Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, outubro 17, 2009
OS ESPANHÓIS
È conhecida a proverbial vaidade e orgulho do povo espanhol e parece que dados recentes o comprovam. Ora reparem:
- Segundo as estatísticas, em cada 10 espanhóis, 11 sentem-se superiores aos outros:
- Numa ensolarada manhã, em Madrid, um turista faz a seguinte observação:
- "Que manhã tao bonita!"
Um espanhol que passava perto comenta:
- "Gracias, nosotros hacemos lo que podemos hacer de mejor".
Numa livraria, o espanhol é aquele que pede o Mapa Mundo de Madrid.
- Sabem qual a diferença entre um espanhol humilde e o Super - Homem?
- Nenhum deles existe!.
- Numa entrevista para a TV perguntaram a um espanhol quem ele mais admirava:
- "Dios" - responde o espanhol.
- E porquê?
- "Bueno, fue el quien me criou..."
Segundo a imprensa espanhola, Di Stéfano, foi o melhor jogador do mundo e um dos melhores de Espanha.
... e Olé!!!
Com os meus cumprimentos a todos os espanhóis que, com razão ou sem ela, da fama não se livram.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 262
Ai, Comandante, de nada vai adiantar notícias nos jornais, memoriais, sonetos de maldição, protestos de pobres – diabos de Agreste. Nem mesmo os tubarões no mar revolto, Carmô, nem eles impedirão o fim dos caranguejos e dos pescadores, o fim de Mangue Seco. Resta-lhes somente aproveitar os últimos dias, bem poucos. Chega a abrir a boca para dizer tudo isto mas se contém. Para que entristecer os amigos, ainda por cima em dia de festa? Promete ir para Agreste o mais depressa possível.
Osnar, Aminthas, Seixas, Fidélio desembarcam da lancha de Elieser mortos de cansaço, à hora de almoço. Depois buscam a sombra dos coqueiros para a sesta. Mais cansado ainda o vate Barbozinha. Já não tem saúde para atravessar noites em claro, a beber e a dançar. Trouxera os originais dos Poemas da Maldição mas nem os retira do bolso; não encontra ambiente recitativo.
- Por que Ricardo não veio? – pergunta Tieta a Astério que se aproxima acompanhado de Elisa. Dos convidados é o único em forma, bem dormido, bem-humorado, satisfeito da vida.
Estava na Igreja com o padre e as zeladoras. Ocupado não sei em quê. Passei lá para saber se Perpétua vinha, ela disse que não, mas mandou lhe dizer que um dia desses vai aparecer com padre Mariano para benzer a casa. Por falar em casa, queria lhe comunicar que amanhã eu e Elisa nos mudamos.
Decidira não esperar a conclusão das obras mandadas executar na antiga residência de dona Zulmira. A pintura e os arremates seriam feitos com eles dentro de casa, apressando mestre Liberato. Mais uma vez agradece à cunhada e bem feitora e pergunta:
- Quer ocupar seus aposentos ou vai continuar hospedada com Perpétua?
- Fico por lá mesmo. Tenho alergia a pintura fresca. Ando de estômago embrulhado por causa do cheiro da porta e da janela do Curral, imagine um casarão daqueles. Também pelos poucos dias que vou passar em Agreste, não paga a pena mudar. De outra vez que venha me hospedo com vocês – Se deixasse a casa de Perpétua, como fazer para dormir com Ricardo as últimas noites, as derradeiras?
De cabeça baixa, calada, esgravatando a areia com um talo de coqueiro, Elisa acompanha o diálogo. O silêncio da irmã irrita Tieta:
- Tu não tem nada a dizer, Elisa? Não está contente?
Elisa estremece:
- Estou contente, sim, mana. Não havia de estar?
- Então porque faz essa cara de enterro?
- Elisa, coitadinha, anda assim desde a morte do Velho. Ainda não se refez… - explica Astério.
Tieta desvia os olhos da irmã para o cunhado; pela segunda vez naquele domingo vai abrindo a boca mas arrependida a fecha sem nada dizer: simpatiza com o pobre coitado e a verdade quase sempre é cruel, apenas fere e magoa. Domingo azarado. A festa mais parece sentinela de defunto.
Na hora do regresso, quando os convidados se dirigem para o embarque, observando Tieta parada na praia, o rosto sério, Leonora larga o braço de Ascânio, vem correndo:
- Eu fico com você Mãezinha, não vou lhe deixar aqui sozinha.
A resposta é brusca:
- Por que não? Que bicho vai me morder? – logo abranda a voz, toca os loiros cabelos da moça, húmidos de salitre – Não seja tola cabrita. Vá e aproveite, aproveite bem. Não se preocupe comigo. Daqui a pouco Ricardo chega, assim acabe de ajudar o padre. De companhia, basta ele.
Também o Comandante e dona Laura se despedem.
- Lhe espero em Agreste, Tieta, vá logo.
As embarcações cortam as vagas da barra, distanciam-se no rio. Carregando caçuás borbulhantes de caranguejos, as mulheres da povoação marcham na fímbria do mar. A noite se avizinha, imensa.
sexta-feira, outubro 16, 2009
A FORÇA DOS MITOS
Na escola, a professora dizia à menina que era fisicamente impossível a uma baleia engolir um ser humano porque apesar de ser um animal muito grande, a sua garganta era muito pequena, mas a menina afirmou que Jonas tinha sido engolido por uma baleia.
Irritada, a professora repetiu que uma baleia não podia engolir um ser humano porque era fisicamente impossível.
A menina então, disse:
- Quando eu morrer e for para o céu, vou perguntar a Jonas.
- Então, a professora perguntou-lhe em ar de desafio:
- E se o Jonas tiver ido para o inferno?
- Então é a senhora professora que lhe vai perguntar.
Irritada, a professora repetiu que uma baleia não podia engolir um ser humano porque era fisicamente impossível.
A menina então, disse:
- Quando eu morrer e for para o céu, vou perguntar a Jonas.
- Então, a professora perguntou-lhe em ar de desafio:
- E se o Jonas tiver ido para o inferno?
- Então é a senhora professora que lhe vai perguntar.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 261
Na cozinha, dona Laura dirige a preparação do almoço, Elisa vai ajudá-la. Na varanda, dona Carmosina e o Comandante reclamam de imediato o regresso de Tieta a Agreste para colaborar na colecta de assinaturas contra os projectos da Brastânio. O Comandante, acordado desde as cinco da manhã avistara Ascânio na povoação, soubera que ele andara perguntando por uma caravana de técnicos da Brastânio que devia estar a chegar. Numerosa, segundo dissera, seria o começo da invasão.
- Pedi a Ascânio e peço a você que hoje evitem discutir sobre esse negócio da fábrica. Para não estragar a festa.
- Está bem, prometemos não discutir mas você promete voltar para Agreste. Precisamos de você lá – diz o Comandante.
- Me concedam pelo menos uns dias em minha biboca. Me deu um trabalhão e custou um dinheiro aloprado.
- Não podemos perder nem um minuto, Tieta. Se você não tomar a frente não se vai obter nada. Tudo depende de você.
- Tudo o quê? Vocês fazem que eu me sinta uma criminosa. Afinal quem sou eu para impedir que instalem aqui essa maldita fábrica?
- Quem é você? Como diz Modesto Pires, você é a nova padroeira de Agreste. Abaixo de Deus o povo só confia em você – sentencia dona Carmosina.
- Ninguém adora mais Mangue Seco do que eu. No verão, pouco apareço em Agreste – Há um laivo de censura na voz do Comandante – Mas exactamente porque sou doido por isso aqui, estou disposto a ficar na cidade o tempo que for necessário. É lá e não aqui que se pode fazer alguma coisa de concreto.
- Quem lhe disse, Comandante? – Tieta considera os amigos em silêncio, baixa a voz – Se alguma coisa se fez, capaz de surtir algum efeito, foi aqui, em Mangue Seco. Não devia contar, prometi segredo. De qualquer maneira, mais dia, menos dia, vão saber.
- O quê? – impaciente, dona Carmosina.
- A tal equipe que Ascânio anda procurando…
Ouvem estarrecidos a espantosa aventura. Dona Carmosina põe a mão no peito para conter o coração:
- Sinto até palpitações. Estou arrepiada.
Comandante Dário, homem da lei e da ordem, recomenda:
- Faz de conta que você não me disse nada.
Tieta tenta sorrir mas não há alegria em seu sorriso. Recorda o desenho exposto sobre a mesa e a segurança na voz de Ascânio: esse é um assunto definitivamente resolvido dona Antonieta. De que adianta ir para Agreste, debater contra a Brastânio? Tieta sabe que não tem como impedir o estabelecimento da indústria do dióxido de titânio no coqueiral de Mangue Seco. Problemas dessa relevância são discutidos e decididos nos altos escalões, entre os grandes, o resto não conta. Quantas vezes Felipe obtivera, com manobras, dinheiro e prestígio, passar por cima das leis e do interesse dos demais, da imensa maioria? No Refúgio dos Lordes, na tranquilidade das salas reservadas, realizavam-se encontros onde eram tratados e obtidos gabaritos de prédios, localização de fábricas, concessões de cartas patentes, favores os mais diversos, negociatas de todos os tipos.
EPISÓDIO Nº 261
Na cozinha, dona Laura dirige a preparação do almoço, Elisa vai ajudá-la. Na varanda, dona Carmosina e o Comandante reclamam de imediato o regresso de Tieta a Agreste para colaborar na colecta de assinaturas contra os projectos da Brastânio. O Comandante, acordado desde as cinco da manhã avistara Ascânio na povoação, soubera que ele andara perguntando por uma caravana de técnicos da Brastânio que devia estar a chegar. Numerosa, segundo dissera, seria o começo da invasão.
- Pedi a Ascânio e peço a você que hoje evitem discutir sobre esse negócio da fábrica. Para não estragar a festa.
- Está bem, prometemos não discutir mas você promete voltar para Agreste. Precisamos de você lá – diz o Comandante.
- Me concedam pelo menos uns dias em minha biboca. Me deu um trabalhão e custou um dinheiro aloprado.
- Não podemos perder nem um minuto, Tieta. Se você não tomar a frente não se vai obter nada. Tudo depende de você.
- Tudo o quê? Vocês fazem que eu me sinta uma criminosa. Afinal quem sou eu para impedir que instalem aqui essa maldita fábrica?
- Quem é você? Como diz Modesto Pires, você é a nova padroeira de Agreste. Abaixo de Deus o povo só confia em você – sentencia dona Carmosina.
- Ninguém adora mais Mangue Seco do que eu. No verão, pouco apareço em Agreste – Há um laivo de censura na voz do Comandante – Mas exactamente porque sou doido por isso aqui, estou disposto a ficar na cidade o tempo que for necessário. É lá e não aqui que se pode fazer alguma coisa de concreto.
- Quem lhe disse, Comandante? – Tieta considera os amigos em silêncio, baixa a voz – Se alguma coisa se fez, capaz de surtir algum efeito, foi aqui, em Mangue Seco. Não devia contar, prometi segredo. De qualquer maneira, mais dia, menos dia, vão saber.
- O quê? – impaciente, dona Carmosina.
- A tal equipe que Ascânio anda procurando…
Ouvem estarrecidos a espantosa aventura. Dona Carmosina põe a mão no peito para conter o coração:
- Sinto até palpitações. Estou arrepiada.
Comandante Dário, homem da lei e da ordem, recomenda:
- Faz de conta que você não me disse nada.
Tieta tenta sorrir mas não há alegria em seu sorriso. Recorda o desenho exposto sobre a mesa e a segurança na voz de Ascânio: esse é um assunto definitivamente resolvido dona Antonieta. De que adianta ir para Agreste, debater contra a Brastânio? Tieta sabe que não tem como impedir o estabelecimento da indústria do dióxido de titânio no coqueiral de Mangue Seco. Problemas dessa relevância são discutidos e decididos nos altos escalões, entre os grandes, o resto não conta. Quantas vezes Felipe obtivera, com manobras, dinheiro e prestígio, passar por cima das leis e do interesse dos demais, da imensa maioria? No Refúgio dos Lordes, na tranquilidade das salas reservadas, realizavam-se encontros onde eram tratados e obtidos gabaritos de prédios, localização de fábricas, concessões de cartas patentes, favores os mais diversos, negociatas de todos os tipos.
quinta-feira, outubro 15, 2009
DIÁRIO DE UMA MULHER FIEL NUM CRUZEIRO
Querido Diário... 1º Dia:
Já estou preparada para fazer este maravilhoso Cruzeiro, presente do meu marido... Vim sozinha e trouxe na mala as minhas melhores roupas! Estou excitada!
Querido Diário... 2º Dia:
Foi lindo, vi alguns golfinhos e baleias! Que viagem maravilhosa estou a começar a gostar...! Hoje encontrei-me com o Capitão, que por sinal é um belo homem!
Querido diário... 3º Dia:
Hoje estive na piscina. Fiz também um pouco de jogging e joguei mini-golfe. O Capitão convidou-me para jantar na sua mesa. Foi uma honra e a noite foi maravilhosa. Ele é um homem muito atraente e
culto.
Querido diário... 4º Dia:
Fui ao Casino do navio! Tive muita sorte, pois ganhei €80. O Capitão convidou-me para jantar com ele no seu camarote. A ceia foi luxuosa com caviar e champanhe. Depois de comermos ele perguntou se eu ficaria no seu camarote, mas recusei o convite. Disse-lhe que não queria ser infiel ao meu marido.
Querido diário... 5º Dia:
Hoje voltei à piscina para me bronzear um pouco. Depois, decidi ir ao Piano Bar e passar ali a tarde. O Capitão viu-me e convidou-me para tomar um aperitivo. Realmente ele é um homem encantador.
Perguntou-me de novo se eu queria visitá-lo no seu camarote naquela noite. E eu lhe disse que não, que era casada! Então ele disse que se eu continuasse a responder não, que iria afundar o navio!
Fiquei aterrorizada!
Querido diário... 6º Dia:
- Hoje salvei 1600 pessoas... Três vezes!!!
Querido Diário... 1º Dia:
Já estou preparada para fazer este maravilhoso Cruzeiro, presente do meu marido... Vim sozinha e trouxe na mala as minhas melhores roupas! Estou excitada!
Querido Diário... 2º Dia:
Foi lindo, vi alguns golfinhos e baleias! Que viagem maravilhosa estou a começar a gostar...! Hoje encontrei-me com o Capitão, que por sinal é um belo homem!
Querido diário... 3º Dia:
Hoje estive na piscina. Fiz também um pouco de jogging e joguei mini-golfe. O Capitão convidou-me para jantar na sua mesa. Foi uma honra e a noite foi maravilhosa. Ele é um homem muito atraente e
culto.
Querido diário... 4º Dia:
Fui ao Casino do navio! Tive muita sorte, pois ganhei €80. O Capitão convidou-me para jantar com ele no seu camarote. A ceia foi luxuosa com caviar e champanhe. Depois de comermos ele perguntou se eu ficaria no seu camarote, mas recusei o convite. Disse-lhe que não queria ser infiel ao meu marido.
Querido diário... 5º Dia:
Hoje voltei à piscina para me bronzear um pouco. Depois, decidi ir ao Piano Bar e passar ali a tarde. O Capitão viu-me e convidou-me para tomar um aperitivo. Realmente ele é um homem encantador.
Perguntou-me de novo se eu queria visitá-lo no seu camarote naquela noite. E eu lhe disse que não, que era casada! Então ele disse que se eu continuasse a responder não, que iria afundar o navio!
Fiquei aterrorizada!
Querido diário... 6º Dia:
- Hoje salvei 1600 pessoas... Três vezes!!!
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 260
EPISÓDIO Nº 260
Se espera que eu lhe ajude na empreitada, fique sabendo que sou contra. Não conte comigo.
Ascânio tenta argumentar, repete frases do Magnífico Doutor e de Rosalvo Lucena mas Tieta corta-lhe a palavra:
- Não perca seu latim, não vai me convencer. Gosto muito de você mas gosto ainda mais de Agreste, adoro Mangue Seco.
- Minha maneira de amar Mangue Seco é outra, dona Antonieta – na voz o acento empresarial de Rosalvo Lucena – sou um administrador, tenho responsabilidades públicas…
- Pois fique com as suas responsabilidades, eu fico com a minha opinião. E guarde seus quadros e discursos para Agreste. Hoje é um dia muito especial para mim, não quero saber de brigas e discussões, quero muita alegria. Vá passear com Leonora, ela ainda não foi ao Saco, mal conhece Mangue Seco. Mostre tudo a ela, aproveite antes que seja tarde, sobra pouco tempo, Ascânio – Pensa em Ricardo, murmura: - Muito pouco…
Estabelece-se novamente uma trégua, a derradeira. Os rostos não se desanuviam, no entanto. Tieta conserva na retina a paisagem de aço e concreto traçada no desenho: os edifícios das fábricas, as chaminés, as residências de técnicos e administradores, as casas dos operários e mais longe, nas proximidades dos cômoros, a sumptuosa vivenda, reservada sem dúvida, para os directores da indústria. O cimento armado substituíra os coqueiros, o mangue desaparecera sob o asfalto da estrada vinda de Agreste. As choupanas tinham sumido, a povoação deixara de existir, em lugar de canoas, embarcações carregadas com tonéis. Extintos, os caranguejos e os pescadores.
Junto com a controversa visão do futuro, Ascânio enrola a euforia e a suficiência com que iniciara a pregação matinal sobre os méritos da Brastânio. Ao falar do pouco tempo a ser aproveitado, dona Antonieta se refere à instalação da fábrica, com as inevitáveis mudanças na paisagem de Mangue Seco, ou à iminência do regresso dela e da enteada a São Paulo? Os postos da Hidrelétrica já alcançaram terras do município, dona Antonieta tem razão, é curto o tempo para tanta coisa a fazer.
Tieta se ocupa com o café quando ouve o ruído do motor do barco de Pirica. Larga o hóspede sozinho, sai correndo para a praia, ao encontro de Ricardo:
- Leonora está acordando, ela cuida de você.
Do barco descem dona Carmosina e Elisa, Ricardo não veio. Tieta recebe e lê o recado do “sobrinho que a adora e tem saudades”, amassa o pedaço de papel e atira-o para a areia. Esforça-se por acompanhar o trasbordante alvoroço de dona Carmosina entregue à minuciosa narrativa do sensacional acontecimento da véspera, a festa do aniversário de Peto na pensão de Zuleika, a iniciação. Noutra oportunidade, a notícia teria motivo para longa conversa de comadres, entremeada de riso e de malícia. Merece apenas um comentário quase desinteressado:
- Descabaçaram o moleque? Já não era sem tempo. Vivia brechando as coxas da gente.
Pouco lhe interessa o sucedido com Peto. Importa-lhe, sim, o outro menino, o que ela iniciara nos cômoros, o seu, àquela hora na sacristia da Matriz anotando rol de sotainas e imagens. Por que não largou o inventário nas mãos do padre e das beatas? Como pode estar ausente no dia da festa da inauguração do Curral, da casa que os dois haviam construído, amassando juntos o barro das paredes? Não sabe que a cama nova, com o colchão de lã de barriguda, espera também para ser inaugurada? Tieta nunca imaginara pudesse vir a ter ciúmes de templos e altares, cerimónias e orações, coisa mais ridícula! Dona Carmosina a arrasta para a Toca da Sogra, em busca do Comandante.
Ascânio tenta argumentar, repete frases do Magnífico Doutor e de Rosalvo Lucena mas Tieta corta-lhe a palavra:
- Não perca seu latim, não vai me convencer. Gosto muito de você mas gosto ainda mais de Agreste, adoro Mangue Seco.
- Minha maneira de amar Mangue Seco é outra, dona Antonieta – na voz o acento empresarial de Rosalvo Lucena – sou um administrador, tenho responsabilidades públicas…
- Pois fique com as suas responsabilidades, eu fico com a minha opinião. E guarde seus quadros e discursos para Agreste. Hoje é um dia muito especial para mim, não quero saber de brigas e discussões, quero muita alegria. Vá passear com Leonora, ela ainda não foi ao Saco, mal conhece Mangue Seco. Mostre tudo a ela, aproveite antes que seja tarde, sobra pouco tempo, Ascânio – Pensa em Ricardo, murmura: - Muito pouco…
Estabelece-se novamente uma trégua, a derradeira. Os rostos não se desanuviam, no entanto. Tieta conserva na retina a paisagem de aço e concreto traçada no desenho: os edifícios das fábricas, as chaminés, as residências de técnicos e administradores, as casas dos operários e mais longe, nas proximidades dos cômoros, a sumptuosa vivenda, reservada sem dúvida, para os directores da indústria. O cimento armado substituíra os coqueiros, o mangue desaparecera sob o asfalto da estrada vinda de Agreste. As choupanas tinham sumido, a povoação deixara de existir, em lugar de canoas, embarcações carregadas com tonéis. Extintos, os caranguejos e os pescadores.
Junto com a controversa visão do futuro, Ascânio enrola a euforia e a suficiência com que iniciara a pregação matinal sobre os méritos da Brastânio. Ao falar do pouco tempo a ser aproveitado, dona Antonieta se refere à instalação da fábrica, com as inevitáveis mudanças na paisagem de Mangue Seco, ou à iminência do regresso dela e da enteada a São Paulo? Os postos da Hidrelétrica já alcançaram terras do município, dona Antonieta tem razão, é curto o tempo para tanta coisa a fazer.
Tieta se ocupa com o café quando ouve o ruído do motor do barco de Pirica. Larga o hóspede sozinho, sai correndo para a praia, ao encontro de Ricardo:
- Leonora está acordando, ela cuida de você.
Do barco descem dona Carmosina e Elisa, Ricardo não veio. Tieta recebe e lê o recado do “sobrinho que a adora e tem saudades”, amassa o pedaço de papel e atira-o para a areia. Esforça-se por acompanhar o trasbordante alvoroço de dona Carmosina entregue à minuciosa narrativa do sensacional acontecimento da véspera, a festa do aniversário de Peto na pensão de Zuleika, a iniciação. Noutra oportunidade, a notícia teria motivo para longa conversa de comadres, entremeada de riso e de malícia. Merece apenas um comentário quase desinteressado:
- Descabaçaram o moleque? Já não era sem tempo. Vivia brechando as coxas da gente.
Pouco lhe interessa o sucedido com Peto. Importa-lhe, sim, o outro menino, o que ela iniciara nos cômoros, o seu, àquela hora na sacristia da Matriz anotando rol de sotainas e imagens. Por que não largou o inventário nas mãos do padre e das beatas? Como pode estar ausente no dia da festa da inauguração do Curral, da casa que os dois haviam construído, amassando juntos o barro das paredes? Não sabe que a cama nova, com o colchão de lã de barriguda, espera também para ser inaugurada? Tieta nunca imaginara pudesse vir a ter ciúmes de templos e altares, cerimónias e orações, coisa mais ridícula! Dona Carmosina a arrasta para a Toca da Sogra, em busca do Comandante.
quarta-feira, outubro 14, 2009
VÍDEOS
Ksénia Simonova, ucraniana, nascida em 1985, é uma animadora de areia no seu país natal. Ela venceu o América's Got Talent, programa que celebrizou Susan Boyle... Numa impressionante perfomance, ela usa uma enorme caixa de luz, música dramática, imaginação e o seu talento para interpretar a invasão alemã e a ocupação da Ucrânia durante a 2ªG.G. Apesar de não ser uma novidade no mundo artístico, o significado histórico e o sentimento posto no espetáculo pela a artista tornam-no sublime.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 259
DO ASFALTO SOBRE OS CARANGUEJOS
Ricardo faltara-lhe no momento em que mais precisava de arrimo e consolo, quando o triunfo teve sabor de desastre e tudo pareceu perdido. Somente na voracidade e na ternura do adolescente Tieta poderia ter encontrado conforto para a decepção do dia frustrado, domingo de desapontos e malogros – a sombra da Brastânio projectou-se sobre a inauguração do Curral do Bode Inácio e a poluiu.
A morte de Zé Esteves reduzira a planejada festa de arromba a discreta comemoração, almoço de poucos convidados, os íntimos, banho de mar e prosa amena. Nem por isso Tieta a desejou e previu menos grata e exaltante. Após os dias de tormenta, o sol iluminou o esplendor de Mangue seco, jamais esteve a paisagem tão bela, o ar tão puro, a paz tão completa. Durante todos aqueles anos de exílio, Tieta sonhara possuir nas dunas de Mangue Seco pequeno chão de casa, nele erguer cabana onde repousar. A morte de Felipe apressara o projecto. Viera aflita em busca dos seus começos, ao reencontro da pastora de cabras, da adolescente árdua e feliz. Em menos de dois meses recorrera todos os caminhos e atalhos, não faltando a boa briga ao lado dos pescadores, a travessia dos tubarões, face a face com a morte, o ranger de dentes e os ais de amor na exaltação das noites de cio, empernada sobre os cômoros. Não somente erguera a almejada biboca como o fizera cumulada de ternura e gozo, amassando barro, areia e carícias a quatro mãos. A festa de inauguração do Curral do Bode Inácio – marco de êxito da viagem, do vitorioso retorno da pequena pastora amaldiçoada e expulsa, signo de paz reconquistada – ela a deseja perfeita de alegria pura e simples, o dia no calor da amizade, a noite no fogo da paixão.
Alegria bem pouca existiu, a amizade viu-se sujeita a duras provas e a noite foi de ausência. Contentes como devido, apenas Leonora e Astério.
Ao regressar dos cômoros, exultante, Leonora caíra nos braços de Tieta rindo e chorando:
- Quer ver uma pessoa feliz, Mãezinha? Olhe para mim…Segui o seu conselho… Se morresse hoje não me importava.
- Não seja tola. Como é que Barbozinha diz? De amor não se morre, se vive. Volte com Ascânio para Agreste, aproveite as últimas noites. Na beira do rio tem uns recantos de primeira, mas tome cuidado. Não esqueça que sou uma viúva honesta e você, uma filha de família. Aproveite o mais que puder, cabrita, faça sua reserva de saudade. Tu não sabe quanto é bom sentir saudade. É disso que tu precisa.
Leonora continuou exultante Domingo afora porque, quando Ascânio retirou o desenho de Rufo do tubo de metal para expô-lo sobre a mesa, ela ainda dormia e não tomou conhecimento da discussão com Tieta.
Também Ascânio deitara-se eufórico na rede armada na varanda para Ricardo. Tardara a adormecer, reflectindo sobre o sucedido nos cômoros. A certeza de ser amado pela mais bela e perfeita das mulheres fazia-o sentir-se invencível, capaz de conquistar o mundo. Para colocá-lo aos pés de Leonora. Acordou com o nascer do sol, correu para a praia, nadou, rindo sozinho. Na povoação procurou notícias da equipe de técnicos que, segundo anunciara doutor Lucena, teria vindo para Mangue Seco há alguns dias. Equipe numerosa, não podia passar despercebida. Não obteve, porém, nenhuma informação. Jonas, pintando cachimbo de barro, apontou para o mar com o cotoco do braço:
- Fez um tempo de cão. Por aqui não arribou ninguém. Ou perderam o rumo ou arrepiaram carreira.
- Talvez estejam no arraial.
- Capaz.
Ao voltar, avista Tieta à porta do Curral. Conta obter a boa vontade da madrasta de Leonora para os seus projectos matrimoniais ao inaugurar a placa da rua Antonieta Esteves Cantarelli, em breve. Mas a adesão da milionária à causa da Brastânio, ele pode obtê-la hoje mesmo, naquela manhã, naquela hora, fazendo-a admirar a obra de arte do decorador Rufo. Habitando em São Paulo a viúva do industrial, possuindo ela própria acções de fábricas, dona Antonieta será certamente sensível àquela deslumbrante visão do futuro, como mais uma vez classifica o chamativo desenho a cores. Apoio fundamental, o da madrasta de Leonora. Arrastará toda a população, dona Carmosina e o Comandante ficarão falando sozinhos. Quanto ao vate Barbozinha, quem dá atenção aos poetas? Recebe um choque com a inesperada reacção de Tieta:
- Como você se atreve a me mostrar essa porcaria no dia em que estou inaugurando minha biboca em Mangue Seco? Projectos e desenhos só servem para enganar os trouxas – Percorre com a vista o panorama de edifícios, chaminés, casas e estradas – Que horror! Se você gosta mesmo de Agreste, como eu penso, Ascânio, largue esse troço de mão, dê graças a Deus pelo que temos, parece pouco mas é muito.
- Me admira que a senhora diga isso, a senhora que obteve a ligação da luz da Hidrelétrica…
- Luz é uma coisa, poluição é outra. Você é inteligente, sabe que se essa indústria arranjasse outro lugar onde se instalar, não viria para esses confins.
EPISÓDIO Nº 259
DO ASFALTO SOBRE OS CARANGUEJOS
Ricardo faltara-lhe no momento em que mais precisava de arrimo e consolo, quando o triunfo teve sabor de desastre e tudo pareceu perdido. Somente na voracidade e na ternura do adolescente Tieta poderia ter encontrado conforto para a decepção do dia frustrado, domingo de desapontos e malogros – a sombra da Brastânio projectou-se sobre a inauguração do Curral do Bode Inácio e a poluiu.
A morte de Zé Esteves reduzira a planejada festa de arromba a discreta comemoração, almoço de poucos convidados, os íntimos, banho de mar e prosa amena. Nem por isso Tieta a desejou e previu menos grata e exaltante. Após os dias de tormenta, o sol iluminou o esplendor de Mangue seco, jamais esteve a paisagem tão bela, o ar tão puro, a paz tão completa. Durante todos aqueles anos de exílio, Tieta sonhara possuir nas dunas de Mangue Seco pequeno chão de casa, nele erguer cabana onde repousar. A morte de Felipe apressara o projecto. Viera aflita em busca dos seus começos, ao reencontro da pastora de cabras, da adolescente árdua e feliz. Em menos de dois meses recorrera todos os caminhos e atalhos, não faltando a boa briga ao lado dos pescadores, a travessia dos tubarões, face a face com a morte, o ranger de dentes e os ais de amor na exaltação das noites de cio, empernada sobre os cômoros. Não somente erguera a almejada biboca como o fizera cumulada de ternura e gozo, amassando barro, areia e carícias a quatro mãos. A festa de inauguração do Curral do Bode Inácio – marco de êxito da viagem, do vitorioso retorno da pequena pastora amaldiçoada e expulsa, signo de paz reconquistada – ela a deseja perfeita de alegria pura e simples, o dia no calor da amizade, a noite no fogo da paixão.
Alegria bem pouca existiu, a amizade viu-se sujeita a duras provas e a noite foi de ausência. Contentes como devido, apenas Leonora e Astério.
Ao regressar dos cômoros, exultante, Leonora caíra nos braços de Tieta rindo e chorando:
- Quer ver uma pessoa feliz, Mãezinha? Olhe para mim…Segui o seu conselho… Se morresse hoje não me importava.
- Não seja tola. Como é que Barbozinha diz? De amor não se morre, se vive. Volte com Ascânio para Agreste, aproveite as últimas noites. Na beira do rio tem uns recantos de primeira, mas tome cuidado. Não esqueça que sou uma viúva honesta e você, uma filha de família. Aproveite o mais que puder, cabrita, faça sua reserva de saudade. Tu não sabe quanto é bom sentir saudade. É disso que tu precisa.
Leonora continuou exultante Domingo afora porque, quando Ascânio retirou o desenho de Rufo do tubo de metal para expô-lo sobre a mesa, ela ainda dormia e não tomou conhecimento da discussão com Tieta.
Também Ascânio deitara-se eufórico na rede armada na varanda para Ricardo. Tardara a adormecer, reflectindo sobre o sucedido nos cômoros. A certeza de ser amado pela mais bela e perfeita das mulheres fazia-o sentir-se invencível, capaz de conquistar o mundo. Para colocá-lo aos pés de Leonora. Acordou com o nascer do sol, correu para a praia, nadou, rindo sozinho. Na povoação procurou notícias da equipe de técnicos que, segundo anunciara doutor Lucena, teria vindo para Mangue Seco há alguns dias. Equipe numerosa, não podia passar despercebida. Não obteve, porém, nenhuma informação. Jonas, pintando cachimbo de barro, apontou para o mar com o cotoco do braço:
- Fez um tempo de cão. Por aqui não arribou ninguém. Ou perderam o rumo ou arrepiaram carreira.
- Talvez estejam no arraial.
- Capaz.
Ao voltar, avista Tieta à porta do Curral. Conta obter a boa vontade da madrasta de Leonora para os seus projectos matrimoniais ao inaugurar a placa da rua Antonieta Esteves Cantarelli, em breve. Mas a adesão da milionária à causa da Brastânio, ele pode obtê-la hoje mesmo, naquela manhã, naquela hora, fazendo-a admirar a obra de arte do decorador Rufo. Habitando em São Paulo a viúva do industrial, possuindo ela própria acções de fábricas, dona Antonieta será certamente sensível àquela deslumbrante visão do futuro, como mais uma vez classifica o chamativo desenho a cores. Apoio fundamental, o da madrasta de Leonora. Arrastará toda a população, dona Carmosina e o Comandante ficarão falando sozinhos. Quanto ao vate Barbozinha, quem dá atenção aos poetas? Recebe um choque com a inesperada reacção de Tieta:
- Como você se atreve a me mostrar essa porcaria no dia em que estou inaugurando minha biboca em Mangue Seco? Projectos e desenhos só servem para enganar os trouxas – Percorre com a vista o panorama de edifícios, chaminés, casas e estradas – Que horror! Se você gosta mesmo de Agreste, como eu penso, Ascânio, largue esse troço de mão, dê graças a Deus pelo que temos, parece pouco mas é muito.
- Me admira que a senhora diga isso, a senhora que obteve a ligação da luz da Hidrelétrica…
- Luz é uma coisa, poluição é outra. Você é inteligente, sabe que se essa indústria arranjasse outro lugar onde se instalar, não viria para esses confins.
terça-feira, outubro 13, 2009
Amor visto
pelas Crianças
Quando a minha avó ficou com artrite, não se podia dobrar para pintar as unhas dos dedos dos pés. Portanto o meu avô faz sempre isso por ela, mesmo quando apanhou, também, artrite nas mãos. Isso é o amor.»
Rebeca, 8 anos
«Quando alguém te ama, a maneira como pronuncia o teu nome é diferente. Tu sentes que o teu nome está seguro na boca dessa pessoa.»
Billy, 4 anos
«O amor é quando uma rapariga põe perfume e um rapaz põe colónia da barba e vão sair e se cheiram um ao outro.»
Karl, 5 anos
«O amor é quando vais comer fora e dás grande parte das tuas batatas fritas a alguém, sem a obrigares a dar-te das dele.»
Chrissy, 6 anos
«O amor é o que te faz sorrir quando estás cansado.»
Terri, 4 anos
«O amor é quando a minha mamã faz café ao meu papá e bebe um golinho antes de lho dar, para ter a certeza de que o sabor está bom.»
Danny, 7 anos
«O amor é estar sempre a dar beijinhos. E, depois, quando já estás cansado dos beijinhos, ainda queres estar ao pé daquela pessoa e falar com ela. O meu pai e a minha mãe são assim. Eles são um bocado nojentos quando se beijam.»
Emily, 8 anos
«O amor é quando dizes a um rapaz que gostas da camisa dele e, depois, ele usa-a todos os dias.»
Noelle, 7 anos
«O amor é quando um velhinho e uma velhinha ainda são amigos, mesmo depois de se conhecerem muito bem.» (nem Sócrates, Descartes ou Freud diriam algo mais certo...)
Tommy, 6 anos
«A minha mãe ama-me mais do que ninguém. Não vês mais ninguém a dar-me beijinhos para dormir.»
Clare, 6 anos
«Amor é quando a mamã dá ao papá o melhor pedaço da galinha.»
Elaine, 5 anos
«Amor é quando a mamã vê o papá bem cheiroso e arranjadinho e diz que ele ainda é mais bonito do que o Robert Redford.»
Chris, 7 anos
«Amor é quando o teu cãozinho te lambe a cara toda, apesar de o teres deixado sozinho todo o dia.»
Mary Ann, 4 anos tão querida
«Quando amas alguém, as tuas pestanas andam para cima e para baixo e saem estrelinhas de ti.» (quanta arte!)
Karen, 7 anos
«Nunca devemos dizer 'Amo-te', a menos que seja mesmo verdade. Mas se é mesmo verdade, devemos dizer muitas vezes. As pessoas esquecem-se.»
Jessica, 8 anos
E a última: O autor e conferencista Leo Buscaglia falou de um concurso em que ele teve de ser júri. O objectivo era encontrar a criança mais cuidadosa.
A vencedora foi um rapazinho de quatro anos, cujo vizinho era um velhote que perdera recentemente a sua esposa. Depois de ter visto o senhor a chorar, o menino foi ao quintal do velhote, subiu para o seu colo e sentou-se. Quando a mãe perguntou o que dissera ao vizinho, o rapazinho disse:
"Nada, só o ajudei a chorar".
Rebeca, 8 anos
«Quando alguém te ama, a maneira como pronuncia o teu nome é diferente. Tu sentes que o teu nome está seguro na boca dessa pessoa.»
Billy, 4 anos
«O amor é quando uma rapariga põe perfume e um rapaz põe colónia da barba e vão sair e se cheiram um ao outro.»
Karl, 5 anos
«O amor é quando vais comer fora e dás grande parte das tuas batatas fritas a alguém, sem a obrigares a dar-te das dele.»
Chrissy, 6 anos
«O amor é o que te faz sorrir quando estás cansado.»
Terri, 4 anos
«O amor é quando a minha mamã faz café ao meu papá e bebe um golinho antes de lho dar, para ter a certeza de que o sabor está bom.»
Danny, 7 anos
«O amor é estar sempre a dar beijinhos. E, depois, quando já estás cansado dos beijinhos, ainda queres estar ao pé daquela pessoa e falar com ela. O meu pai e a minha mãe são assim. Eles são um bocado nojentos quando se beijam.»
Emily, 8 anos
«O amor é quando dizes a um rapaz que gostas da camisa dele e, depois, ele usa-a todos os dias.»
Noelle, 7 anos
«O amor é quando um velhinho e uma velhinha ainda são amigos, mesmo depois de se conhecerem muito bem.» (nem Sócrates, Descartes ou Freud diriam algo mais certo...)
Tommy, 6 anos
«A minha mãe ama-me mais do que ninguém. Não vês mais ninguém a dar-me beijinhos para dormir.»
Clare, 6 anos
«Amor é quando a mamã dá ao papá o melhor pedaço da galinha.»
Elaine, 5 anos
«Amor é quando a mamã vê o papá bem cheiroso e arranjadinho e diz que ele ainda é mais bonito do que o Robert Redford.»
Chris, 7 anos
«Amor é quando o teu cãozinho te lambe a cara toda, apesar de o teres deixado sozinho todo o dia.»
Mary Ann, 4 anos tão querida
«Quando amas alguém, as tuas pestanas andam para cima e para baixo e saem estrelinhas de ti.» (quanta arte!)
Karen, 7 anos
«Nunca devemos dizer 'Amo-te', a menos que seja mesmo verdade. Mas se é mesmo verdade, devemos dizer muitas vezes. As pessoas esquecem-se.»
Jessica, 8 anos
E a última: O autor e conferencista Leo Buscaglia falou de um concurso em que ele teve de ser júri. O objectivo era encontrar a criança mais cuidadosa.
A vencedora foi um rapazinho de quatro anos, cujo vizinho era um velhote que perdera recentemente a sua esposa. Depois de ter visto o senhor a chorar, o menino foi ao quintal do velhote, subiu para o seu colo e sentou-se. Quando a mãe perguntou o que dissera ao vizinho, o rapazinho disse:
"Nada, só o ajudei a chorar".
OBAMA – PRÉMIO NOBEL
O Júri de Oslo atribuiu com um recorde de votos favoráveis, 205, a Barack Obama o Prémio Nobel da Paz.
Muita gente apareceu a dizer que foi uma atribuição prematura, que o pouco tempo que tem de Presidência não lhe permitiu ainda fazer nada de concreto.
As pessoas esquecem-se de um aspecto muito importante: é que, no exercício das suas funções, o presidente Obama não impõe, não ordena, não ameaça, não faz imposições, como bom democrata e humanista que é, conversa, persuade, negoceia.
O mundo é muito complexo, os problemas e as situações mais graves como a da Palestina entre árabes e judeus, há mais de meio século que se arrasta, o terrorismo da Alcaeda, pessimamente conduzido por Bush com a invasão do Iraque, é de muito difícil resolução e por muito que nós gostássemos ninguém é portador de uma varinha mágica.
Obama mudou radicalmente a face da América perante o mundo, mundo perante o qual estava desacreditada por motivos de que todos nos lembramos, o mais grave dos quais talvez tenha sido o de mentir para justificar a invasão militar do Iraque, para além de ter infringido os direitos humanos e marginalizado as Nações Unidas.
Obama acabou com aquela atitude arrogante e agressiva dos Estados Unidos e desencadeou uma política de diálogo com a Rússia, China e países da América Latina em pé de igualdade.
Num discurso célebre que produziu no Cairo estendeu as mãos aos árabes e acabou com as humilhações.
No entanto, para além de tudo quanto já fez e tem em curso, há que destacar um dos argumentos justificativos para a atribuição do Prémio apresentado pelo Júri de Oslo:
“Poucas pessoas houve que tenham sabido atrair a atenção do mundo, como Obama, e dar aos povos esperança num melhor futuro. A sua diplomacia baseia-se na ideia de que aqueles que dirigem o mundo devem-nos fazer partilhar os valores da maioria dos povos do mundo”.
Apetece-me bater palmas…
O Júri de Oslo atribuiu com um recorde de votos favoráveis, 205, a Barack Obama o Prémio Nobel da Paz.
Muita gente apareceu a dizer que foi uma atribuição prematura, que o pouco tempo que tem de Presidência não lhe permitiu ainda fazer nada de concreto.
As pessoas esquecem-se de um aspecto muito importante: é que, no exercício das suas funções, o presidente Obama não impõe, não ordena, não ameaça, não faz imposições, como bom democrata e humanista que é, conversa, persuade, negoceia.
O mundo é muito complexo, os problemas e as situações mais graves como a da Palestina entre árabes e judeus, há mais de meio século que se arrasta, o terrorismo da Alcaeda, pessimamente conduzido por Bush com a invasão do Iraque, é de muito difícil resolução e por muito que nós gostássemos ninguém é portador de uma varinha mágica.
Obama mudou radicalmente a face da América perante o mundo, mundo perante o qual estava desacreditada por motivos de que todos nos lembramos, o mais grave dos quais talvez tenha sido o de mentir para justificar a invasão militar do Iraque, para além de ter infringido os direitos humanos e marginalizado as Nações Unidas.
Obama acabou com aquela atitude arrogante e agressiva dos Estados Unidos e desencadeou uma política de diálogo com a Rússia, China e países da América Latina em pé de igualdade.
Num discurso célebre que produziu no Cairo estendeu as mãos aos árabes e acabou com as humilhações.
No entanto, para além de tudo quanto já fez e tem em curso, há que destacar um dos argumentos justificativos para a atribuição do Prémio apresentado pelo Júri de Oslo:
“Poucas pessoas houve que tenham sabido atrair a atenção do mundo, como Obama, e dar aos povos esperança num melhor futuro. A sua diplomacia baseia-se na ideia de que aqueles que dirigem o mundo devem-nos fazer partilhar os valores da maioria dos povos do mundo”.
Apetece-me bater palmas…
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 258
- Volta-lhe a vivacidade no impacto da estupefaciente revelação, súbita revelação de navegador perdido ao avistar terra longínqua e ignota – Nunca me passou pela cabeça. Nem acredito.
Na cama, nas noites de fornicação, na hora final, a mão do marido roça-lhe as ancas, a medo; somente agora Elisa empresta significação e valor ao hesitante gesto. Dona Carmosina sente vontade de lhe revelar que, por ocasião do noivado e do casamento, a cidade unânime atribuíra à forma sumptuosa e exuberante dos quadris de Elisa a desvairada paixão de Astério. Mas conteve-se pois seu objectivo é animar a amiga, fazê-la reviver, superando a decepção sofrida e não lhe fornecer novos motivos de desgosto e revolta contra Agreste.
Retorna aos detalhes da festa de Peto:
- Aminthas me contou que a festa foi um barato. Barbozinha, velho sem vergonha, fez um soneto louvando as qualidades de Zuleika, a papa – meninos. Barbozinha é um poeta de verdade, enfrenta qualquer tema e se sai bem de todos – Elogia com uma ponta de inveja; a construção de um verso custa esforço e vigília a dona Carmosina, enquanto Barbozinha, com a maior facilidade, rima jovem canhestro com jovem destro, pudicícia com malícia, coloca o cabaço (de Peto) no regaço (de Zuleika).
Mas Elisa permanece na surpresa da revelação dos destemperos (ou temperos) do marido:
- Farrista e ainda por cima tarado. Em casa todo ao contrário.
Tu é a esposa dele, Astério te respeita. Assim age um bom marido.
Não escapa a dona Carmosina o muxoxo de desagrado a marcar o lábio de Elisa, demonstração de desprezo e repúdio aos hábitos do sertão. Com o que, se dá por convencida: Astério jamais usara Elisa por detrás como certamente desejaria fazê-lo. Mais forte que o desejo, impunha-se a lei não escrita mas gravada dentro de cada um. Esposa é dona de casa, a mãe dos filhos, com quem se cumpre os deveres matrimoniais na contenção e no respeito. Para o prazer, os requintes, os desvarios, estão as putas na pensão de Zuleika.
Não é por acaso que Elisa se sente frustrada e sonha ir-se embora. Em São Paulo, terra civilizada, os hábitos são outros, o código feudal não prevalece. Quem sabe, lá Astério aprenderia que esposa é mulher igual a qualquer outra, na cama deseja incontinência de macho e não respeito de marido. Caso não aprendesse, então…
Mas Tieta é sábia, advinha as intenções mais recônditas, e boa irmã, defende o lar e a tranquilidade de Elisa e de Astério. Cabe a Elisa conformar-se, buscar motivo de alegria na residência nova e confortável, para a qual se mudará no dia seguinte, na segurança dada pelas terras e cabras da Vista alegre, não se enterrar no desgosto, reencontrar o equilíbrio. Mirar-se no exemplo dela própria, Carmosina.
Muito maiores são seus motivos para sentir-se carente, frustrada, amarga, odiando os homens e a vida. Nem sequer o limitado prazer concedido às esposas pelos maridos respeitosos, nem esse teve. Nem marido, nem noivo, namorado ou amante. Virgem, incólume, total e completamente. Não mereceu palavras de amor, nem ousadias. Ninguém a quis, ninguém lhe pediu nem lhe propôs. Contudo, não vive em desespero, supera a carência, a solidão, ama a vida, tem amigos, sabe rir. Elisa retorna do silêncio e do muxoxo:
- Como era mesmo o apelido? Consolo…
- … do Fiofó das Vitalinas… Dizem que Astério comeu o rabo de uma quantidade de beatas.. Atrás do balcão da loja. Vivia entre o balcão e a casa de Zuleika, consolando.
A dona Carmosina não consolara, tratando-a sempre com deferência. Bem poderia tê-lo feito, não faltara ocasião. Ancas magras, murchas nádegas, bunda chulada, Carmosina ai, não lhe acendera o vício. Nem o dele nem o dos outros; falam que Osnar é bom de língua, ela sabe apenas por ouvir dizer. Tão injustiçada não perdeu, no entanto, o gosto da vida.
Conseguiu fazer Eliza rir, esquecer a decepção, retornar às conversas distraídas, sair do poço onde afundara. Mas ela, dona Carmosina, no barco de Pirica, sente de súbito imensa solidão, a ausência de qualquer esperança. Esperança de homem, mais nenhuma. Mas ainda assim continuará a defender Agreste contra a poluição e a consumir as noites em cima do caderno e do dicionário buscando novas rimas para desejo, fúria, amor, Osnar.
Muda de assunto, desfia outro tema apaixonante:
- Fidélio se revelou um homem de bem. Graças a ele os bandidos da Brastânio não poderão comprar o coqueiral. Não ligou para o dinheiro, recusou as ofertas, passou procuração ao Comandante. Rapaz direito e, ainda por cima, bonitão.
EPISÓDIO Nº 258
- Volta-lhe a vivacidade no impacto da estupefaciente revelação, súbita revelação de navegador perdido ao avistar terra longínqua e ignota – Nunca me passou pela cabeça. Nem acredito.
Na cama, nas noites de fornicação, na hora final, a mão do marido roça-lhe as ancas, a medo; somente agora Elisa empresta significação e valor ao hesitante gesto. Dona Carmosina sente vontade de lhe revelar que, por ocasião do noivado e do casamento, a cidade unânime atribuíra à forma sumptuosa e exuberante dos quadris de Elisa a desvairada paixão de Astério. Mas conteve-se pois seu objectivo é animar a amiga, fazê-la reviver, superando a decepção sofrida e não lhe fornecer novos motivos de desgosto e revolta contra Agreste.
Retorna aos detalhes da festa de Peto:
- Aminthas me contou que a festa foi um barato. Barbozinha, velho sem vergonha, fez um soneto louvando as qualidades de Zuleika, a papa – meninos. Barbozinha é um poeta de verdade, enfrenta qualquer tema e se sai bem de todos – Elogia com uma ponta de inveja; a construção de um verso custa esforço e vigília a dona Carmosina, enquanto Barbozinha, com a maior facilidade, rima jovem canhestro com jovem destro, pudicícia com malícia, coloca o cabaço (de Peto) no regaço (de Zuleika).
Mas Elisa permanece na surpresa da revelação dos destemperos (ou temperos) do marido:
- Farrista e ainda por cima tarado. Em casa todo ao contrário.
Tu é a esposa dele, Astério te respeita. Assim age um bom marido.
Não escapa a dona Carmosina o muxoxo de desagrado a marcar o lábio de Elisa, demonstração de desprezo e repúdio aos hábitos do sertão. Com o que, se dá por convencida: Astério jamais usara Elisa por detrás como certamente desejaria fazê-lo. Mais forte que o desejo, impunha-se a lei não escrita mas gravada dentro de cada um. Esposa é dona de casa, a mãe dos filhos, com quem se cumpre os deveres matrimoniais na contenção e no respeito. Para o prazer, os requintes, os desvarios, estão as putas na pensão de Zuleika.
Não é por acaso que Elisa se sente frustrada e sonha ir-se embora. Em São Paulo, terra civilizada, os hábitos são outros, o código feudal não prevalece. Quem sabe, lá Astério aprenderia que esposa é mulher igual a qualquer outra, na cama deseja incontinência de macho e não respeito de marido. Caso não aprendesse, então…
Mas Tieta é sábia, advinha as intenções mais recônditas, e boa irmã, defende o lar e a tranquilidade de Elisa e de Astério. Cabe a Elisa conformar-se, buscar motivo de alegria na residência nova e confortável, para a qual se mudará no dia seguinte, na segurança dada pelas terras e cabras da Vista alegre, não se enterrar no desgosto, reencontrar o equilíbrio. Mirar-se no exemplo dela própria, Carmosina.
Muito maiores são seus motivos para sentir-se carente, frustrada, amarga, odiando os homens e a vida. Nem sequer o limitado prazer concedido às esposas pelos maridos respeitosos, nem esse teve. Nem marido, nem noivo, namorado ou amante. Virgem, incólume, total e completamente. Não mereceu palavras de amor, nem ousadias. Ninguém a quis, ninguém lhe pediu nem lhe propôs. Contudo, não vive em desespero, supera a carência, a solidão, ama a vida, tem amigos, sabe rir. Elisa retorna do silêncio e do muxoxo:
- Como era mesmo o apelido? Consolo…
- … do Fiofó das Vitalinas… Dizem que Astério comeu o rabo de uma quantidade de beatas.. Atrás do balcão da loja. Vivia entre o balcão e a casa de Zuleika, consolando.
A dona Carmosina não consolara, tratando-a sempre com deferência. Bem poderia tê-lo feito, não faltara ocasião. Ancas magras, murchas nádegas, bunda chulada, Carmosina ai, não lhe acendera o vício. Nem o dele nem o dos outros; falam que Osnar é bom de língua, ela sabe apenas por ouvir dizer. Tão injustiçada não perdeu, no entanto, o gosto da vida.
Conseguiu fazer Eliza rir, esquecer a decepção, retornar às conversas distraídas, sair do poço onde afundara. Mas ela, dona Carmosina, no barco de Pirica, sente de súbito imensa solidão, a ausência de qualquer esperança. Esperança de homem, mais nenhuma. Mas ainda assim continuará a defender Agreste contra a poluição e a consumir as noites em cima do caderno e do dicionário buscando novas rimas para desejo, fúria, amor, Osnar.
Muda de assunto, desfia outro tema apaixonante:
- Fidélio se revelou um homem de bem. Graças a ele os bandidos da Brastânio não poderão comprar o coqueiral. Não ligou para o dinheiro, recusou as ofertas, passou procuração ao Comandante. Rapaz direito e, ainda por cima, bonitão.
segunda-feira, outubro 12, 2009
A “ESTRANHEZA” DA MAIORIA ABSOLUTA DE ISALTINO MORAIS
Continuando a “correr sozinho” contra PS e PSD, o candidato Isaltino Morais volta a ganhar a Câmara de Oeiras, desta vez com maioria absoluta.
“Estranhamente”, na situação de condenado em Tribunal por um colectivo de três juízes em sete anos de prisão por crimes de abuso de poder, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais mas com a sentença suspensa por efeito da figura jurídica do Recurso, o candidato Isaltino, reforça a vitória que tinha obtido nas anteriores eleições quando era apenas suspeito, arguido ou pronunciado.
Ou seja, em termos de campanha eleitoral, a condenação “funcionou” como uma espécie de mais valia, como se o eleitorado o quisesse compensar por “tão grave e injusta” decisão do Tribunal, do género: “os juízes condenaram-te, nós absolvemos-te”.
Não me parece que os eleitores tivessem pensado assim. Pura e simplesmente desprezaram a decisão do Tribunal, não a levaram em consideração porque, no fundo, não valorizam este tipo de crimes.
Perguntados em privado, olhos nos olhos, sorriem, encolhem os ombros e respondem:
- “Ora, se eu pudesse, também punha dinheiros na Suiça…”.
Ao fim de cerca de vinte anos de poder autárquico, aquele homem, que tem o perfil e a vocação próprias para a função, líder nato, considerado o autarca modelo do PSD, estabeleceu, no âmbito da Câmara de Oeiras, uma rede de cumplicidades, de favores, fez obra, arranjou empregos, ajudou a resolver problemas de centenas de pessoas e é tudo isso que as pessoas lembram e consideram.
O “nosso povo”, na expressão querida ao PCP, sabe bem que o poder é uma tentação à qual poucos resistem. Sempre foi assim, está nos genes dos homens, gravado na história:
- O Governador da Índia escrevia a El-Rei a solicitar-lhe a prorrogação do mandato “porque ainda tenho uma filha para casar”.
Negócios do Estado e negócios particulares frequentemente se misturaram mas o que sempre foi importante e decisivo é que os governados considerem boa a acção do governante.
Hoje ainda, apesar das coisas terem mudado muito, e a condenação na justiça de Isaltino é disso prova, as pessoas têm a noção de que os poderosos, nestes lugares importantes, sempre se “governam”, simplesmente não se deixam apanhar e condenar como o Isaltino, que terá exagerado nos seus comportamentos de despudor e excesso de confiança e à vontade que o levaram a ultrapassar em muito, os limites do que era legal com uma falsa noção de impunidade.
O rigor e a honestidade aliados à competência são considerados excepções que ainda não fizeram escola na nossa cultura.
O civismo e o amor desinteressado à causa pública como um dever, são novidades recentes e o “sentir profundo” de uma sociedade leva muitas gerações até que seja completamente alterado.
A reacção de repulsa por um candidato a um cargo público no exercício do qual praticou actos tão graves, severamente julgados e condenados pelo Tribunal, foi substituída por aquilo que poderemos considerar o “aplauso amplamente unânime” de um eleitorado que, para agravar as coisas, integra uma forte componente de pessoas evoluídas e letradas.
Por tudo isto, a vitória por maioria absoluta de Isaltino Morais, só tenha sido estranha a observadores do exterior que não estejam por dentro das características culturais da nossa sociedade.
Infelizmente, para Isaltino Morais, a máquina da justiça não vai parar e nem a vitória com maioria absoluta lhe irá valer.
“Estranhamente”, na situação de condenado em Tribunal por um colectivo de três juízes em sete anos de prisão por crimes de abuso de poder, corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais mas com a sentença suspensa por efeito da figura jurídica do Recurso, o candidato Isaltino, reforça a vitória que tinha obtido nas anteriores eleições quando era apenas suspeito, arguido ou pronunciado.
Ou seja, em termos de campanha eleitoral, a condenação “funcionou” como uma espécie de mais valia, como se o eleitorado o quisesse compensar por “tão grave e injusta” decisão do Tribunal, do género: “os juízes condenaram-te, nós absolvemos-te”.
Não me parece que os eleitores tivessem pensado assim. Pura e simplesmente desprezaram a decisão do Tribunal, não a levaram em consideração porque, no fundo, não valorizam este tipo de crimes.
Perguntados em privado, olhos nos olhos, sorriem, encolhem os ombros e respondem:
- “Ora, se eu pudesse, também punha dinheiros na Suiça…”.
Ao fim de cerca de vinte anos de poder autárquico, aquele homem, que tem o perfil e a vocação próprias para a função, líder nato, considerado o autarca modelo do PSD, estabeleceu, no âmbito da Câmara de Oeiras, uma rede de cumplicidades, de favores, fez obra, arranjou empregos, ajudou a resolver problemas de centenas de pessoas e é tudo isso que as pessoas lembram e consideram.
O “nosso povo”, na expressão querida ao PCP, sabe bem que o poder é uma tentação à qual poucos resistem. Sempre foi assim, está nos genes dos homens, gravado na história:
- O Governador da Índia escrevia a El-Rei a solicitar-lhe a prorrogação do mandato “porque ainda tenho uma filha para casar”.
Negócios do Estado e negócios particulares frequentemente se misturaram mas o que sempre foi importante e decisivo é que os governados considerem boa a acção do governante.
Hoje ainda, apesar das coisas terem mudado muito, e a condenação na justiça de Isaltino é disso prova, as pessoas têm a noção de que os poderosos, nestes lugares importantes, sempre se “governam”, simplesmente não se deixam apanhar e condenar como o Isaltino, que terá exagerado nos seus comportamentos de despudor e excesso de confiança e à vontade que o levaram a ultrapassar em muito, os limites do que era legal com uma falsa noção de impunidade.
O rigor e a honestidade aliados à competência são considerados excepções que ainda não fizeram escola na nossa cultura.
O civismo e o amor desinteressado à causa pública como um dever, são novidades recentes e o “sentir profundo” de uma sociedade leva muitas gerações até que seja completamente alterado.
A reacção de repulsa por um candidato a um cargo público no exercício do qual praticou actos tão graves, severamente julgados e condenados pelo Tribunal, foi substituída por aquilo que poderemos considerar o “aplauso amplamente unânime” de um eleitorado que, para agravar as coisas, integra uma forte componente de pessoas evoluídas e letradas.
Por tudo isto, a vitória por maioria absoluta de Isaltino Morais, só tenha sido estranha a observadores do exterior que não estejam por dentro das características culturais da nossa sociedade.
Infelizmente, para Isaltino Morais, a máquina da justiça não vai parar e nem a vitória com maioria absoluta lhe irá valer.
TIETA DO AGRESTE
EPISÓDIO Nº 257
O PICANTE DIÁLOGO NO BARCO DE PIRICA ENTRE A CARENTE E A MAIS CARENTE AINDA
No ancoradouro, apenas dona Carmosina e Elisa tomam assento no barco de Pirica. Ricardo, coitado, preso dos deveres de seminarista, ficara a ajudar padre Mariano no inventário. Os demais convidados irão mais tarde, com Astério na lancha de Elieser: Barbozinha, Osnar, Aminthas, Seixas e Fidélio. Que gesto digno teve esse rapaz, Elisa! Também dona Milú, às voltas com um parto, será da curriola se a criança nascer a tempo. Astério saiu de madrugada para Vista Alegre, Domingo é dia de contas, ele passa a manhã na roça. Os demais, ah!, os demais minha filha dormem cansados da noite de farra. Farra monumental, nem queira saber o motivo.
- Ah! me conta, Carmô!
Ninguém pode com Carmô! São apenas nove da manhã ela já tem pleno conhecimento do que aconteceu na véspera à noite, das bandalheiras ocorridas na madrugada, dos maus passos dos boémios. Enquanto o barco parte e Pirica se entrega ao controle do motor e do leme, dona Carmosina descreve para Elisa detalhes picarescos da festa da iniciação de Peto na pensão de Zuleika Cinderela.
- Peto? Mas se ontem completou treze anos, uma criança… Elisa não crê em seus ouvidos.
- Exactamente. Aos treze anos, o cidadão brasileiro alcança a maioridade sexual, segundo Osnar – Dona Carmosina ri com gosto; esse Osnar, ai, é o único mas, que pena! Não adianta suspirar por ele. – Aminthas passou lá em casa para avisar que virão na lancha, a tempo do almoço. Estava chegando da festa, imagine você, por volta das seis e meia. Me contou tudinho. Zuleika é especialista, foi ela quem papou toda a rapaziada de Agreste – pronuncia a palavra papou com inveja e gula.
Elisa anda triste, sorumbática, dona Carmosina esforça-se por fazê-la sorrir, tentando interessá-la na vida da cidade. O assunto picante consegue despertar a tenção da bela e melancólica esposa de Astério que aproveita para satisfazer antiga curiosidade.
- Astério também?
- Todos, ao que parece.
- Astério não é homem dessas coisas. Às vezes conta casos dos outros que ouve no bilhar. Não passa disso. Garanto que nunca foi de frequentar a pensão…
- Astério? Então tu não sabe? – Dona Carmosina pergunta e ela mesmo responde: - Como tu há-de saber se eu nunca te contei e nenhuma outra ia te contar? Teu marido foi de morte, minha filha, um farrista famoso.
- Farrista famoso, Astério? Tenha paciência Carmô, Carmô, não acredito.
- Não? Pois trate de acreditar. Famoso na pensão e fora dela, minha filha. E ainda por cima tinha seus particulares. Sabe qual era o apelido dele no tempo de solteiro? De teu maridinho?
- Qual? Me diga – Na face e na voz de Elisa transparece uma nota de vivacidade a romper por fim a indiferença e a amargura.
- Não vá se zangar, hein! Astério era conhecido pelo nome de Consolo do Fiofó das Vitalinas. Sugestivo, não é?
- Como é? – entre pasmada e sorridente – Consolo? Por quê? Vamos Carmô, me explica.
Suspicaz, dona Carmosina perscruta, com os olhos miúdos, a face da amiga e protegida. Será que Elisa realmente não está a par do apelido, das inclinações e proezas de Astério ou se faz de inocente?
- Não me diga que não sabe das preferências sexuais de teu marido. Afinal tu está casada com ele há mais de dez anos.
- Preferências? Juro que não sei do que está falando. Se tu estás referindo a coisas que dizem que alguns homens e mulheres fazem, posso garantir que comigo nunca teve disso. Quando acontece, é sempre igual, no jeito de fazer menino. Até tem um nome…
- Papai e mamãe, é a posição clássica. Osnar diz que é a dos bobocas. Esse Osnar… - Gosta de repetir o nome, rima predilecta de seus versos.
Na voz de Elisa reponta uma queixa, uma carência:
- Ainda assim, quando lhe dá vontade.
- Pois se não sabe, fique sabendo, minha filha que teu marido era famoso por… - apesar de estarem sozinhas, Pirica atento ao leme, aproxima a boca do ouvido de Elisa para lhe comentar as comentadas predilecções de Astério.
- Na bunda? Meu Deus! Nunca soube disso…
EPISÓDIO Nº 257
O PICANTE DIÁLOGO NO BARCO DE PIRICA ENTRE A CARENTE E A MAIS CARENTE AINDA
No ancoradouro, apenas dona Carmosina e Elisa tomam assento no barco de Pirica. Ricardo, coitado, preso dos deveres de seminarista, ficara a ajudar padre Mariano no inventário. Os demais convidados irão mais tarde, com Astério na lancha de Elieser: Barbozinha, Osnar, Aminthas, Seixas e Fidélio. Que gesto digno teve esse rapaz, Elisa! Também dona Milú, às voltas com um parto, será da curriola se a criança nascer a tempo. Astério saiu de madrugada para Vista Alegre, Domingo é dia de contas, ele passa a manhã na roça. Os demais, ah!, os demais minha filha dormem cansados da noite de farra. Farra monumental, nem queira saber o motivo.
- Ah! me conta, Carmô!
Ninguém pode com Carmô! São apenas nove da manhã ela já tem pleno conhecimento do que aconteceu na véspera à noite, das bandalheiras ocorridas na madrugada, dos maus passos dos boémios. Enquanto o barco parte e Pirica se entrega ao controle do motor e do leme, dona Carmosina descreve para Elisa detalhes picarescos da festa da iniciação de Peto na pensão de Zuleika Cinderela.
- Peto? Mas se ontem completou treze anos, uma criança… Elisa não crê em seus ouvidos.
- Exactamente. Aos treze anos, o cidadão brasileiro alcança a maioridade sexual, segundo Osnar – Dona Carmosina ri com gosto; esse Osnar, ai, é o único mas, que pena! Não adianta suspirar por ele. – Aminthas passou lá em casa para avisar que virão na lancha, a tempo do almoço. Estava chegando da festa, imagine você, por volta das seis e meia. Me contou tudinho. Zuleika é especialista, foi ela quem papou toda a rapaziada de Agreste – pronuncia a palavra papou com inveja e gula.
Elisa anda triste, sorumbática, dona Carmosina esforça-se por fazê-la sorrir, tentando interessá-la na vida da cidade. O assunto picante consegue despertar a tenção da bela e melancólica esposa de Astério que aproveita para satisfazer antiga curiosidade.
- Astério também?
- Todos, ao que parece.
- Astério não é homem dessas coisas. Às vezes conta casos dos outros que ouve no bilhar. Não passa disso. Garanto que nunca foi de frequentar a pensão…
- Astério? Então tu não sabe? – Dona Carmosina pergunta e ela mesmo responde: - Como tu há-de saber se eu nunca te contei e nenhuma outra ia te contar? Teu marido foi de morte, minha filha, um farrista famoso.
- Farrista famoso, Astério? Tenha paciência Carmô, Carmô, não acredito.
- Não? Pois trate de acreditar. Famoso na pensão e fora dela, minha filha. E ainda por cima tinha seus particulares. Sabe qual era o apelido dele no tempo de solteiro? De teu maridinho?
- Qual? Me diga – Na face e na voz de Elisa transparece uma nota de vivacidade a romper por fim a indiferença e a amargura.
- Não vá se zangar, hein! Astério era conhecido pelo nome de Consolo do Fiofó das Vitalinas. Sugestivo, não é?
- Como é? – entre pasmada e sorridente – Consolo? Por quê? Vamos Carmô, me explica.
Suspicaz, dona Carmosina perscruta, com os olhos miúdos, a face da amiga e protegida. Será que Elisa realmente não está a par do apelido, das inclinações e proezas de Astério ou se faz de inocente?
- Não me diga que não sabe das preferências sexuais de teu marido. Afinal tu está casada com ele há mais de dez anos.
- Preferências? Juro que não sei do que está falando. Se tu estás referindo a coisas que dizem que alguns homens e mulheres fazem, posso garantir que comigo nunca teve disso. Quando acontece, é sempre igual, no jeito de fazer menino. Até tem um nome…
- Papai e mamãe, é a posição clássica. Osnar diz que é a dos bobocas. Esse Osnar… - Gosta de repetir o nome, rima predilecta de seus versos.
Na voz de Elisa reponta uma queixa, uma carência:
- Ainda assim, quando lhe dá vontade.
- Pois se não sabe, fique sabendo, minha filha que teu marido era famoso por… - apesar de estarem sozinhas, Pirica atento ao leme, aproxima a boca do ouvido de Elisa para lhe comentar as comentadas predilecções de Astério.
- Na bunda? Meu Deus! Nunca soube disso…
domingo, outubro 11, 2009
PEDIDO DE EMPRÉSTIMO
Um advogado de Nova Orleães pediu um empréstimo em nome de um cliente que perdera sua casa aquando do furacão Katrina e queria reconstruí-la.
Foi-lhe comunicado que o empréstimo seria concedido logo que ele pudesse apresentar o título de propriedade original da parcela da propriedade que estava a ser oferecida como garantia.
O advogado levou três meses para seguir a pista do título de propriedade datado de 1803.
Depois de enviar as informações para o Banco, recebeu a seguinte resposta:
"Após a análise do seu pedido de empréstimo, notámos que foi apresentada uma certidão do registo predial. Cumpre-nos elogiar a forma minuciosa do pedido, mas é preciso salientar que o senhor tem apenas o título de propriedade desde 1803. Para que a solicitação seja aprovada, será necessário apresentá-lo com o registo anterior a essa data. "
Irritado, o advogado respondeu da seguinte forma:
“Recebemos a vossa carta respeitante ao processo nº.189156. Verificámos que os senhores desejam que seja apresentado o título de propriedade para além dos 194 anos abrangidos pelo presente registo. De facto, desconhecíamos que qualquer pessoa que fez a escolaridade neste país, particularmente aqueles que trabalham na área da propriedade, não soubesse que a Luisiana foi comprada, pelos E.U à França, em 1803.
Para esclarecimento dos desinformados burocratas desse Banco, informamos que o título da terra da Luisiana antes dos E.U. terem a sua propriedade foi obtida a partir da França, que a tinha adquirido por direito de conquista da Espanha.
A terra entrou na posse da Espanha por direito de descoberta feita no ano 1492 por um capitão da marinha chamado Cristóvão Colombo, a quem havia sido concedido o privilégio de procurar uma nova rota para a Índia pela rainha Isabel de Espanha.
A boa rainha Isabel, sendo uma mulher piedosa e quase tão cautelosa com os títulos de propriedade como o vosso Banco, tomou a precaução de garantir a bênção do Papa, ao mesmo tempo em que vendia as suas jóias para financiar a expedição de Colombo.
Presentemente, o Papa - isso temos a certeza de que os senhores sabem - é o emissário de Jesus Cristo, o Filho de Deus, e Deus - é comummente aceite - criou este mundo. Portanto, creio que é seguro presumir que Deus também foi possuidor da região chamada Luisiana. Deus, portanto, seria o primitivo proprietário e as suas origens remontam a antes do início dos tempos, tanto quanto sabemos e o Banco também.
Esperamos que, para vossa inteira satisfação, os senhores consigam encontrar o pedido de crédito original feito por Deus.
Agora, que está tudo esclarecido, será que podemos ter o nosso empréstimo? Que diabo!!!"
O empréstimo foi concedido.
Foi-lhe comunicado que o empréstimo seria concedido logo que ele pudesse apresentar o título de propriedade original da parcela da propriedade que estava a ser oferecida como garantia.
O advogado levou três meses para seguir a pista do título de propriedade datado de 1803.
Depois de enviar as informações para o Banco, recebeu a seguinte resposta:
"Após a análise do seu pedido de empréstimo, notámos que foi apresentada uma certidão do registo predial. Cumpre-nos elogiar a forma minuciosa do pedido, mas é preciso salientar que o senhor tem apenas o título de propriedade desde 1803. Para que a solicitação seja aprovada, será necessário apresentá-lo com o registo anterior a essa data. "
Irritado, o advogado respondeu da seguinte forma:
“Recebemos a vossa carta respeitante ao processo nº.189156. Verificámos que os senhores desejam que seja apresentado o título de propriedade para além dos 194 anos abrangidos pelo presente registo. De facto, desconhecíamos que qualquer pessoa que fez a escolaridade neste país, particularmente aqueles que trabalham na área da propriedade, não soubesse que a Luisiana foi comprada, pelos E.U à França, em 1803.
Para esclarecimento dos desinformados burocratas desse Banco, informamos que o título da terra da Luisiana antes dos E.U. terem a sua propriedade foi obtida a partir da França, que a tinha adquirido por direito de conquista da Espanha.
A terra entrou na posse da Espanha por direito de descoberta feita no ano 1492 por um capitão da marinha chamado Cristóvão Colombo, a quem havia sido concedido o privilégio de procurar uma nova rota para a Índia pela rainha Isabel de Espanha.
A boa rainha Isabel, sendo uma mulher piedosa e quase tão cautelosa com os títulos de propriedade como o vosso Banco, tomou a precaução de garantir a bênção do Papa, ao mesmo tempo em que vendia as suas jóias para financiar a expedição de Colombo.
Presentemente, o Papa - isso temos a certeza de que os senhores sabem - é o emissário de Jesus Cristo, o Filho de Deus, e Deus - é comummente aceite - criou este mundo. Portanto, creio que é seguro presumir que Deus também foi possuidor da região chamada Luisiana. Deus, portanto, seria o primitivo proprietário e as suas origens remontam a antes do início dos tempos, tanto quanto sabemos e o Banco também.
Esperamos que, para vossa inteira satisfação, os senhores consigam encontrar o pedido de crédito original feito por Deus.
Agora, que está tudo esclarecido, será que podemos ter o nosso empréstimo? Que diabo!!!"
O empréstimo foi concedido.