quinta-feira, novembro 29, 2007

Educação para o Consumo


Educação para o Consumo

A história não se escreve duas vezes, em cada momento as opções, conscientes ou meramente fortuitas, marcam em definitivo o futuro.

É assim na vida dos homens e das mulheres e é assim na vida dos países.

Se aquela senhora, já de idade, que vai a passar no outro lado da rua tivesse casado com o outro namorado, aquele que foi o primeiro amor da sua juventude e com quem rompeu por causa daquela zanga estúpida e sem jeito, teria sido mais feliz?

Nas suas cogitações mais profundas ela gosta de pensar que sim, por vezes, agarra-se mesmo a essa hipótese, vive-a em sonhos porque sabe que a sua história nunca conhecerá versão diferente da que foi na realidade.

Também eu gosto de cogitar sobre o que teria sido a vida dos portugueses e a minha própria, se à saída da 2ª G.G. Mundial o meu país não estivesse casado com Salazar tendo como companheira, na Península Ibérica, a Espanha casada com Franco.

Mas quando eu penso no que poderia ter sido a vida dos portugueses fora daquele casamento não só tenho a certeza de que teria sido diferente como, igualmente, teria sido melhor.

Um dia, Salazar, foi de férias à sua terra natal e um seu vizinho e amigo de infância contou-lhe que o filho, com algum esforço, tinha conseguido comprar um tractor e, futuramente, o amanho das terras seria melhor e mais fácil ao que o ditador reagiu recriminando o filho que estava era a querer fugir ao trabalho como aquele que o pai e os avós sempre desenvolveram.

Este pequeno episódio, revelador do pensamento e carácter daquele homem, não deixa qualquer dúvida de que o nosso futuro teria sido diferente, para melhor, fora daquele casamento.

Parece, às vezes, que certas coisas nada têm a ver com as outras mas na vida dos homens, tal como na natureza, tudo tem a ver com tudo, tudo está interligado e interdependente.

Um mau casamento pode fazer com que, quem tenha nascido doce morra azedo mesmo que, ou talvez por isso mesmo, nunca tenha emitido um grito de descontentamento ou de revolta.

Os portugueses saíram do casamento com Salazar pior do que eram por muitas toneladas de ouro que ele tenha deixado no Banco de Portugal.

As personalidades e os comportamentos são moldáveis, há até quem tenha dito que ao nascer somos como que páginas em branco nas quais alguém, posteriormente, irá escrever, o que eu acho ser um nítido exagero especialmente depois de conhecer a minha neta que fez agora 2 anos.

Mas não tenho dúvidas de que o pensamento de Salazar, difundido e propagandeado ao longo de 40 anos por uma competentíssima máquina de apoio à sua pessoa e à sua política, deixou marcas e marcas profundas, especialmente visíveis após o 25 de Abril.

Perdidas as grilhetas parecíamos um barco à deriva, um órfão à procura de um pai, abríamos a boca de espanto e fixávamos o olhar admirado em todo aquele que de cima de um púlpito improvisado arengava às massas e gritávamos, gritávamos muito, em desfiles e reuniões como se nos quiséssemos vingar pelo silencio de tantos anos.

No entanto, de uma forma geral, as pessoas apenas queriam ser felizes e ao gritarem todos aqueles chavões demonstravam que não sabiam o caminho e estavam desorientadas.

Salazar, se pudesse ter observado do seu túmulo todos aquelas cenas em que foi pródigo o pós 25 de Abril teria pensado, mais uma vez erradamente, que afinal, era ele que tinha razão.

A impreparação para viver em liberdade, para assumir de forma competente e responsável o futuro, as dificuldades para impedir assaltos ao poder por novos candidatos ao lugar do ditador, tudo isso foi uma consequência de 40 anos em que aos portugueses foi coarctada uma vida normal porque sem liberdade democrática a vida não é normal e os cidadãos também não o podem ser.


E a este propósito, reafirmemos o nosso obrigado a Mário Soares que se bateu e ganhou a sua luta pela liberdade dentro da democracia.

Tivesse ele perdido na Fonte Luminosa a marcha pela liberdade e a favor da democracia e anos mais tarde não tivesse concretizado a decisão, já afirmada no seu discurso proferido no Porto, na cimeira dos Partidos Socialistas Europeus, em 1976, de integrar Portugal na Comunidade Europeia, e tudo se teria complicado ainda mais para os portugueses.

E agora, cá estamos nós, em 2007, com o nosso rendimento em dívida aos Bancos em mais de 100% e logo os saudosistas do passado são capazes de pensar que com Salazar esta bagunça nunca aconteceria porque para essas pessoas liberdade é sinónimo de bagunça.

Eu não penso assim e sou de opinião de que se os portugueses têm a dívida que têm o melhor a fazer é começarem a pagá-la de forma a diminui-la embora, o ideal, era não terem permitido que ela tivesse chegado ao que chegou e aqui, provavelmente, estaremos a bater no ponto.

Falar de disciplina do consumo num momento em que mais de um milhão de portugueses vive dependente de pensões ou outros rendimentos tão baixos, parece mesmo falta de sensibilidade social e eu pergunto-me em que é esta situação é melhor ou pior do que aquela que existia no tempo da minha juventude em que nem sequer havia pensões.

A diferença estará na estrutura da sociedade que, por um lado, perdeu a sua ligação à terra, vivida nas aldeias e pequenos lugares que povoavam todo o país e em simultâneo, a família alargada, solidária, que se desfez com o êxodo das pessoas para as cidades dando lugar à família mono parental.

Alterou-se, em definitivo, a forma de viver e também aqui foram as pessoas da minha geração que mais sofreram os traumas dessas mudanças.

As pessoas que como eu nasceram ainda fora da sociedade de consumo lembram-se perfeitamente de como era possível viver-se bem e ser-se feliz quando as prateleiras das lojas não ostentavam mais que 10 ou 20% da quantidade e variedade de bens e produtos que hoje temos à nossa disposição, muitos deles inutilidades que nem sequer sabemos para que servem.

Estudei economia como disciplina acessória e enriquecedora do meu Curso mas, por me ter sido dada por um excepcional professor, Alfredo de Sousa, infelizmente estúpida e prematuramente desaparecido por atropelamento quando atravessava a rua numa passadeira de peões, os seus ensinamentos ainda hoje os recordo.

Lembro-me que, da mesma forma que há produtos que se destinam a satisfazer necessidades já existentes, outros há que visam satisfazer necessidades que eles próprios irão procurar criar posteriormente.

O exemplo que nos davam era sapatos, sapatos que tinham molas e permitiam que as pessoas se deslocassem aos saltos.

A nova necessidade era “andar aos saltos” e para a satisfazer ali estava o produto indicado “ o sapato equipado com molas”.

Este exemplo, meramente académico, velho de 45 anos, dá-nos a ideia de que é possível endividarmo-nos para satisfazer uma necessidade que nem sequer existia.

Hoje em dia são cada vez mais os produtos que procuram criar as suas necessidades, especialmente no campo das novas tecnologias, e como nem sempre é fácil descobrir novas necessidades, partiu-se então para os artigos “de marca” que se completam com os “da moda” e que satisfazem necessidades já preenchidas, mas têm aquilo que os outros produtos não têm: estatuto, qualidade, o dom de serem preferidos por pessoas que invejamos, com as quais gostamos de nos parecer, pessoas que nos são apresentadas como de referencia porque as vemos em todo o lado e sabemos quase tudo das suas vidas.

Um dos princípios da sociedade de consumo é o de que ele, o consumo, é a chave para a felicidade e através dele, sem qualquer esforço de outro tipo, auto promovemo-nos, melhoramos a nossa imagem, não só aos nossos próprios olhos como, principalmente, aos olhos dos outros.

Tive esta lição comigo próprio quando comprei, há muitos anos, o meu primeiro automóvel.

Lembro-me bem de qual era o meu estado de espírito quando viajei para Lisboa para levantar no Stand o meu Renault 8S, todo amarelinho, com 4 faróis, 1100 cm de cilindrada e, vejam lá, carburador de Corpo Duplo!

Não foi num automóvel mas em felicidade pura que regressei a casa pela auto-estrada Lisboa-Porto que terminava em Vila Franca de Xira.

A pouco e pouco, com o tempo, aprendi que afinal não passava de um meio de transporte que se transformaria numa inestética sucata caso chocasse contra uma das numerosas árvores que ladeiam a estrada para Almeirim.

A felicidade que se obtém através de certo consumo é uma fraude em que todos podemos incorrer mas perigosa, especialmente, se não nos apercebermos disso e insistirmos no erro uma vida inteira.

A felicidade ou a sua procura tem outros caminhos que não os do consumo, não vão dar a nenhum Stand nem à porta de nenhuma loja por mais chique que ela seja, seria demasiado fácil se assim fosse.

Pior ainda, é que não temos nenhuma receita para lá chegar e a procura faz-se dento de cada um de nós colocando de lado o efémero que não resiste ao tempo que passa, por vezes de bem curta duração, e tem a vantagem de, pelo menos, não terminar na DECO, num processo de renegociação das dívidas.

E se me permite um conselho, uma pista, um palpite, o que quiser chamar-lhe, procure no amor... talvez lá encontre…não garanto nada…


















segunda-feira, novembro 26, 2007

Educação para o consumo


Educação para o Consumo


Leio nos jornais que o nível de endividamento dos portugueses já ultrapassou, em muito, os 100% e como isto só pode ser um valor médio eu faço ideia do que, em certos casos, esta situação não poderá atingir.

É certo que parte considerável desta dívida tem a ver com o crédito à habitação uma vez que a partir de um certo momento os portugueses fizeram as contas e chegaram à conclusão que se haviam de passar a vida a pagar uma renda sem que a casa alguma vez fosse deles, fazia mais sentido que em vez da renda pagassem uma prestação ao Banco, mesmo que fosse um pouco mais cara, mesmo que levasse muitos anos a pagar.

Ao fim de todos esses anos sempre teriam uma casa para deixar aos filhos e se a morte os surpreendesse prematuramente a casa até ficaria automaticamente paga.

Isto foi assim num determinado contexto especialmente favorável principalmente pela reduzida taxa de juros e por uma situação do emprego relativamente estável e generalizado, em muitos casos, a ambos os cônjuges.

Claro que no fim das prestações a casa é paga duas ou três vezes mas isso é o negócio dos bancos para os quais este tipo de crédito constituiu uma autêntica galinha dos ovos de ouro.

O pior é quando, a seguir à casa, os portugueses começam a pedir dinheiro para comprar o carro, depois para fazerem obras na casa, a seguir para irem de férias de acordo com o slogan do “ vá primeiro e pague depois”e, finalmente, para o consumo, todo o consumo, desde as compras do super mercado aos livros para os filhos no início dos anos lectivos, etc…

Os débitos avolumam-se e acumulam-se e se alguma coisa de mau acontece ao casal: doença, desemprego, divórcio, etc…temos, de imediato, uma situação de ruptura em que já não é possível contrair mais dívidas para pagar as anteriores.

Não obstante, com toda a desfaçatez, os Bancos continuam a oferecer mais dinheiro que será entregue de um dia para o outro a partir de um simples telefonema…

É a volúpia do consumo, a simplicidade dos cartões de crédito que agora até servem para cortar as pizas (veja-se até que ponto chega a alienação), o poder de persuasão da publicidade que vende tudo, inclusive presidentes da República, segundo certos gurus, enfim, um conjunto de razões que formam uma armadilha, uma teia, um conluio que vai arrastando para o abismo os mais fracos, distraídos e optimistas, aqueles que só pensam o hoje pela dificuldade que têm em pensar o amanhã.

São estes os tempos que vivemos proporcionados pelo sistema capitalista, máquina tão poderosa de produzir riqueza quanto deficiente na sua distribuição.

O Estado faz tentativas para corrigir essas imperfeições mas a remuneração do grande capital e a sua cada vez maior concentração facilmente deixa perceber que o verdadeiro poder está a passar-se do político para o económico e contra isso não há democracia que resista pois os verdadeiros senhores do poder, sentados nos Conselhos de Administração dos grandes Grupos Económicos, não se submetem ao escrutínio das urnas.

Mas regressando ao nosso tema, nos meus curtos e rapidíssimos sessenta e oito anos de vida, foi-me dado conhecer outros tempos que não gosto de evocar por terem sido de grandes dificuldades para a maioria dos portugueses mas em que nada disto acontecia.

Não havia liberdade, também não havia que comer e estávamos a sair de uma guerra em que foram mortos mais de 6 milhões de pessoas mas que passou ao lado dos portugueses.

O regime mandou, então, que agradecêssemos a Salazar e à Virgem Santíssima e para a Europa começou uma nova vida de progresso, finalmente em paz e liberdade… até hoje.

Nós, impedidos de manifestar o nosso desagrado sob o risco de sermos alcunhados de comunistas e presos por constituirmos um perigo para a Ordem Pública e a Segurança do Estado, cá continuámos tristes e sós contando os tostões no fundo do bolso e bebendo copos de vinho tinto porque beber vinho era, então, dar de comer a um milhão de portugueses.

As compras faziam-se na mercearia do Sr. Zé e pagavam-se a pronto mas, claro, também havia os fiados e aí ele tirava o lápis de trás da orelha e escrevia num livrinho estreito e comprido que logo metia na gaveta.

As coisas de vestir, os ricos compravam-nas na Casa Africana ou nas Lojas do Chiado, os outros, nas feiras e mercados ou então na lojinha de tecidos do bairro e na capelista as linhas, elásticos e os botões.

Vivíamos então numa estrutura social que tinha como base os bairros e as aldeias e dentro de cada um todos pareciam conhecer-se porque eram sempre os mesmos, a mobilidade era pouca, viajar não era fácil e quando se partia era para longe, pelos chamados caminhos da emigração.

E vivia-se segundo princípios, códigos rígidos de comportamento, vigiados atentamente pelos padres e regedores nas aldeias e pelos polícias nas cidades.

O mundo era um bocadinho a preto e branco: pobres e ricos, bons e maus, céu para uns, inferno para os outros, tudo muito simples e compartimentado.

Quase sempre tudo se definia pelo nascimento: nasce pobre, vive e morre pobre, nasce rico morre rico, mesmo que pela vida fora perca tudo não perde a condição nem o estatuto.

Foi uma fase propensa a ideais políticos e sociais porque as desigualdades eram gritantes e não eram disfarçáveis, conviviam connosco, faziam parte da nossa vida, não tinham nada a ver com os sem abrigo que se podem ver hoje nas grandes cidades e também porque, creio, há um sentido de justiça nato em cada homem ou em quase todos.

Nasci na zona oriental de Lisboa, no Poço do Bispo, quase no último prédio da Rua José do Patrocínio, para lá dele a rua estreitava para metade e conduzia ao bairro chinês, provavelmente o mais antigo e importante dos ex-bairros de lata da nossa capital.

Eu era, então, um menino rico, o prédio, de renda, onde nasci e vivi os meus primeiros dez anos era revestido a azulejos, tinha degraus que davam acesso a um terraço e estava sobre elevado relativamente à rua para que as aguas das chuvas, no Inverno, quando desciam do bairro chinês em corrente tumultuosa que enchia a rua de lado a lado não incomodasse os moradores.

Nessa época não parecia mal que os ricos não fossem incomodados pelas chuvas mesmo quando ao lado os pobres viam os seus poucos haveres virem de escantilhão embrulhados pelas águas das cheias.

Pobres e ricos eram quase como castas e os meninos da rua, de pé descalço, não se misturavam com os ricos que usavam bons sapatos, meias e calças à golfe como se viam aos meninos ingleses.

Mas eu era uma criança e aquelas profundas diferenças, ali, tão próximas, à vista do meu terraço, desagradavam-me e eu invejava aqueles miúdos, era eu que tinha vergonha deles, que tinham liberdade para correrem descalços pelo meio da rua, alegres, aparentemente felizes, sem o risco, sequer, de serem atropelados pelos carros que não tinham acesso ao bairro chinês e o Vauxhall da série 12 que o meu pai comprou no fim da guerra foi o primeiro automóvel lá da rua.

O Consumismo era um conceito desconhecido e mesmo os ricos quando perdiam o que tinham ou era no jogo ou com amantes.

Mesmo aqueles que viviam então, remediadamente, para os níveis de vida da altura, sem chegarem a constituir ainda uma classe média, tinham mesmo que contar o dinheiro até à última moeda...é que o Estado Social ainda estava para nascer.

Quando fui colocado em Évora, no Regimento de Infantaria 16, como Aspirante a Oficial Miliciano, em 1961, ganhava 1.800 escudos (9 euros mensais) e lembro-me de um blusão de cabedal, verde, acolchoado por dentro, lindo, que era usado pelos Oficiais do Exército e fez as minhas delícias.

Comprei-o no Casão Militar a descontar no meu ordenado em 10 prestações mensais e anos mais tarde, na guerra, caiu-me do jeep numa das intermináveis viagens pelas picadas do Leste de Angola, nas chamadas terras do fim do mundo.

Espero que alguém o tenha encontrado e com ele se tenha defendido do frio que ali fazia de noite na época seca.

Eu ficarei, para sempre, com a saudade do Blusão que me fascinou como nenhuma outra peça de vestuário em toda a minha vida.

As pessoas, então, nem sequer tinham condições para se endividarem, isso era coisa para ricos, por isso os Bancos eram poucos e não acumulavam fortunas de ano para ano como agora acontece.

O Crédito ao Consumo em grande escala só apareceria muitos anos mais tarde com a progressiva ocupação de todo o país pelos Supermercados, os Grandes Espaços Comerciais e os portugueses, todos eles, transformados em consumidores, muitos deles compulsivos, nova doença da sociedade dos dias de hoje.

Por isso, eu e os da minha geração, que nascemos e vivemos numa sociedade que não era de Consumo, percebemos melhor a necessidade de Educar para o Consumo porque tendo vivido nos dois mundos temos a experiência de como era limitada a qualidade de vida do primeiro, da mesma forma que a do segundo é aliciante e perigosa.

(Cont.)



















Site Meter