sábado, setembro 07, 2013

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Aproveite a ideia...


RAÚL SOLNADO - A GUERRA DE 1908

MARIAH CAREY - MY ALL

O MITO DO FILHO

 PRÓDIGO



A natureza é a nossa casa e não nos podemos comportar sucessivamente como na história do Filho Pródigo que, depois de estouvadamente ter desbaratado a herança, regressa a casa arrependido e envergonhado pedindo para ser tratado apenas como criado pois ele próprio sente que não merece mais.

Em vez disso, com surpresa sua, é recebido com grande alegria, como alguém renascido para uma vida mais sustentável.

Hoje mesmo, voltei a ler a notícia, recorrente, de que as comunidades indígenas de toda a Malásia, maior exportadora do mundo de madeira tropical, desencadeiam guerra aos madeireiros que lhes destroem as florestas.

O colapso repetido de civilizações passadas e o destino incerto da nossa é como o desbaratar da nossa herança numa vida de dissipação.

Antes de ficarmos verdadeiramente empobrecidos e envergonhados, como o filho pródigo, talvez seja a altura, depois de regressarmos a casa, vermo-nos como parte integrante da natureza que insistimos em destruir.

O filho pródigo só passou por esta mudança de atitude depois de ter sido vencido pelos antigos hábitos.

É duvidoso acreditar que temos capacidades especiais dadas por Deus que nos tornam mais felizes em todos os aspectos.

Para deixar os velhos hábitos que trouxeram a casa o filho pródigo arrependido e envergonhado, entre outras coisas, é preciso abandonar as explicações sobrenaturais como um primeiro passo na vasta estrada que temos de percorrer com vista à recuperação.

Esta convicção secular de que ocupamos um lugar à parte em relação ao resto da natureza deveria traduzir-se em capacidades que nos permitissem reger por regras diferentes das das outras espécies. É verdade que gostamos de comer e de sexo, e aí não nos diferenciamos, mas a riqueza da nossa diversidade cultural permite-nos escolher o nosso destino porque, ao contrário das outras espécies, o nosso comportamento não está geneticamente determinado.

E, no entanto, estes nossos atributos únicos evoluíram ao longo de um período de milhões de anos, 6 aproximadamente. Representam modificações dos grandes símios que têm cerca de 10 milhões, dos primatas, 55, dos mamíferos, 240, dos vertebrados, 600 milhões e, finalmente, a partir da evolução dos atributos das células nucleadas, aproximadamente há 1500 milhões de anos.

Mas será necessário recuar tanto para compreender os nossos atributos? Se julga que não, pense apenas, com um pouco de humildade, que o gene que controla o nosso apetite é partilhado pelos nemátodos que são pequenos seres semelhantes às minhocas.

Quando muito, os nossos atributos únicos, assemelham-se apenas a um anexo de uma enorme mansão com muitos quartos construídos pela evolução, a maioria dos quais partilhamos com outras espécies.

Pensar que podemos ignorar tudo com excepção desse anexo é pura estultícia.

Relativamente às antigas maneiras de pensar, temos que cultivar a humildade própria dos programas dos Alcoólicos Anónimos para nos podermos preparar para as novas maneiras de pensar.

Vamos rever os passos que temos de dar no longo caminho rumo à recuperação:

- Em primeiro lugar, abandonar a noção de que possuímos qualidades especiais que nos foram instaladas pelo Criador;

- Em segundo lugar, reconhecer que vivemos numa mansão com muitos quartos, a maioria dos quais partilhados com outras espécies;

- Finalmente, admitir que o nosso quarto especial requer a mesma compreensão pormenorizada da evolução que opera a múltiplas escalas de tempo que é necessária para compreender o nosso sistema imunitário que abordaremos num próximo texto.

Estas conclusões decorrem da teoria da evolução a um nível tão fundamental que é muito pouco provável estarem erradas.


"A Evolução Para Todos" de David Sloan Wilson

JUBIABÁ

Episódio Nº 105

Os pés estão doridos da caminhada. Ele poderia ter dado uma surra única no Zéquinha. Pois ele não era o Baldo, o boxeur? Não derrubara tantos outros no Largo da Sé, na Baía?...

Sim, ele poderia ter derrubado Zéquinha a socos. Mas ele viera com uma foice. Homem não briga de foice e traição se paga com traição… Por isso puxara o punhal e o deixara cair para cravar o outro nas costas de Zéquinha.

E quem ganhara com tudo isso fora Filomeno, que agora deveria estar na sentinela olhando para Arminda… Ele mataria Filomeno se pudesse ir até casa de Zéquinha.

O cadáver estaria estendido no girau com a ferida nas costas. Filomeno pôs, com certeza seu punhal no cinto e depois porá Arminda na sua casa. Ele devia ter matado era Filomeno.

Agora estava encurralado na capoeira, cercado de todos os lados. Se não fosse a sede que sentia tudo iria bem… Mas a sua garganta está seca. Não lhe importam os pés doídos, o rosto que sangra rasgado pelos espinhos, a roupa retalhada.

Só lhe importa a garganta que arde de sede. Gostaria de comer também. Naquele mato não tem frutas. Não é época de goiabas, as goiabeiras não têm um só fruto.

Uma cobra passa silvando. Os grilos fazem um ruído insuportável. Agora ele não vê mais as estrelas que o mato é cerrado. E a sede aumenta. Fuma. Felizmente os cigarros e os fósforos estavam no bolso da calça.

Que horas serão? Meia-noite talvez, talvez mais tarde. O cigarro faz esquecer a sede e a fome. Desde quando ele fuma? Nem se recorda mais. Ainda no morro do Capa negro ele já fumava. Apanhou por causa disto.

Se sua tia Luísa o visse agora, o que diria? Ela dava-lhe surras mas gostava dele. Enlouqueceu, coitada, de tanto carregar mingau e mungunzá para vender no Terreiro. Na frente da sua casa, no morro, homens se reuniam para conversar.

Um dia veio aquele homem de Ilhéus que contou histórias de jagunços corajosos. E hoje, António Balduíno, estava encurralado como se fosse também um jagunço célebre. Se o homem de ilhéus o visse, com certeza o admiraria também e juntaria a sua história àquelas que contava pelas noites adentro.

Ele também quisera ter um A B C. Pensara que aquele homem calvo, que aparecera na macumba de Jubiabá, escreveria um dia o seu a B C.

O Gordo disse que a vida do homem calvo era escrever os A B C dos homens mais corajosos que conhecia e para isso vivia correndo o mundo montado num cavalo alazão. António Balduíno já merecerá um A B C? Ele não o sabe.

Talvez que o homem de Ilhéus conte um dia a sua história a homens e meninos de outro morro que o admirarão e pensarão em ser como ele.

Ah! mas se ele sair desta capoeira, onde está cercado por homens armados de repetição, merecerá ser cantado num a B C. Quantos serão os perseguidores? Se vieram todos da fazenda fazem mais de trinta.

Mas não vieram todos com certeza. O negro Filomeno não veio, ficou lá com Arminda, dizendo mentiras, prometendo coisas. Ele conhece aquele negro… Negro que quase não fala é ruim… Aperta a navalha. Com aquela arma sómente, ele atacaria Filomeno se o visse agora.


sexta-feira, setembro 06, 2013

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O poder de improvisação...


ZECA AFONSO - ADEUS Ó SERRA DA LAPA

O AZARADO


Um sujeito encontra um amigo que não via há muito tempo e inicia a conversa:
 - Fonseca!!! Há quanto tempo! Tudo bem?
 - Péssimo... - responde o outro.
 - Mas como péssimo? Com aquele Ferrari que tu tens?
 - Virou sucata num acidente... E o pior é que o seguro tinha acabado de vencer.
 - Bem, vão-se os anéis, mas ficam os dedos. E o teu filho? Inteligente, o rapaz! Já está formado?
 - Estava ao volante do Ferrari... Morreu.
O amigo tenta fugir daquele assunto tão trágico.
 - E a tua filha, que mais parecia um modelo?
 - Pois é! Estava junto com o irmão. Só a minha mulher não estava no carro.
 - Graças a Deus! Como vai ela?
 - Fugiu com o meu sócio.
 - Bem... Pelo menos a empresa ficou só para ti.
 - Ela fugiu com ele porque me roubaram tudo. Deixaram a firma falida. Estou devendo milhões!
 - Puuuxa! Então vamos mudar de assunto. A tua equipa?
 - Oh, não! Tu não me perguntes pelo Sporting!
 - Pelo amor de Deus, Fonseca! Não tens nada de positivo???
 - Sim, tenho... HIV.


PS- Temos melhorias no Sporting...

A Evolução da Bondade

Biólogos discutem até que ponto existe

benevolência entre os seres vivos.

Por Jerónimo Teixeira



A selecção de parentesco tem sido utilizada para explicar a extraordinária organização que vemos nos chamados insectos sociais. Se a cooperação em um formigueiro ou em uma colmeia parece impecável, é porque geralmente todos são filhos da mesma rainha, o que os torna geneticamente semelhantes. Quando uma abelha operária resolve colocar ovos – o que raramente ocorre –, suas colegas os destroem, pois o filho de uma “irmã” será geneticamente mais distante delas do que os filhos da rainha-mãe.

No formigueiro, as coisas são mais simples: todas as operárias são estéreis. “Em muitos sentidos, nós, humanos, somos menos cooperativos do que os insectos sociais”, diz o biólogo Robert Trivers, da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, Estados Unidos. Mas, complementa ele, é preciso entender que são dois sistemas muito distintos: “Entre as formigas, há parentesco próximo e, em geral, muito pouco conflito interno.
Entre nós, há um sistema de altruísmo recíproco com um meio de troca – o dinheiro – que uniu o mundo inteiro em uma economia interligada, mas com muito mais conflito interno e muito menos altruísmo”.

Em 1971, Trivers formulou, com o incentivo de Hamilton, a teoria do altruísmo recíproco, que é, de forma simplificada, a ideia de que uma mão lava a outra. Para explicar esses modelos, os biólogos utilizam formulações matemáticas, valendo-se especialmente da teoria dos jogos, que elabora equações capazes de explicar o mecanismo de várias formas de disputa social (para saber mais, leia a matéria “Tudo está em jogo”, na edição de Abril de 2002).

Com a reciprocidade em mente, podemos voltar ao hipotético almoço do primeiro parágrafo. Afinal, por que somos aparentemente tão generosos com comida? A sócio-biologia encontra as raízes desse comportamento nos primórdios do Homo Sapiens, quando ainda vivíamos em tribos de caçadores-colectores. Claro que não podemos saber como era a organização social do homem primitivo, mas algumas pistas podem ser buscadas entre os caçadores-coletores do mundo moderno. Estudos antropológicos têm revelado características comuns mesmo em culturas geograficamente afastadas, como os ache do Paraguai e os !kung do deserto de Kalahari, no sul da África. Há uma divisão sexual do trabalho: as mulheres colectam raízes e frutos; os homens saem à caça. Os vegetais obtidos pelas mulheres são geralmente consumidos somente pela família; a carne trazida pelos homens é dividida com a tribo de forma igualitária.

É a reciprocidade em prática: uma vez que o sucesso da caçada depende não somente de habilidade e esforço, mas também de sorte, é provável que mesmo um bom caçador muitas vezes termine o dia de mãos vazias. Por isso, é essencial que ele possa contar com uma porção da caça dos outros. Influi aqui também o fato de a carne ser um bem perecível. O caçador não seria capaz de comer sozinho um dos mamutes que ainda andavam por aí quando surgiu o ser humano.

Mas o que impede o Macunaíma da tribo de vadiar enquanto seus companheiros arriscam-se na caçada? E por que o bom caçador deveria dividir seu produto de forma tão equitativa? Foi ele quem caçou – por que não ficaria com pedaço maior? Nesse ponto entra o sistema de recompensas e punições que reforça o altruísmo recíproco. Recusar-se a dividir carne seria quebrar a etiqueta e expor-se à vergonha pública. E o bom caçador também tem suas vantagens: é considerado o homem mais sexy da tribo. Consegue parceiras com mais facilidade, seja para o casamento, seja para casos extra-conjugais.

Ecossistemas Projetados

Os modelos de selecção de parentesco e altruísmo recíproco, como se viu, abrem espaço para algumas formas de altruísmo. Mas quem faz o bem somente aos seus não é generoso – é nepotista. E podemos qualificar de altruísmo aquilo que fazemos com vistas a uma retribuição futura? Fica a sensação de que, sob a pele de cordeiro do altruísmo, vamos sempre encontrar um lobo egoísta. Aliás, é exactamente o que afirmou em 1974 o biólogo americano Michael Ghiselin: “Arranhe um altruísta, e você verá um egoísta sangrar”. A biologia, amparada pela teoria dos jogos, parece identificar um fundo de interesse em qualquer gesto desprendido. 

Peter Singer, filósofo norte-americano da Universidade de Princeton, conhecido por sua defesa dos direitos dos animais, certa vez argumentou que os bancos de sangue seriam uma prova de altruísmo. O sangue estocado serve igualmente a doadores e não-doadores; portanto, ninguém doa sangue com vistas a um benefício no futuro.
O biólogo Richard Alexander, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, retorquiu lembrando que olhamos com respeito o sujeito que volta de um banco de sangue com algodão e adesivo no braço. A retribuição vem na forma do reconhecimento social.

Mais recentemente, porém, alguns cientistas voltaram a admitir a selecção de grupo. É o que diz o biólogo David Sloan Wilson, da Universidade Estadual de Nova York: “Não há dúvida de que o preconceito contra a selecção de grupo está diminuindo, mas em um ritmo terrivelmente lento e baseado mais em factores sociológicos do que intelectuais. A maior parte dos manuais ainda a trata como heresia, fundamentando-se em obras escritas antes de o estudante universitário médio ter nascido”. A selecção de grupo foi, para ele, uma força poderosa (mas não única) na evolução da espécie humana.

Sloan Wilson trabalhou em parceira com o filósofo Elliott Sober, da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, para compor Unto Others (“Para os outros”, sem tradução em português), uma defesa da selecção em “múltiplos níveis”. O livro recorda que o próprio William Hamilton, tido como o papa da selecção individual, admitiu a selecção de grupo em um trabalho de 1975. A proposta básica de Unto Others é a de que selecção individual e de grupo podem coexistir, ainda que trabalhem em sentidos opostos – daí a expressão “selecção em múltiplos níveis”. Já vimos que o altruísta, sendo o único a pagar a conta da bondade, sacrifica a própria aptidão reproductiva em prol dos demais e portanto tende a desaparecer. Sloan Wilson e Sober demonstram matematicamente que isso é verdade apenas para a selecção individual. Uma proporção maior de altruístas pode trazer vantagens adaptativas para o grupo, que assim terá melhores chances na competição com rivais.

A selecção de grupo já foi utilizada com sucesso nas granjas. Descobriu-se que os melhores resultados são obtidos seleccionando para reprodução não as galinhas que individualmente põem mais ovos, mas os grupos de galinhas mais produtivos. Mais recentemente, Wilson está utilizando esses princípios para pesquisar ecossistemas microbiais em conjunto com seu aluno William Swenson. Eles criam comunidades com biliões de micróbios de diferentes espécies. Depois, seleccionam aqueles que apresentam propriedades como, por exemplo, a capacidade de decompor lixo tóxico. Os resultados, diz Wilson, têm sido positivos e abrem a possibilidade de, no futuro, projectarmos ecossistemas inteiros. “Os experimentos levam a selecção de grupo um passo adiante, pois lidam com ecossistemas de múltiplas espécies”, diz Wilson.

“Sem dúvida, as abordagens do gene egoísta e da selecção em múltiplos níveis são equivalentes. As duas estão corretas”, diz o físico e biólogo Rob Boyd, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos. As divergências parecem dizer respeito não aos fatos, mas à interpretação. Um exemplo é o caso da divisão da carne em tribos de caçadores-colectores. Em Unto Others, Sober e Sloan Wilson partem dos mesmos dados etnográficos, mas reformulam as perguntas. Afinal, por que surgiria um sistema de punições e retribuições para encorajar a generosidade do caçador? Os dois autores dizem que, na medida em que os actos de punir e recompensar também envolvem algum custo – embora menor do que o esforço despendido em uma caçada –, eles também poderiam ser considerados altruístas.

Para Boyd, a evolução cultural pode ser tão importante quanto a genética na evolução do altruísmo. De certo modo, ele as considera como duas forças inextrincáveis no desenvolvimento social de nossa espécie – afinal, a sofisticação linguística que é a base da cultura humana não seria possível se a capacidade de aprender uma língua não estivesse codificada em nosso genoma. De outra parte, muitos dos mecanismos emocionais que dão base a nosso sistema moral – a culpa ou a vergonha, por exemplo – podem ter sido depurados pela selecção natural ao longo de nossa evolução como primatas sociais.

Na medida em que nos agrupamos em tribos maiores, com uma divisão do trabalho mais complexa e especializada, a necessidade de cooperação extrapolou os limites da família e nos obrigou a cooperar com estranhos. Essas novas exigências sociais teriam exercido sua pressão sobre a selecção entre grupos humanos, favorecendo o surgimento da moral. “A cultura está nos genes, mas os genes também dependem da cultura”, resume Boyd.

JUBIABÁ

Episódio Nº 104

E o negro Filomeno não tinha amassado os peitos dela? Então para que Zéquinha se meteu e levou a menina? Era uma menina de doze anos, o Gordo sempre disse.

Uma menina de doze anos. O Gordo queria dizer que ela não era mulher ainda, que fazer aquilo com ela era uma malvadez. Mas Zéquinha fez, bem que merecia a punhalada…

É verdade que se ele não fizesse Filomeno faria o mesmo que António Balduíno. Sim, ele sabe que não foi por isso que cravou o punhal nas costas de Zéquinha. Ela era uma menina de doze anos… mas ele matou o capataz foi porque ele ficou com ela quando ele a queria no seu girau.

Ela tinha doze anos mas já era mulher… Já seria mesmo? E se o Gordo tivesse razão? Se ela ainda fosse uma menina e aquilo uma malvadez? Então Zéquinha não faria mais, porque estava estendido no barro com um punhal nas costas.

Porém de que valeu? Agora o negro Filomeno já a levou para casa, com certeza. Essa é a lei das plantações de fumo. Mulher é bicho raro e quando uma fica sem homem encontra logo outro que a leva para casa. A não ser que ela prefira ir para a rua das mulheres da vida em Cachoeira,, em São Félix, em Feira de Sant’Ana.

Aí sim que seria uma malvadez. Porque ela é uma menina de doze anos e todos a quererão. Depois ela ficará velha e tomará cachaça, não lavará mais os cabelos, seus seios murcharão, terá doenças ruins, terá quarenta anos no dia em que completar quinze.

Talvez tome veneno. Outros se jogam no rio nas noites escuras… Era melhor que ela ficasse com Zéquinha, colhendo fumo nos campos. Mas Zéquinha está apunhalado…

António Balduíno ouve vozes através do mato. Se aproxima mais para ouvir. Ainda é ruído indistinto. Serão homens que passam na estrada? Mas a estrada está longe, está do outro lado, o que existe ali é uma simples picada.

António Balduíno se aproxima mais. Agora ouve. Os homens estão próximos, separados dele apenas por uma fita de mato. São homens da fazenda. Estão todos com repetições e fumam sentados na picada.

Estão atrás do negro António Balduíno que apunhalou o capataz. E não sabem que o negro está ali junto deles, quase rindo. Porém treme quando ouve os homens dizer que ele está cercado na capoeira e que ou morrerá de fome ou sairá para ser preso.

António Balduíno se afasta vagarosamente, evitando os ruídos e se interna novamente no mato. Do outro lado tem a estrada. Mas nela haverá homens também como em volta de toda a capoeira. Ele está cercado, está encurralado como um cão danado. Ou morrerá de fome, ou será preso como assassino.

Os grilos irritam com seu ruído. Na casa de Zéquinha está havendo sentinela. E o negro Filomeno estará ali armado de repetição ou estará na sentinela olhando para Arminda, pronto para levá-la para casa.


Se ele pudesse apunhalar também o negro Filomeno… Mas ele está cercado como um cão danado, está encurralado na capoeira e começa a sentir fome e a sentir sede…

quinta-feira, setembro 05, 2013

FERNANDO MAURÍCIO - FUI DIZER-TE ADEUS AO CAIS

Nasci a ouvir cantar o fado. Na década de 40 era a música que mais se ouvia na Rádio, em Lisboa, e a voz deste fadista parece-me vir do berço... autêntica, genuína.

 CONVERSA DE

 ADVOGADOS



Dois advogados estavam a caçar quando um leão os surpreendeu em plena selva sem que eles tivessem possibilidade de reagir.

Um deles começou imediatamente a tirar os sapatos. O outro perguntou:
- Por que está a tirar os sapatos?
- Descalço, eu posso correr mais rápido!
- Tolice! Não interessa o quanto você pode correr pois nunca irá conseguir correr mais que o leão!

- Mas eu não preciso correr mais que o leão, só tenho que correr mais que voçê.

SEIS FRASES 

ABSOLUTAMENTE

FAMOSAS

– Quem com ferro fere, tanto bate até que fura.

 – Água mole em pedra, dura até que acaba a água.

– Em terra de cego, quem tem um olho é zarolho.

 – Se um dia sentir um enorme vazio dentro de si, vá comer! Pode ser fome.

 – O primeiro sentimento de quem está a fazer dieta é o de revolta. Dá vontade de acabar com tudo, a começar com o que está no frigorífico.

– Ninguém jamais ganhará a guerra dos sexos: há demasiada confraternização entre os
 inimigos.

A EVOLUÇÃO DA BONDADE
(continuação)


BIÓLOGOS DISCUTEM ATÉ QUE PONTO EXISTE BENEVOLÊNCIA ENTRE OS SERES VIVOS.

por Jerônimo Teixeira



Na primeira metade do século passado, genética e evolução foram combinadas no que os biólogos chamam de teoria sintética. E, a partir dos anos 60, uma nova revolução científica deu a primazia absoluta ao gene na luta pela sobrevivência. Essas pequenas secções do DNA são as unidades replicadoras básicas. Graças à sua habilidade ímpar de produzir cópias de si mesmos, os genes que você carrega em cada uma de suas células já estiveram presentes nos seus antepassados e serão transmitidos a seus descendentes. 

Você, leitor, é só um recipiente transitório. Portanto, é no interesse do gene – e não do indivíduo e muito menos do grupo – que a selecção natural opera. Os nomes fundamentais dessa corrente são os biólogos George C. Williams, da Universidade Estadual de Nova York, Estados Unidos, e William Hamilton, falecido em 2000, considerado um dos maiores teóricos da evolução de todos os tempos.

Hamilton desenvolveu o conceito de selecção de parentesco. Quando você come na casa de um parente, pode ter certeza de que esse não é um free lunch: ele já está pago em moeda genética. Nossa generosidade em relação aos parentes começa no DNA. Segundo a teoria de Hamilton, o sacrifício por um parente compensa na proporção da semelhança genética com ele. Assim, a aptidão reprodutiva de um indivíduo não se mede apenas pelo número de filhos que ele consegue ter, mas também inclui parentes próximos que carregam fracções de sua carga genética. 

Você compartilha, por exemplo, metade dos genes com seu irmão ou irmã (na verdade, todos nós compartilhamos cerca de 90% do genoma, mas estamos considerando só os genes que variam na espécie humana). Portanto, do ponto de vista evolutivo, vale a pena se sacrificar por um irmão se o sacrifício custar a você no máximo a metade do benefício que traz a ele.

A melhor síntese da teoria talvez esteja em um gracejo do geneticista britânico J.B.S. Haldane, antecessor de Hamilton. Perguntado se daria a vida por um irmão, Haldane respondeu:  

-“Não, mas daria por dois irmãos ou oito primos”.

Ainda mais feliz na síntese foi outro biólogo inglês – Richard Dawkins, da Universidade de Oxford, Reino Unido. Em 1976, o título do seu livro O Gene Egoísta resumiu tudo o que a biologia mais recente estava propondo. Na trilha de Williams e Hamilton, Dawkins enfatiza o papel fundamental da genética na selecção natural. Para ele, nós somos apenas “máquinas de sobrevivência”, robôs ao serviço dos genes – e “nós” inclui todos os seres vivos, da bactéria ao físico quântico. 

A imagem do robô atraiu muita crítica. Nas edições mais recentes do livro, uma nota de Dawkins esclarece que não somos controlados pelo nosso genoma. Sempre que usamos um método contraceptivo, por exemplo, contrariamos o desígnio único do gene: fazer cópias de si mesmo.

A despeito (ou por causa) de toda polémica, os princípios expostos em O Gene Egoísta tornaram-se, na expressão do próprio Dawkins, “ortodoxia de manual”. Ou pelo menos é assim entre os cientistas, já que o senso comum conservou ideias anteriores a Williams e Hamilton. Pergunte a um amigo – que não seja biólogo, bem entendido – como funciona a selecção natural. Provavelmente, lá pelas tantas ele vai falar em “perpetuação da espécie”.

Dawkins ensina que não é isso que está realmente em causa. Exemplo cruel mas esclarecedor: quando um leão junta-se a um novo grupo de fêmeas, ele muitas vezes mata os filhotes que elas tiveram com outros machos. Ele não está minimamente interessado em perpetuar a espécie. Quer apenas que as leoas estejam devotadas exclusivamente aos seus filhotes, herdeiros de sua preciosa carga genética.


Carne Sexy

A teoria do gene egoísta pode parecer uma forma desencantada de ver o mundo vivo. Ela contradiz não só as noções mais vulgares (e simpáticas) de evolução que circulam por aí. Desafia também aquele papo "new age" de viver em harmonia com a natureza, de entrar em sintonia com a mãe terra. Pois é: nada disso tem sustentação na ciência de Williams, Hamilton e Dawkins. A natureza não é harmónica e guarda tantos ou mais exemplos de egoísmo quanto de altruísmo.

Tome os pinguins, por exemplo. Do alto das geleiras onde se agrupam, é difícil discernir se há predadores - a foca leopardo - no mar abaixo. Se fossem altruístas, cada um se ofereceria para pular primeiro e verificar se a barra está limpa. Não é o que acontece: geralmente, um pinguim empurra o outro e vê se a vítima não é atacada.
(continua)


JUBIABÁ

Episódio Nº 103


Foi pelo mar, num navio negro cheio de luzes. Se ela estivesse ali eles se amariam no silêncio do mato. O negro olha as estrelas. Quem sabe se dos Reis não está olhando estas mesmas estrelas?

Estrela está em todo o lugar. Serão as mesmas? – pensa António Balduíno. Dos Reis está vendo esta estrela e Lindinalva também. Quando pensa em Lindinalva se aborrece. Porque está pensando nela? Ela é branca, tem sardas no rosto, e não dá ousadia a um negro como ele.

É melhor pensar em Zéquinha estendido no barro com um punhal nas costas, que pensar em Lindinalva que odeia o negro. Se ela soubesse que ele está ali fugido, sem dúvida contaria à polícia.

Dos Reis o esconderia, mas Lindinalva não. António Balduíno abre os lábios grossos num sorriso porque se lembra que Lindinalva não sabe de nada e não poderia denunciá-lo.

Fica irritado contra as estrelas que o fazem pensar em Lindinalva. Viriato, o Anão, tinha raiva das estrelas. Uma vez lhe dissera. Quando? António Balduíno não se recordava. Viriato quase só conversava sobre a sua tristeza de ser sozinho. E um dia entrou pelo caminho do mar, como aquele outro velho que foi retirado da água numa noite em que os homens do cais carregavam um navio sueco.

Será que Viriato encontrou a sua casa? O Gordo diz que quem se mata vai para o inferno. Mas o Gordo é maluco, não sabe o que diz. António Balduíno está com saudades do Gordo.

O Gordo também não sabe nada, não sabe que ele matou Zéquinha com uma punhalada nas costas. Fazia já quinze dias que o Gordo se fora, cheio de saudades da avó que não tinha, na Baía, quem lhe desse comida na boca.

O Gordo é muito bom, incapaz de dar uma punhalada em alguém. Nunca foi homem para uma briga. António Balduíno se lembra perfeitamente dos dias de infância mendigando na Baía.

O Gordo sabia pedir esmolas como nenhum. Mas para brigar não servia. Filipe, o Belo, ria dele. Era bonito, Filipe o Belo. Quando ele morreu debaixo do automóvel, no dia do seu aniversário, todo o mundo chorou.

O seu enterro pareceu enterro de rico. As mulheres da rua de Baixo levaram flores. Uma francesa velha chorava. Era a mãe de Filipe. E tinham vestido nele uma roupa bonita de casimira e tinham posto uma gravata nova.

Filipe devia ter ficado contente. Ele era elegante, gostava de uma gravata… António Balduíno brigou uma vez por causa dele. Sorri ao se recordar do facto.

Fora uma surra bonita que dera no Sem Dentes. Sem Dentes também viera com um canivete em cima dele e ele não puxara arma nenhuma.

Com Zéquinha ele puxara o punhal. Agora ele está certo que não gostava de Zéquinha, que implicara com aquela cara desde o primeiro dia. E se não fosse ele que o apunhalasse, outro o apunhalaria.

O negro Filomeno também tinha uma sede danada por Zéquinha. E tudo aquilo por causa de Arminda. Para que Zéquinha se amigou com ela? Eles tinham chegado antes.

Na noite da sentinela, António Balduíno só não a levou para casa porque a morta não o largava com aqueles olhos inchados.

quarta-feira, setembro 04, 2013

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Eles não olham o mundo... espiam-no!



FERNANDO MAURÍCIO (1933/ 2003) - A IGREJA DE SANTO ESTÊVÃO


Detentor de uma voz genuína e arreigado às suas raízes lisboetas, é considerado por muitos conhecedores da especialidade como o maior fadista da sua geração. São vários os fados que celebrizou entre eles a "Igreja de Santo Estêvão", com composição de Gabriel Oliveira e Joaquim Campos.


MOURARIA

A Mouraria é um dos mais tradicionais bairros da cidade de Lisboa, que deve o seu nome ao facto de D. Afonso Henriques, após a conquista de Lisboa, ter confinado uma zona da cidade para os muçulmanos. Foi neste bairro que permaneceram os mouros após a Reconquista Cristã. Por sua vez, os judeus foram confinados aos bairros do Castelo.
A dolência e a melancolia dos seus cânticos estão na origem do Fado. Foi na Rua do Capelão, junto ao Beco dos Três Engenhos,que nasceu Maria Severa Onofriana, primeira fadista portuguesa e expressão máxima do fado à época. Na casa em frente, nasceu já no século XX, aquele que foi considerado o "rei do fado da Mouraria", Fernando Maurício.
 A Rua do Capelão faz hoje parte da iconografia do Fado. Mais acima, numa casa cor-de-rosa da Travessa dos Lagares, cresceu Mariza, a mais internacional fadista portuguesa contemporânea. Junto à casa, agora fechado ao público, localizava-se o restaurante Zalala, onde Mariza aprendeu a cantar fado.
Depois da abertura ao público do Centro Comercial da Mouraria no Martim Moniz, o bairro tornou-se num local bastante movimentado e acolhedor. Actualmente, a Mouraria é considerado um dos bairros mais seguros da capital; é um ponto de encontro de gentes de diferentes culturas e, simultaneamente, um local que mantém vivas as suas antigas tradições populares, como se pode confirmar pela existência de várias casas de fado, bares, tabernas e colectividades culturais e desportivas a par de estabelecimentos comerciais de origem chinesa e indiana, entre outros.


A Evolução da Bondade


Biólogos discutem até que ponto existe benevolência entre os seres vivos.

por Jerônimo Teixeira

 

 Muitos biólogos acreditam que somos todos seres egoístas, que buscam apenas espalhar os próprios genes e perpetuar a linhagem a que pertencemos - até em nossos actos mais benevolentes. Mas será mesmo que não existe altruísmo? Novas pesquisas mostram que a evolução pode se dar em termos bem mais caridosos do que costumamos imaginar.

É uma ironia amarga que ainda seja necessário promover campanhas contra a fome. Se você reparar bem, os hábitos sociais da espécie humana são de uma generosidade proverbial no que diz respeito à comida. Em virtualmente todas as culturas, grandes festas são acompanhadas de comilança.

 Estamos sempre oferecendo comida aos outros, seja na forma de um casual chiclete ou de uma recepção formal. E quem já não entrou numa daquelas ridículas disputas para pagar a conta no restaurante? O problema é saber se essas práticas sociais realmente se qualificam como exemplos de generosidade.

 Em inglês, um ditado muito corrente no mundo dos negócios diz que there’s no free lunch – traduzindo, “não existe almoço grátis”. Se um conhecido que você não vê há anos resolve convidá-lo para um churrasco, a desconfiança é imediata – será que ele vai pedir dinheiro emprestado?

Existe ou não almoço grátis? Esse é um dos grandes debates da biologia contemporânea. O gesto desinteressado do verdadeiro altruísmo parece ser uma impossibilidade evolutiva. Um comportamento só pode ser qualificado de altruísta se ele traz benefícios para os outros e custos para quem o pratica. Ou seja, o altruísta está diminuindo sua aptidão para favorecer a dos outros. Suas chances de sobreviver e de reproduzir são menores, enquanto todos os demais – inclusive os egoístas – levam vantagem.

 A longo prazo, o altruísta deveria ser levado à extinção, deixando o caminho livre para que o egoísmo grasse como erva daninha.
A luta pela sobrevivência parece favorecer mais os George Soros do que as madres Teresas. E no entanto ainda existem altruístas entre nós (ou não?). Como pode ter evoluído uma característica que parece anti-evolutiva? Há várias explicações. Antes de voltarmos ao almoço, é preciso remontar à história dessa discussão na biologia.


Egoísmo molecular


Para o biólogo Edward O. Wilson, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, a evolução do altruísmo é o problema teórico central da socio-biologia, ciência que busca entender em bases biológicas o comportamento social de animais. A questão já intrigava o próprio naturalista inglês Charles Darwin, que em 1871, na obra A Origem do Homem, utilizou a selecção de grupo para explicar a evolução da moralidade humana.

O comportamento moral, ensina Darwin, não traz vantagem para o indivíduo, que lucraria mais desobedecendo às regras para agir de acordo com sua vontade própria. Mas uma tribo regida por valores que enfatizem “o espírito de patriotismo, fidelidade, obediência, coragem e solidariedade” certamente será mais coesa e organizada e assim terá maiores chances de vitória na disputa por recursos naturais ou territórios com tribos menos virtuosas. A selecção natural, portanto, agiria não somente sobre indivíduos, mas também sobre grupos competidores.

Darwin, no entanto, colocava mais ênfase na selecção individual, na luta de cada um contra todos, e não desenvolveu plenamente o conceito de selecção de grupo. Na primeira metade do século XX, os cientistas usavam os diferentes níveis de selecção sem muito rigor. Recorriam ao grupo ou ao indivíduo conforme a idiossincrasia ou a conveniência ditassem. A selecção de grupo ganhou versões esquisitas. Acreditava-se até que os pássaros regulariam o número de ovos para evitar a explosão populacional, garantindo assim que todos tivessem seu quinhão de recursos naturais.

 A algazarra das aves em seus ninhos seria uma prova da natureza conscienciosa dessas criaturas: cantando e ouvindo suas parceiras cantar, elas conseguiriam aferir a densidade populacional da espécie. Ninguém ainda provou que as aves são capazes de conduzir essa curiosa forma de censo. Alguns ornitólogos sugerem que os pássaros na verdade diminuem o número de ovos quando há pouca comida.

Vale a pena lembrar que Darwin montou a teoria da selecção natural sem sequer desconfiar da existência dos genes.
(continua) 

JUBIABÁ

Episódio Nº 102


FUGA


No cinto, por debaixo do paletó, António Balduíno traz dois punhais.

quinha correu para cima dele com a foice na mão. Se atracaram e rolaram no barro duro da estrada. Zéquinha caiu e a foice voou longe.

Quando ele se levantou e correu de novo para António Balduíno viu o punhal na mão do negro. Parou irresoluto. Ficou calculando o golpe. Depois deu um pulo. António Balduíno deu um passo atrás, a sua mão se abriu e o punhal caiu.

quinha riu com os olhos e rápido como um gato se abaixou para apanhar a arma do inimigo. E enquanto ele se abaixa, António Balduíno traz sempre dois punhais no cinto… E a sua gargalhada assusta os homens mais que a luta, que a punhalada e o sangue.

Era de noite e o negro ganhou o mato.


Abre caminho pelo mato. Corre entre as árvores que se fecham. Há bem três horas que ele corre assim como um cão perseguido pelos garotos malvados. No silêncio do mato os grilos se fazem ouvir.

Corre sem rumo, corre perdido, varando o mato, com os pés doídos, evitando as estradas, se rasgando nos espinhos. A sua calça de mescla está lanhada de cima abaixo. Ele nem viu quando ela se rasgou.

E o mato sem fim se estende na sua frente. Não vê nada na escuridão. Agora pára. Ouve ruídos de matos quebrados. Quem vem lá? Já o perseguirão?

Fica atento, a mão na navalha, única arma que lhe resta. Está atrás de uma árvore e é difícil que seja visto. Sorri pensando que o perseguidor que passar primeiro dormirá para sempre.

A navalha está aberta em sua mão. E rápido como uma visão passa na frente um habitante daqueles matos. Que bicho teria sido. António Balduíno não o reconheceu sequer e ri do medo que teve.

Continua a caminhada, abrindo caminho com as mãos. Cai sangue do seu rosto. O mato é implacável para os que o violam. Um espinho rompeu o rosto de António Balduíno.

Mas ele não vê nada, não sente nada. Sabe apenas que deixou um homem caído nas plantações de fumo. E nas costas deste homem estava um punhal que era seu, que fora manejado pela sua mão.

António Balduíno não tem remorsos do que fez. Zéquinha foi o único culpado. Foi ele quem fez tudo para aquela briga. Ele o perseguiu muito. Aquilo tinha que acontecer… E se ele não viesse com a foice na mão, António Balduíno não puxaria o punhal.

O mato é ralo mais adiante. Através das folhas o negro vê as folhas que brilham. O céu está claro. Farrapos de nuvens brancas correm. Se estivesse ali uma mulata, António Balduíno diria que os dentes dela se pareciam com as nuvens brancas do céu.


Ele pára e admira o céu da noite estrelada. Senta. Está numa clareira e não se recorda mais da briga. Se dos Reis estivesse ali… Mas dos Reis foi com uma família para São Luís do Maranhão.

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