Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, novembro 22, 2014
Carpenters - (They Long To Be ) Close To You (1970)
Já aqui falámos deles, não importa. A qualidade e bom gosto da sua música não cansa. The Carpenters foi uma dupla musical da década de 1970, composta pelos irmãos Karen (1950-1983) e Richard Carpenter(1946). Com seu estilo melódico, eles levaram à parada de sucessos muitas canções no Top 40 da música americana, tornando-se representantes do soft rock e se incluindo entre os artistas mais representativos da década . Embora fossem referidos como "The Carpenters", sendo "the" o artigo definido em inglês, o nome oficial do duo era simplesmente "Carpenters" . Durante adécada de 1970, quando bandas de rock pesado faziam muito sucesso, Richard e Karen produziram uma música suave e bem distinta que os alçou entre os artistas que mais venderam discos em todos os tempos.
perguntou à mãe:
- "Mamã, posso levar a
cachorrinha para andar em volta do quarteirão? " A mãe respondeu:
- "Não, porque ela está no
cio."
- "O que é isso?" perguntou
a menina.
- "Vá perguntar ao seu pai. Acho
que ele está na garagem."
A garotinha foi até à garagem e
disse:
- "Pai, posso levar a LulaBelle
para uma volta no quarteirão? Eu pedi à mãe, mas ela disse que a cachorrinha
está no cio, então eu vim falar com o pai..."
Diz o pai:
- "Traga a
LulaBelle aqui ."
Então pegou num pano, embebeu-o com
gasolina e esfregou as costas da cachorrinha para disfarçar o cheiro, e disse:
- "Tudo bem, pode ir, mas
mantenha LulaBelle na coleira e só dê uma volta ao quarteirão."
A garotinha saiu e voltou poucos
minutos depois sem a cachorrinha na coleira. Surpreso, o pai perguntou:
- "Onde está a LulaBelle?"
Diz a menina:
- "Acabou a gasolina dela a meio
do quarteirão e por isso, outro cachorro está a empurrá-la até nossa
casa."
Mia Couto |
"Um país pobre é aquele que em vez
de produzir riqueza produz ricos"
Dizia Mia Couto que "um país pobre é aquele que em vez de produzir
riqueza produz ricos"e dizia mais que a produção de riqueza está acompanhada do pagamento de salários ao fim do mês para que outras famílias possam viver.
É precisamente o que não se tem visto ao longo das
últimas décadas em Portugal. Nunca se viram tantos ricos a
aparecer e, todavia, o país não passa da cepa torta. Isto tem sido
particularmente evidente nestes últimos três anos, não pararam de aumentar os
milionários enquanto a miséria se vai multiplicando a céu aberto.
Nos últimos anos não surgiu qualquer
grande investimento em Portugal, não foi criada uma nova empresa de sucesso,
não se lançaram produtos novos no mercado. Algumas grandes empresas deixaram de
o ser, empresas de referência definham, grandes empresas foram vendidas a quem
mais deu a troca de liberdade para aumentar preços e taxas. O país não cresceu,
a economia não se modernizou, o PIB encolheu mas há mais milionários.
Em Portugal já nem se fala de criação
de riqueza, dispensam-se os mais jovens e mais capazes apontando-se-lhes as
fronteiras, os mais ambiciosos e, para usar um termo muito na moda, os mais
empreendedores partem. Numa economia sem concorrência, onde a corrupção é um
meio de chegar a muitos fins, onde os governantes são personagens ridículas
como se vê na Justiça ou no Ensino vencem os mais espertos e perdem os mais
inteligentes, sobrevivem os mais fracos e partem os mais ambiciosos.
Elogiam-se as exportações mas não se
questiona o que se exporta, chama-se investimento a dinheiro que não trás know
how, não transporta capacidade de inovação, não procura criar riqueza, chama-se
investimento a uma aqui sição de uma
casa se for um chinês a comprar, mas se for um português já é consumir acima
das possibilidades. Manda-se um sector abaixo para acabar com a renovação das
escolas ou para se adiar o túnel do Marão, mas criam-se vistos dourados para os
chineses reanimarem o mercado imobiliário.
Não admira que os governantes ignorem
o PIB, a inexistência de casos de sucesso, a total ausência de investimento na
indústria portuguesa. O sucesso agora mede-se no desemprego que diminui porque
os jovens partiram, nas exportações que aumentaram porque as empresas ficaram
sem mercado em Portugal e exportam a qualquer custo, no equi líbrio
das contas públicas porque se reduziram grupos sociais à miséria.
É neste país pobre e podre que um
político odiado pela maioria dos portugueses, conhecido pela sua prosápia, vai a um parlamento dirigir-se aos
deputados eleitos pelo povo que os partidos da oposição criam menos empregos do
que a Remax.
Tem toda a razão, os partidos da oposição não compram submarino,
não escolhem os directores-gerais e os secretários-gerais corruptos, não
alimentam as gorduras do Estado. Os partidos da oposição não criam empregos e,
em contrapartida, os partidos do governo criam muitos empregos, enriquecem
muita gente mas não promovem o aumento da produção de riqueza. Como diria
Lavoisier nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma e o que este governo
tem feito não é enriquecer o país mas sim promover a transferência de riqueza
através da austeridade e, mais recentemente, através de esquemas e mecanismos
que estimulam e promovem a corrupção.
Do Jumento
Guenta aí , tribufu, que venho já. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 105
Assim nasceu a Baixa dos Sapos para onde
se dirigiam agora tropeiros e ajudantes em busca de um agrade mulher; naquela
circunstância, com o armazém fechado, iam mais cedo na esperança de um gole de
cachaça ou de café. Outros deixavam-se ficar no descampado colhiam uma jaca
mole bem madura para encher o bandulho, não há refeição que se lhe compare no
sabor e na sustância.
3
Ao anoitecer do terceiro dia, em meio a
continuas pancadas
de chuva, o nomeado Manezinho desembocou
em Tocaia Grande ,
seguido por outros dois jagunços, Chico Serra e Janjão.
Cavalgavam animais em pêlo, laços de
corda em torno dos pescoços em lugar de brida ou de cabresto: luzidios burros
de sela, de trato fino e pasto gordo, escolhidas montarias de coronéis.
Entraram atirando para que não restassem
dúvidas. Detiveram-se no descampado onde os condutores dos primeiros comboios a
pernoitar naquele sítio haviam construído uma espécie de toldo de palha,
precário abrigo contra o sol e a chuva.
Ali acendiam fogo, assavam charque,
cozinhavam inhame e fruta-pão, ferviam café e praticavam sobre a vida e a morte
ou seja sobre a lavoura de cacau, tema eterno e apaixonante.
Exibindo a harmónica, Pedro Cigano
acabara de propor aos cidadãos presentes aliciante trato: arrebanhar duas ou
três quengas e organizar um fovoco em troca de algumas moedas de vintém.
A
espevitada negra Dalila, à procura de freguês, louvara a idéia: nada melhor do que
um arrasta-pé para amenizar a noite.
Fuque-fuque com mulher na cama inda é
melhor, discutira um araçoaba ajudante de tropeiro fitando o rabo da negra com
cobiça: arrogante flofó de tanajura, mas cadê dinheiro para pagar tanta
insolência?
Com os tiros e o tropel dos burros a conversa
esmoreceu.
Os cabras qui seram
saber onde ficava a casa do turco. Ali adiante mas devido à viagem do
proprietário as portas do cacete armado estavam fechadas por uns dias.
-
Nós abre. Pra quem não sabe, meu nome é Manezinho.
- Disse e após correr a vista pelo grupo
partiu na direcção indicada.
Naturalmente com o objectivo de demonstrar
a precisão da
pontaria, Chico Serra alvejou na árvore
próxima o talo de uma fruta-pão e a derrubou. Debruçando-se sobre o animal,
Janjão estirou a mão e sopesou a bunda da rapariga:
-
Guenta aí, tribufu, que eu volto já.
sexta-feira, novembro 21, 2014
IMAGEM
Suponhamos que este vale profundo cavado entre altas montanhas separava duas regiões importantes para as quais ele era a única passagem natural. Claro que, quem ocupasse estas encostas, mandava no vale e quem lá quisesse passar teria que lutar para se defender a si e às mercadorias que levava. A alternativa, com vantagens para ambas as partes, era pagarem uma certa importância aos donos do vale e passarem em paz. Ou seja, pagavam a "valagem", mais tarde chamar-se-ia "portagem".
Erasmo Carlos - Sentado à beira do caminho (1969)
Cantor e compositor famoso pelas suas parcerias com Roberto Carlos
Monsaraz |
MONSARAZ
A Aldeia Mais Antiga de Portugal
Toda a aldeia era feita de um tempo antigo: nas casas, nas ruas, nos usos e costumes.
Mesmo nos corpos dos aldeões, no jeito especial de os utilizarem, tinham também um toque rude e primitivo.
O modo de andar, por exemplo, era desengonçado e langão, como se levassem às costas a sua carga de séculos mas era sobretudo nas casas que o peso do tempo mais se sentia.
A gente olhava-as e via logo que tinham sido casas construídas no eterno.
Virgílio Ferreira
Está escuro aqui, não está?
Uma
dona de casa recebe um amante todos os dias em casa, enquanto o marido
trabalha.
Durante esse tempo ela mete o filho de 9 anos trancado no armário do quarto. Certo dia o marido chega a casa e o amante ainda lá está. Então ela tranca o amante no armário onde estava o filho. Ficaram lá um bocado, até que o miúdo diz:·
- Tá escuro a
- Tá... - Eu tenho uma bola de ténis para vender... - Que giro! - Queres comprar? - Não! - Pronto... Se preferes que eu diga ao meu pai... - Quanto é que queres pela bola? - 25 Euros. - Toma.·
Uma semana depois, o marido torna a chegar cedo.
O amante está em casa.
O miúdo está no
armário. O amante vai para o armário.
Eles
lá ficam em silêncio até que o miúdo diz:·
- Tá escuro a - É, está. - Eu tenho a - Que bom. - Queres comprar? - 150 Euros??? É muito cara! - Se preferes que eu diga ao meu pai... É contigo. - Não, não... Eu compro. - A Outra semana depois, o marido torna a chegar cedo.· O amante está em casa.
O
miúdo está no armário.
O
amante vai para o armário.
Eles
lá ficam em silêncio até que o miúdo diz:·
- Tá escuro a - É, está. - Eu tenho a - Que bom para ti.
- Queres comprar?
- 500 Euros??? Tás doido?!! - Se preferes que eu diga ao meu pai... É contigo. - Não não, eu compro, eu compro. No fim-de-semana, o pai chama o filho: - Pega na bola e na raquete e vamos jogar.
- Não posso. Vendi tudo.
- Vendeste? Por quanto? - 675 Euros. - Não podes enganar os teus amigos assim. Vou levar-te agora ao padre para te confessares.· Chegando à igreja, o miúdo entra pela portinha, ajoelha-se e fecha a portinha. Abre-se uma janelinha e aparece o padre.
- Meu filho, não temas a Deus,
diz e Ele perdoar-te-á. Qual é o teu pecado?
- Tá escuro a - Não vais começar com essa merda outra vez, pois não??? |
Um minuto depois liguei
de novo e disse com a voz calma:
- Eu liguei há pouco porque estava alguém no
meu qui ntal. É para informar que já
não é preciso muita pressa, porque eu já matei o ladrão com um tiro de uma
pistola calibre 9 mm ,
que tinha guardada cá em casa, já há anos para estas situações. O tiro fez um
belo buraco no pobre diabo!
Passados menos de três
minutos,
estavam na minha rua cinco
carros da GNR, um carro do INEM, uma unidade de resgate, duas equi pas da TVI, uma da SIC e um representante duma
entidade de direitos humanos.
Acabaram por prender o
ladrão em flagrante, que ficou boqui aberto
a olhar tudo o que se estava a passar, com cara de parvo.
Talvez ele estivesse a pensar
que aquela era a casa do Comandante Geral da GNR.
No meio do tumulto, o GNR
encarregue desta operação,
aproximou-se de mim e disse-me:
-Pensei que tivesse
dito que tinha morto o ladrão !!!
Eu respondi:
- Pensei que
tivesse dito que não havia
nenhuma viatura disponível!
Casa de puta em rua de frente não dá |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 104
- Por que não botou um faz-as-vezes?
-
E quem haverá de ser?
- Pedro Cigano tá aí sem fazer nada...
- Se a venda fosse de mecê, mecê deixava
na mão dele?
Sentiam falta do armazém. A vida se
modificara, tornara-se mais fácil desde que Fadul se estabelecera em Tocaia Grande :
escusado carregar mantimentos para o pernoite havendo ali o necessário.
Ademais, como o fazia nos tempos de
mascate, Fadul costumava fiar - com garantia e pequeno ágio - quando o camarada
voltava liso dos povoados ou das cidades, tendo deixado nas ruas de canto os
derradeiros cobres.
Os comentários findavam sempre na relembrança
de ditos e feitos do turco embusteiro e ladravaz, mas finalmente um bom
sujeito.
Terminavam indo ao encontro das mulheres
da vida:
-
Vai ver, as meninas arresolveram trancar os balaios...
O número de raparigas variava, umas
chegavam, outras partiam, puta não esquenta lugar. Fixas, uma meia dúzia, não
mais, em aglomeradas palhoças defronte do rio, no extremo oposto do barracão no
qual o coronel Robustiano Araújo depositava o cacau seco, pronto para ser entregue
aos exportadores.
Coroca, ao escolher o sítio para a casinhola
cuja construção o capitão Natário da Fonseca empreitara recentemente com
Bastião da Rosa e Lupiscínio, recusou erguê-la no Caminho dos Burros:
-
Quero aqui mesmo... Casa de puta em
rua de frente não dá certo. Rua de frente é para as casas
de família.
Lupiscínio admirou-se:
-
Que família, dona Coroca?
Com o respeito devido aos mais velhos,
tratava-a por dona e
mandava o filho e auxiliar de
raspa-tábua, Zinho, um meninote, tomar-lhe a bênção.
-
Não demora, vancê vai ver.
-
Será deveras?
-
É melhor ficar logo aqui , perto dos
sapos, do que mais tarde ser mandada embora. Hoje tudo é igual, não faz
diferença, mas no doravante quem é que sabe?
quinta-feira, novembro 20, 2014
Gilbert O' Sullivan - Alone Again (1972)
Compositor e cantor, irlandês, nascido em 1946. esta canção juntamente com o Get Down foram os seus grandes êxitos.
Após uma discussão, o marido sai irritado para o trabalho e grita para a esposa:
- E quer saber mais, nem na cama você é boa!!!
Passado algum tempo, arrependido, ele liga para casa para pedir desculpas. A mulher demora a atender….
- Por que demorou tanto para atender? Pergunta ele.
- Estava na cama. Responde ela.
- Na cama, a uma hora destas, fazendo o quê?
- Ouvindo uma segunda opinião!!!
CARTA PARA JOSEFA,
MINHA AVÓ
(de José Saramago)
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito. Não sabes ler.Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água.Viste nascer o Sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal! Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte.Trave da tua casa, lume da tua lareira sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do Mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos da rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Tens grandes ódios por motivos de que já perdeste lembrança, grandes dedicações que assentam em coisa nenhuma.Vives. Para ti, a palavra Vietnam é apenas um som bárbaro que não condiz com o teu círculo de légua e meia de raio. Da fome sabes alguma coisa: já viste uma bandeira negra içada na torre da igreja. (Contaste-me tu, ou terei sonhado que o contavas?...) Transportas contigo o teu pequeno casulo de interesses. E, no entanto, tens os olhos claros e és alegre. O teu riso é como um foguetede cores.Como tu, não vi rir ninguém.
Estou diante de ti e não entendo.Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este Mundo e não curaste de saber o que é o Mundo.Chegas ao fim da vida, e o Mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, uma coisa que não fazia parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal, a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha vã e chão de terra batida. Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrugada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos- e continuo a não entender.
Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Porque foi então que te roubaram o mundo? Quem to roubou? Mas disto entendo eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesses compreender.Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti- e sem mim.Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido. Fico com esta culpa de que me não acusas- e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: "O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!"
É isto que eu não entendo- mas a culpa não é tua.
José Saramago
José Saramago
A avó de Saramago era analfabeta, natural naquela época e naquele meio, e esta carta foi publicada no jornal lisboeta "A Capital", em 1968. É emocionante pensar que 30 anos depois o neto receberia o Prémio Nobel da Literatura.
Nota - Também eu tive uma avó como a do José Saramago: mulher pequenina, da aldeia, vestida de preto, lenço na cabeça que nunca tirava a não ser para o ajeitar. Nascida ainda bem dentro do século XIX, nunca me lembro de a ver a ler mas saberia escrever o nome. Eu era o seu neto mais velho e adorava-a pela sua descrição, pelos seus silêncios, pelas suas observações sensatas, a mim que só ia passar férias à aldeia, as mais felizes da minha vida.
Não me dava carinhos como a minha outra avó, a da cidade, não me contava histórias mas recordo os seus ensinamentos para toda a vida: "comer queijo sem pão é desgoverno", o "conduto não enche barriga" e se não gostasse da comida "comesse pão com azeitonas". Os seus sorrisos bonitos e suaves porque "muito riso é sinal de pouco siso" que se desenhavam sobre a dentadura que o meu avô, vindo do nada, tinha sido homem de muitas posses. Conheci-o já entrevado, numa cadeira de rodas, sem conseguir falar, mas ali, onde eu o via, já tinha montado duas fábricas de telhas e tijolos, viajado pela Alemanha onde tinha comprado máquinas que, contavam os homens velhos da aldeia, tiveram de ser puxadas por seis juntas de bois.
A minha avó "pequenina" assim lhe chamava porque a outra que pesava mais de 100 kg era a avó "grande" e tinha em vida e exuberância o que a "pequenina" tinha em discrição.
Hoje, aos 75 anos, afirmo que já não há avós como eu e Saramago tivemos. Preenchem o meu imaginário e sem elas o meu passado ficava incompleto.
Não me dava carinhos como a minha outra avó, a da cidade, não me contava histórias mas recordo os seus ensinamentos para toda a vida: "comer queijo sem pão é desgoverno", o "conduto não enche barriga" e se não gostasse da comida "comesse pão com azeitonas". Os seus sorrisos bonitos e suaves porque "muito riso é sinal de pouco siso" que se desenhavam sobre a dentadura que o meu avô, vindo do nada, tinha sido homem de muitas posses. Conheci-o já entrevado, numa cadeira de rodas, sem conseguir falar, mas ali, onde eu o via, já tinha montado duas fábricas de telhas e tijolos, viajado pela Alemanha onde tinha comprado máquinas que, contavam os homens velhos da aldeia, tiveram de ser puxadas por seis juntas de bois.
A minha avó "pequenina" assim lhe chamava porque a outra que pesava mais de 100 kg era a avó "grande" e tinha em vida e exuberância o que a "pequenina" tinha em discrição.
Hoje, aos 75 anos, afirmo que já não há avós como eu e Saramago tivemos. Preenchem o meu imaginário e sem elas o meu passado ficava incompleto.
Turco filho de uma égua. Logo hoje... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 103
Por trilhas e atalhos, caminhos e estradas do rio das Cobras a fama de riqueza do Turco Fadul corria à boca pequena: dinheiro escondido, anéis de brilhante, patacões de ouro.
Havia quem afirmasse ter espreitado
libras esterlinas: cintilantes, encandeavam a vista. Jamais poderiam imaginar
que no lenço e na sacola estavam capital e lucro, seu pé-de-meia, tudo quanto
possuía afora a sobra do sortimento deixada no armazém.
Após ter atendido à freguesia da
madrugada, pendurara bem visível na frente do negócio um aviso penosamente
desenhado em letras maiúsculas na tampa de uma caixa de sapatos: fechado por ausência
do dono.
Trancadas por dentro, com barras de
madeira, as duas portas do armazém e, à chave, a da entrada dos fundos, de manhãzinha
meteu o revólver na cintura e aproveitou a companhia de Zé Raimundo que tangia
numeroso comboio procedente da Fazenda da Atalaia para entreter a caminhada até
Taquaras, três léguas e meia no calcanho.
De visita a uma comadre que exercia na
estação, uma tal Zelita, com eles ia também Coroca. Magrela, chocha, pesava
quase nada. Zé Raimundo a escanchou entre dois sacos de cacau em cima da
cangalha de Lua Cheia, mula forte e mansa, madrinha da tropa: guizos sonoros
nos cabeçotes e no peitoral.
Sobranceira, Coroca dava-se ares de mulher de
capataz, de amásia de fazendeiro.
Fadul, bornal ao ombro, ria à toa na
antecipação das regalias que o aguardavam em Itabuna. Somente
no trem, ao querer descascar uma laranja, deu-se conta de que esquecera em Tocaia Grande o
canivete de estimação.
2
Nos dois primeiros dias da ausência de
Fadul, nada de mais
grave sucedera. Depois de descarregar os
animais, tropeiros e ajudantes dirigiam-se ao “cacete armado do turco”. Assim
diziam referindo-se à casa de negócio de Fadul, levantada em madeira, material
barato, numa das pontas do renque de casebres de barro batido inicialmente
conhecido por Caminho dos Burros, depois e durante vários anos por Rua da
Frente.
Na ocasião, Tição Abduim ainda não
morava em Tocaia Grande
onde iria erguer logo a seguir a primeira casa de pedra e cal para nela
instalar oficina de ferreiro; o armazém era a construção principal do arruado.
Tropeiros e ajudantes chegavam suados,
cobertos de poeira e lama, sedentos, necessitados de um trago de cachaça para
restaurar as forças, para combater o frio ou o calor conforme fosse.
Deparavam-se com o aviso, se havia algum que
soubesse ler e assinar o nome, soletrava a comunicação para os demais, caso
contrário recebiam a notícia da boca das raparigas.
Entre xingos e risadas discutiam a falseta do
turco que os largava no ora-veja para ir abastecer o merca-tudo.
-
Turco filho de uma égua. Logo hoje...