versão da frase: “Acredito nas pessoas e as pessoas acreditam em Deus”.



Quanto a mim prefiro dizer, simplesmente, acredito nas pessoas e sucede que as pessoas, quando devidamente incentivadas a pensar, pela sua cabeça, em toda a informação actualmente disponível, muitas vezes não acreditam em Deus e levam vidas realizadas, felizes e, naturalmente, libertas.


Vamos morrer e por isso somos nós os bafejados pela sorte. A maior das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai chegar a nascer. As pessoas potenciais que poderiam ter estado aqui, no meu lugar, mas que na verdade nunca verão a luz do dia, excedem em número os grãos de areia de deserto do Sara.


Seguramente, nesses fantasmas que não vão chegar a nascer incluem-se poetas maiores que Camões e cientistas maiores que Newton. Sabemos isto porque o conjunto de pessoas potenciais permitidas pelo nosso ADN é, esmagadoramente, superior ao conjunto de pessoas com existência efectiva.

Não obstante esta ínfima probabilidade, sou eu, somos nós, que na nossa vulgaridade, aqui estamos... e vamos morrer.




Richard Dawkins

Como, às vezes, é difícil
o papel de não viúva…



















Dois brancos e um negro estão num andaime a lavar os vidros de um grande edifício.

De repente, o negro dá um gemido, vira-se para um dos brancos e diz:

- Ai, ai, ai! Preciso cagar, vou cagar aqui mesmo!

- 'Tás maluco, pá! Vais sujar toda a gente lá em baixo!

- Mas não aguento mais, meu! Não vai dar tempo para descer!!!

- Então, bate na janela e pede à senhora que te deixe usar a casa de banho, aconselha um dos brancos.

E é o que ele faz. Assim que a velha permite a entrada, ele voa p'rá sanita.

Está o negro tranquilo a aliviar-se, quando ouve uma gritaria sem fim.

Quando sai, vê que o andaime se tinha partido e os dois brancos que trabalhavam com ele se tinham espatifado no chão.

No dia seguinte, no velório, estão lá os amigos, as viúvas inconsoláveis e o negro acompanhado da esposa, quando chega o dono da empresa onde trabalhavam.

Imediatamente todos se calam.

O empresário começa o seu discurso, dirigindo-se às viúvas:

- Sei que foi uma perda irreparável, mas vou, pelo menos, tentar aliviar tanto sofrimento. Como sei que as senhoras vivem em casas alugadas, darei uma casa a cada uma.

Também sei que as senhoras dependem dos autocarros, por isso, darei um carro a cada uma. Quanto aos estudos dos vossos filhos, não se preocupem mais, pois tudo será por conta da empresa até que terminem a Faculdade.

 E, para finalizar, as senhoras receberão todos os meses 1000 euros, para as compras.

E a mulher do negro, já meio arroxeada, não se conteve mais e diz ao ouvido do marido:

- E tu a cagar, né, seu preto de merda???

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 81




















Em Lisboa, machos, fêmeas e homens efeminados atacavam quem por, eles passasse, exibindo os atributos físicos, prometendo coisas que só eles e elas sabiam fazer. E logo marinheiros duros, com a pele gretada pelo sol e pelo sal, de quem ninguém suspeitava, caiam de súbito nos braços de um moço imberbe, de cara pintada e longas pestanas, enquanto, ao lado, o companheiro, igualmente rude, se abraçava a duas gorduchas soldadeiras e se juntava aos primeiros num beco, onde se consumava mais uma orgia indecorosa.

Aquela confusão geral, primitiva e enjoativa, gerara em Mem uma sensação próxima da repugnância. Pela primeira vez, aquele almocreve sempre bem sucedido rejeitou os avanços de muitas matronas, que ao verem-no, bonito e bem constituído, se multiplicavam em abraços, dando a entender que p queriam com um desespero amoroso exagerado, que lhe soava ridículo para depois da recusa o ofenderem com os seus protestos, antes de partirem, fugazes, ao assalto do próximo macho disponível.

Mulher rejeitada vai-se zangada...

A Almedina inteira crepitava neste frenesim, entre o comércio dos bens e dos corpos e fora talvez por isso que Mem não avançara mais nos seus inquéritos sobre Sohba, pois ninguém lhe respondia não estando ele disponível para que o provassem a baixo preço.

Perguntara inúmeras vezes aos comerciantes, aos moradores mais antigos, aos religiosos e aos curandeiros, mas depressa descobriu que a maioria estava ali de passagem, não permanecia mais de uns meses, um ano no máximo, por isso nada sabiam.

Desanimado, nessa primeira ida a Lisboa, rumava ao casebre em que se instalara, à porta do qual deixara a carroça, decidido e regressar a Santarém.

As ruas continuavam pejadas de uma turba façanhuda e inquieta, por mais de uma vez tivera de se desviar para evitar escaramuças com um mineiro trôpego incomodado por ver uma escrava a publicitar-se a Mem.

Muito encontrão dá confusão...

Em Lisboa, não se viam soldados para manter a ordem e nas ruas imperava a lei do mais forte. Embora existisse um conselho de anciãos mouros e também um bispo moçárabe, a cidade não tinha wali nomeado pelo califa Ali Yusuf e vegetava num limbo anárquico.


quinta-feira, setembro 08, 2016

IMAGEM


Tinha acabado de chover e a água inunda ainda a estrada de terra batida com o traçado dos pneus de cada lado e erva no meio. Em cima da camioneta soldados. Estávamos em guerra e havia sempre o risco das emboscadas e o medo delas não largava as nossas cabeças.... Tudo já acabou há muitos anos, apenas perdura na memória dos que por lá andaram e ainda vivem para recordar.



NO PSICÓLOGO


















Marido e mulher vão ao psicólogo, após 20 anos de matrimónio. Quando são questionados sobre o problema, a mulher faz uma lista longa e detalhada de todos os problemas que teve durante os 20 anos de matrimónio: ... pouca atenção, falta de intimidade, vazio, solidão, não se sentir amada, não se sentir desejada... A lista é interminável.

Quando ela termina de ler a lista, o terapeuta levanta-se, aproxima-se da mulher, pede a ela que pare, dá-lhe um abraço e beija-a apaixonadamente enquanto o marido os observa, desconfiado... A mulher fica muda e senta-se na cadeira, meio aturdida...

O terapeuta dirige-se ao marido e diz-lhe: - "Isto é o que sua esposa necessita pelo menos 3 vezes por semana. Pode fazê-lo?"

O marido medita um instante e responde: "Bem, posso trazê-la aqui às segundas e quartas... mas às sextas tenho futebol".

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