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Felizmente os militares deram lugar aos políticos... |
Verão
Quente
de 75
Não sei porquê, lembrei-me hoje deste
período e dos tempos que se lhe seguiram. Não vivia em Portugal, estava na
cidade da Beira, como funcionário público, a quando do 25 de Abril.
Regressei ao país logo após esse período
mais “quente”, quando percebi que depois da independência de Moçambique, a
situação naquele território, não obstante a vontade de Samora Machel ser
favorável à presença dos portugueses por razões que depressa seriam, mais que
percebidas, sentidas, mas que no momento não eram compatíveis com a nova dinâmica
política e social de um país sedento da sua independência recém adquirida e passada para a esfera da Rússia comunista.
Aos olhos dos moçambicanos, mais que
portugueses, nós éramos os colonialistas... Só nos restava regressar ao país
embora essa decisão se tenha revelado dramática para muitos ali nascidos ou há muitos anos residentes
com vidas montadas. Os mais velhos e fracos sucumbiram, alguns de nostalgia,
outros pondo mesmo fim à vida.
Tinha acabado uma época, um tempo, ia
começar outro, e estes períodos de transição são de extrema dificuldade para
quem os vive, de consequências imprevisíveis, um enorme desafio, e se uns não conseguiram
responder, outros aproveitaram a própria dinâmica do regresso para relançar as
suas vidas com vantagens para si e para o próprio país que estava então em
marasmo.
Lembro, a título de exemplo, que fui
obrigado a dormir num pequeno quarto interior com a televisão, ainda a preto e
branco, aos pés da cama, numa situação de favor em casa de pessoa de família, e
recordo a revolta sentida pelo contraste, de uma hora para a outra, da minha outra
casa deixada na marginal da cidade da Beira em Moçambique, onde nada me
faltava.
Mas essa revolta foi transformada em
energia, não em desânimo.
Nos anos seguintes, ao fim de um processo longo, de um “antes
quebrar que torcer”, estava eu a entregar as chaves de 96 casas a outras tantas
famílias, de um total de mais de 400 que lá estão, para poderem ser vistas por
quem desce a Avª Bernardo Santareno, do lado direito, a caminho do Hospital
Distrital. Para mim, afinal, não tinha sido preciso
nenhuma porque acabei por comprar à minha sogra de então a casa onde, até ao momento, vivia como inquilino.
Foi um desafio ganho, uma satisfação
interior que encontrou eco no desabafo de um técnico do Fundo Fomento de Habitação
que acompanhou o processo ao longo dos anos e terá dito: “só o Paula de Matos é que conseguia
isto”... desculpem-me a auto-elogio.
Na realidade, outras iniciativas de Casas de Cooperativas de Habitação Económica, pelo menos no distrito de Santarém,
acabaram por ficar pelo caminho por desentendimentos entre as pessoas que lideravam
esses processos.
Não é fácil mandar, em tempos
revolucionários. Quem levasse a cabo, sozinho, qualquer iniciativa era
considerado um anti-democrata, fascista, suspeito de querer ser patrão, chefe,
quando, em termos de atletismo, se dizia por graça, que as estafetas eram as corridas por excelência porque ou ganhavam todos ou perdiam todos... nunca
vencedores individuais, esses eram suspeitos.
Eu por, exemplo, fazia-me sempre
acompanhar de um grande amigo, reformado dos Caminhos de Ferro de Benguela, já
falecido, que gostava de mim como se fosse seu filho, e que fazia parte da
Cooperativa como o sócio Nº 2, desempenhando as funções de secretário. Era o “homem
dos papéis”, o “velho” e grande amigo, Sr. Garcia.
Um técnico superior do FFH deslocou-se,
um dia de Lisboa a Santarém, sem se fazer anunciar, a uma reunião da Direcção
da Cooperativa de Habitação Económica Lar Scalabitano, a que eu presidia, para
poder testemunhar o que se estava passando na realidade.
Finda a reunião, já noite dentro,
regressou a Lisboa, desabafando, primeiro: - “Afinal, nunca vi nada de mais democrata!”.
Cuidado com os tempos revolucionários,
eles mesmos, são inibidores para os cidadãos normais. Recordo ainda, na cidade
da Beira, ter visto um“revolucionário” que passeava na rua, presos por um
cinto, livros do Lenine e de outros consagrados autores da Revolução Russa,
numa espécie de aviso:
- “Não se metam comigo, respeitinho, que eu sou
revolucionário...”.
Mas porque me havia hoje de lembrar de
tudo isto?...