sexta-feira, janeiro 09, 2009

A Namoradinha do Meu Amigo - Roberto Carlos



Trem das Onze - Demónios de Garoa





Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 14

ENQUANTO O LEITOR RESPIRA; O AUTOR SE APROVEITA E ABUSA



Boa ideia, sim, meritória. Capítulos longos cansam, tornam a narrativa pesada e enfadonha, conduzem ao desinteresse e ao sono. Uma pausa, abre, inclusive, tempo e espaço para necessárias explicações sobre detalhes que os personagens torcem, modificam ou simplesmente suprimem, ao sabor de interesses variados, confessáveis ou escusos, mas cujo conhecimento cabal é direito sagrado do leitor – para saber ele paga os preços actuais, incríveis!

Carmosina é useira e vezeira em guardar segredos, em baralhar pistas, em impedir a circulação completa ou parcial de determinadas notícias, causando grave dano às xeretas do adro da igreja e à população de Agreste em geral pois quem não se mete na vida alheia, não pergunta, não conta, não comenta?

Se excepção existe, não conheço. Falar da vida alheia é a diversão principal do lugar, grosseria e mau carácter de uns, arte e subtileza de outros.

Intolerável grosseria de Bafo de Bode, rebotalho da sociedade, apodrecido por dentro e por fora. Quando do grande porre semanal, aquele que começa na noite de sábado, após a feira onde esmolou ao sol o dia todo e prossegue pelo Domingo, esse detrito malcheiroso desce a rua aos trancos e barrancos, a enlamear a honra de distintas famílias, a proclamar maledicências, injúrias e infâmias, desgraçadamente quase sempre comprovadas:

- Cuidado com os chifres, Chico Sobrinho, estão crescendo demais. Tua mulher, Ritinha, vive dando na beira do rio…não vou dizer a quem, não sou dedo duro.

Nem ele, nem eu e daí? Arte subtil na voz antiga de dona Milú, mãe de Carmosina, uma santa, quem duvida?

- Estão dizendo que Ritinha anda de namoro com seu Lindolfo, mas deve ser mentira, o povo gosta de falar. Ritinha paga por ser muito dada, às vezes demais…o génio dela é esse, não tem culpa.

A população está cansada de saber que Ritinha e Lindolfo, tesoureiro da Prefeitura, se encontram nos esconsos do rio. O melhor é fazer como Chico Sobrinho, para palavras loucas ouvidos moucos, quem dá atenção a Bafo de Bode?

Voltemos, porém, a Carmosina e ao comandante Dário pois deles se trata, entre eles existe uma trama. Não, nada do que estão pensado! Como diz Osnar, apontando o exemplo do comandante, não há criatura perfeita. Pelas frestas das janelas semiabertas, olhares lânguidos ou ardentes, conforme idade e fogo, acompanham-lhe o passo gingado de convés quando ele desfila em Agreste, vistoso, todo feito de músculo, corpo jovem, rosto maduro e vivido, cabeleira rebelde e grisalha; pode-se dar ao luxo de escolher, dá-se ao desperdício de ignorar a todas elas, sem abrir excepção sequer para Carol, a amásia de Modesto Pires, obra-prima de Deus e da fusão das raças. Monógamo declarado, o comandante; amoroso da esposa, dona Laura, e Carmosina é sua amiga fiel.

Amiga fiel, aí o XPTO da questão. Para proveito dos leitores, utilizo a pausa e tento decifrar o enigma.

Vou direito ao assunto: qual a patente do nosso personagem, quantas divisas ostenta na farda esquecida no fundo do armário? Ninguém sabe, a todos basta o título de comandante e foi isso que lhe disse exactamente dona Carmosina quando ele, honrado e modesto, quis proclamar a verdade. Ela, a responsável. Tanto fala como esconde, tudo depende.

Que Dário de Queluz, valoroso filho de Agreste, pertenceu à Marinha de Guerra, dando realce e lustre ao torrão natal, nada mais certo, sobram as provas; fulge uma delas no bangalô em cima da escrivaninha, ao lado dos trabalhos feitos em coco pelo comandante – medalha de ouro, recordando acto de bravura, reluz sob o vidro da redoma. Que entrou modestamente de marinheiro, rapazola emigrado em busca de trabalho, todos sabem. Que subiu, degrau a degrau, pelo esforço e pelo estudo, durante os vinte anos de vida militar, também é facto de conhecimento público. Mas subiu até onde? Eis o busílis: quando, despida a túnica, retornou aos ares pátrios e puros, alguém logo o proclamou Almirante. Ele recusou o título e a bajulação:

- Não cheguei lá, quem sou eu? Ao demais Almirante é título que só existe em tempo de guerra.

Disseram-no, então, Comandante e se curiosidade houve em saber até onde chegara, não se manifestou, ele impunha respeito e era um atleta.

Comandante, título perfeito em qualquer caso, em qualquer posto.

Arte subtil, a vida alheia. Um dia, os dois conversando na repartição, Carmosina perguntou, como por acaso:

- Comandante, me esclareça. Na Marinha de Guerra, os praças podem chegar ao posto de Capitão-de-fragata no quadro de Oficial Auxiliar da Armada, não é certo?

Percebeu Dário a subtileza; a curiosidade a corroer o coração da amiga. Sorriu, tinha um sorriso sem malícia de homem bom e direito, e respondeu:

- Não subi tanto, minha boa Carmosina. Cheguei apenas a…

Ela tapou-lhe a boca com a mão:

- Baixinho, que mais ninguém ouça…

E por quê?

- Os outros pensam que sim, que chegou e ultrapassou, estão orgulhosos disso. Por que dissuadi-los? Comandante, basta e sobra.

Apurou o ouvido para ouvir, ouviu e acabou-se. Comandante agora a comandar mar e vento nos cômoros de Mangue Seco, desnecessários se tornam quaisquer detalhes, dragonas e ordens de serviço. Carmosina sabe, quanto basta, a confidência não passou dali, nem mesmo à velha Milú ela contou. Contar à mãe? Estão loucos? No dia seguinte, Agreste inteiro saberia.

Eis aí em pratos limpos o que desejei esclarecer, aproveitando a interrupção do capítulo e terminando por escrever mais um, perdoem. Qual o posto de facto alcançado pelo Comandante? Ah! isso não sei dizer, somente Carmosina sabe e, egoísta, faz boca de siri, esconde a informação. Se algum dos senhores por acaso a obtiver, seria favor comunicar-me.

Frank Sinatra - Killing Me Sofly



Glória Gaynor - Will Survive




Cemitérios –
Espaço de Vivos




O meu sobrinho Rui, aproveitou as férias e foi de visita à nossa aldeia - diferente que ela está! - mas, mesmo assim, a nossa aldeia será sempre a nossa aldeia, a minha e a dele, por ordem cronológica.

Para mim, transporta já uma enorme lista de pessoas que nas minhas mais recuadas memórias lá continuo a encontrar ao dobrar da curva, cada uma no seu passo, nas rotinas próprias da hora de cada dia.

Enxada às costas, tamancos nos pés, calças arregaçadas, o meu tio Firmino lá vai regar a horta, sempre composto, muito educado, bem apresentado, não fosse ele alfaiate:

- “O Sr. Lopes (o meu pai era António Lopes) arruma à esquerda ou à direita?”, perguntava-me ele, meio ajoelhado aos meus pés, metro esticado, a tirar as medidas para as calças.

Eu não teria, então, mais que catorze ou quinze anos e o meu tio Firmino foi a primeira pessoa que me tratou por senhor, o que me deixava um pouco estranho, eu sabia que era apenas um rapaz mas o meu tio Firmino era um perfeito cavalheiro, muito educado.

Afinal, meu querido sobrinho, para mim, toda a nossa aldeia é espaço de vivos, talvez menos o cemitério, aí não consigo recordar-me de ninguém, julgo mesmo que naquele local, quando eu era rapazinho, não havia nenhum cemitério.

Confesso que não gosto dos cemitérios… a única pessoa que lá poderia recordar seria o coveiro, mas não recordo.

Espaço de vivos: a fonte, as ruas, a taberna do Zé Palmeiro, os quintais, a loja da prima Clementina, sede dos Correios e Telefones em frente da qual esperávamos, todos os dias, a camioneta da carreira das 6 horas que parava precisamente em frente da casa, na fotografia, casa esta que então não existia.

Momento importante do dia, local de encontro para vermos quem chegava, curiosidade e coscuvilhice pura, não esquecendo a Bia, a jovem mais bonita e letrada da aldeia, filha do Cabo de Ordens, que estudava Letras na Faculdade em Lisboa e que não nos passava cartão… a nós, miúdos do liceu.

Também ela era presença assídua à camioneta das seis, sempre muito arranjada, os olhos bonitos, lábios pintados rigorosamente de encarnado e aquele ar altivo, superior de quem se sentia a mais linda e letrada e, melhor ainda, sem concorrência.

Desembarques e embarques feitos, correspondência entregue na loja da prima Clementina, e lá seguia a camioneta da carreira até ao seu destino, no Gavião.

A Bia tomava de novo a estrada e regressava a casa com o mesmo passo e elegância com que hoje desfilam nas “passereles”mas sem os exageros de agora, e eu ficava a vê-la, enfeitiçado, até que desaparecesse na curva.

Na verdade, nas minhas recordações de então não entra o cemitério, relacionado com ele apenas os funerais, aquele desfile de pessoas vestidas de preto, com ares muito sérios e contristados que acompanhavam até à sua última morada o defunto, que era sempre uma pessoa já muito velhinha que saía de ao pé da lareira onde estava quentinha para ir para debaixo da terra porque já não havia calor que a conseguisse aquecer.

O meu irmão, o teu pai, mais novo do que eu catorze meses, em termos de espaço, deixou em mim um “buraco”… tão diferentes que nós éramos e que espaço enorme ele ocupava!

Ele tinha tanta vida, tanta energia, que eu só me lembro das almofadas a voarem no quarto naquelas brigas permanentes de garotos com o teu avô a ralhar e nas quais, ele, mais miúdo, ganhava sempre porque eu desmanchava-me a rir.

É verdade, Rui, espaço de vivos a não poder mais, com o teu pai a correr atrás de mim, desesperado porque me queria bater.

Quem tiver filhos de idades próximas deixem-nos brigar quando garotos, serão as melhores recordações quando ficar o “buraco”.

Conheces as minhas ideias e convicções: vivemos em consequência de uma oportunidade rara, única e irrepetível e isso foi um privilégio.

Viemos do mundo dos não vivos, inevitavelmente a ele regressaremos. A nossa vida foi aqui, experiência fantástica, tão fantástica que nos absorvemos com outras coisas, distraímo-nos e acabamos por passar ao lado do que, verdadeiramente, é belo na vida e esse foi um grande desperdício…o maior “pecado”.

Obrigado Rui pela fotografia, o pôr de sol está lindo… o resto imagino eu… agora tenho que fugir, há um miúdo, que viria a ser teu pai, que vem atrás de mim para me bater.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Roberta Flack - Killing Me Softly With His Song



PERRY COMO - And I Love You So



Tie a Yellow Ribbon Round the Old Oak Tree




Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 13




Na corte de amigos e admiradores a frequentar a Agência dos Correios e Telégrafos, enchendo com prosa e discussão as horas mortas, tantas! Dona Carmosina encontra parceiros para cada campo do conhecimento: com Aminthas e Fidélio – fracote, Fidélio – discute música, compositores e intérpretes; com Ascânio, o turismo no mundo e na Baía; com Elisa transa fofocas em torno de astros e estrelas de nosso cintilante céu artístico; com Barbosinha vasto, vasto é o campo do diálogo e polémica: da delicada ou agreste flor da poesia aos arcanos da filosofia espiritualista sendo o vate espírita teórico e vidente, ela, incrédula, negando encarnação e reencarnação, ímpia, a rir do céu e do inferno, vangloriando-se da condição de ateia. Ateia, não, à toa, Carmosina, mulher à toa; glosa Aminthas, metido a humorista.

Não menor a pauta de debates com o comandante Dário: os problemas actuais do homem e do mundo, todos eles, das explosões atómicas à explosão demográfica; da poluição estendendo-se sobre Los Angeles e São Paulo, Tóquio e Rio de Janeiro, à guerra colonial portuguesa; as possibilidades da terceira grande guerra e as intenções secretas dos dirigentes das potências e superpotências – não esqueça a China, minha boa amiga - ; o Médio Oriente, o destino de Israel, o petróleo árabe, os palestinos e a análise dos romances lidos, policiais e de ficção científica, preferindo o comandante os últimos, a levá-lo universo afora a longínquos planetas, preferindo ela os de detectives, `maneira de Ágata Christie, a desafiar a argúcia do leitor na descoberta do criminoso. Gaba-se dona Carmosina de acertar sempre, de apontar o assassino antes que o faça Hercule Poirot.

Dos centros culturais de Agreste, a Agência dos Correios é de longe o mais importante. Quando da sua sempre lembrada visita à cidade, convidada pelo vate Barbosinha, ex-companheiro de boémia nas ruas, bares e castelos da capital, o conhecido cronista de A Tarde, Giovanni Guimarães, infalível à tarde na sala da agência para uma boa prosa, a batizara de Areópago e o nome pegou.

Sucede com frequência juntarem-se ali os três à mesma hora, dona Carmosina, o poeta e o comandante Dário: o Areópago pega fogo, fagulhas de talento arrastam gente do bar e das lojas, apenas para ouvir. O árabe Chalita é habituê, não perde uma única palavra; não entende nada mas como admira! Divertimento elevado e gratuito. Supimpa.

Só com Osnar não mantém dona Carmosina tema de conversa, desde rapazola Osnar não se interessa por outras coisas nesse mundo de Deus além de cerveja, bilhar e mulheres. Vasto o círculo de mulheres a despertar a cupidez de Osnar, não sendo ele exigente ou dogmático. Infelizmente nessa numerosa assembleia de desejadas (algumas facturadas) não se encontra dona Carmosina. Admirador do seu intelecto, Osnar despreza-lhe o físico, essa não me levanta o pau. Para dizer toda a verdade, dona Carmosina não conseguira ainda despertar a concupiscência de nenhum homem.

Sinónimo de concupiscência de sete letras – dona Carmosina morde o lápis, rebusca na memória, já sabe: lascívia. Não, lascívia tem oito letras; de sete, vamos ver, o que pode ser? Luxúria, está na cara. Os olhos miúdos de dona Carmosina, cercados de cílios ruços, perdem-se na rua onde prossegue o movimento do sábado de feira, carroceiros buscando no acanhado comércio de contadas lojas as compras indispensáveis, gastando as moedas parcas. Luxúria, palavra forte.

Quando Perpétua casou, dona Carmosina teve um alento de esperança. Mas isso já é outra história, aproveitemos e façamos uma pausa, dividindo o capítulo, deixando o leitor respirar.

Celine Dion - When I Need You




O Estado da Palestina




A breve e incompleta incursão que fizemos pelo passado histórico dos judeus ajuda-nos a compreender o seu desejo de criação de um estado onde pudessem viver sem serem perseguidos, mortos e injustiçados, pena é que esse objectivo tivesse sido alcançado à custa de legítimos direitos do povo palestino.

A 15 de Novembro de 1988, o Estado da Palestina foi proclamado em Argel e o reconhecimento dessa proclamação feito pela ONU através da sua Resolução nº 43/177.

O Estado da Palestina deverá ter um território, na totalidade ou numa parte da Cisjordânia, Faixa da Gaza e parte oriental de Jerusalém e esta posição foi apoiada pelos EUA, ONU e Liga Árabe.

A região a que hoje chamamos de palestina é das mais antigas e milenares com um povo que sempre a habitou de uma forma continuada.

Esta situação levanta um problema de fundo, hoje discussão estéril e ultrapassada mas que, no plano teórico, sempre se poderá colocar:

- Vários juristas internacionais, entre eles, Henry Cattan, defendem que a ocupação de territórios por um povo com base no argumento de que, em outros momentos do passado, ali viveram, legitimaria a devolução, por parte dos EUA, do seu território aos índios Comanches, Sherokees, Sheyenes e por aí adiante.

Dono da terra deve ser o povo que vive e que, de forma continuada, sempre assegurou a sua ocupação, e isto encaixa-se nos palestinos e não nos judeus, relativamente àqueles territórios.

A luta pelo Estado Palestino é muito antiga mas o seu povo estava sob a ocupação do Império Otomano e com o fim da 1ªa Grande Guerra Mundial, em 1918, esse Império ruiu e as potencias europeias vencedoras, França e Inglaterra, com tradições colonialistas, apressaram-se a substituir os turcos no domínio daquela região do Médio Oriente.

Mas aos poucos, uma a uma, as nações árabes, Iraque, Síria, Líbano e Argélia, esta de forma violenta, foram adquirindo a independência.

No caso da palestina houve outro tipo de movimento porque a liderança judaica em plano mundial, a Agência Judaica, o Congresso Sionista, o Alto Rabinato, incentivaram judeus do mundo inteiro a migrarem para a palestina a partir de uma orientação estabelecida na cidade Suiça de Basileia, pelo 1º Congresso Sionista Mundial presidido por Theodor Herzl, como já foi descrito em texto anterior.

A ideia era ir construindo uma situação de facto que viesse, no futuro, a permitir a partilha da palestina e daquelas terras com base num slogan falso:

- “dar uma terra sem povo a um povo sem terra” embora, em 1947, data da criação de Israel, os palestinos constituíssem 70% da população depois de terem sido, em 1917, 90%.

O resultado, hoje, todos o sabem:

- A ONU aprovou por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções a criação de dois Estados: o de Israel e o da Palestina, o primeiro com 53% das terras (os palestinos representavam 70% da população), e o segundo com 47% mas mais problemas de irrigação, acesso à agua e fertilidade para a agricultura. Jerusalém ficaria uma espécie de território internacional, sob a gestão da ONU.

Dois povos, dois estados, esta a solução mais óbvia defendida em todos os meios jurídicos ou diplomáticos. Dois Estados que fizessem fronteiras, que fossem vizinhos e convivessem harmoniosamente e até cooperassem.

A capital, Jerusalém, poderia ser comum a ambos os Estados, a Palestina na zona oriental da cidade, e Israel na parte ocidental, a mais nova.

Partimos, para a criação dos dois estados, de uma repartição desigual e por isso injusta do território e dos seus recursos.

Hoje, 60 anos mais tarde, oito guerras, escaramuças e ataques sem conta, com a população de ambos os lados cada vez mais extremada nos seus sentimentos de ódio, uma contra a outra.

Estamos ainda muito pior do que então, com Israel a fazer assentamentos de israelitas em territórios conquistados na Cisjordânia desde 1968, o que é terminantemente proibido pela 4ª Convenção de Genebra (1948).

Foi esse o parecer do Tribunal Internacional de Justiça de 2004, que igualmente considerou ilegal o muro que está sendo construído como barreira de segurança entre Israel e a Cisjordânia.

Considerámos a constituição do Estado de Israel o “pecado original”, uma espécie de “bomba relógio” que não para de deflagrar.

Pensar que o resultado pudesse ser de outra forma era desconhecer a verdadeira natureza da nossa espécie.

Vejo na televisão as crianças feridas, cobertas de sangue, levadas para o hospital em braços como de fossem troféus de guerra.

Vejo, pasmo e arrepio-me…pobres inocentes, de tenra idade metidos naquele vespeiro, se sobreviverem amanhã andarão pelas ruas a atirar pedras numa qualquer “intifada” ou pior ainda, com um cinto de bombas à cintura.

Não consigo arriscar qualquer prognóstico para além da continuação desta guerra interminável… o que depende dos homens pode ser tão inacessível como o que depende dos deuses.


O ESTADO DE ISRAEL
(continuação)





O aumento dos conflitos entre árabes, judeus e ingleses forçou a uma reunião da Assembleia Geral da ONU, realizada em 29 de Novembro de 1947, que decidiu a divisão da palestina em dois Estados, um judeu e outro árabe que deveriam formar uma união económica e aduaneira.

Esta decisão foi bem acolhida pela maioria das lideranças sionistas mas não todas, algumas pretendiam a totalidade do território da palestina para o estado judeu.

De uma forma esperada, a Liga Árabe não aceita o plano de partilha e desencadeia uma guerra entre judeus e árabes.

Em 14 de Maio de 1948, horas antes de terminar o mandato britânico sobre a Palestina, David Ben Gurion assinou a Declaração de Independência do Estado de Israel.

Em 1949, realizam-se as primeiras eleições parlamentares e aprovam-se leis que asseguram o controle da educação e o direito de retorno ao país de todos os judeus. A economia floresce com o apoio estrangeiro e as remessas particulares.

Estava consumada a criação do Estado de Israel, decisão justificada pelos antecedentes históricos do povo judeu, escorraçado e injustiçado durante séculos por todos os países da Europa; injusta para os palestinos que sempre viveram naqueles territórios e os consideravam seus e, finalmente, decisão trágica em termos de futuro com oito guerras em sessenta anos e um permanente clima de conflitualidade.

Por um lado, os radicais fundamentalistas religiosos muçulmanos assumiram a liderança do processo por outro, a intransigência e falta de sensibilidade dos judeus, quase sempre a preferirem as soluções de força em vez das justas cedências que dessem cumprimento às deliberações internacionais da ONU e da Liga Árabe.

Em vez disso, decisões intransigentes e de força por parte de Israel em resposta a uma reacção de permanente violência dos palestinos que não aceitaram que as suas terras, onde sempre viveram, servissem de território para a criação de um estado judaico.

Quando, por alguns “momentos”, uma janela de paz se abre, logo as forças do ódio, violência e extermínio se impõem no processo e colocam um fim na esperança da paz.

O Acordo entre a OLP e Israel firmado na cidade de Teba, no Egipto, em 24 de Setembro de 1995, pelo 1º Ministro Itzhak Rabin e Arafat, com o início da Autoridade Palestina sobre partes de Gaza e Cisjordânia parecia ser essa janela, indo ao encontro das aspirações do estado palestino.

A OLP, transformada em governo, começou a receber ajuda financeira externa e iniciou a organização de uma administração e de forças armadas… mas os sectores que não queriam a paz travaram este caminho:

- O Hamas, a Jihad Islâmica e as Brigadas dos Mártires, por parte dos palestinos e, do outro lado, os sectores radicais que não aceitavam a cessão de territórios para a construção do estado da palestina.

Apesar de tudo, Israel e a Autoridade Palestina continuaram mas em Novembro de 1995, Itzhak Rabin é assassinado por um militante extremista judeu após um evento pacifista na cidade de Tel Aviv e Shimon Peres assume o lugar de 1º Ministro e após ele, Benjamin Natanyahu, do partido Likud, que sempre tinha sido céptico aos acordos de paz.

De facto, entre 1994 e 96, houve 20 atentados terroristas contra Israel de que resultaram 150 mortos e todos estes atentados foram reivindicados por grupos palestinos que não aceitaram os acordos de paz.

Em 2006, após um ataque da milícia Hezbollah, que, entretanto, ganhou ascendente e desempenhava já funções do Estado no sul do Líbano, vitimou nove soldados israelitas e logo se iniciou o conflito Israel -Libanês que vitimou 1.200 pessoas dos dois lados e terminou com um cessar fogo negociado entre os EUA e a França com a promessa da entrada de tropas internacionais no espaço ao sul do rio Litani e o fim dos ataques mútuos entre o Hezbollah e Israel.

Há uma semana, em resposta aos rokets que o Hamaz enviava diariamente sobre as cidades israelitas num raio de 40 km a partir da fronteira, o Exército Israelita começou por bombardear com a aviação a Faixa de Gaza e, finalmente, entrou com a infantaria e artilharia no território com o objectivo de impedir que, futuramente, mais rokets sejam lançados pelo Hamaz sobre as suas cidades e os mortos, entre civis, mulheres e crianças e combatentes, somam já várias centenas.

Talvez, em um qualquer próximo dia, se consiga, pela interferência de países influentes, um novo cessar-fogo, mas a paz continuará adiada e a grande incógnita é saber se ela é possível.

O carácter religioso fundamentalista, radical, extremista, com o elogio da morte como alegria e vitória supremas por parte dos líderes do Hamaz, colocam hoje o objectivo da paz ainda mais distante.

A Flor e o Espinho - Paulinho Moska





King Africa - Carnavalito





Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 12


ONDE DONA CARMOSINA LÊ UM ARTIGO, RESOLVE PROBLEMA DE PALVRAS CRUZADAS E PROBLEMAS REFERENTES À SITUAÇÃO DE TIETA, DIGNOS DOS MAIS FAMOSOS DETECTIVES DOS ROMANCES POLICIAIS E ONDE SE TRAVA CONHECIMENTO COM O COMANDANTE DÁRIO DE QUELUZ, SURGINDO AO FINAL DO CAPÍTULO O VATE BARBOSINHA (GREGÓRIO EUSTÁWUIO DE MATOS BARBOSA) DE CORAÇÃO PARTIDO.


- Muito bem feito! Cadeia com eles! – exclama em voz alta dona Carmosina, no auge do entusiasmo. Finalmente erguera-se um juiz independente e digno, capaz de ditar uma sentença justa, mandando os canalhas para o xadrez:

- Cambada de assassinos!

Entusiasmo e indignação sem espectadores, sozinha na repartição no começo da tarde. Mas o comandante Dário, ao saber, vai nadar em alegria, ele, tão apaixonado quando se discute poluição. Esses tipos deviam estar todos tranca-fiados na cadeia, minha boa Carmosina, são assassinos da humanidade. O Comandante é um tanto quanto retórico, ama frases de efeito. Barroco na qualificação poética de Barbosinha.

Retira a página, vai guardá-la para o Comandante – não importa venha o jornal endereçado ao Cel. Artur de Figueiredo – o velho coronel Artur de Tapitanga, assinante de O Estado de São Paulo desde de priscas eras; dona Carmosina tirara a limpo: desde 1924. Durante decénios o Estado manteve o fazendeiro a par das novidades do mundo. Actualmente, só de mês em mês o destinatário manda buscar o monte de jornais a entulhar a sala. Já não os lê – quem lê com gosto e proveito é dona Carmosina – mas renova a assinatura no prazo exacto, a condição de assinante do diário paulista é atributo da sua linhagem e dona Carmosina a maior interessada, recorda-lhe a obrigação a tempo, com elogios à gazeta e às cabras do Coronel.

Página a mais página a menos, caderno a mais caderno a menos, para o octogenário – oitenta e seis anos comemorados a 18 de Janeiro, como pode informar dona Carmosina – já não faz diferença. Pouco se lhe dá o que vai por esse mundo louco, de guerras e convulsões, de violência e de ódio, de mentiras sensacionalistas: essa história do homem ir à lua montado num foguete é história de carochinha para engambelar os trouxas. Está no jornal, na primeira página do Estado? Nem assim acredito, Carmosina, estou velho mas não estou broco. Apesar da cancela da Fazenda Tapitanga, não distar nem um quilómetro do começo da rua, raramente o Coronel comparece a uma sessão da Câmara Municipal de Sant’Ana do Agreste, à qual preside, conselheiro municipal, edil, vereador eleito e reeleito um sem número de vezes, ex-intendente e ex-perfeito. Quando vem não falta à visita da agente dos Correios:

- Carmosina me conte o que você leu no meu jorna. Mas não me venha com mentiras…- ameaça-a com a bengala, ainda sabe rir.

Manda o capanga por os jornais na carroça, utiliza-os em serventias diversas: para fazer embrulhos, acender o fogo, limpar-se na latrina. As cabras andaram comendo edições inteiras e, se não engordaram, mal não lhes fizeram.

Cuidadosamente, dona Carmosina dobra a folha de forma a ficar o artigo à vista, matéria importante no alto da página, o título em tipos fortes: A Itália condena à prisão os que poluem o mar. O Comandante vai se regalar. Também Barbosinha se interessa pelo problema lamentando os inevitáveis os inevitáveis malefícios inerentes ao progresso, enquanto o Comandante Dário é radical no julgamento e condenação dessa loucura rotulada de progresso envenenando a humanidade inteira, ameaçando a continuação da vida sobre a terra, minha boa Carmosina! Dramático, os braços abertos:

- Se não se puser um paradeiro nisso, em breve as crianças já nascerão com câncer! Veja o Japão…

Para fugir de causas e efeitos, para gozar dos verdadeiros prazeres da existência enquanto ainda há tempo e lugar, abandonara promissora carreira na Marinha de Guerra, pendurando a farda no armário do bangalô, reduzindo os trajes a shortes e camisetas de marujo, ao luxo vespertino do pijama quando na praia, e à calça e camisa esporte na cidade. Isso, sim, era viver. No clima bendito do Agreste, na beleza sem par de Mangue Seco. No paraíso.

- Boa lição! – repete ainda dona Carmosina antes de se entregar às palavras cruzadas e aos lologrifos.

Grande a sede de saber de dona Carmosina, múltiplos e ecléticos os temas a interessá-la, da política à ciência dos problemas mais graves do nosso tempo ao disse-que-disse em torno da vida sexual dos ídolos das multidões da ONU à OEA, da CIA ao KGB, da NASA aos OVNI, da MPB ao FEBAPÁ, ai o que ela sabe de siglas!

quarta-feira, janeiro 07, 2009

With Out You - Mariah Carey




terça-feira, janeiro 06, 2009


A História de Israel





O primeiro registo histórico antigo com o nome de Israel remonta a 1210 A. C. e refere-se a um povo (aquele que luta ao lado de Deus) sem estar associado a um lugar geográfico em especial.

Surgiu de grupos nómadas que existiam na Mesopotâmia há cerca de 5.000 anos e que rumaram para leste mas, por questões de uma fome, emigraram para o Egipto no fim do séc. XVII A.C.

Escravizados pelos faraós do Egipto os judeus, que entretanto, sob a égide de Saúl, tinham unificado as suas doze tribos formando um único reino para melhor enfrentarem os povos vizinhos, reconquistaram parte dos seus antigos territórios.

A Saúl sucedeu o seu filho David que expandiu o território de Israel e conquistou Jerusalém onde instalou a capital.

Sob o reinado de Salomão, Israel atinge o apogeu entre 966 e 926 A.C. porém, um pouco mais tarde, o reino divide-se em dois: a Norte, o Reino das Dez Tribos, também chamado de Reino de Israel e a Sul o Reino das Duas Tribos, chamado de Reino de Judá, que deu o nome de judeus e judaísmo, cuja capital ficou sendo em Jerusalém.

Em 586 A.C. o Imperador babilónico Nabucodonosor invade Jerusalém e destrói o primeiro Templo e obriga os judeus ao seu primeiro exílio.

Levados à força como prisioneiros para a Babilónio passaram 50 anos como escravos.

Terminado este Primeiro Êxodo e regressados de novo a Jerusalém, reconstruíram a cidade e erigiram um novo Grande Templo.

Entretanto, o território dos judeus foi sendo conquistado e influenciado por diversas potências da sua época: Assírios, Persas, Gregos e Romanos ao longo de cuja dominação aconteceram duas revoltas e surgiu o Cristianismo.

Os Romanos estabeleceram no reino judeu um Protectorado que interferia na prática da religião hebraica atacando e profanando os locais de culto e a primeira revolta, a chamada Grande Revolta Judaica, teve lugar no ano 66 da nossa era e duraria até ao ano 70 quando o general Tito invade a região, destrói Jerusalém e o segundo Templo.

Cerca de um milhão de judeus teriam então sido mortos e a região foi transformada numa província Romana com o nome de Província Judaea.

A segunda e última revolta contra os romanos foi a Revolta de Bar Kochba que foi esmagada pelo imperador Adriano em 135, os sobreviventes feitos escravos e expulsos da sua terra e a Província Judaea mudou de nome para Província Síria Palaestina, numa tentativa de desligar a terra do seu passado judaico. Depois dos Romanos tivemos os Bizantinos e, finalmente, os Muçulmanos que conquistaram a palestina em 638.

De então para cá teve lugar um novo êxodo ao longo do qual a presença de judeus em Jerusalém foi diminuta. Entre 1517 e 1917 fez parte do Império Otomano.

Os judeus exilados viveram sob o domínio de vários povos, culturas e religiões mas nunca encontraram um clima de liberdade plena. Aceites, é certo, mas hostilizados sob as mais diversas acusações e pretextos, a sua religião e cultura se, por um lado, garantiam a sua sobrevivência como povo, por outro, estavam na origem das perseguições de que eram vítimas.

No século VII, na península Arábica, onde provavelmente chegaram após a destruição do 2º Templo, viram-se envolvidos nas lutas entre Maomé e os habitantes de Meca.

Nesse envolvimento, duas tribos judaicas foram expulsas de Medina e uma terceira foi executada com excepção das mulheres e crianças mas, este episódio está integrado nas lutas ente Meca e Medina, na mentalidade do século VII, e nada tem a ver com as manifestações de anti – semitismo.

Em 1066 ocorre o massacre de Granada e entre os séculos XII e XV os judeus são expulsos do norte da Europa dominada pelos Cristãos.

Os grandes massacres de judeus sucedem-se em vários países: 1290, na Alemanha e Inglaterra, 1390 e 1394 na França e na Espanha em 1391, culminando na expulsão em 1492 e no grande massacre de Lisboa de 1506.

Os judeus passam então a habitar os países da Europa oriental.

Com o fim da Idade Média e o Iluminismo as perseguições diminuem. Durante a Era Moderna os judeus da Rússia e de toda a região leste da Europa são constantemente perseguidos e massacrados sob os mais diversos pretextos e acusações.

Em meados do séc. XIX os “pogroms” (ataques violentos a pessoas e ao seu ambiente: casa, negócios e centros religiosos) deram lugar a ondas de emigração judaica para a América e fomentam o aparecimento dos primeiros movimentos sionistas.

O “Sionismo” de Sion (nome de uma colina da antiga cidade de Jerusalém) surgiu na Europa em meados do séc. XIX, tinha um carácter religioso e pregava o regresso dos judeus à Terra de Israel, como forma de estreitar os laços culturais do povo judeu à volta da sua religião e cultura ancestral.

Entre os séculos XVIII e XIX os judeus que fizeram “aliá” que significa, literalmente, ascensão – o acto de um judeu imigrar para a Terra Santa - foi constante e crescente, estimulado pelo aparecimento periódico de crenças messiânicas e de perseguições anti-judaicas que tinham, quase sempre, motivações religiosas.

Ou eram acusações de “deicídio”, a morte de Jesus, ou lendas sobre envenenamento de poços, uso de sangue de crianças cristãs em rituais judaicos e de heresias.

E foi durante a primeira metade do séc. XIX que a migração judaica para a Palestina sofreu o seu maior incremento constituindo mesmo a maioria da população de Jerusalém em 1844 convivendo com muçulmanos, cristãos, arménios, gregos e outras minorias, sob o domínio Turco – Otomano.

A estes migrantes religiosos vieram depois juntar-se, na segunda metade do século, migrantes seculares que eram, no geral, da Europa central e adeptos de ideologias socialistas.

O primeiro Kibbutz que os judeus estabeleceram na Palestina foi a colónia Mikveh Israel, (esperança de Israel, em hebraico) em 1870.

Em 1895, surge em França o caso do capitão Alfredo Dreyfus, judeu, do exército francês, que foi acusado de traição, julgado e condenado à morte num processo em que era evidente a falta de provas e a inocência do capitão mas sobrava o carácter anti – judaico.

Este processo foi acompanhado por Theodor Herzl, jornalista Húngaro, de origem judaica, que fez a cobertura deste caso para os jornais e que percebeu que estas perseguições aos judeus só terminariam quando estes reconquistassem a sua autonomia nacional.

Nesse mesmo ano escreveu um livro, publicado em Viena, “O Estado Judeu”, onde expôs a sua concepção de uma nação judaica.

Com o fim da 1ª Grande Guerra e a queda do Império Otomano a antiga província da Palestina passou para o domínio da Inglaterra que, atendendo às solicitações sionistas, promulgaram em 1917 a Declaração Balfour pela qual a Inglaterra se comprometia a ajudar a construir um “lar judaico” na Palestina, com a garantia de que este não pusesse em causa os direitos políticos e religiosos das populações não judaicas.

Esta Declaração provocou uma enérgica reacção dos árabes a partir de 1920 e levou os ingleses a recuarem implementando políticas que contrariavam a imigração de judeus para a Palestina.

Mas, com a ascensão do Nazismo assiste-se a uma perseguição aos judeus de uma dimensão nunca vista até então… uma grande tragédia humana vivida por outros povos envolvidos na 2ª Grande Guerra Mundial.

A morte maciça de judeus denominou-se de Holocausto.

Na Palestina, nacionalistas árabes, Mohammad Amim, Grão - Mufti de Jerusalém, (máxima autoridade religiosa), aliam-se aos nazis e promovem, também, a perseguição aos judeus.

As tensões entre judeus e a população árabe da Palestina eram uma realidade e aconteceram incidentes violentos em Jerusalém, Haifa, Hebron e Jaffa, como o massacre, em 1921, de dezenas de idosos judeus em Hebron após o que se constituíram grupos clandestinos de judeus com o objectivo de retaliarem desses ataques.

Um desses grupos, o Irgun, realizou a acção mais espectacular ao atacar Hotel King David em Jerusalém onde funcionava o Quartel General do Mandato Britânico na Palestina e no qual morreram 91 pessoas.

Estes grupos clandestinos judaicos, que os britânicos consideravam como terroristas, não eram aceites tanto pelo Haganá, embrião do que viria a ser o futuro exército israelita, como pela Agência Judaica e pela Organização Sionista que recusavam os seus métodos violentos e que procuravam trabalhar de harmonia com o Mandato Britânico.

Com o fim da 2ª grande Guerra Mundial, o mundo tomou conhecimento da dimensão do holocausto e da morte de 6 milhões de judeus exterminados pelos Nazis.

Com a Europa destruída e os sentimentos anti – semitas ainda exaltados, uma massa de milhões de exilados deixava a Europa para se unirem aos sionistas na Palestina mas a política de restrição à imigração judaica era mantida pelo Mandato Britânico e os grupos militantes judaicos procuravam, clandestinamente, levar o maior número possível de refugiados judeus na Palestina.

(continua)

Mal Acostumado - Banda Arakatu



Simone - Uma Nova Mulher



Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nª 11



Conhece-lhe a letra, grande, de escolar, incerta, enchendo com poucas palavras a bonita folha de papel, ora azul, ora laranja, ora verde cana, chique a valer. A letra e o perfume, fragrância rara para narinas habituadas ao fedor das velas consumidas, à morrinha das emboloradas alfaias, das fanadas flores, ao pobre odor das sacristias, das suarentas salas de aulas, à fumaça do incenso.

Ao remeter a bola de futebol, a tia rabiscara uma página dirigida a Cardo: Para meu sobrinho querido, pálida lembrança da tia Tieta. Feliz, colocara o papel lilás dobrado em quatro entre as folhas do livro da missa e às escondidas aspirava-lhe o perfume. Num assomo de orgulho, exibiu dedicatória e aroma a Cosme, amigo predilecto, companheiro de devoções e retiros espirituais, vizinho de carteira. Cosme, um asceta, recusou-se a cheirar; em tudo via pecado, tentação do demónio. Perfume? Pecado mortal; para os servos de Deus basta o incenso. O padre confessor tranquilizou Ricardo; casto perfume da velha tia, não continha pecado, mortal nem venial.

Esses olhos misericordiosos a vós volvei – como seriam os olhos, a face da tia Antonieta? Austera como a da mãe, rígida e devota? Inquieta, melancólica, igual à da tia Elisa? Ou semelhante à do avô, dura carranca de caboclo?


Certa feita, há vários anos, meninote ainda, mostraram-lhe de relance uma foto da tia numa revista do Rio – revista da qual Elisa se apoderou e nunca mais ninguém a viu. Ricardo guardou memória apenas dos cabelos loiros, encaracolados novelos de ouro – como explicá-los se todos na família eram bem morenos? Soube então que as mulheres oxigenavam e até pintávamos cabelos, sobre o assunto discutiram a mãe e a tia Elisa. Moda condenável na opinião de Perpétua: Deus designa a cor dos cabelos de cada um, ninguém tem o direito a mudá-la. Elisa retrucara, tachando a irmã de atrasadona, rata de igreja. Dos olhos, da boca, Ricardo não se lembra; recorda somente os novelos de ouro puro. Agora, à luz das velas, ele os enxerga brancos de algodão, tantos anos se passaram – era um menino, agora é um rapaz.

E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto do vosso ventre, há quantos anos dura o desterro da tia? Quando Ricardo nasceu Tieta partira há muito e jamais ele ouvira da mãe, de tia Elisa, do avô e de sua segunda mulher, vó Tonha, a menor referência àquela outra parenta; jamais escutou nome ou apelido a recordá-la. Da tia de São Paulo, só veio a saber depois da primeira carta e ainda hoje sabe tão pouco, além da riqueza, da bondade, da velhice.

Se a Virgem a salvar, pode ser que ela um dia apareça de visita, em pele e osso, anciã amorável, de tão velha quase avó. Ricardo não conheceu avó verdadeira, a materna falecida antes do casamento tardio de Perpétua com o major, cujos pais já repousavam no Cemitério das Quintas, na Baía, quando o aposentado militar surgiu no Agreste, por acaso e de chofre se curou da asma, recuperou as forças, clima de sanatório.

Tia Antonieta preenche o vazio dos avós, Senhora Sant’Ana, a matriarca, a protectora da família. Se ela sarar, se a Virgem lhe restituir a saúde, Ricardo, após cumprir promessa, poderá lhe escrever outra carta, solicitando uma vara de pesca, molinete, fio e iscas artificiais, semelhante à do anúncio na reviste caça e Pesca, folheada no Correio com permissão de dona Carmosina. Implorando segredo à tia – se a mãe soubesse o mundo viria abaixo.

Em troca dos joelhos macerados, da semana inteira de orações, não era pedir muito; vara de pesca, molinete, fios e iscas e um segredo a mais entre os dois. Coisa boa, um segredo. Ricardo tem segredos em comum com alguns santos, com a Virgem e sobretudo com Santa Rita de Cássia, de quem é devoto.

Ó clemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria.

Na vela acesa a mando da mãe pela alma da irmã, o fogo da morte vacila e se apaga sozinho. Esbugalham-se os olhos de Ricardo no assombro do milagre. Só a chama da vida persiste na outra vela, poderosa é a santa Mãe de Deus, Amem.


segunda-feira, janeiro 05, 2009

ELBA RAMALHO - Volta Para o Meu Aconchego



ELBA RAMALHO - Imaculada




Tieta do Agreste

EPISÓDIO Nº 10

DA PRECE PELA SAÚDE DA VELHA TIA DESCONECIDA, CAPÍTULO CASTO E NOVO



…vida, doçura, esperança nossa, salve! As palavras da oração nascem sinceras e sentidas da incómoda espinha, do nebuloso pesar. Maquinais, no entanto, solta-se livre o pensamento em busca da tia nas vascas da morte ou já no caixão – dela pouco sabe, praticamente nada.

Vida, doçura e esperança, a tia de São Paulo, que não esteja defunta como garante a mãe – a mãe vê tudo em luto – que se afirme a crença da tia Elisa e o perigo desapareça, a Vós bradamos os degredados filhos de Eva. A Vós suspiramos e oferecemos pela saúde da tia Antonieta um rosário rezado de joelhos sobre grãos de milho. Promessa mixa, mísera oferta em paga de portentoso milagre.

Dá-se conta e, exagerado, amplia para uma semana inteira de rosários completos e macerados joelhos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas, salvai da morte a tia Antonieta.

Que doença a matara ou a estava matando? Nenhuma referência ouvira, a mãe e a tia Elisa devem saber mas guardam segredo, na certa por se tratar de doença ruim, cujo nome não se pronuncia, tísica ou câncer.

Quem comunicara a notícia, como chegara, em carta, em telegrama? Quando o pai de Austragésilo faleceu, houve um primeiro telegrama anunciando estado de saúde grave com hemoptise. Duas horas depois o Reitor do Seminário viera em pessoa com um segundo telegrama, o fatal, e palavras de consolo. Apertara Austragésilo contra o peito, falara sobre o reino dos céus. Do mesmo modo agora, o primeiro telegrama já chegara comunicando doença e diagnóstico pessimista.

A mãe, experiente da vida, percebera o engodo, a intenção de prepará-los para o pior; tia Elisa só perderia a esperança quando o segundo afirmasse a verdade nua e crua. Neste vale de lágrimas eis pois advogada nossa, para Vós Mãe de Nosso Senhor o impossível não existe; podeis interromper o custo dos telegramas, revogar sentenças de morte, o Filho atende todos os Vossos pedidos. Contrito, Cardo renova a promessa sete vezes maior. Promessa e tanto.

Zero sobre a doença, e sobre tia Antonieta? Zero vezes zero, imprecisas, fugazes notícias, tia desconhecida, quase uma abstracção. Não obstante ninguém tão concreto, presente, indispensável na vida de cada um deles, de toda a família. A tia de São Paulo, a ricaça.

Para Ricardo apenas um nome, um apelido de infância, Tieta, vagas e entusiásticas referencias ao marido milionário e comendador, mensalmente a carta e o cheque, os presentes a bola de futebol número cinco, dando solidez e contorno a uma imagem, que imagem?

Olhos misericordiosos a nós volvei, neste vale de lágrimas, de pobreza e limitações, a imagem da santa padroeira, a protectora a possibilitar pequenas regalias e o dinheiro que a mãe deposita na Caixa Económica para a festa da primeira missa, ainda tão distante, e para os estudos de Peto se um dia Peto se dispuser a estudar. Ao pensar na tia jamais vista, não a compara com a Virgem a quem roga por ela e, sim, com a Senhora Sant’Ana, padroeira da cidade, protectora da família, da sagrada família e de todas as demais. Na chama das velas enxerga a imagem da velha senhora, de mãos generosas, plena de ternura, doce patrona.

Será assim débil anciã ou ainda se mantém rija e disposta, igual à mãe? Qual das duas a primogénita? Sobre a idade da tia, Ricardo nunca ouviu a menor referencia, a mãe diminui a sua quando perguntada. A ausente deve ser bem mais velha, não é ela a rica, a poderosa, a doadora, o verdadeiro chefe da família, a quem o próprio avô reverencia? Boca de praga e maldições, a resmungar queixas e ameaças, o avô desmancha-se em louvores ao pronunciar o nome de Tieta.

Deus lhe dê saúde e aumente a fortuna, ela merece a boa filha. Anciã de passo cansado, cabelos brancos – ou ela ainda pinta os cabelos como outrora? Na chama das velas são brancos os cabelos da tia Antonieta.




O Pecado Original







Quando se iniciaram os primeiros passos para o que seria a instalação de um Estado judaico numa região onde viviam populações árabes, estava cometido o pecado original cujas consequências, de então para cá, nunca mais cessaram constituindo-se no problema político de mais difícil resolução da actualidade.

Neste momento, depois de vários dias de bombardeamentos, o exército judeu entrou na faixa de Gaza para a erradicação do poder do Hamas e, desta forma, por termo aos rockets que caem nas cidades de Israel afastadas mais de 40 Km.

O escritor Amoz Oz é israelita e foi um dos fundadores da organização pacifista Schalom Achschaw (Paz Agora). Ele foi entrevistado dias antes da actual ofensiva:

- “Vai haver muito pressão sobre Israel pedindo-lhe contenção. Mas não vai haver nenhuma pressão sobre o Hamas, porque não existe ninguém para os pressionar. Israel é um país; o Hamas um gang. Os cálculos do Hamas são simples, cínicos e pérfidos: se morrerem israelitas inocentes, isso é bom; se morrerem palestinianos inocentes, é ainda melhor. Israel tem de agir sabiamente contra esta posição e não responder irreflectidamente, no calor da acção”

Na verdade, o Hamas, o grande inimigo de Israel, responsável pela flagelação de cidades israelitas com cerca de setenta rockets diários, não tem exército, nem marinha ou aviação e isso levanta tremendos problemas porque um exército é concebido para se confrontar com outro exército e não guerrilheiros, num palco urbano, que se misturam com a população, homens, mulheres e crianças e se dissolve como por artes mágicas.

Sendo assim, apenas soluções políticas, podem resolver este diferendo e estas têm a ver com pessoas, de uma parte e de outra, e não das armas que são inadequadas, mas se as pessoas, porque estão desesperadas, fazem opções suicidas arrastadas por líderes fanáticos com apelos de natureza religiosa que potenciam aos limites o desespero e o ódio, então, inevitavelmente, vamo-nos confrontar com muitas vítimas inocentes, “transformados em troféus de guerra” para mobilizarem a opinião pública internacional.

Mas não esqueçamos o “pecado original” que, não obstante agora irreparável, foi sendo progressivamente agravado pelas enormes injustiças cometidas pelos judeus ao longo dos anos contra as populações palestinianas numa relação de mais força e melhor tecnologia e enquanto esta situação não for minimamente reparada estaremos sempre e apenas a adiar a solução.

As injustiças alimentam os ódios e, neste caso, corremos o risco de ele se tornar crónico, geracional e a paz ser cada vez mais difícil e longínqua.

É mais fácil, apesar de tudo, aos israelitas porem termo aos rockets do que ao ódio e este é que deve ser a grande preocupação dos judeus.

Israel não precisa de heróis militares, ao longo da sua história eles conduziram-nos a esta situação…o que ele precisa é de heróis políticos que convençam todo o povo israelita que a sua segurança e futuro não reside na força do seu exército e muito menos nas suas bombas atómicas.

Uma atitude de “humildade” para com os seus vizinhos palestinianos será a sua grande demonstração de força.

É estranho que um povo tão antigo e experiente tenha sido tão pouco sábio na forma como se tem conduzido, desde a criação do seu país (pecado original), nas relações com os seus vizinhos.
No dia dos festejos da criação do Estado de Israel, 14 de Maio de 1948, no meio dos festejos e da alegria, Ben Gurion desabafava: "não sinto alegria dentro de mim, apenas uma ansiedade profunda..."

Não tenho dúvidas de que o exército israelita irá derrotar o Hamas, custe o que custar, mas se as razões do ódio não forem extirpadas entraremos num novo período de paz imposta até… aos próximos rockets. Será, mais uma vez, uma questão de tempo.

domingo, janeiro 04, 2009

CORAÇÃO DO AGRESTE - FAFÁ DE BELÉM



MEIA LUA INTEIRA - IVETE SALGADO



Tieta do Agreste
EPISÓDIO Nº 9



Ricardo não entende os motivos da discordância, e antes mesmo de condoer-se pela morta, sente pena da tia Elisa, assim desolada igual à imagem de Santa Maria Madalena, num nicho da capela do seminário.

Perpétua não se abala:

- Nunca é cedo demais para pedir um bom conselho. O que está esperando aí, Cardo? Não ouviu o que mandei fazer?

- Já vou, Mãe…

Deseja acrescentar uma palavra condizente com a notícia, o pensamento voltado agora para a tia desconhecida, de morte anunciada e discutida, nome obrigatório em suas orações; não enviava ela dinheiro todos os meses? Quando ingressara no seminário, menino ainda, recebera mandado de São Paulo, um breviário rico, lombada dourada, papel fino, letras de cor, numa caixa de veludo vermelho, coisa mais linda, presente da tia Antonieta para o futuro padre que mal viu e tocou preciosidade tamanha, logo ofertada por Perpétua ao bispo Dom José por intermédio do padre Mariano. A bola de futebol número 5 também fora ela que mandara; às escondidas da mãe, Cardo escrevera uma cartinha à tia pedindo bola e segredo, se mamãe souber arranca meu couro.

Recebeu bola, calção e camisola do Palmeiras. Tinham um segredo em comum, ele e tia Tieta. Levanta a cabeça, enfrenta Perpétua:

- Tomara não seja verdade.

Sai em busca das velas. Já não está alegre e, se não espreme lágrimas, sente um ardor nos olhos, uma espinha nasce-lhe no coração, incómoda como as do rosto. Por sua conta acenderá uma vela aos pés da Virgem e lhe prometerá um rosário de cinco terços, rezado de joelhos sobre grãos de milho, para que a má notícia não se confirme.

Na sala cai o silêncio entre as duas irmãs, sobre as duas e a outra – múltiplas a face e a postura da ausente. Moça formosa e atrevida, enfrentando a ira do pai e a denúncia da irmã; tu tem é inveja porque nenhum homem repara em ti, tribufu; atrevida desde menina, pastora de cabras nos oiteiros da terra safara de Zé Esteves; a saltar, adolescente, a janela nocturna para encontrar-se com homens, o caixeiro-viajante não fora o primeiro, Perpétua tem certeza; audaciosa, desleixada dos preceitos de Deus, igreja só para namorar; a rir tão cínica e bela, na boleia do caminhão, rumo da Baía, indo embora para sempre; irmã rica, esposa de comendador, em São Paulo, a mandar mesada para pai e sobrinhos, merecedora de toda a consideração, esquecido o feio passado, enterrada a louca adolescência, tia presente na oração das crianças, elogiada pelo padre Mariano; fada generosa dos sonhos de Elisa, a feliz e atenta benfeitora, a âncora da esperança; na cidade, exemplo de boa filha e boa irmã, uma zelação, uma lenda, inesgotável assunto.

Perpétua guarda o lenço, cumprido o ritual, pergunta:

- E Astério?

- Passei na loja…sabe que a carta não chegou mas hoje é sábado, não pode sair nem para o almoço. Por falar nisso, vou indo, tenho de mandar a marmita.

- De noite passo em casa de vocês, digo o que o padre aconselhou. Vamos decidir o que fazer.

Elisa, de pé, um soluço a sacode:

- Por que a gente não espera até ao fim do mês?

- Já se esperou até demais. Vamos logo discutir o que fazer. Eu não vou ficar de braços cruzados, não lhe disse? Quero minha parte – Já sem lágrimas, suspiros, lamentações, Perpétua troca o lenço pelo terço. Mais valem as orações.

Elisa gasta o derradeiro argumento:

- Quem sabe, a carta se perdeu no caminho…

- Carta registada não se perde. Nestes anos todos já perdeu alguma? Tolice. Diga a Astério que me espere, nada de bilhar hoje. Com a cunhada morta…

- E o pai?

Perpétua começa a passar as contas do terço:

- Amanhã a gente avisa a ele.

- É capaz de ter uma coisa…

- Quem? O Velho? Vai ficar uma fera, vai querer tomar dinheiro da gente, o mais que puder, isso sim. Se prepare, o tempo das larguezas se acabou.

Ao passar em frente ao corredor, Elisa enxerga ao fundo a chama das velas iluminando os santos no oratório. Uma, pela salvação da morta, aos pés de Cristo crucificado; a outra pela vida da tia, aos pés da Virgem. Ouve a voz do rapazola rezando Salve-Rainha, mãe de misericórdia.

Misericórdia, meu Deus!

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