Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, junho 21, 2014
NICO FIDENCO - A CASA DE IRENE
Esta canção foi um marco na vida de muita gente. Fala da Itália como nenhuma outra o fez , e fala dos italianos, da casa de Irene, e dos dramas da emigração no fim dos anos 50/60 nos países do velho mundo, cansados da guerra, para um novo mundo, para uma vida nova com a alma cheia de receios mas também de esperanças...
MURMÚRIOS
Não sei se conhecem o romance de Lídia Jorge “A Costa dos Murmúrios” ou viram o
filme com o mesmo título que há anos passou na televisão, muito bem realizado
por Margarida Cardoso.
Esta obra conta a história, complexa do ponto de vista
humano, social, político e militar que se passou em Moçambique, na cidade da
Beira, nos anos que antecederam o fim do regime anterior.
A
própria cidade da Beira serviu de cenário às filmagens e a interpretação,
especialmente da personagem feminina mais importante, Évita, que na história
foi para Moçambique para casar com o Alferes Silva, é tão convincente e real
que bem poderia ter sido um simples documentário arrancado aos eventos daquela
época e naquele sítio.
Eu vivia lá, naquela cidade, pelas alturas em que a história
tem lugar. Anos antes tinha feito a guerra de Angola pelo que conhecia, por
experiência própria, as contradições de uma guerra que se queria que fosse
patriótica e que redundou num tremendo equívoco que abalou as consciências de
muitos que nela participaram.
As guerras não se desejam mas se têm que acontecer que sejam
por causas nobres. Se tem que se lutar e morrer numa guerra, que seja pela
liberdade, pela justiça e aqui
residiu o grande equívoco da guerra colonial que travámos.
Quem lutava pela liberdade era o nosso inimigo, aqueles que
combatíamos. Nós estávamos, simplesmente, do lado errado…
Foi
a guerra das mentiras para a qual os jovens portugueses foram arrastados
durante treze anos. Treze anos durante os quais os nossos políticos e generais
nos ocultaram a verdade ou mentiram deliberadamente como o fez esse senhor
general Kaúlza de Arriaga que, nos anos 70, concebeu e executou no Norte de
Moçambique uma pomposa operação militar denominada Nó
Górdio que envolveu milhares de soldados e se saldou pelo mais
completo e rotundo fracasso militar.
Não
tendo conseguido o factor surpresa, base do sucesso de todas as operações
militares deste género, limitou-se a encontrar os velhos, mulheres e crianças
do costume que constituíam, quase sempre, os nossos grandes troféus de guerra.
O
espavento de que a operação se rodeou estava, de resto, de acordo com a vaidade
do general e funcionou como trombetas de aviso para todos os guerrilheiros
daquela região se afastarem por uns dias e deixarem passar as tropas do grande
estratega...
Não obstante, chegado a Lisboa, deu uma conferência de
imprensa, como agora se diz mas sem direito a perguntas... e em horário nobre,
pela televisão, disse aos portugueses, com o mapa de Moçambique à frente (recordo-me
perfeitamente) para emprestar maior veracidade às mentiras, e explicou como
tinha conseguido derrotar o inimigo, expulsá-lo para fora das nossas fronteiras
e praticamente ter acabado com a guerra... que seria vencida por Samora Machel
uns tempos depois quando cercou a cidade da Beira excepção feita ao ar e à
agua.
Mas estas mentiras não podiam ser contadas aos militares que
faziam as operações no terreno entre eles o Alferes Silva e o capitão Forza
Leal da história do nosso filme.
As suas personalidades perturbadas que procuravam um rumo, uma
orientação para as suas vidas e que poderiam ter sido resgatadas numa guerra em
que se lutasse e morresse por valores e ideais verdadeiramente patrióticos,
acabaram por se afundar numa pseudo guerra de mentiras, vaidades e cobardias
que sacrificaram aqueles que a tiveram de fazer.
O
Alferes da nossa história da Costa dos Murmúrios suicidou-se e o capitão, que
se achava a si próprio um “duro” combatente, sai de cena depois de queimar no qui ntal da sua casa, receoso e envergonhado, as
fotografias e os relatórios das acções militares em que tinha participado e que
o poderiam vir a comprometer servindo de matéria acusatória num eventual
Tribunal de Crimes de Guerra.
Évita,
sofre com a revelação do verdadeiro homem com quem tinha casado. Afinal, não
era o jovem matemático que até tinha descoberto uma nova fórmula, mas apenas um
homem sem carácter que seguia disciplinado e obedientemente o “duro” do seu capitão
e escrevia letras pífias para o hino da Companhia enquanto dava tiros nos cus
das galinhas.
Só
num meio completamente estranho, onde quase toda a gente se confrontava com
dramas na sua vida, Évita bem poderia ter sido aquela mulher que sem nunca me
ter visto passou a telefonar-me para o Serviço para conversar. De auscultador
entalado entre o ombro e a cabeça, enquanto assinava incontáveis papéis ia
ouvindo e falando.
Ela
admirava-se da paciência que eu tinha por ficar conversando com ela, assim,
durante tanto tempo e eu respondia-lhe que era fácil quando se gostava das
pessoas.
- De todas as pessoas? - perguntava ela
admirada - e porque não, respondia-lhe, não têm todas, tal como eu,
nariz, dois olhos, boca e orelhas?
Um
dia telefonou-me, estava no hospital, tinha tentado pôr termo à vida.
Parei
o que estava a fazer e fui visitá-la. Vi-a então pela primeira vez. Estava
acamada, era uma jovem inexperiente e pouco vivida, o seu aspecto revelador dos
traumas por que estava passando.
Praticamente
não falámos, olhei-a nos olhos inexpressivos demoradamente, acariciei-a na face
e passados poucos minutos despedi-me com um beijo na testa.
Chamou-me de anjo,
seguindo-me com
o olhar enquanto me afastava…
Nunca mais a vi nem soube quem era mas, com certeza, seria mais uma Évita que num dos seus desabafos dizia que até as putas do Moulin Rouge (Bar da cidade da Beira) eram tristes, como se as putas do Moulin Rouge, ou de qualquer outro lado, tivessem alguma razão para deixarem de ser tristes.
Nunca mais a vi nem soube quem era mas, com certeza, seria mais uma Évita que num dos seus desabafos dizia que até as putas do Moulin Rouge (Bar da cidade da Beira) eram tristes, como se as putas do Moulin Rouge, ou de qualquer outro lado, tivessem alguma razão para deixarem de ser tristes.
Um dia, uma delas, dirigiu-se ao meu local de trabalho e
disse à funcionária que a atendeu ao balcão que queria falar com o senhor
Delegado.
A funcionária foi ter
comigo ao gabinete e entre sorrisos e olhares cúmplices e conspirativos,
disse-me que estava ali uma pessoa que trabalhava no Moulin Rouge e que queria
falar comigo.
Não gosto de falsos pudores e pretensos moralismos. A maioria
das senhoras que ali trabalhavam já tinha enganado os maridos ou sido por eles
enganadas, e por isso, nenhuma estaria em condições de atirar a primeira pedra
mas, quando na presença de uma mulher que era assumidamente prostituta, não
queriam perder a oportunidade de parecerem as mulheres mais sérias deste mundo.
As prostitutas “casaram” com todos os homens que lhes pagam
para fazer sexo. Não será uma relação abençoada mas não é furtiva, não estão a
quebrar nenhum contrato, não estão a ser desonestas nem a enganarem seja quem
for.
Pedi-lhe
que a acompanhasse até junto de mim, e na presença da funcionária pedi-lhe para
se sentar. Era uma mulher quarentona, de formas cheias, muito pintada, cabelo
de um louro artificial e com um vestido cingido ao corpo, fazendo por parecer
exactamente aqui lo que era e que eu
fiz totalmente por ignorar.
Fosse ela a esposa do mais proeminente
empresário da cidade da Beira e eu não a teria tratado de forma mais
respeitosa.
Afinal,
estava ali na sua qualidade de mãe. Tinha um filho a estudar num colégio
interno em Portugal, quem sabe se seria no Colégio Nuno Álvares onde eu, uns qui nze
anos antes, também tinha estudado.
Precisava
de uma Autorização de Transferência de dinheiro para pagar as despesas do colégio.
Passados
uns dias, telefonou-me para me agradecer, sensibilizada e reconhecida não só
pela forma como a tinha tratado como também pela Autorização de Transferência
que lhe tinha concedido e à qual tinha direito.
Depois,
ofereceu-se para me pagar da única maneira que sabia. Agradeci-lhe e pedi para
deixarmos as coisas assim. Respondeu-me que devia ter logo percebido que eu era
diferente.
Quando
acabei de ver o filme senti desejos de telefonar à Lídia Jorge e à Margarida
Cardoso e agradecer a ambas “A COSTA DOS MURMÚRIOS”, autêntico soco no estômago
das minhas memórias.
Adormeci tarde com recurso a um comprimido e nunca tive tanto
a sensação de que a minha vida já era passado. O mundo é por vezes um lugar
esqui sito para se viver.
O senhor não deixa de ter razão, senador... |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 112
À mesa do comandante, onde Clotilde
ocupara o lugar vago com o desembarque do Deputado Othon em Recife, chegavam os
ecos do debate.
O senador movia-se inqui eto como se as espadas gaúchas, comandadas pelo
General João Francisco, como anunciava o segundo piloto, já lhe ameaçassem o
pescoço.
A discussão começou a estender-se às
outras mesas. Dona Domingas, mãe de ministro e de deputado federal, replicou da
mesa do comandante, opondo às lanças e espadas da cavalaria do Rio Grande do
Sul, os clavinotes e as repetições da jagunçada nordestina:
- Com dois ou três bandos de cangaceiros
a gente termina com essa farofa toda. Para seu General João Francisco basta
Lampião... Não precisa nem oficial do Exército, com farda e galão.
Aliás, esses alemães e italianos do Sul,
essa gringalhada, está mesmo precisando de uma lição... sua voz clara e
enérgica dominava e reduzia a silêncio os contendores, acostumada a ordenar.
Mesmo o filho ministro curvava-se à sua vontade, quando ela, saindo de sua
calma habitual, elevava o tom da voz e decidia.
- Somos tão brasileiros como os
melhores... - replicou o segundo-piloto.
Os estudantes, em geral, eram pela
Aliança, repetiam tropos de discursos dos oradores getulistas, falavam em
renovação do país, mudança de mentalidade, em necessárias reformas.
O senador, pouco desejoso de envolver-se
na polémica, sorria superior e pálido. Curvou-se para o comandante que se
conservava neutro, preocupado em servir Clotilde... e perguntou-lhe em voz baixa:
- Desde quando a Costeira, empresa
subvencionada pelo governo, emprega agitadores?...
- Não sei, senador. Como já tive a honra
de lhe informar, não pertenço aos quadros da Costeira. Estou apenas a lhes
fazer um favor, levando o navio até Belém...
- É verdade, tinha me esquecido... De
qualquer maneira, não me parece bem um oficial de bordo ficar na mesa a fazer
comício, incitando os passageiros, ameaçando a ordem pública. Afinal sou
Senador da República, pertenço ao governo, e aquele jovem está pregando a
revolução, o fechamento do Senado e da Câmara, o assassinato das autoridades...
- O senhor não deixa de ter razão,
senador...
A discussão prosseguiu após o jantar, no
salão onde os jovens pretendiam dançar, despedindo-se daqueles que ficariam em
Natal na manhã seguinte.
Em cadeiras, num canto, um grupo clamava
contra o Presidente da República, a situação do país, o custo da vida, as
eleições sempre fraudadas, a necessidade de uma renovação. Indignado, o senador
retirara-se.
O segundo-piloto era o mais exaltado de
todos. “Aqueles sem vergonhas iam ver. Roubassem nas próximas eleições,
impedissem a bico de pena a vitória do candidato da Aliança Liberal, e os
resultados não tardariam.
O povo não estava mais disposto a aturar
a tirania, a sustentar vagabundos no Parlamento. Os clarins de guerra soariam
no Rio Grande conclamando os brasileiros. Lanças e espadas...”
Um camareiro interrompeu sua brilhante
peroração:
- O Comandante está chamando o senhor aí
fora...
- Vou já...
Atravessou rapidamente Santa Catarina e
Paraná, Isidoro e Miguel Costa já haviam levantado São Paulo, e entrou o
segundo-piloto, ao lado de Flores da Cunha e João Francisco, no Rio de Janeiro.
Foi atender de má vontade ao chamado do
comandante, “que diabo quer esse bestalhão?” Logo agora, quando a mameluca não
tirava os olhos dele...
Meu jovem amigo, não tenho nada contra
suas ideias...
sexta-feira, junho 20, 2014
mais mal pagos
No Sudoeste da Ásia a competitividade da indústria têxtil tem por base salários de absoluta miséria e condições de trabalho deploráveis mas com a luta dos trabalhadores os governos e as empresas têm sido obrigadas a fazer algumas concessões.
No Cambodja, por exemplo, qualquer
aumento dos salários reveste-se de grande importância para o sector da confecção.
No início de Janeiro, quando o governo
anunciou o aumento do salário mínimo mensal para 72 euros (100 dólares) menos
60 do que era o reivindicado os trabalhadores manifestaram-se e 5 deles foram
mortos a tiro e 40 presos.
Os produtos fabricados para as grandes
marcas como Adidas, Nike, Puma, Walmart etc... representam 83% das exportações
do reino no montante de 5.000 milhões de dólares por ano.
A questão dos salários está envolta em contradições. Se
eles aumentam, os lucros dos empresários baixam e o governo sente-se entre dois
fogos porque baixando os lucros de um dia para o outro acontecem
deslocalizações das fábricas e aumenta o desemprego.
Por outro lado, se as reivindicações não
são atendidas temos o risco de motins e o Bangladesh está ali mesmo ao lado com salários inferiores... e não é apenas este, na Birmânia e na Etiópia ainda se
paga menos.
Mas este problema dos salários representa um falso problema porque eles são apenas uma percentagem muito
reduzida do preço final de uma peça de vestuário.
E quais são esses outros factores que
pesam no custo final do produto?
-
Número de fábricas de confecções existentes no país;
-
Nível de qualificação da mão – de – obra;
-
Segurança das rotas de abastecimento.
A China é um exemplo e uma prova disto. Já
tem custos salariais mais elevados mas continua a ser um grande país exportador
em comparação com outros países do Sudeste Asiático.
Para as trabalhadoras, a maior parte
jovens mulheres saídas das suas aldeias, a única maneira de enviarem alguma
coisa para a família e, ao mesmo tempo, pagarem a alimentação e estadia, é
fazerem horas extraordinárias.
Privam-se de tudo e já se deu o caso de
250 mulheres perderem os sentidos numa fábrica. Na base destes desmaios pode
estar um pouco de tudo para além dos “espíritos maus”: má ventilação, histeria
colectiva, intoxicação por produtos químicos utilizados nas linhas de produção,
desnutrição...
Na realidade, um pouco de tudo isto.
A Declaração Universal dos Direitos
Humanos e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho permitem definir
salários mínimos que correspondam à satisfação das necessidades básicas dos
trabalhadores e suas famílias mas estes conceitos no Sudeste Asiático são
heterogéneos e abrangem várias políticas e práticas.
Em alguns países, a legislação garante
um limiar. A Malásia, no início de 2013, fixou o salário mínimo em 290 dólares
(210 euros).
Noutros países, são mesmo as autoridades
locais que fixam esses mínimos, como na Indonésia.
Noutros casos, as condições do mercado
face à produtividade, levam a pagar salários mais elevados aos melhores
trabalhadores tornando menos relevante o salário mínimo. Nos casos em que o mercado de trabalho
está mais fechado o salário mínimo ajuda a garantir que os trabalhadores possam
suprir as suas necessidades básicas.
Lembram-se, certamente, do desabamento
daquele prédio nos arredores de Daca, cidade do Bangladesh, que alojava 5 fábricas
de confecções e que ruiu em Abril de 2013 causando a morte a 1135 pessoas.
Em Dezembro desse mesmo ano, o salário mínimo
aumentou de 76%, para 5.300 takas por mês, ou seja 50 euros. Não obstante, as exportações aumentaram
15% proporcionando uma receita de 13.000 milhões de euros, 81%
das exportações do Bangladesh.
A China tem uma estratégia que é
apontada muitas vezes como exemplo.
Aqui ,
as disposições do direito do trabalho são mais rigorosas e o salário mínimo é
aumentado todos os anos entre 15
a 20% tendo em vista criar uma classe média com
meios para consumir ou seja, um mercado interno que não deixe o país tão
dependente das exportações, e esta é a nova estratégia.*
Numa formulação muito simples, os países
asiáticos, excepção feita à Coreia do Norte, chegaram à conclusão de que criar
riqueza para a poder distribuir é a melhor estratégia. ( A estratégia do bom-senso!)
A quem já ouvi isto no meu país?...
A quem já ouvi isto no meu país?...
( *Na opinião de especialistas como Chris
Devonshire – Ellis)
O comandante estava apaixonado |
OS VELHOS
MARINHEIROS
(Jorge Amado)
Episódio Nº 111
Aliás, médico e pianista de bordo... Veja o nosso doutor: se não fosse o enfermeiro, ele seria incapaz de receitar até uma lavagem.
- É, você tem razão. Com esse
comandante, acabou-se de esculhambar a merda deste navio. Assim, nem o Lloyd...
- Mas que o comandante é digno como o
diabo, lá isso você não pode negar ... De comenda no peito, não larga a luneta...
Você é um mal-humorado, meu velho. Faça como eu: divirta-se. Estou me
divertindo à beca e pretendo me divertir muito mais... - riu a gozar por
antecipação.
- O que é que você está tramando?
- Vá tratar de sua vida, deixe o resto
comigo. E arranje o afinador, o melhor de Natal.
Resultava aquele diálogo, na ponte de
comando, da severa admoestação do comandante ao comissário, a propósito do
piano. Pois não lhe ordenara, quando atracava o barco em Recife, fazer vir um
afinador capaz de pôr o piano de bordo em condições?
Descera para terra confiante, esperando
que suas ordens fossem cumpridas. E, no entanto, a senhorita Clotilde, uma
pianista de mão-cheia, professora diplomada, batuta em Chopin e em áreas de
óperas, em peças difíceis, dissera-lhe estar o piano no mesmo, uma lata velha.
Para batucar uns sambas, musiqui nhas tolas de dança, vá lá. Os jovens não estavam
ligando para a desafinação, queriam apenas deslizar no salão, arrastar os pés,
agarrados. Mas, e os verdadeiros pianistas, como dona Clotilde? Não têm
direitos, não lhes garante a Costeira o uso do piano?
- Essa velhota encruada, Comandante,
está muito exigente. Pois se na viagem passada embarcou um pianista de São
Paulo e o homem até deu um concerto a bordo. E não se queixou do piano...
O comandante explodiu, indignado:
- Faça-me o favor, senhor comissário, de
tratar os passageiros com respeito. Não use expressões grosseiras. Quanto a
esse tal pianista de São Paulo, devia ser um mordedor qualquer... E em Natal
procure um afinador. Sem falta.
Velhota encruada... Falta de respeito,
grosseirão... Menina não era, com certeza, mas tampouco era velha,
confessara-lhe trinta e sete anos, alguns menos do que lhe dava o comandante.
Calculara por volta dos quarenta e cinco, uma
diferença de qui nze anos entre os
dois, pois ele já festejara os sessenta, não era tão grande diferença assim.
Quando ela, numa conversa, falou de
passagem em suas trinta e sete primaveras, ele foi obrigado a rejuvenescer-se,
baixando à casa dos cinquenta e cinco. Mas eram detalhes sem importância, cinco
ou sete anos a mais ou a menos nada significavam.
Importante, pensava, era o encontro de duas
solidões, de duas ânsias de compreensão e carinho, de duas almas gémeas
dispostas a darem-se as mãos e marcharem juntas, cicatrizadas as feridas do
passado, numa permanente festa de amor.
O
comandante estava apaixonado e sua condição de namorado tornava-o forte e
disposto, não ia admitir relaxamento na execução de suas ordens.
A viagem transcorrida sem incidentes, a
não ser uma violenta discussão sobre política, na véspera da chegada a Natal,
envolvendo passageiros e oficiais de bordo.
Iniciara-se durante o jantar, na mesa
presidida pelo segundo-piloto. Adeptos da Aliança Liberal de um lado,
governistas do outro, a exaltarem as qualidades e vantagens de Getúlio Vargas e
Júlio Prestes, suas possibilidades nas eleições e nas armas.
O segundo-piloto revelava-se um
getulista de quatro costados, era gaúcho, jurava por Flores da Cunha, falava em
tropas riograndenses-do-sul entrando no Rio de Janeiro a cavalo, espada na mão
- pois a espada é a arma clássica do homem dos pampas - , a decepar cabeças
desses políticos ladravazes e podres.
quinta-feira, junho 19, 2014
IMAGEM
Rui Meireles, o "piaçaba" da nossa selecção, utiliza a linguagem gestual ensinada pelo seleccionador para transmitir, nas costas do árbitro, a nova táctica: "ele recuava para a posição de defesa central passando a jogar do lado direito do eixo defensivo" perceberam ?... dê-se a merecida gargalhada...
Será ele o líder? |
ainda é o menos
«Leon Trotsky, o revolucionário russo que falhou o poder, pode não parecer a pessoa mais adequada para citar. Ele é o chefe político da primeira revolução russa, a de 1905, e sai dela sozinho; ele é o chefe militar da segunda revolução russa, a de 1917, e sai dela indefeso.
Um derrotado, pois. Mas ele é tão inteligente (e escreve tão bem) que vale a pena ouvi-lo mais do que aos outros seus colegas pela mesma razão que faz a opinião de José Quitério sobre uma omeleta ser mais importante do que a opinião da galinha.
Disse Trotsky: "A tragédia da revolução mundial é a tragédia da liderança da revolução mundial."
Como interessa pouco a revolução mundial, desbastemos o irrelevante. E fica: a tragédia é a falta de líderes.
Podia ser a divisa de Portugal. Na política do País, na direcção das empresas e no assunto que agora nos anima, perdão, desanima.
Um dia destes, a selecção portuguesa foi para o intervalo perdendo pesadamente - já aí, nos 45 minutos anteriores, com as teimosias nas escolhas e tolices nos comportamentos era nítida a falta de liderança.
Mas há um retrato mais flagrante, é a saída do balneário. Quem estivesse incomunicável para o mundo nos últimos dez anos e, agora, no sofá, via os jogadores sem garra a regressar ao relvado, exclamaria:
- "O Scolari já não é o treinador!"
É toda a diferença entre um líder, mesmo sargentão, e um furriel amanuense. Por cá manda quem não lidera. E no futebol é o menos.» [DN]
Autor:Ferreira Fernandes.
Mundial
de Futebol
O Brasil empatou com o México e, mais
uma vez, não demonstrou aquela superioridade que sempre se espera da equi pa brasileira ainda mais jogando em casa e, se o
desempenho final não for aqui lo que
o país espera e deseja, bem podemos esperar problemas acrescidos para Dilma Rousseff.
Os brasileiros ainda poderão perdoar os
custos do campeonato caso o vençam ou, pelo menos alcancem uma classificação
respeitável, como por exemplo chegar às meias –finais, caso contrário os custos
e as perturbações causados pelas obras terão sido em vão.
Os investidores e muitos brasileiros
estão a ficar cada vez mais nervosos devido a este estado de coisas. Embora
Dilma seja, por enquanto, a favorita para vencer o escrutínio de 5 de Outubro,
até no seu próprio partido dos Trabalhadores houve quem tentasse levar o ex –
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a candidatar-se no lugar dela.
Dilma é conhecida por falar em vez de
ouvir, mas parecem existir sinais de que até ela está a reconhecer as críticas.
Na semana passada, aumentou as prestações pagas pela Segurança Social e cortou
impostos para ajudar a estimular a economia mas esta política aumenta a já
elevada inflacção pelo aumento da procura.
Será que Dilma é, na verdade, a pessoa
certa para colocar o Brasil novamente nos eixos já que o seu primeiro mandato
foi uma desilusão?
O debate político está a ser impelido na
direcção favorável aos investidores o que só pode ser bom.
Do Jornal Financial Times
de Futebol
Ao contrário do que muitos dizem considero que a selecção de futebol está muito bem e representa muito bem o país que somos por estes dias. Uma selecção deve identificar-se com um país, com o seu povo e com os seus líderes e é isso que os nossos jogadores, treinadores e responsáveis federativos estão fazendo. Da mesma forma que seria estranho termos uma equipa de lourinhos de pele encarnada também não perceberíamos muito bem se fossem organizados como os alemães, educados como os australianos ou esforçados como os chilenos. Uma selecção deve interpretar o seu país e é isso que os nossos jogadores estão fazendo.
Veja-se o João Pereira, a forma como ele desvaloriza a inteligência do árbitro chamando-lhe louco enquanto gesticula com o indicador apontado à cabeça é a interpretação perfeita da forma como vemos os estrangeiros. Os africanos são “pretos”, os brasileiros gandulos e as brasileiras sabe Deus o que são, os espanhóis são todos uns mariconaços, os ingleses uma palermas a quem pomos os cornos a toda a hora por esse Algarve fora, os alemães são uns atrasadinhos que só sabem trabalhar e mal bebem um copo ficam bêbados.
A selecção foi estagiar para o luxo norte-americano? Nada disso, o que a equipa federativa fez foi diplomacia desportiva, seguiu o modelo do governo e de Paulo Portas com a sua diplomacia económica, uma invenção do tempos de Martins da Cruz, o ministro dos negócios estrangeiros de Durão Barroso que era o pai da famosa Diana, que a esta hora já deve ser a Dra. Diana. Vejam bem onde é que o Paulo Portas faz a sua diplomacia económica e depois digam-me se ele fica nalgum hotel cheio de pulgas de um qualquer país pobre.
O Rui Meireles ainda joga? Claro, o Meireles está para a selecção como o BES está para a economia, todos sabemos o que por lá vai, o dinheiro circula de tal forma quem vez de envelopes aproveitam os sacos do Continente, mas ninguém imagina a economia portuguesa sem o BES e os seus homens. Da mesma forma que os Rui Meireles matam a possibilidade de surgirem novos jogadores, também os nossos BES matam muito boa empresa à nascença.
Não há razões para que fiquemos admirados coma escolha de Rui Patrício, vivemos num país de franguistas que passam à frente de todos graças aos padrinhos, as empresas, os gabinetes ministeriais, as direcções-gerais estão cheios deles, não há razão para sacrificar o guarda-redes da selecção. Aliás, uma boa parte da selecção é formada pelos afilhados, um fenómeno tipicamente tuga.
A selecção nacional de futebol representa os nossos valores como nenhuma outra, até faz lembrar aquele velho anúncio do “Restaurador Olex”, “um preto de cabeleira loira ou um branco de carapinha não é natural, o que é natural e fica bem é cada um usar o cabelo com que nasceu”. Uma selecção organizadinha como a da Alemanha, disciplinada como a Holandesa, jovem como a inglesa, ambiciosa como a australiana ou lutadora como a belga podia ser muito boa, mas não era a nossa.
Mas alguém tem dúvidas de que ganhamos o mundial? Somos os melhores nos sapatos, temos os melhores vinhos, somos os campeões do improviso, somos bons em tudo e mais alguma coisa, temos Cavaco Silva na presidência, o Passos Coelho e o Cristiano Ronaldo. Claro que vamos ganhar, o primeiro jogo foi o que foi porque o árbitro foi o malandro do costume, mas vamos dar uma cabazada aos EUA e ao Gana. Não há razão para finais dramáticos.
Cavaco tem toda a razão ao ignorar as muitas dezenas de modalidades em que Portugal se faz representar em competições nacionais, a nossa selecção, aquela que os publicitários confundem com Portugal dizendo que "todos somos Portugal", a nossa verdadeira selecção, a que nos representa e é o que todos nós somos, é a selecção de futebol.
Cavaco tem toda a razão ao ignorar as muitas dezenas de modalidades em que Portugal se faz representar em competições nacionais, a nossa selecção, aquela que os publicitários confundem com Portugal dizendo que "todos somos Portugal", a nossa verdadeira selecção, a que nos representa e é o que todos nós somos, é a selecção de futebol.
O Jumento
O drama da imigração clandestina |
A Emigração
na Europa
Lá vai o tempo em que a imigração
significava mão-de-obra fresca e barata e uma injecção de dinheiro para os
sistemas de pensões e, como o debate sereno não se tem feito, abriu-se o
caminho para as correntes eurófobas, xenófobas, bem ao gosto de discursos
simples de formações de extrema-direita no sentido de que a imigração é
excessiva e ameaça o bem-estar europeu.
Os estados membros da União Europeia
comprometeram-se a só apresentarem propostas sobre o acolhimento de migrantes e
direito de asilo a partir de 25 de Maio o que dá a impressão que quem governa
tem medo da reacção dos eleitores.
Como os grandes partidos não dispõem de
estratégias sólidas em matéria de imigração e os governos também não, está
aberto o caminho para afirmações que se baseiam em mitos sem que apareça uma
solução ao nível da Comissão Europeia para gerir os fluxos migratórios.
Os países do Sul, os que têm fronteiras
comunitárias, Itália, Espanha, Grécia queixam-se que gastam mais dinheiro a
vigiar as costas, enquanto os países do Norte, Alemanha, Suécia, Bélgica e
outros países contrapõem que, se é verdade que eles entram pelas fronteira dos
países do Sul, é nos países do Norte que concentram os pedidos de asilo.
Veja-se, por exemplo, o caso dos sírios
que arriscam a vida para passar a fronteira, mais de dois terços apresentaram os
seus pedidos na Suécia, Alemanha e Bélgica.
A União Europeia para tornar estes
processos mais homogéneos estabeleceu o ano passado um novo regulamento que
obrigava a que todos os imigrantes que chegassem a um país pedissem logo aí
asilo político o que nada alterou porque depois de pedirem esse asilo político
deslocavam-se para outros estados que eles consideravam mais favoráveis.
Por esta razão os países do Norte e do
Sul no Conselho Europeu desconversam sobre este assunto.
Para estabelecer ainda maior confusão o
Executivo Comunitário, não obstante a actual situação, considera a Europa ainda
vai precisar de mais imigrantes a médio e a longo prazo e que são necessárias
políticas para facilitar esses fluxos.
Para evitar esse espectáculo trágico de
imigrantes que se lançam ao mar, Bruxelas preconiza que se potencializem as
vias legais e a Comissária Europeia, uma sueca, defende que essas formas legais
façam parte de um Acordo mais amplo com os países de origem dos imigrantes, o
que causou espanto nos Estados-Membros que consideram este assunto tabu e a
Comissão prefere não lhes fazer frente.
Os governantes preparam medidas agora
para este mês mas. ao que parece, pouco ambiciosas.
Esta questão é extremamente complexa e de dífícil solução. Há especialista que a relacionam com os períodos de exploração nas colónias como se os imigrantes vindos desses países estivessem agora cobrando por ela.
Na visão de outros estudiosos, esta temática não terá fim enquanto existir tanta disparidade entre países centrais e periféricos, pois as pessoas destes últimos sempre vão querer migrar em busca de sua sobrevivência ou simplesmente de melhores condições de vida.