Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, maio 09, 2015
IMAGEM
Era penoso, o capim mais alto que nós, a humidade abafava o calor, a noite anterior já tinha sido dormida no mato, os nossos corpos não estavam preparados para aquelas situações, exalavam cheiros estranhos, o ar não se mexia, a água acabava no cantil e a boca secava. Parecia não haver fim para aquelas caminhadas... o espírito de sacrifício e entreajuda dos soldados, especialmente os do norte, eram uma dádiva. Com a ajuda deles consegui terminar algumas daquelas infindáveis operações...
The Carpenters - The House of Rising Sun
O som da música dos anos 60/70. O som poderoso da guitarra e o tom melódico da canção.
Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 241
Bastião da Rosa era um rapaz de bem,
loiro de olhos azuis, um gringo e tanto, casa posta com farteza. Mas seu homem,
aquele que lhe esquentava o sangue e lhe aparecia em sonhos, era o negro Castor
Abduim, ferrador de burros, Tição de Apelido.
Ia por vontade própria, levava a trouxa na mão
direita, na esquerda o coração.
Ajoelhado, Tição mantinha imóvel a pata
da mula Lamiré, calçava-lhe ferradura nova, o martelo suspenso no ar. Edu,
aprendiz a seu costado, estendia-lhe os cravos, e o moleque Trabuco, ajudante
de tropeiro, admirava-lhe a perícia.
Diva parou diante dele e lhe sorriu. Castor
também sorriu, e se demonstrou surpresa não deu a perceber. Não trocaram
palavra: ele baixou o martelo sobre o cravo, a mula nem sentiu.
Festejada por Alma Penada e Oferecida,
Diva atravessou a porta, entrou em casa, em sua casa. O fogo crescia na forja, Diva tomou o
fifó aceso, iluminou o quarto onde nunca estivera: a esteira no chão, a rede
dependurada, num caixote os trapos de vestir. Junto às calças e camisas, as
poucas vestes de Tição, arrumou as duas saias, outras tantas anáguas e as
blusas, o vestido de chitão, as chinelas.
Apagou o fifó, subiu para a rede e se deitou.
Daí em diante, nenhuma outra, fosse ela quem fosse, a ocuparia. Tinha dona.
Deixou-se envolver pelo cheiro de seu
homem, riu baixinho o riso desatado do primeiro encontro e sentiu-se em paz:
amanhã seriam duas as manchas de sangue, de seu sangue, na florada e suja rede
de casal.
O ARRUADO DESFILAM
AS PRENHAS NO AFLUXO DE BICHOS E VIVENTES
1
Barrigas empinadas, as prenhas
desfilavam orgulhosas nos limites de Tocaia Grande: ganhariam meninos quando o
verão chegasse no fim da safra. De início apenas Diva e Abigail, filha caçula
de José dos Santos; a seguir se incorporaram Isaura, onze meses mais velha do
que a irmã, e Dinorá, casada com Jãozé.
Com o advento dos estancianos, o cortejo
das grávidas iria quase duplicar, pois três mulheres do clã estavam pejadas,
também elas desovariam nas mãos beneméritas de Jacinta Coroca.
Dinorá começara a renascer no dia em que
avistaram Tocaia
Grande e Jãozé aflorou-lhe com os dedos
de esperança o rosto fatigado e poeirento. Morta-viva, vinha sustentando por
milagre a vida no corpo raquítico do enfezado a choramingar em seus braços, certa
de que para eles tudo se acabara no dia do juízo final quando foram expulsos da
meação em Maroim.
Mas ao avistar o vale pujante e belo e
ao sentir a carícia inatendida, a mão calejada e amorosa do homem, pensou que
talvez naqueles ermos pudesse voltar ao amanho da terra, à criação de bichos, a
sentir vontade, calor nas partes, capaz até de emprenhar: apt a de novo para o trabalho e a cama.
MAFALDA
Mafalda teve a sua primeira menstruação quando estava sozinha em sua
casa e não
sabia o que fazer. Foi então que se lembrou de ir até à casa do seu melhor
amigo, Carlinhos.
Quando chega a sua casa diz:
- Olá Carlinhos, a tua mamã está?
- Não, Mafalda, mas em que posso eu ajudar?
- Não, Carlinhos, não podes ajudar, são coisas de mulheres que nem te posso
contar.
- Mas, diz-me Mafalda, claro que posso ajudar, eu sei tudo sobre mulheres.
- Não, Carlinhos, e a tua irmã está?
- Não, Mafalda, mas conta-me, já te disse que sei tudo sobre mulheres.
- Não, Carlinhos., deixa-me! Não percebes? E a tua empregada, está?
- Não, Mafalda, mas conta-me, quantas vezes preciso de dizer que sei tudo sobre
mulheres.
- Bom... Carlinhos, vou-te contar...
Mafalda levanta a saia e Carlinhos vê que ela estava toda cheia de sangue.
Carlinhos, horrorizado, diz-lhe:
- Mas Mafalda, que fizeste, ARRANCASTE OS TOMATES!!!!!!??????
Passos Coelho ensaiando pose de Estado |
Música Celestial...
O resultado destas eleições em Inglaterra foi música celestial para os ouvidos do “nosso” Passos Coelho mas fingido, como a maior parte dos políticos, apareceu de imediato na televisão para dizer: “não estou aqui para comentar o resultado das eleições inglesas” mas depois sempre foi dizendo que os ingleses são pessoas inteligentes e premiaram o governo conservador de Cameron com a maioria absoluta por ele ter tido a coragem de impor uma política redentora de austeridade.
Este paralelismo que Passos Coelho pretende
estabelecer entre a Inglaterra e Portugal é mais uma das suas desonestidades
intelectuais para dar o exemplo do povo inglês aos portugueses de como eles devem também fazer, como se a realidade britânica e a sua sociedade não
fossem de alto a baixo diferentes e até antagónicas da portuguesa.
A Inglaterra dispõe de uma moeda própria, de uma praça
financeira poderosa, de um mercado de trabalho dinâmico, de uma demografia que é
ajudada pela imigração e, mais importante que tudo, uma sociedade civil
amiga da liberdade e do risco.
A austeridade levada a cabo por Cameron relançou a
economia e colocou a taxa de desemprego nos níveis mais baixos dos últimos 5
anos, 6,9 em vez dos quase 14% da nossa em Portugal com uma economia anémica.
Defender uma política de empobrecimento para um país já
de si pobre, convidar os nossos jovens a emigrarem e os portugueses a “pegarem
na enxada” é característico de um político que não passa de um homem vulgar que
se apresenta com pose de homem de Estado.
Tem uma atitude belicosa e provocadora para com o seu
parceiro de Coligação dando a entender que depois das eleições ela pode terminar a
qualquer momento.
A campanha eleitoral já em marcha com a sua biografia
escrita por uma funcionária, procura criar dele a imagem de um homem normal,
doce na intimidade, vivendo uma situação dramática com a doença da mulher
quando, ele próprio, tinha dito num comunicado que “a doença oncológica da
mulher era um assunto que dizia respeito à sua família”. Afinal, não foi...
A sua campanha para as eleições vai continuar e
manter-se até ao fim em tons monocórdicos:
- “O PS é
despesista, levou já o Estado a uma situação de banca-rota em 2011 e António
Costa vai seguir os passos de Sócrates... e blá-blá-blá-blá e blá-blá-blá-blá”, e
os eleitores vão fugir das urnas porque já não podem ouvi-lo a ele e aos outros por
arrastamento, e isto até Outubro próximo!
sexta-feira, maio 08, 2015
Joe Dassin - A Toi
Nasceu nos E.U. mas é francês. Faleceu por doença com 41 anos. Que mais canções lindas como esta ele nos poderia ter deixado... na sua voz grave e aveludada de barítono.
Vou pra casa de Tição. Vou viver com ele. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 240
Amigação,
palavra feia. Mas, que podia fazer? Pedir a Bastião que esperasse? Até quando?
Diva não era a única na idade de homem a se exibir no povoado.
A mais velha de Zé dos Santos, a zarolha
Ricardina, vivia arreganhando as partes para uns e outros, ainda não estava de
porta aberta na Baixa dos Sapos de medo do pai que a queria ajudando no roçado.
As mais moças, Isaura e Abigailque bonitonas,
andavam as duas de olho no mestre pedreiro, cada qual mais sem-vergonha. Todos
sabiam em Tocaia Grande
que Bastião da Rosa caiara sala e quarto, cavara cisterna e construíra fogão no
sentido de botar mulher em casa e viver com ela.
Pretendentes às pencas: bastaria ele
estalar os dedos para que as moças e raparigas acorressem, afanosas. Não
estavam em Maroim.
Perdida em tais melancolias, quando
Vanjé deu de si Diva tinha sumido. Não carece casar, concordara ela,
tirando-lhe um peso de cima do peito: imagine se não aceitasse!
Bastião da Rosa, numa prova de
consideração, pedira consentimento a Ambrósio e a Vanjé para no domingo,
terminada a feira, levar Diva para casa no Caminho dos Burros. Se fosse em Maroim... Não era.
Seja o que Deus qui ser. Suspirou
ainda uma vez.
As sombras do crepúsculo se adensaram,
escurecendo o rio e as plantações: no vale, a noite tombava
de repente. Diva desceu os rústicos degraus, um amarrado na mão, veio até Vanjé
imóvel no mesmo lugar onde a deixara:
- A bênção, Mãe.
- Onde tu vai? — Para a casa de Bastião,
havia de ser.
- Vou embora, Mãe.
- Bastião marcou pra domingo, depois da
feira. Não corre pressa.
- Vou pra casa de Tição. Vou viver com
ele.
25
As primeiras estrelas, pálidas no céu de
cinza. No descampado as primeiras tropas, os homens cobrindo as cabeças e as cargas
com sacos de aniagem. Sob o barrufo, na mão a trouxa com os teréns, Diva
atravessou o rio, dirigiu-se para a tenda do ferreiro, oficina e moradia.
Fogão de lenha não tinha com certeza,
tinha a forja e um braseiro onde cozinhar o de-comer. Espelho, não sabia.
No amarrado levava o leque de metal,
podia nele se mirar, era espelho e retrato, invenção de negro feiticeiro.
Sorriu ao pensar...
Ela o qui sera
e desejara desde que, ao chegar a Tocaia Grande, imunda de poeira e lama, morta
de cansaço, nele pusera os olhos: a cara risonha e larga, o torso nu, a pele de
porco na cintura, escondendo as partes.
Pensara encontrar um turco, encontrara seu
homem. Na rede, noite, o cheiro poderoso - a inhaca, o aroma, a catinga, o
perfume - a invadira, corpo e alma, e a fizera mulher: foi dele antes de
conhecer-lhe o peso e o gosto da estrovenga.
Uma Boa Noticia!!!
Finalmente, notícia que nos permite sentir algum orgulho...
Um estudo recente conduzido pela Universidade Técnica de Lisboa mostrou que cada português caminha em média 440 km por ano.Outro estudo feito pela Associação Médica de Coimbra revelou que, em média, um português bebe 26 litros de Vinho por ano.Conclusão:
Isso significa que o português, em média, gasta 5,9 litros aos 100km, ou seja, é económico!
...Afinal, nem tudo está mal, neste País! Já não era sem tempo!
O grande vencedor. |
Será que os ingleses são imprevisíveis ou as empresas de
sondagens em Inglaterra simplesmente incompetentes?
Ontem, o meu Jornal de sempre, dizia-me que os Trabalhistas
estavam a um ponto percentual dos Conservadores, um dia antes das eleições, um
empate técnico, diziam eles.
Hoje, o meu Jornal, diz que à boca das urnas, as projecções
dão 316 deputados para os Conservadores e 239 para os Trabalhistas, uma
autentica banhada...
O que é que aconteceu com os ingleses de um dia para o
outro? – Dormiram mal? – Tiveram pesadelos? – O futuro assusta-os?
A Inglaterra é um país naturalmente conservador no seu
espaço rodeado de água por todos os lados vivendo muito compenetrado nas suas
tradições seculares que incluem aquela realeza que a nós, europeus
republicanos, nos fazem sorrir por lembrar as histórias dos reis e princesas
que as nossas avós nos contavam.
E depois, eles choram, riem, comovem-se se um deles morre ou
se aqueles dois casam, sem esquecer os tiros de canhão para assinalar os
nascimentos dos príncipes ou das princesas.
Eu era rapazinho quando, em 1957, Isabel II visitou Lisboa. Lembro-me
bem... ficou admirada com o branco dos cavalos que puxavam a carruagem que a
foi esperar, era então Presidente da República, o General Craveiro Lopes.
- “E eu a pensar que
os meus cavalos eram brancos antes de ver os teus”... terá ela dito, admirada, para
o General.
Julgo mesmo que este terá sido um dos momentos altos da
visita: o branco dos cavalos.
Mas a sério, para nós portugueses, depois daquela história
do Ultimato por causa do Mapa Cor- de- Rosa em África, é muito difícil gostar
deles, isto se tivermos memória histórica.
A outra alternativa é tentar compreendê-los na força das
suas tradições que os moldaram e fizeram deles por um determinado período da
história a maior potência comercial, marítima e militar, aquele país europeu
que em qualquer ponto do globo via o sol nascer saudado pela sua bandeira. Gabavam-se e era verdade.
Eu admiro os ingleses nas suas qualidades e detesto-os nos
seus defeitos como pertence a um latino.
Vamos esquecer aquele momento triste para Portugal, a 11 de
Janeiro de 1890 em que eles ameaçaram bombardear Lisboa se nós não cedêssemos às
suas exigências em África. Bebemos, então, até à última gota o cálice da
humilhação.
Vingámo-nos, logo de seguida, com o Hino Nacional de Alfredo
Keil através do qual “contra os canhões marchámos... marchámos”, mas a
verdadeira vingança veio mais tarde, muito mais tarde, em Julho de 2004 quando
os eliminámos nos quartos-de-final, no Campeonato Europeu de Futebol,
derrotando-os no desempate por grandes penalidades depois do 2-2 do tempo
regulamentar com o guarda-redes Ricardo a defender sem luvas o penalti marcado por Ashley Cole e a fazer ele, guarda-redes, o remate da vitória aos 119 minutos para supremo gáudio dos lusitanos.
Bem feito para aprenderem a não fazer ultimatos!
Bem feito para aprenderem a não fazer ultimatos!
Mas é preciso perceber uma coisa importante, os ingleses não
fazem nada por mal... apenas defendem os seus interesses da forma que julgam
mais inteligente, mas nem sempre ganharam. Por exemplo, perderam a colónia que
tinham na América do Norte mas foram os grandes responsáveis “dando o peito às
balas” na luta contra a Alemanha nazi, com “sangue, suor e lágrimas” como disse
Winston Churchill que perdeu estas mesmas eleições para os Conservadores depois
de ter dado a vitória à Inglaterra na II G.G. Mundial.
Talvez os ingleses sejam mesmo imprevisíveis e o mal não
esteja nas empresas de sondagens...
quinta-feira, maio 07, 2015
IMAGEM
Uma brasileira viveu experiência de se cobrir por uma semana com uma burca para projecto. Ela ouviu ditos de vária espécie entre referências a explosão, chibatadas e Estado Islâmico. Durante uma semana, a estilista Cristiana Ventura, de 30 anos, chamou a atenção por onde passava – mas não pelo cabelo loiro platinado ou pelas roupas e acessórios chamativas que costuma usar. Nos últimos sete dias, ela andou por São Paulo toda coberta por uma roupa que lembra um traje usado por muçulmanas e só deixa à mostra os pés e os olhos. A experiência é parte do projecto de um amigo dela, o fotógrafo Richard Hodara, chamado “Euxperimento”. “Quis criar algo que faça as pessoas pararem para pensar no dia a dia, que mostrasse os preconceitos e lide com temas polémicos”, diz ele. No primeiro "desafio", um amigo de Richard saiu pela cidade vestido inteiramente de cor-de-rosa. No segundo, uma jovem passou dez dias ajudando as pessoas.
Não, não tem origem no latim, grego ou árabe, como muitas palavras
portuguesas.
Aqui vai uma pérola da cultura
oriental, mais propriamente chinesa.
A origem da nobre palavra “ejaculação” é, de facto, chinesa e tem origem
numa remota lenda chinesa que assim professa:
- Um dia, ou melhor, uma noite, um casal chinoca entretinha-se no libidinoso
prazer do sexo quando ela, já estafada do esforçado exercício coital, lhe
pergunta:
- Amôle...falta muito pala tu viles?
Solícito, ele responde:
- É já, culação!
Bastião é um moço direito |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 239
Pararam diante do casebre fincado sobre
estacas, o chiqueiro embaixo, os porcos fuçando restos de
jaca e fruta-pão. Vanjé olhavaem silêncio como se estivesse rememorando e
refletindo, esquecida da pergunta. De cima chegou o choro do menino de Lia e
Agnaldo. Decidiu-se:
- A gente não pode arresolver as coisas
aqui do mesmo jeito que se morasse em Maroim. Lá , todo
domingo nós tava na Igreja ouvindo missa e sermão do padre. Se um caradura
viesse falar de viver com minha filha sem casar com ela, sem as alianças, nem
sei o que ia lhe arresponder, coisa boa não houvera de ser. Já pensou? Jãozé e
Agnaldo se casaram, imagina tu que é mulher.
Abriu os braços para reforçar o
pensamento:
- Mas aqui
quem é que se casa? Nem padre tem, nem capela onde se rezar. Em vez, tem terra
de abastança, nós tá de grande. Não é que nem lá que nós labutava em terra
alheia.
Nós tem se dado bem aqui , o lugar é atrasado mas é mais melhor que lá.
Buscava ser objetiva, ver as coisas como
elas eram. Resignada, fitou a filha moça, mulher de qui nze
anos, na idade de casar ou de amigar. Se demorasse, acabaria na vida,
mulher-dama.
Estivessem em Maroim, iria prevenir o padre,
marcar a data. Mas estavam em
Tocaia Grande , neres de padre, neres de igreja, neres de
neres. Melhor amigada do que fretando homem na Baixa dos Sapos, coitadinha.
- Bastião quer se juntar com tu. Me deu
sua palavra que quando tiver santa missão em Taquaras, ocês se casam, que eu posso
ficar descansada. Na casa dele tem de um tudo, não falta nada. Cama de ferro
das grandes, de casal, comprou em Itabuna.
Espelho na parede. - Repetiu a fim de
convencê-la e convencer-se:
- Bastião é um moço direito.
Diva baixou os olhos, sorriu pelos
cantos da boca:
- Casar? Carece não, Mãe.
Vanjé suspirou: surpreendida ou
aliviada? A vista posta no
barraco onde viviam amontoados uns sobre
os outros, iguais aos bichos no chiqueiro. Não terminara de contar: Bastião
prometera que logo depois de terminado o pontilhão, iria levantar uma casa nova
para eles: um bom rapaz, seu Bastião da Rosa.
Ai, por que Deus não despachava uma
Santa Missão direta
para
Taquaras? No soflagrante: a Deus Todo-Poderoso não custava nada, era só querer.
Mas Deus tinha mais em que pensar, ocupado com o reino dos céus e os maiorais
do mundo, não podia perder tempo com bobagens de uma velha broca.
Ao contrário do Deus de Fadul, o bom
Senhor dos maronitas, patrício e íntimo, prestativo, o Deus de Vanjé era o
Padre Eterno, o Ente Supremo, o Rei dos Reis, altíssimo e remoto.
Vá-se lá saber quando desembarcariam frades
na estação de Taquaras, de cruz em punho, para combater o pecado, distribuir
penitências, batizar meninos, casar amancebados.
Vanjé suspirou de novo.
Quim andava toda a semana na rua com um horário que começava com o nascer do sol e caía com o dia.
Quim era um pobre diabo que tinha um atestado médico
que certificava que ele era mesmo um pobre diabo. Andava com um saco de plástico
na mão direita e com o atestado na esquerda.
É que Quim queria ir para um manicómio em Lisboa mas não
tinha dinheiro para a passagem. Por isso andava nas suas calças e casaco de ano
e meio no meio daquele mês de Maio à beira dos acontecimentos, à saída dos cafés,
das igrejas, das fábricas a reunir a “massa”.
Naquele dia, Quim estava à porta do café exibindo o
atestado em que atestavam que ele era um pobre diabo. A gente passava aos
magotes. Eram mulheres de preto,, os jovens coloridos, as senhoras de peles, os
velhos decrépitos, as mamãs recentes, os rapazes de gravata.
Quim mostrava o atestado deambulando pela multidão,
murmurando, de vez em quando, algumas parcas palavras. As pessoas olhavam para
ele e depois de um exame breve achavam a cena ridícula.
Atestado numa mão, saco de plástico na outra, isso era
pobre que se apresentasse? E se apressavam a continuar a conversa.
O sol estava bonito. Era uma fria manhã de Novembro. Nas
frias pedras do passeio os pés dos transeuntes batiam com força para afastar o
frio. Quando Quim se aproximava os pés batiam com muito mais força.
Os olhos gastos do Quim já não choravam. Queria ir
para um manicómio em Lisboa e não o deixavam ir.
Sem dinheiro, sem nada, Quim meteu-se a caminho da
estação. O comboio demorou a chegar. Quim não qui s
deixar escapar a oportunidade. Saltou para o meio da linha e apresentou o
atestado na mão esquerda e o saco de plástico na direita.
O comboio não qui s
saber. Com tinir de aço afastou Qui m
do caminho de Lisboa.
Jorge Xavier (17
anos, escrito em 1983 – Hoje é Secretário de Estado da Cultura)
sms, carta ou terão sido sinais de fumo?... |