Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, fevereiro 13, 2010
BEETHOVEN'S 5th ARGUMENT
Magistral adaptação da 5ª Sinfonia de Beethoven realizada por esse polifacetado escritor, cómico e actor que era Sid Caesar. Mais uma demonstração de como se pode fazer humor inteligente sem ter que ser aparatoso nem mal falado... disfrutem.
A LENDA DO FIAT 127!
Certo dia, estava eu na estrada com o meu FIAT 127, e como era de esperar, a lata velha avariou.
Então, encostei a relíquia na berma e fiquei à espera que passasse alguém.
Apareceu um Porsche Boxter bi-turbo, a 170km/h.
Nisso, o tipo do Porsche faz marcha-atrás e volta até ao FIAT.
Certo dia, estava eu na estrada com o meu FIAT 127, e como era de esperar, a lata velha avariou.
Então, encostei a relíquia na berma e fiquei à espera que passasse alguém.
Apareceu um Porsche Boxter bi-turbo, a 170km/h.
Nisso, o tipo do Porsche faz marcha-atrás e volta até ao FIAT.
Ele oferece-se para rebocar a porcaria do FIAT e eu aceitei a ajuda, mas pedi para não acelerar muito senão a lata velha desmantelava-se como (óbvio).
E combinei que piscaria o farol sempre que o Porsche estivesse a acelerar demais.
E combinei que piscaria o farol sempre que o Porsche estivesse a acelerar demais.
Então, o Porsche começou a rebocar o carro e sempre que passava dos 60km/h, eu fazia sinal com o farol (no singular) porque, para variar, um deles tinha um curto-circuito e não funcionava.
E o tipo do Porsche ia puxando a 'batedeira' a 60 km/h no máximo, morrendo de tédio...
E o tipo do Porsche ia puxando a 'batedeira' a 60 km/h no máximo, morrendo de tédio...
Então aparece um Mitsubishi 3000 GT, que "pica" o Porsche e este não não vai de modas e arranca! 120, 130, 150, 190, 210, 240 Km/h...
Eu já estava desesperado, a piscar o farol que nem um louco, e os dois alinhados...
Os tipos passam por uma patrulha da polícia, mas nem vêem o radar, que regista uns impressionantes 240 km/h! Daí, o polícia avisa pelo rádio a próxima patrulha:
'Atenção, um Porsche vermelho e um Mitsubishi preto a disputar uma corrida a mais de 240 km/h na estrada, e ... juro pela minha santa mãezinha... um FIAT 127 colado à traseira deles a dar sinal de luz para ultrapassar!
Eu já estava desesperado, a piscar o farol que nem um louco, e os dois alinhados...
Os tipos passam por uma patrulha da polícia, mas nem vêem o radar, que regista uns impressionantes 240 km/h! Daí, o polícia avisa pelo rádio a próxima patrulha:
'Atenção, um Porsche vermelho e um Mitsubishi preto a disputar uma corrida a mais de 240 km/h na estrada, e ... juro pela minha santa mãezinha... um FIAT 127 colado à traseira deles a dar sinal de luz para ultrapassar!
DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
De tanto nelas mofar, Célia constituíra-se picante repositório de malignas anedotas sobre funcionários, chefes de secção, sem falar no Director de Educação, invisível personagem sobre o qual, no entanto, a rejeitada postulante tudo sabia: os hábitos, os bens, as preferências, a esposa, os filhos, a rapariga; nada lhe escapava. Jamais, porém, conseguira ser por ele recebida e expor o seu caso.
Ora, logo nos dias iniciais do namoro, certa noite, a professora em desespero – o prazo para as nomeações de novas mestras esgotava-se naquela semana – deparou com Vadinho em casa de Flor e a ele foi apresentada.
Dona Rozilda gostaria de ver a moça empregada e gostaria mais ainda de afirmar perante a vizinhança o prestígio do rapaz, do pretendente a genro, dispondo de empregos e vagas, mandando na administração do Estado. Prestígio a ser utilizado por ela, dona Rozilda, a seu belo prazer.
Estava, sem dúvida, a viúva enleada numa rede de enganos sobre a personalidade do gabiru a rondar sua filha mas não cometia erro quando, ao descrever para os conhecidos aquele carácter sem jaca, elogiava-lhe o bom coração: para Vadinho todo o sofrimento era injusto e odioso. Assim, apenas dona Rozilda lhe contou a história de Célia, dramatizando detalhes, valorizando-lhe o aleijão (mesmo se quisesse não podia aceitar os licenciosos convites dos canalhas da repartição, não tinha alicerces para tanto), ampliando as injustiças, multiplicando a fome da moça e de seus cinco irmãos, da mãe reumática e do pai guarda nocturno, logo Vadinho simpatizou com a nobre causa e fez-se seu campeão. Decidido realmente a falar sobre o assunto com seus conhecidos de jogo, alguns dos quais tinham certa influência – jurou veemente a dona Rozilda e a Flor exigir do Director de Educação no dia seguinte pela manhã na hora do despacho com o governador, a imediata nomeação da professora. Não passaria do dia seguinte: retomasse Célia à Directoria pela tarde e procurasse o titular, nomeação e posse eram favas contadas.
- Pode deixar comigo…
- Pode deixar com ele… - repetia dona Rozilda.
Flor nada disse, apenas sorriu, não lhe importando se Vadinho gozava ou não de tanto prestígio, preferindo até ser ele menos influente e por consequência menos ocupado. Passava dias sem aparecer, sem vir conversar ao pé da escada, e quando vinha, trazia a face estremunhada, sonolenta, das noites em claro a despachar com o Governo.
Tomou Vadinho nome completo da candidata e os demais dados necessários. Novamente Célia escreveu aquela fria literatura num pedaço de papel e sem esperanças: muitas vezes já o havia feito. Tantos pedidos e recomendações e nenhuma consequência. Por que aquele almofadinha enxerido, com um ar velhaco, de deboche, um pé-rapado certamente, por que logo ele iria lhe obter o emprego? Até o padre Barbosa lhe dera um cartão para o Director, e, se o padre nada conseguira, quando mais esse tal namorado de Flor; quem perdera prestígio para esse tipo achar? Boa bisca não era ele, via-se na cara tresnoitada. Célia acumulara cepticismo e amargura a arrastar a perna cambaia pelas salas hostis da Directoria de Educação. A felicidade dos outros não a enternecia, nem mesmo a daqueles raros desejosos de ajudá-la, penalizados de sua sorte. Seu coração estava seco e árido e, ao rabiscar os nomes do pai e da mãe, a data de nascimento e o ano de formatura fazia-o certa de perder tempo e esforço, aquele biltre não ia tornar nenhuma providência, ela estava farta desses pinóias emproados: promessas fáceis e mais nada. Mas, que jeito? Dona Rozilda estava toda caída pelo gabola, doutor Waldomiro para cá doutor Waldomiro para lá, e ela, Célia, ia filar o jantar da velha fogueteira. Quanto ao sujeitinho, bastava olhar para a cara dele e logo se via qual o seu desiderato: comer os tampos de Flor e quebrar no beco, sumir num adeus e nunca mais.
Era Célia injusta com Vadinho, pois para servi-la fez o rapaz naquela noite o roteiro completo das casas de jogo, numa dupla urucubaca: perdeu quanto tinha no bolso e não deparou com um só conhecido importante a quem expulsasse o pequeno drama da professora e pedisse por ela. Nem Giovanni Guimarães, nem Mirabeau Sampaio, nem seu xará Waldomiro Lins, nenhum deles apareceu, como se todas as suas relações influentes houvessem entrado em recesso, abandonando a roleta, o bacará, o grande e pequeno, a ronda, o vinte-e-um.
Demorou-se Vadinho noite afora, e a figura mais ilustre a aparecer foi Mirandão, com quem terminou indo cear um sarapatel de arromba em casa de Andreza, filha de Oxum – Zambeta, mirrada, e ainda por cima, com esse azar…
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 44
De tanto nelas mofar, Célia constituíra-se picante repositório de malignas anedotas sobre funcionários, chefes de secção, sem falar no Director de Educação, invisível personagem sobre o qual, no entanto, a rejeitada postulante tudo sabia: os hábitos, os bens, as preferências, a esposa, os filhos, a rapariga; nada lhe escapava. Jamais, porém, conseguira ser por ele recebida e expor o seu caso.
Ora, logo nos dias iniciais do namoro, certa noite, a professora em desespero – o prazo para as nomeações de novas mestras esgotava-se naquela semana – deparou com Vadinho em casa de Flor e a ele foi apresentada.
Dona Rozilda gostaria de ver a moça empregada e gostaria mais ainda de afirmar perante a vizinhança o prestígio do rapaz, do pretendente a genro, dispondo de empregos e vagas, mandando na administração do Estado. Prestígio a ser utilizado por ela, dona Rozilda, a seu belo prazer.
Estava, sem dúvida, a viúva enleada numa rede de enganos sobre a personalidade do gabiru a rondar sua filha mas não cometia erro quando, ao descrever para os conhecidos aquele carácter sem jaca, elogiava-lhe o bom coração: para Vadinho todo o sofrimento era injusto e odioso. Assim, apenas dona Rozilda lhe contou a história de Célia, dramatizando detalhes, valorizando-lhe o aleijão (mesmo se quisesse não podia aceitar os licenciosos convites dos canalhas da repartição, não tinha alicerces para tanto), ampliando as injustiças, multiplicando a fome da moça e de seus cinco irmãos, da mãe reumática e do pai guarda nocturno, logo Vadinho simpatizou com a nobre causa e fez-se seu campeão. Decidido realmente a falar sobre o assunto com seus conhecidos de jogo, alguns dos quais tinham certa influência – jurou veemente a dona Rozilda e a Flor exigir do Director de Educação no dia seguinte pela manhã na hora do despacho com o governador, a imediata nomeação da professora. Não passaria do dia seguinte: retomasse Célia à Directoria pela tarde e procurasse o titular, nomeação e posse eram favas contadas.
- Pode deixar comigo…
- Pode deixar com ele… - repetia dona Rozilda.
Flor nada disse, apenas sorriu, não lhe importando se Vadinho gozava ou não de tanto prestígio, preferindo até ser ele menos influente e por consequência menos ocupado. Passava dias sem aparecer, sem vir conversar ao pé da escada, e quando vinha, trazia a face estremunhada, sonolenta, das noites em claro a despachar com o Governo.
Tomou Vadinho nome completo da candidata e os demais dados necessários. Novamente Célia escreveu aquela fria literatura num pedaço de papel e sem esperanças: muitas vezes já o havia feito. Tantos pedidos e recomendações e nenhuma consequência. Por que aquele almofadinha enxerido, com um ar velhaco, de deboche, um pé-rapado certamente, por que logo ele iria lhe obter o emprego? Até o padre Barbosa lhe dera um cartão para o Director, e, se o padre nada conseguira, quando mais esse tal namorado de Flor; quem perdera prestígio para esse tipo achar? Boa bisca não era ele, via-se na cara tresnoitada. Célia acumulara cepticismo e amargura a arrastar a perna cambaia pelas salas hostis da Directoria de Educação. A felicidade dos outros não a enternecia, nem mesmo a daqueles raros desejosos de ajudá-la, penalizados de sua sorte. Seu coração estava seco e árido e, ao rabiscar os nomes do pai e da mãe, a data de nascimento e o ano de formatura fazia-o certa de perder tempo e esforço, aquele biltre não ia tornar nenhuma providência, ela estava farta desses pinóias emproados: promessas fáceis e mais nada. Mas, que jeito? Dona Rozilda estava toda caída pelo gabola, doutor Waldomiro para cá doutor Waldomiro para lá, e ela, Célia, ia filar o jantar da velha fogueteira. Quanto ao sujeitinho, bastava olhar para a cara dele e logo se via qual o seu desiderato: comer os tampos de Flor e quebrar no beco, sumir num adeus e nunca mais.
Era Célia injusta com Vadinho, pois para servi-la fez o rapaz naquela noite o roteiro completo das casas de jogo, numa dupla urucubaca: perdeu quanto tinha no bolso e não deparou com um só conhecido importante a quem expulsasse o pequeno drama da professora e pedisse por ela. Nem Giovanni Guimarães, nem Mirabeau Sampaio, nem seu xará Waldomiro Lins, nenhum deles apareceu, como se todas as suas relações influentes houvessem entrado em recesso, abandonando a roleta, o bacará, o grande e pequeno, a ronda, o vinte-e-um.
Demorou-se Vadinho noite afora, e a figura mais ilustre a aparecer foi Mirandão, com quem terminou indo cear um sarapatel de arromba em casa de Andreza, filha de Oxum – Zambeta, mirrada, e ainda por cima, com esse azar…
sexta-feira, fevereiro 12, 2010
DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 43
O namoro de Vadinho e Flor desembocou directo no casamento, pois noivado não houve, como logo adiante se constatará, exibindo-se causa e razão dessa anomalia a romper os procedimentos habituais e consagrados em todas as famílias que se prezam. Namoro, aliás, dividido em duas etapas distintas, perfeitamente delimitadas, cada uma delas com suas características próprias.
A primeira, plácida e risonha, toda azul e rosa, um céu aberto, verdadeira festa, a concórdia universal. A segunda, confusa e perseguida, cor do vitríolo e do ódio, o inferno na terra, a malquerença, a repugnância, a guerra declarada. Durante a primeira fase, dona Rozilda esteve irreconhecível de tanta gentileza e compreensão; colaboração activa e devotada para o sucesso do idílio.
Viu-se depois dona Rozilda a espumar abominação, rancor e vingança – espectáculo talvez pitoresco mas pouco agradável – disposta a empregar todos os recursos para impedir o matrimónio da filha com aquele tipo imundo – “verme, pústula, poça de pus. Toda essa podridão – verme, pústula, poça de pus – era Vadinho, antes o mais perfeito rapaz da Bahia, o pretendente ideal, belo e simpático, coração generoso, pérola de moço, impoluto carácter, adamantino.
No ledo engano nascido da emaranhada novela posta de pé por Mirandão na festa do Major Tiririca, confirmada e desenvolvida graças a imprevistas circunstâncias, permanecera feliz dona Rozilda cerca de dois meses, dois memoráveis meses quando calcou sob o tacão dos sapatos toda a ladeira do Alvo e adjacências, da negra Juventina com seus ares de senhora até o doutor Carlos Passos com a sua própria clientela. Exibia influência, intimidade nos círculos governamentais, nas altas esferas, intimidade com o poder, personificado em Vadinho. E exibia sobretudo o moço namorado da filha, com sua elegância cafageste, sua lábia, sua conversa bonita, sua prosápia. Vadinho se lhe afigurava um deus-menino, era tudo para ela. E para ele tudo era pouco, dona Rozilda agitava-se num afã de agradar, de cativar o rapaz, de amarrá-lo.
Para manter dona Rozilda enleada em cegueira assim completa, concorreu grandemente curioso quiproquó. Entre as amigas de Flor, sua colega de escola, havia uma pobre Célia, além de pobre, aleijada, com uma perna defeituosa, manca. A duras penas, “roendo beira de penico”, como resumia dona Rozilda, cursou a Escola Normal e diplomou-se professora. Candidata a um lugar no ensino primário estadual, lutava há meses para obtê-lo, sem conseguir sequer ser recebida pelo Director de Educação. Dona Rozilda tinha-lhe estima e a protegia. Talvez, porque sendo a moça tão infeliz e humilde, a seu lado ela e Flor pareciam umas ricaças.
Atenta, escutava a manca queixar-se da vida e dos grandes do mundo, dizendo horrores dos funcionários, e revelando particulares sórdidos daqueles “vampiros da educação” como sibilava por entre os dentes escuros e podres.
Ali só obtinham nomeações as oferecidas, dispostas a aceitar convites para passeios à noite em Amarelina, Pituba, Itapoã, para festinhas íntimas, umas casteleiras!
Moça direita não tinha chance, mofava nas cadeiras de couro da ante-sala.
A primeira, plácida e risonha, toda azul e rosa, um céu aberto, verdadeira festa, a concórdia universal. A segunda, confusa e perseguida, cor do vitríolo e do ódio, o inferno na terra, a malquerença, a repugnância, a guerra declarada. Durante a primeira fase, dona Rozilda esteve irreconhecível de tanta gentileza e compreensão; colaboração activa e devotada para o sucesso do idílio.
Viu-se depois dona Rozilda a espumar abominação, rancor e vingança – espectáculo talvez pitoresco mas pouco agradável – disposta a empregar todos os recursos para impedir o matrimónio da filha com aquele tipo imundo – “verme, pústula, poça de pus. Toda essa podridão – verme, pústula, poça de pus – era Vadinho, antes o mais perfeito rapaz da Bahia, o pretendente ideal, belo e simpático, coração generoso, pérola de moço, impoluto carácter, adamantino.
No ledo engano nascido da emaranhada novela posta de pé por Mirandão na festa do Major Tiririca, confirmada e desenvolvida graças a imprevistas circunstâncias, permanecera feliz dona Rozilda cerca de dois meses, dois memoráveis meses quando calcou sob o tacão dos sapatos toda a ladeira do Alvo e adjacências, da negra Juventina com seus ares de senhora até o doutor Carlos Passos com a sua própria clientela. Exibia influência, intimidade nos círculos governamentais, nas altas esferas, intimidade com o poder, personificado em Vadinho. E exibia sobretudo o moço namorado da filha, com sua elegância cafageste, sua lábia, sua conversa bonita, sua prosápia. Vadinho se lhe afigurava um deus-menino, era tudo para ela. E para ele tudo era pouco, dona Rozilda agitava-se num afã de agradar, de cativar o rapaz, de amarrá-lo.
Para manter dona Rozilda enleada em cegueira assim completa, concorreu grandemente curioso quiproquó. Entre as amigas de Flor, sua colega de escola, havia uma pobre Célia, além de pobre, aleijada, com uma perna defeituosa, manca. A duras penas, “roendo beira de penico”, como resumia dona Rozilda, cursou a Escola Normal e diplomou-se professora. Candidata a um lugar no ensino primário estadual, lutava há meses para obtê-lo, sem conseguir sequer ser recebida pelo Director de Educação. Dona Rozilda tinha-lhe estima e a protegia. Talvez, porque sendo a moça tão infeliz e humilde, a seu lado ela e Flor pareciam umas ricaças.
Atenta, escutava a manca queixar-se da vida e dos grandes do mundo, dizendo horrores dos funcionários, e revelando particulares sórdidos daqueles “vampiros da educação” como sibilava por entre os dentes escuros e podres.
Ali só obtinham nomeações as oferecidas, dispostas a aceitar convites para passeios à noite em Amarelina, Pituba, Itapoã, para festinhas íntimas, umas casteleiras!
Moça direita não tinha chance, mofava nas cadeiras de couro da ante-sala.
quinta-feira, fevereiro 11, 2010
Casar estraga tudo!!!
Três amigas: Uma noiva, uma casada e uma amante decidiram fazer uma brincadeira: Seduzir os seus homens usando uma capa, corpete de couro, máscara nos olhos e botas de cano alto, para depois dividir a experiência entre elas.
No dia seguinte, a noiva iniciou a conversa:
- Quando o meu namorado me viu com o corpete de couro, botas com 12 cm de salto e máscara sobre os olhos, olhou-me intensamente e disse: 'Tu és a mulher da minha vida, eu amo-te'. Fizemos amor apaixonadamente.
A amante contou a sua versão:
- Encontrei o meu amante no escritório, com o equipamento completo! Quando abri a capa, ele não disse nada, agarrou-me e fizemos amor a noite toda, na mesa, no chão, de pé, na janela, até no hall do elevador!
Aí a casada contou a sua história:
- Mandei as crianças para a casa da minha mãe, dei folga à empregada, fiz depilação completa, as unhas, escova, passei creme no corpo inteiro, perfume em lugares estratégicos e caprichei: capa preta, corpete de couro, botas com salto de 15 cm , máscara sobre os olhos e um baton vermelho que nunca tinha usado. Para incrementar, comprei umas cuequinhas de lycra preta com um lacinho de cetim no ponto G. Apaguei todas as luzes da casa e deixei só velas a iluminar o ambiente. O meu marido chegou, olhou-me de cima abaixo e disse:
- Então, Batman, o tacho tá pronto?
DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
Dona Rozilda apertava a mão do jovem, Flor esclarecia:
- Minha mãe, doutor Waldomiro…
- Vadinho para os amigos…
- Doutor Waldomiro vive à sombra do nosso eminente chefe, o Governador. Trabalha em seu gabinete…
- O Governador gosta muito do senhor, Major. Ainda hoje me disse: “Dê um abraço ao meu amigo Pergentino, amigo do peito…”
O Major chegava a ficar vexado de felicidade:
- Obrigado, doutor…
Porto, a quem tal intimidade palaciana deixava um pouco tímido, comentou:
- Muita responsabilidade…Mas também muita importância…
Vadinho fazia-se modesto:
- Tolice… Nem sei se vou continuar no Palácio…
- E por quê? - quis saber dona Lita.
- Meu avô - confidenciou Vadinho - , o senador…
- O Senador Guimarães… – rezou baixinho dona Rozilda.
Sorriu-lhe Vadinho, uma aura de candura a circundar-lhe o rosto, sorriu melancólico para Flor, tão linda:
- Meu avô quer que eu vá para o Rio, oferece-me um lugar…
- E o senhor vai aceitar? – morria Flor nos olhos de azeite
- Nada me prende aqui… Ninguém… Sou tão sozinho…
Suspirava Flor:
- Tão sozinha…
Da sala de jantar reclamavam o Major, ele não tinha momento de descanso, a atender seus convidados, perfeito anfitrião. Alguém apareceu logo depois batendo palmas, rogando silêncio, o doutor Miranda ia saudar os donos da casa. Ouviu-se o estouro de uma garrafa de champanhe, sendo aberta, a rolha subindo para o teto.
Vadinho e Flor andaram sorridentes para o discurso, “discurso de Mirandão”, alertou Vadinho, “não é coisa que se perca”. Dona Rozilda, o coração aos saltos, comentou para dona Lita e Thales Porto ao ver os jovens partir para o definitivo idílio:
- Não é um par perfeito? Não parecem nascidos um para o outro? Se Deus quiser…
- Oxente, mulher! Conheceram-se hoje e vosmicê já está armando casamento? – Lita balançou a cabeça, sua irmã estava ficando mesmo doida, com aquela mania de noivo rico para a filha.
Dona Rozilda empinou o busto seco, fitou a pessimista com arrogância. Da sala de jantar chegava, encharcada de cerveja, a voz do orador, em seu brinde de saudação. Para lá encaminhou-se a viúva, toda coberta de esperanças.
Palmas saudavam uma frase feliz de Mirandão, ele prosseguiu impávido:
- “Nas páginas imortais da História, senhoras e senhores, ficará gravado em fulgentes letras de ouro o nome honrado do Major Pergentino, cidadão de virtudes exponenciais (a voz ficava vibrando no ar ao dizer a palavra bonita), e o nome da sua nobilíssima esposa, esse ornamento da sociedade da Boa Terra, dona Aurora, anjo…Sim, minhas senhoras e meus senhores, anjo de impolutas (e repetia a voz cantante, impolutas) qualidades, esposa dedicada, virgem de bronze…”
No centro da sala Mirandão, o penetra, o braço erguido a empunhar a taça de champanhe, dominava convidados e donos da casa, todos presos à sua eloquência. O Major sorria beato; a dedicada esposa, a virgem de bronze, baixava os olhos, comovida, jamais sua festa alcançara as alturas daquele triunfo.
- … “dona Aurora, ser amorável, santa, santíssima criatura…”
As lágrimas queimavam os olhos da santa criatura.
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 42
Dona Rozilda apertava a mão do jovem, Flor esclarecia:
- Minha mãe, doutor Waldomiro…
- Vadinho para os amigos…
- Doutor Waldomiro vive à sombra do nosso eminente chefe, o Governador. Trabalha em seu gabinete…
- O Governador gosta muito do senhor, Major. Ainda hoje me disse: “Dê um abraço ao meu amigo Pergentino, amigo do peito…”
O Major chegava a ficar vexado de felicidade:
- Obrigado, doutor…
Porto, a quem tal intimidade palaciana deixava um pouco tímido, comentou:
- Muita responsabilidade…Mas também muita importância…
Vadinho fazia-se modesto:
- Tolice… Nem sei se vou continuar no Palácio…
- E por quê? - quis saber dona Lita.
- Meu avô - confidenciou Vadinho - , o senador…
- O Senador Guimarães… – rezou baixinho dona Rozilda.
Sorriu-lhe Vadinho, uma aura de candura a circundar-lhe o rosto, sorriu melancólico para Flor, tão linda:
- Meu avô quer que eu vá para o Rio, oferece-me um lugar…
- E o senhor vai aceitar? – morria Flor nos olhos de azeite
- Nada me prende aqui… Ninguém… Sou tão sozinho…
Suspirava Flor:
- Tão sozinha…
Da sala de jantar reclamavam o Major, ele não tinha momento de descanso, a atender seus convidados, perfeito anfitrião. Alguém apareceu logo depois batendo palmas, rogando silêncio, o doutor Miranda ia saudar os donos da casa. Ouviu-se o estouro de uma garrafa de champanhe, sendo aberta, a rolha subindo para o teto.
Vadinho e Flor andaram sorridentes para o discurso, “discurso de Mirandão”, alertou Vadinho, “não é coisa que se perca”. Dona Rozilda, o coração aos saltos, comentou para dona Lita e Thales Porto ao ver os jovens partir para o definitivo idílio:
- Não é um par perfeito? Não parecem nascidos um para o outro? Se Deus quiser…
- Oxente, mulher! Conheceram-se hoje e vosmicê já está armando casamento? – Lita balançou a cabeça, sua irmã estava ficando mesmo doida, com aquela mania de noivo rico para a filha.
Dona Rozilda empinou o busto seco, fitou a pessimista com arrogância. Da sala de jantar chegava, encharcada de cerveja, a voz do orador, em seu brinde de saudação. Para lá encaminhou-se a viúva, toda coberta de esperanças.
Palmas saudavam uma frase feliz de Mirandão, ele prosseguiu impávido:
- “Nas páginas imortais da História, senhoras e senhores, ficará gravado em fulgentes letras de ouro o nome honrado do Major Pergentino, cidadão de virtudes exponenciais (a voz ficava vibrando no ar ao dizer a palavra bonita), e o nome da sua nobilíssima esposa, esse ornamento da sociedade da Boa Terra, dona Aurora, anjo…Sim, minhas senhoras e meus senhores, anjo de impolutas (e repetia a voz cantante, impolutas) qualidades, esposa dedicada, virgem de bronze…”
No centro da sala Mirandão, o penetra, o braço erguido a empunhar a taça de champanhe, dominava convidados e donos da casa, todos presos à sua eloquência. O Major sorria beato; a dedicada esposa, a virgem de bronze, baixava os olhos, comovida, jamais sua festa alcançara as alturas daquele triunfo.
- … “dona Aurora, ser amorável, santa, santíssima criatura…”
As lágrimas queimavam os olhos da santa criatura.
quarta-feira, fevereiro 10, 2010
O PADRE E O SECADOR
Uma senhora muito distinta estava num avião vindo da Suiça. A seu lado, um padre muito simpático a quem perguntou:
- Desculpe, padre, posso pedir-lhe um favor?
- Claro, minha filha, o que posso fazer por si?
- É que eu comprei um secador de cabelo muito sofisticado, muito caro e tenho medo de passar com ele na Alfândega. Será que o senhor poderia levá-lo debaixo da batina?
- Claro que posso, minha filha, mas você sabe que eu não posso mentir.
- O senhor tem uma aparência tão honesta que certamente eles não lhe farão nenhuma pergunta… e deu-lhe o secador.
O avião chegou ao destino e quando o padre se apresentou na Alfândega o fiscal perguntou-lhe se ele tinha alguma coisa a declarar.
O padre respondeu:
- Do alto da minha cabeça até à faixa da minha cintura, não tenho nada a declarar, meu filho.
Achando a resposta estranha e incompleta o fiscal voltou a perguntar:
- E da cintura para baixo o que o senhor tem?
- Eu tenho um equipamento maravilhoso, destinado ao uso doméstico, em especial para as mulheres mas que nunca foi usado.
Soltando uma risada, o fiscal mandou passar o padre e gritou:
- Próximo…
A inteligência e as palavras certas às vezes fazem a diferença!
- Desculpe, padre, posso pedir-lhe um favor?
- Claro, minha filha, o que posso fazer por si?
- É que eu comprei um secador de cabelo muito sofisticado, muito caro e tenho medo de passar com ele na Alfândega. Será que o senhor poderia levá-lo debaixo da batina?
- Claro que posso, minha filha, mas você sabe que eu não posso mentir.
- O senhor tem uma aparência tão honesta que certamente eles não lhe farão nenhuma pergunta… e deu-lhe o secador.
O avião chegou ao destino e quando o padre se apresentou na Alfândega o fiscal perguntou-lhe se ele tinha alguma coisa a declarar.
O padre respondeu:
- Do alto da minha cabeça até à faixa da minha cintura, não tenho nada a declarar, meu filho.
Achando a resposta estranha e incompleta o fiscal voltou a perguntar:
- E da cintura para baixo o que o senhor tem?
- Eu tenho um equipamento maravilhoso, destinado ao uso doméstico, em especial para as mulheres mas que nunca foi usado.
Soltando uma risada, o fiscal mandou passar o padre e gritou:
- Próximo…
A inteligência e as palavras certas às vezes fazem a diferença!
DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
AMORES
- Desse mesmo, minha distinta. O mandachuva, o bamba, o bambambã, o deus-menino da polícia, esse mesmo, meu padrinho…
- Seu padrinho?
- De crisma. E avô de Vadinho…
- É o apelido dele, de menino. É o neto preferido do Senador.
- É estudante?
- Não já lhe disse que é doutor? Formado, minha senhora, advogado. Oficial de Gabinete do Governador, alto funcionário municipal, fiscal…
- Fiscal do consumo? – aquela informação excedia os sonhos mais temerários de dona Rozilda.
- Fiscal de jogo, minha ilustríssima – e em voz cochichada: - É a fiscalização que deixa mais, uma fortuna por mês, sem falar nos agrados, uma fichinha aqui, outra acolá… E agora, ainda por cima, encarrapitado no Gabinete do Governador…
Sentia-se generoso:
- A senhora não tem algum parente pobre que deseje empregar? Se tiver, é só dizer, dar o nome… – respirou fundo, contente consigo mesmo, prosseguiu indómito: - Está vendo ele ali dançando? Pois não se admire se na próxima eleição ele sair deputado…
- Tão novo ainda…
- O que é que a senhora quer? Nasceu em berço de ouro, encontrou o prato feito, seu caminho é de rosas, - Mirandão sentia-se um poeta nessa noite de glória, improvisaria um discurso monumental, arrancando lágrimas à própria dona Aurora, a fera do Rio Vermelho.
Dona Rozilda acertou os olhos miúdo, uma chama de ambição, amarela a brilhar em sua frente. Joãozinho Navarro arrematava o tango nuns floreios caprichados, Vadinho e Flor sorriam um para o outro. Dona Rozilda estremeceu de emoção: jamais vira assim a face da filha, e bem a conhecia. E o rapaz – perguntava-se – fora ele também atingido e para sempre marcado?
Havia na face de Vadinho um ar de inocência, uma candura, tal sinceridade; aquele o genro rico e importante que os céus lhe destinaram? Ainda mais rico e importante do que o paraense Pedro Borges, com suas léguas de terra e de rio, suas dúzias de empregados. Um genro neto de Senador, íntimo do governo: “ai, minha Nossa Senhora da Capistola, valei-me! Concedei-me, meu Senhor do Bom Fim, a graça desse milagre e acompanharei descalça a procissão da lavagem, levando flores e uma quartinha de água pura”.
O Major aproximava-se, dona Rozilda agradeceu a Mirandão, dirigiu-se ao dono da casa, apontou o grupo formado por Vadinho e Flor, dona Lita e Porto num canto da sala. Mirandão observou a manobra da velha lambisgóia, fez um esforço, pôs-se também de pé, foi por uma cerveja. Dona Rozilda pedia ao:
- Major, me apresente aquele moço…
- Não conhece? Pois é um parente do doutor Aírton Guimarães, o Delegado Auxiliar, meu amigo do peito… - sorria vaidoso, acrescentando: - Para os íntimos, Chimbo… Ele mesmo me disse: “Pergentino, trate-me de Chimbo, somos amigos ou não?” Homem sem besteira, direito… Me fez um favorzão… - falava para todos, alardeando sua amizade com o Delegado.
FLOR
E SEUS
DOIS
AMORES
EPISÓDIO Nº 41
- Desse mesmo, minha distinta. O mandachuva, o bamba, o bambambã, o deus-menino da polícia, esse mesmo, meu padrinho…
- Seu padrinho?
- De crisma. E avô de Vadinho…
- É o apelido dele, de menino. É o neto preferido do Senador.
- É estudante?
- Não já lhe disse que é doutor? Formado, minha senhora, advogado. Oficial de Gabinete do Governador, alto funcionário municipal, fiscal…
- Fiscal do consumo? – aquela informação excedia os sonhos mais temerários de dona Rozilda.
- Fiscal de jogo, minha ilustríssima – e em voz cochichada: - É a fiscalização que deixa mais, uma fortuna por mês, sem falar nos agrados, uma fichinha aqui, outra acolá… E agora, ainda por cima, encarrapitado no Gabinete do Governador…
Sentia-se generoso:
- A senhora não tem algum parente pobre que deseje empregar? Se tiver, é só dizer, dar o nome… – respirou fundo, contente consigo mesmo, prosseguiu indómito: - Está vendo ele ali dançando? Pois não se admire se na próxima eleição ele sair deputado…
- Tão novo ainda…
- O que é que a senhora quer? Nasceu em berço de ouro, encontrou o prato feito, seu caminho é de rosas, - Mirandão sentia-se um poeta nessa noite de glória, improvisaria um discurso monumental, arrancando lágrimas à própria dona Aurora, a fera do Rio Vermelho.
Dona Rozilda acertou os olhos miúdo, uma chama de ambição, amarela a brilhar em sua frente. Joãozinho Navarro arrematava o tango nuns floreios caprichados, Vadinho e Flor sorriam um para o outro. Dona Rozilda estremeceu de emoção: jamais vira assim a face da filha, e bem a conhecia. E o rapaz – perguntava-se – fora ele também atingido e para sempre marcado?
Havia na face de Vadinho um ar de inocência, uma candura, tal sinceridade; aquele o genro rico e importante que os céus lhe destinaram? Ainda mais rico e importante do que o paraense Pedro Borges, com suas léguas de terra e de rio, suas dúzias de empregados. Um genro neto de Senador, íntimo do governo: “ai, minha Nossa Senhora da Capistola, valei-me! Concedei-me, meu Senhor do Bom Fim, a graça desse milagre e acompanharei descalça a procissão da lavagem, levando flores e uma quartinha de água pura”.
O Major aproximava-se, dona Rozilda agradeceu a Mirandão, dirigiu-se ao dono da casa, apontou o grupo formado por Vadinho e Flor, dona Lita e Porto num canto da sala. Mirandão observou a manobra da velha lambisgóia, fez um esforço, pôs-se também de pé, foi por uma cerveja. Dona Rozilda pedia ao:
- Major, me apresente aquele moço…
- Não conhece? Pois é um parente do doutor Aírton Guimarães, o Delegado Auxiliar, meu amigo do peito… - sorria vaidoso, acrescentando: - Para os íntimos, Chimbo… Ele mesmo me disse: “Pergentino, trate-me de Chimbo, somos amigos ou não?” Homem sem besteira, direito… Me fez um favorzão… - falava para todos, alardeando sua amizade com o Delegado.
terça-feira, fevereiro 09, 2010
DONA
FOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÒDIO Nº40
Como triunfaram e, logo após o triunfo, tão lamentavelmente fracassaram? Se bem seja outra história, vale a pena contá-la para assim ainda mais valorizar-se o feito de Vadinho e Mirandão. Por aquele tempo havia aportado à Bahia, com muito reclame nas gazetas, para dois únicos espectáculos no Conservatório, um extravagante concertista a manejar instrumento ainda mais singular: um serrote, tão melodioso quanto o mais afinado piano. Tratava-se de um russo, de nome estrambólico, “o russo do serrote mágico”, como anunciavam os cartazes de propaganda e as notícias dos jornais. Édio possuía velho serrote de carpina, e Lev, filho de russo, o nome estrambólico. Doidos os dois por uma boa molecagem, embrulharam o serrote em papel pardo, engoliram umas cachaças para animar, apresentaram-se à porta do Major como o russo do serrote e seu empresário.
O Major Tiririca possuía um sexto sentido quando se tratava de penetras, percebia-os no ar, à distância. Bateu os olhos em Lev e Édio e uma voz interior deu-lhe o alarme. Mas Já os convidados ao anúncio da presença do “russo do serrote mágico”, saudavam entusiasmados a possibilidade de ouvi-lo tocar.
Em silêncio, curtido de dúvidas, o Major abriu a porta, permitindo a entrada aos dois malandrins. Ficou, porém a vigiá-los. Encostaram eles o serrote atrás de um móvel, o Major comprovou a avidez com que se dirigiram à sala de jantar, a pressa em comer e beber. Trocando um olhar com dona Aurora, a quem igualmente aquela encenação não parecia muito católica, exigiu então o Major, apoiado pela totalidade dos convidados ansiosos, imediata demonstração musical. Primeiro o concerto, depois a pitança. Por mais tentasse Édio com um conversê tapeativo, adiar o momento do desastre, não o conseguiu, não obteve prazo nem apelação.
Ao demais, por qualquer estranha metamorfose, Lev sentira-se de súbito inspirado, vivia seu papel de forma tão realista a ponto de considerar-se o verdadeiro russo dos concertos.
Assim, sem mais se fazer rogar, tomou do velho serrote, entre palmas e bravos. Foi tão perfeito - curvada em ângulo sua magra e comprida anatomia, a cabeleira desfeita, os olhos no astral, um autêntico maestro – que a todos enganou, fazendo vacilar mesmo o Major e dona Aurora, enquanto não feriu, uma colher de café, o bojo do serrote. Mas apenas lhe aplicou o primeiro golpe e – como depois Édio contaria – todos os presentes, sem excepção, compreenderam tratar-se de uma farsa. Só Lev persistia, cada vez mais autêntico e possuído, a vibrar colheradas no serrote, sem que o Major, esposa e convidados demonstrassem a menor simpatia por tanto empenho e arte.
O Major adiantou-se, seguido por alguns amigos, os mais sensíveis a tais brincadeiras de mau gosto. A travessia do corredor, a caminho da porta da rua foi longa e épica, verdadeiramente inesquecível, Édio e Lev a recordariam vida afora. Pescoções, pontapés, esbarros e quedas. Dona Aurora desejava arrancar os olhos dos dois rapazes, o Major contentou-se em atirá-los para a rua, em meio ao povo do sereno (e em cima dos corpos caídos jogaram o serrote cada vez menos sonoro).
Com Vadinho e Mirandão nada disso sucedera, nem o Major nem dona Aurora tiveram a mais leve suspeita. Comeram e beberam do bom e do melhor. Vadinho arrastando pé de valsa pela sala, Mirandão a interrogar-se se devia ou não erguer, em nome de Chimbo, um brinde ao Major e a dona Autora. Sorria na cadeira, ouvindo dona Rozilda perguntar quem era o moço dançarino, cavalheiro de sua filha. Para obter maior efeito, respondeu com outra pergunta:
- O Major não lhe apresentou?
- Não. Eu estava lá dentro, não vi quando ele chegou.
- Pois, estimada senhora, tenho o prazer de lhe informar. Trata-se do doutor Waldomiro Guimarães, sobrinho do doutor Aírton Guimarães, Delegado Auxiliar, neto do Senador…
- Não me diga que é do Senador Guimarães, esse tão falado…
FOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÒDIO Nº40
Como triunfaram e, logo após o triunfo, tão lamentavelmente fracassaram? Se bem seja outra história, vale a pena contá-la para assim ainda mais valorizar-se o feito de Vadinho e Mirandão. Por aquele tempo havia aportado à Bahia, com muito reclame nas gazetas, para dois únicos espectáculos no Conservatório, um extravagante concertista a manejar instrumento ainda mais singular: um serrote, tão melodioso quanto o mais afinado piano. Tratava-se de um russo, de nome estrambólico, “o russo do serrote mágico”, como anunciavam os cartazes de propaganda e as notícias dos jornais. Édio possuía velho serrote de carpina, e Lev, filho de russo, o nome estrambólico. Doidos os dois por uma boa molecagem, embrulharam o serrote em papel pardo, engoliram umas cachaças para animar, apresentaram-se à porta do Major como o russo do serrote e seu empresário.
O Major Tiririca possuía um sexto sentido quando se tratava de penetras, percebia-os no ar, à distância. Bateu os olhos em Lev e Édio e uma voz interior deu-lhe o alarme. Mas Já os convidados ao anúncio da presença do “russo do serrote mágico”, saudavam entusiasmados a possibilidade de ouvi-lo tocar.
Em silêncio, curtido de dúvidas, o Major abriu a porta, permitindo a entrada aos dois malandrins. Ficou, porém a vigiá-los. Encostaram eles o serrote atrás de um móvel, o Major comprovou a avidez com que se dirigiram à sala de jantar, a pressa em comer e beber. Trocando um olhar com dona Aurora, a quem igualmente aquela encenação não parecia muito católica, exigiu então o Major, apoiado pela totalidade dos convidados ansiosos, imediata demonstração musical. Primeiro o concerto, depois a pitança. Por mais tentasse Édio com um conversê tapeativo, adiar o momento do desastre, não o conseguiu, não obteve prazo nem apelação.
Ao demais, por qualquer estranha metamorfose, Lev sentira-se de súbito inspirado, vivia seu papel de forma tão realista a ponto de considerar-se o verdadeiro russo dos concertos.
Assim, sem mais se fazer rogar, tomou do velho serrote, entre palmas e bravos. Foi tão perfeito - curvada em ângulo sua magra e comprida anatomia, a cabeleira desfeita, os olhos no astral, um autêntico maestro – que a todos enganou, fazendo vacilar mesmo o Major e dona Aurora, enquanto não feriu, uma colher de café, o bojo do serrote. Mas apenas lhe aplicou o primeiro golpe e – como depois Édio contaria – todos os presentes, sem excepção, compreenderam tratar-se de uma farsa. Só Lev persistia, cada vez mais autêntico e possuído, a vibrar colheradas no serrote, sem que o Major, esposa e convidados demonstrassem a menor simpatia por tanto empenho e arte.
O Major adiantou-se, seguido por alguns amigos, os mais sensíveis a tais brincadeiras de mau gosto. A travessia do corredor, a caminho da porta da rua foi longa e épica, verdadeiramente inesquecível, Édio e Lev a recordariam vida afora. Pescoções, pontapés, esbarros e quedas. Dona Aurora desejava arrancar os olhos dos dois rapazes, o Major contentou-se em atirá-los para a rua, em meio ao povo do sereno (e em cima dos corpos caídos jogaram o serrote cada vez menos sonoro).
Com Vadinho e Mirandão nada disso sucedera, nem o Major nem dona Aurora tiveram a mais leve suspeita. Comeram e beberam do bom e do melhor. Vadinho arrastando pé de valsa pela sala, Mirandão a interrogar-se se devia ou não erguer, em nome de Chimbo, um brinde ao Major e a dona Autora. Sorria na cadeira, ouvindo dona Rozilda perguntar quem era o moço dançarino, cavalheiro de sua filha. Para obter maior efeito, respondeu com outra pergunta:
- O Major não lhe apresentou?
- Não. Eu estava lá dentro, não vi quando ele chegou.
- Pois, estimada senhora, tenho o prazer de lhe informar. Trata-se do doutor Waldomiro Guimarães, sobrinho do doutor Aírton Guimarães, Delegado Auxiliar, neto do Senador…
- Não me diga que é do Senador Guimarães, esse tão falado…
segunda-feira, fevereiro 08, 2010
DONA
FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 39
À noite, diante da residência em festa, os dois embusteiros apostaram com outros valdevinos: penetrariam no baile e nele seriam recebidos com todas as honras, tratados a velas de libra, pois Vadinho fez-se reconhecer pelo Major e por dona Aurora como sobrinho do impedido Delegado Auxiliar enquanto empossava Mirandão no inexistente cargo de Secretário Particular de Chimbo.
- Doutor Aírton Guimarães, meu tio teve de acompanhar o Governador ao Congresso de Obstetrícia. Mas como fazia questão de não faltar ao seu convite, mandou-me a mim e ao seu Secretário, Doutor Miranda para representá-lo. Eu sou o doutor Waldomiro Guimarães…
O Major confessou-se comovido com a gentileza do Delegado a oferecer-lhe desculpas e a fazer-se representar. Lastimava não tê-lo na festa, seu desejo seria homenageá-lo, mas recebiam, ele e sua esposa, de braços abertos o representante de seu estimado amigo. Estendia a mão para Vadinho quando Mirandão, em êxtase e desbragado, corrigiu e pôs todas as coisas nos seus lugares:
- Perdoe-me, Major, a intromissão: representante do doutor Delegado é a minha modesta pessoa, eu doutor José Rodrigues de Miranda, livre-docente da Escola de Agronomia, requisitado pelo doutor Aírton…
O meu amigo doutor Waldomiro, se bem sobrinho do Delegado não o representa, não o representa e, sim, ao Senhor Governador…
- Ao Governador? – exclamou o Major embargado com tanta honra.
- Sim, encarrilhou Vadinho – quando o Governador ouvira o Delegado Auxiliar pedir ao seu Secretário e a seu sobrinho que fossem à festa do Major, lhe ordenara (pois servia no Gabinete de Sua Excelência) “abraçar seu bom amigo Pergentino e cumprimentar sua digna esposa”.
O Major e dona Aurora empanzinados de vaidade, abriam passagem, faziam apresentações, mandavam encher os copos, preparar os pratos, tudo era pouco para Vadinho e Mirandão.
Lá fora, embasbacados, os colegas de maroteira não podiam crer nos próprios olhos. Que patifaria teriam inventado os dois cínicos para serem assim recebidos? Não havia memória de penetra algum ter conseguido ultrapassar os batentes da porta do Major, para quem era uma questão de honra manter a festa nos limites estreitos dos seus convidados, seus amigos que lhe garantiam a decência e o renome. Jurando por seus gloriosos galões, gabava-se: “Penetra em minha festa, só passando sobre o meu cadáver!” E os penetras mais exímios da cidade capazes de penetrar – e tendo penetrado – em festas de todo fechadas e imponentes, guardadas pela polícia, até em festas no Palácio do Governo e na casa do doutor Clemente Mariani, festas ao lado das quais a do Major era simples assustado, dancinha de pobre, forrobodó de bairro, arrasta-pé, esses penetras famosos, todos eles, fracassaram em suas tentativas, cada ano renovadas, de penetrar na festa do Major. Nenhum alcançara transpor os defendidos umbrais
Nenhum, é exagero. Édio Gantois, estudante astucioso, em comparsaria com outro não menos moleque, o fá anteriormente referido Lev Língua de Prata, na ocasião ainda académico, conseguiram os dois, certa feita, penetrar e por meia hora, mais ou menos, manterem-se para serem logo depois expulsos a safanões e sopapos, o musculoso Édio em luta corporal com os convidados, o galalau do Lev trocando pontapés com o Major.
FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
EPISÓDIO Nº 39
À noite, diante da residência em festa, os dois embusteiros apostaram com outros valdevinos: penetrariam no baile e nele seriam recebidos com todas as honras, tratados a velas de libra, pois Vadinho fez-se reconhecer pelo Major e por dona Aurora como sobrinho do impedido Delegado Auxiliar enquanto empossava Mirandão no inexistente cargo de Secretário Particular de Chimbo.
- Doutor Aírton Guimarães, meu tio teve de acompanhar o Governador ao Congresso de Obstetrícia. Mas como fazia questão de não faltar ao seu convite, mandou-me a mim e ao seu Secretário, Doutor Miranda para representá-lo. Eu sou o doutor Waldomiro Guimarães…
O Major confessou-se comovido com a gentileza do Delegado a oferecer-lhe desculpas e a fazer-se representar. Lastimava não tê-lo na festa, seu desejo seria homenageá-lo, mas recebiam, ele e sua esposa, de braços abertos o representante de seu estimado amigo. Estendia a mão para Vadinho quando Mirandão, em êxtase e desbragado, corrigiu e pôs todas as coisas nos seus lugares:
- Perdoe-me, Major, a intromissão: representante do doutor Delegado é a minha modesta pessoa, eu doutor José Rodrigues de Miranda, livre-docente da Escola de Agronomia, requisitado pelo doutor Aírton…
O meu amigo doutor Waldomiro, se bem sobrinho do Delegado não o representa, não o representa e, sim, ao Senhor Governador…
- Ao Governador? – exclamou o Major embargado com tanta honra.
- Sim, encarrilhou Vadinho – quando o Governador ouvira o Delegado Auxiliar pedir ao seu Secretário e a seu sobrinho que fossem à festa do Major, lhe ordenara (pois servia no Gabinete de Sua Excelência) “abraçar seu bom amigo Pergentino e cumprimentar sua digna esposa”.
O Major e dona Aurora empanzinados de vaidade, abriam passagem, faziam apresentações, mandavam encher os copos, preparar os pratos, tudo era pouco para Vadinho e Mirandão.
Lá fora, embasbacados, os colegas de maroteira não podiam crer nos próprios olhos. Que patifaria teriam inventado os dois cínicos para serem assim recebidos? Não havia memória de penetra algum ter conseguido ultrapassar os batentes da porta do Major, para quem era uma questão de honra manter a festa nos limites estreitos dos seus convidados, seus amigos que lhe garantiam a decência e o renome. Jurando por seus gloriosos galões, gabava-se: “Penetra em minha festa, só passando sobre o meu cadáver!” E os penetras mais exímios da cidade capazes de penetrar – e tendo penetrado – em festas de todo fechadas e imponentes, guardadas pela polícia, até em festas no Palácio do Governo e na casa do doutor Clemente Mariani, festas ao lado das quais a do Major era simples assustado, dancinha de pobre, forrobodó de bairro, arrasta-pé, esses penetras famosos, todos eles, fracassaram em suas tentativas, cada ano renovadas, de penetrar na festa do Major. Nenhum alcançara transpor os defendidos umbrais
Nenhum, é exagero. Édio Gantois, estudante astucioso, em comparsaria com outro não menos moleque, o fá anteriormente referido Lev Língua de Prata, na ocasião ainda académico, conseguiram os dois, certa feita, penetrar e por meia hora, mais ou menos, manterem-se para serem logo depois expulsos a safanões e sopapos, o musculoso Édio em luta corporal com os convidados, o galalau do Lev trocando pontapés com o Major.
domingo, fevereiro 07, 2010
AS ESCUTAS…
Na minha juventude estudei num Colégio Interno na cidade de Tomar que tinha um sector para o masculino e outro para o feminino funcionando em edifícios distintos e em locais diferentes da cidade para que as tentações de aproximação entre sexos nem sequer existissem.
Aos domingos, a missa era a horários desencontrados para rapazes e raparigas evitando encontros quer na Igreja, tão pouco nos trajectos de acesso, mas havia um dia por ano, o da Festa do Colégio, em que os alunos de ambos os sexos se viam… mas pouco e sempre debaixo de apertada vigilância:
- No jogo de futebol, em sectores diferentes do Estádio e devidamente enquadradas pelo pessoal vigilante, quando a nossa equipa defrontava a da Escola Industrial.
- Nesse mesmo dia, mas já entrando pela noite, nas instalações do Cine-Teatro, numa espécie de espectáculo de variedades em que os alunos iam ao palco apresentarem as suas habilidades em matéria de canto, dança e representação.
Num desses números de dança, uma das minhas colegas não vestiu por baixo o saiote próprio para as danças de rodopio e como os lugares da plateia estavam num plano ligeiramente mais baixo que o palco, quando girou, as saias rodaram e subiram e só não lhe vi a cor da roupa que trazia por baixo porque, naquela fracção de segundo, fechei os olhos…
Surpreendi-me a mim próprio com aquele cerrar de olhos e nunca contei a ninguém para me furtar às críticas óbvias que me seriam feitas: … então, pá, tens à tua disposição o espectáculo mais desejado e zás…fechas os olhos ???!!!
Tenho tido muitos anos, bem mais de meio século, para pensar no por quê daquela reacção instintiva, tanto mais que estou certo, se estivesse avisado para o que iria acontecer provavelmente não resistiria à curiosidade.
Não sei… pudor, vergonha, surpresa: ela não quis mostrar-me nada e o "meu corpo", que não eu, recusou-se a ver aquilo que a ele não lhe era destinado ver. Seria? ...
Há uma qualquer semelhança entre esta inocente e já longínqua história e as escutas. Duas pessoas falam em privado sobre as suas vidas privadas e essa conversa, como a roupa debaixo da menina, na dança do rodopio, fica à mercê de quem a queira ler ou ouvir sem ter direito a tal, infringindo normas éticas e morais, as mesmas que, instintivamente me levaram a fechar os olhos para não ver as cuecas da minha colega.
Aos domingos, a missa era a horários desencontrados para rapazes e raparigas evitando encontros quer na Igreja, tão pouco nos trajectos de acesso, mas havia um dia por ano, o da Festa do Colégio, em que os alunos de ambos os sexos se viam… mas pouco e sempre debaixo de apertada vigilância:
- No jogo de futebol, em sectores diferentes do Estádio e devidamente enquadradas pelo pessoal vigilante, quando a nossa equipa defrontava a da Escola Industrial.
- Nesse mesmo dia, mas já entrando pela noite, nas instalações do Cine-Teatro, numa espécie de espectáculo de variedades em que os alunos iam ao palco apresentarem as suas habilidades em matéria de canto, dança e representação.
Num desses números de dança, uma das minhas colegas não vestiu por baixo o saiote próprio para as danças de rodopio e como os lugares da plateia estavam num plano ligeiramente mais baixo que o palco, quando girou, as saias rodaram e subiram e só não lhe vi a cor da roupa que trazia por baixo porque, naquela fracção de segundo, fechei os olhos…
Surpreendi-me a mim próprio com aquele cerrar de olhos e nunca contei a ninguém para me furtar às críticas óbvias que me seriam feitas: … então, pá, tens à tua disposição o espectáculo mais desejado e zás…fechas os olhos ???!!!
Tenho tido muitos anos, bem mais de meio século, para pensar no por quê daquela reacção instintiva, tanto mais que estou certo, se estivesse avisado para o que iria acontecer provavelmente não resistiria à curiosidade.
Não sei… pudor, vergonha, surpresa: ela não quis mostrar-me nada e o "meu corpo", que não eu, recusou-se a ver aquilo que a ele não lhe era destinado ver. Seria? ...
Há uma qualquer semelhança entre esta inocente e já longínqua história e as escutas. Duas pessoas falam em privado sobre as suas vidas privadas e essa conversa, como a roupa debaixo da menina, na dança do rodopio, fica à mercê de quem a queira ler ou ouvir sem ter direito a tal, infringindo normas éticas e morais, as mesmas que, instintivamente me levaram a fechar os olhos para não ver as cuecas da minha colega.
Será assim? -
- Não tenho dúvidas de que é.
Mas se o assunto das conversas não for privado? Se ele tiver a ver com aspectos da nossa vida colectiva que pôem em causa direitos consagrados na nossa sociedade como a segurança, a liberdade, o estado de direito em suma?
- As escutas telefónicas, as máquinas de filmar ou de captação de sons, ocultas ou não, são hoje meios legais postos à disposição das polícias para o combate ao crime organizado e altamente sofisticado.
O Estado tem a obrigação de defender os cidadãos contra toda a espécie de crimes e a utilização desses meios de escuta nos termos previstos na lei é muito importante, necessário, indispensável como uma das formas de investigação.
Mas o que se está agora a passar é um pouco diferente ou está para além disto, porque aquilo que deveria ser um instrumento de investigação transformou-se em fonte de informação para jornais, ou certos jornais, constituindo-se rapidamente em matéria de condenação e devassa da vida das pessoas escutadas.
O Estado tem a obrigação de defender os cidadãos contra toda a espécie de crimes e a utilização desses meios de escuta nos termos previstos na lei é muito importante, necessário, indispensável como uma das formas de investigação.
Mas o que se está agora a passar é um pouco diferente ou está para além disto, porque aquilo que deveria ser um instrumento de investigação transformou-se em fonte de informação para jornais, ou certos jornais, constituindo-se rapidamente em matéria de condenação e devassa da vida das pessoas escutadas.
As escutas, mesmo quando são sobre assuntos de índole ilícito ou criminal, fazem parte de processos de investigação, dirigem-se aos ouvidos de polícias e juizes, são peças de processos judiciais e não material para vender jornais.
Quando estas escutas e a divulgação pública das mesmas atinge o 1º Ministro, a pessoa a quem estamos confiados em termos de governação, o mais directo e importante responsável no que em tudo diz respeito às nossas vidas, então, é a perplexidade … é o fim.
A lei dispõe, nestes casos, que quando o 1º Ministro é apanhado casualmente em escutas que a ele não são directamente dirigidas, essas escutas são suspensas e a decisão passe para os órgãos máximos da Justiça, Procuradores Gerais da Justiça e da República.
Isso aconteceu numa fase já adiantada porque os Juízes do Processo em Aveiro já tinham mandado tirar Certidões (abusivamente) dessas escutas por considerarem poder haver aí factos, motivos, que punham em causa a segurança do Estado.
Os Procuradores Gerais da Justiça e da República entenderam de maneira diferente e mandaram destruir as escutas, e agora, para culminar esta trapalhada, algumas delas aparecem, surpreendentemente, transcritas nos jornais, dando a entender ao vulgar cidadão que as leia que o chefe do governo se fez rodear de uma série de amigos colocados em lugares chaves de empresas poderosas, Conselhos de Administração, ganhando fortunas por mês, e com capacidade para influenciarem, distorcerem, alterarem de forma obscura, o destino de outras empresas e de outras pessoas de forma servirem, fraudulentamente, os interesses do 1º Ministro.
A nossa vida política parece estar ferida, os cidadãos interrogam-se interiormente, as dúvidas assaltam-nos, a confiança perde-se.
Entretanto, do ponto de vista financeiro, adensam-se as “nuvens” no exterior, o dinheiro de que os nossos bancos necessitam e vão buscar lá fora é cada vez mais caro e, por via disso, tudo será também mais caro para nós, e isto tem um limite que deixa de ser compatível com os nossos actuais padrões de vida.
Penso na nossa classe política de uma maneira preocupada pois o espaço para as disputas e lutas partidárias a que todos os dias continuamos a assistir está a ficar cada vez mais pequeno. As grandes e difíceis decisões, as que têm custos sociais inevitáveis, estão próximas e exigem uma pausa nessas “guerrinhas”. Os Sindicatos e as Corporações vão ser chamadas a intervir e seria muito bom que entre nós, portugueses, por nós próprios, da nossa propria iniciativa, conseguíssemos equilibrar o nosso "barco" para que não passássemos pela vergonha de serem outros a fazê-lo.