Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, setembro 26, 2015
Na hora do orgasmo recitava versos de Puskin |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 347
Relacionamento dramático, não podiam se
casar pois ele tinha esposa em Moscou, também prima do Czar, mas haviam jurado amor
eterno e cumpriam a jura.
Venturinha pagava as contas e o fazia com
justificado orgulho: não é todos os dias que se corneia um membro da família
imperial de todas as Rússias.
- Ludmila cantava melodias russas e
dançava bailes do Cáucaso exibindo a perfeição das pernas. Em mesa próxima, o
conde Konstantin, de antiga estirpe, e Boaventura Júnior, barão recente,
aplaudiam, consumindo vodca e conhaque.
Ao fim da noite e do espectáculo, Piotr
recolhia o escornado Konstantin, deixando aos cuidados do brasileiro, campeão
continental da ingestão de aguardente, a tímida e sofrida Ludmila: na cama,
impetuosa égua da cavalaria imperial, glória da corte do Czar.
Na
hora do orgasmo, recitava versos de Pushkin e orações ortodoxas.
A versão de Ludmila acerca dos sucessos de
Moscou divergia um tanto quanto da proclamada pelo conde e coronel. Não no que
se referia ao Grão-Duque Nicolás, o mastigador de alho: de fato, perseguira-a
como um cão danado, obrigando-a a exilar-se em companhia do irmão.
Mas era falso que ela se houvesse
apaixonado por Konstantin. Aproveitando-se de sua triste condição de fugitiva,
emigrada em Paris, ele se impusera em seu leito de artista obtendo-lhe
contratos e defendendo-a da cúpida agressão dos frequentadores de La Datcha.
Agradecida, ela o aceitara e o tolerava, mas
daí a proclamar amor ia uma distância tão grande quanto a que separava a Praça
do Kremlin, em Moscou, da Praça Pigalle, em Paris.
Numa e noutra variantes subsistiam hiatos,
contradições, espaços em branco, incongruências, tudo devido ao precário
domínio da língua francesa pelos personagens em causa, se bem Ludmila revelasse
talento para o cultivo dos idiomas: com Venturinha aprendia palavrões em português
e os repetia com adorável pronúncia, entre beijos.
De qualquer maneira, alguma verdade devia
haver nas espaventosas narrativas, pois quando Ludmila Gregorióvna aceitou
acompanhá-lo ao Brasil, o conde e coronel invadira o hotel do brasileiro, ameaçando-o
de escândalo e morte, desafiando-o para duelo, adaga em punho.
De Venturinha tudo se podia dizer, menos
que fosse medroso.
Já se encontrara às voltas, em ocasiões
anteriores, com maridos e amantes em fúria e jamais se acagaçara.
Baixou o braço no parente do Czar,
tomou-lhe a adaga e a guardou como troféu. Terminou por resolver o assunto com
educação e generosidade, em francos franceses e libras inglesas, na falta de
rublos.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 68
Então, perguntou às galegas se já conheciam homem tendo Chamoa e Maria Gomes confirmado que não. Zaida sorriu-lhes com um ar doce.
- Podeis sempre aprender com
mulheres – disse
Chamoa sorriu-lhe de volta,
mas Maria Gomes indignou-se:
- Nós não vivemos em haréns!
Conciliatória, Zaida aceitou
com naturalidade aquela diferença e depois voltou a mirar Chamoa intrigada:
- O Ramiro, o bastardo de Paio Soares, que lhe
haveis feito?
Chamou franziu a testa e
murmurou preocupada:
- Hoje achei-o magro, parecia doente.
Depois contou que em Ponte
de Lima tinham estado uma tarde juntos. Desconfiada, Fátima perguntou:
- Mas foderam?
Chamoa riu-se com aquela
pergunta tão brusca e reforçou:
- Demos só uns beijos!
Maria Gomes olhou-a com ar
reprovador e murmurou:
- A Chamoa exagera, já lhe disse que seja mais
recatada!
Nesse momento Fátima
animou-se e contou:
- Em Coimbra temos um livro
de foder, com figuras e tudo!
A minha mãe trouxe-o com
ela, quando viemos para cá com o Taxfin. A Zaida descobriu-o no fundo de uma
arca e já o lemos. Aprendi muito.
Levou o polegar à boca e
chupou-o, enquanto Chamoa se ria. Zaida, suspeitando que a outra já se
aventurara nesses beijos, perguntou:
- Foi assim que haveis beijado o Ramiro?
Chamoa apanhou os seus
cabelos cor de mel numa trança e garantiu apenas tinham ido passear pelos
campos. Porém, sempre viperina, Fátima esboçou uma careta:
- Se casardes com o pai dele, ides soprar na
gaita da família toda!
Chamoa afligiu-se de
imediato, olhando para a irmã:
- Paio Soares foi muito gentil para comigo,
mas é um velho! Quase tão velho como o Egas! Irmã, vou ter de me casar com ele?
Maria Gomes limitou-se a uma
constatação solene:
- Casamos com quem os nossos
pais mandam.
Perante tão perempt ória declaração, Zaida decidiu animar a assustada
Chamoa, exclamando:
- Pode ser que o príncipe se enamore de vós!
A rapariga galega
levantou-se de imediato entusiasmada.
- Na igreja não me largava!
Sempre à minha roda! Não viram?
Até fiquei atrapalhada!
Acham que está encantado comigo?
O que eles fazem para conquistar ou manter o poder... |
Os Predadores
Não há volta a dar. Na sociedade humana qualquer que seja o regime político os vencedores são sempre os predadores. Nem os mais inteligentes, mais belos, mais trabalhadores, mais bondosos. Não, nenhum destes. Os vencedores são os predadores.
Numa luta
simulada entre um tigre e um leão quem deveria levar a melhor era o tigre,
pelas suas características físicas mais poderosas. No entanto, quem ganharia
seria o leão porque tem mais desenvolvidas as suas características de predador,
de brigão, de vontade, de ambição de ganhar.
O mundo
nunca será dos “totós”, independentemente de serem pouco ou muito inteligentes.
Ou nascem com o gene de predador e vão à luta ou o lugar que lhes está
reservado será sempre discreto.
O regime
político é importante para definir o grau de sofisticação desta luta porque,
quanto mais forem as regras de boa convivência inscritas na lei, mais rigoroso
for o seu cumprimento por parte dos Tribunais, maior for a liberdade das
notícias na Comunicação Social, maior o espírito crítico dos cidadãos e a
censura pública, mais os predadores terão que refinar os seus métodos.
Quem viveu
no regime do Salazar e agora em democracia percebe melhor a diferença. Com a
PIDE, as pessoas eram manipuladas directamente pela ameaça violenta, chegando-se
ao assassínio.
Agora, a
manipulação faz-se pelo poder que o predador tem de facilitar a vida em termos
de emprego, promoções no local de trabalho, ofertas, facilidades também para a
família, chegando-se a conqui star
votos a troco de uma dentadura para a namorada ou à compra pura e simples dos
votos.
Porque,
votos são poder e quem consegue arregimentar votos tem poder. Constitui a sua
pirâmide que se vai articular e apoiar noutras pirâmides começando numa simples
freguesia - o pequeno cacique - passando
para outros níveis, concelhio, distrital e, finalmente, nacional, mas sempre,
sempre, pirâmides de poder.
Os totós
são aqueles que não se envolvem nestas pirâmides de poder, que não têm
ambições, que não trocam nem vendem o seu voto porque preferem ser fieis ao seu
pensamento político ou, perante tão maus exemplos da classe dominante,
simplesmente desinteressam-se não percebendo que alguém, um dia, se irá
interessar por ele, quer ele queira ou não.
Um exemplo
vivo e mais conhecido de predador no nosso país foi o Miguel Relvas.
Entregou-se à conqui sta do poder
logo nos tempos da escola e tal foi a dedicação que não lhe sobrou tempo para
os estudos o que procurou compensar mais tarde, tirando um Curso por equi paração.
Não faço
ideia de qual é o quociente de inteligência do Relvas mas, um homem que caiu no
anedotário nacional deve, pelo menos, ter levado longe de mais aquelas que ele
julgava serem as suas capacidades e acabou por cair no ridículo... embora tenha
conseguido levar a água ao seu moinho colocando um apaniguado seu no cimo da
pirâmide do poder mais importante do país.
O predador
é um obcecado, não tem tempos livres, o seu pensamento não divaga, não sonha,
não perde tempo a ver o pôr - do – sol e mesmo que o olhe não o vê.
No outro
dia espera-o reuniões e ele tem que pensar na estratégia da persuasão, na
negociação a fazer, nos trunfos de que dispõe, porque a vida de um predador é
muito exigente, uma teia de cumplicidades requer muito trabalho e, na área do
poder, ganha quem manipular mais e melhor.
Estamos
nas mãos dos predadores, do Relvas, de todos os Relvas deste país e a meia dúzia
de dias de novas eleições os predadores para além de exaustos, estão nervosos.
São muitos
os empregos que estão em jogo, muito dinheiro ao fim do mês. Ao longo de mais
de 4 anos adqui riram-se hábitos de
gastos que terão de ser cortados de acordo com o risco que têm os lugares de
natureza política: duram enquanto durar o governo que os nomeou!
Como dizia o
nosso grande Eça de Queiroz, os políticos são como as fraldas dos bebés:
devem-se mudar frequentemente por razões óbvias...
sexta-feira, setembro 25, 2015
Roberta Miranda - Sol da Minha Vida
Roberta Miranda, nome artístico de Maria Albuquerque
Miranda, nascida em João Pessoa em de Setembro de 1956 é uma cantora profissional brasileira, quarta na venda de discos com mais de 15 milhões de cópias.
É a quarta cantora brasileira que mais discos vendeu ficando atrás
apenas de Rita Lee, Xuxa e Maria Bethânia. Entre seus maiores sucessos
estão A Majestade O Sabiá, Pimenta Malagueta, Vá Com Deus e
Sol da Minha Vida.
Apaixonado até aos grogomilos e os escrotos. |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 346
Os exageros e a retórica de Fuad Karan
correspondiam à comoção da cidade ainda sob o impacto da presença embriagadora de
Ludmila Gregorióvna Cytkynbaum: tanto no cabaré quanto na Matriz, recintos
animados, sua aparição de neve e fogo, pendurada ao braço de Venturinha, causava
sensação, provocava tumulto: todos queriam vê-la, aquecer-se em seu sorriso,
morrer no desmaio de seus olhos.
No cabaré silenciava a avinhada
barulheira, na Igreja rompia o devoto silêncio, aqui
e ali ouviam-se ahs! E ohs! de cobiça e entusiasmo e uma chama de desejo se
elevava em torno dela como um halo divino, a fulgurante cauda de um cometa.
9
A notícia do falecimento do coronel
Boaventura Andrade interrompera os fascinantes estudos de Venturinha na
Sorbonne da Place Pigalle, apressando-lhe a volta ao Brasil.
Naquela noite, o bacharel encharcou em
vodca o remorso e ò desgosto, amarrou o porre de sua vida.
Também Ludmila Gregorióvna, ao tomar
conhecimento da tragédia que se abatera sobre seu "paizinho", teve
uma crise de nervos, caiu num pranto agoniado, não um chorinho qualquer com
duas lágrimas acanhadas: pranto à eslava, com chilique, desvario e orações em
russo.
Apaixonado até os gorgomilos e os
escrotos, o novel europeu decidiu trazer Ludmila para o Brasil em sua
companhia, melhor maneira de importar a cultura da Europa no que ela tinha de
mais representativo.
Acompanhou-a o irmão, Piotr
Sergueinovitch, mas o amante, Konstantin Ivanovitch Surkov, ficara em Paris
roendo tampa de penico na folclórica expressão do triunfante Venturinha.
O conde e coronel da Guarda Imperial
Konstantin Ivanovitch
Surkov, parente da família imperial mas em
desacordo com o
Czar, confidenciara um segredo de estado a
Venturinha, le Baron Boaventura Boaventurovitch como se fizera conhecido nos
círculos da imigração eslava: Ludmila Gregorióvna também tinha sangue nobre se
bem não o proclamasse devido ao infortúnio que a obrigava a cantar melancólicas
baladas nos cabarés parisienses.
Fugira da corte em virtude de ignóbeis
perseguições do Grand-Duc Nikolai Nikolaievitch Romanov, que a queria de
concubina.
Tio do Czar Nikolai II, generalíssimo dos
exércitos russos, infernava-lhe a vida. Tendo Venturinha estranhado que a
requestada não se houvesse entregue a tão poderosa e eminente figura,
Konstantin Ivanovitch explicou ao seu querido Boaventura Boaventurovitch que a
pequena Ludi, fina e sensível, não suportava o olor de alho do hálito do
generalíssimo: os beijos do Grão-Duque causavam-lhe náuseas, sustentavam-lhe a
virtude.
Por isso acompanhara Konstantin quando o
coronel dissidente se exilara em Paris.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 68
Então, perguntou às galegas
se já conheciam homem tendo Chamoa e Maria Gomes confirmado que não. Zaida
sorriu-lhes com um ar doce.
- Podeis sempre aprender com
mulheres – disse
Chamoa sorriu-lhe de volta,
mas Maria Gomes indignou-se:
- Nós não vivemos em haréns!
Conciliatória, Zaida aceitou
com naturalidade aquela diferença e depois voltou a mirar Chamoa intrigada:
- O Ramiro, o bastardo de Paio Soares, que lhe
haveis feito?
Chamou franziu a testa e
murmurou preocupada:
- Hoje achei-o magro, parecia doente.
Depois contou que em Ponte
de Lima tinham estado uma tarde juntos. Desconfiada, Fátima perguntou:
- Mas foderam?
Chamoa riu-se com aquela
pergunta tão brusca e reforçou:
- Demos só uns beijos!
Maria Gomes olhou-a com ar
reprovador e murmurou:
- A Chamoa exagera, já lhe disse que seja mais
recatada!
Nesse momento Fátima
animou-se e contou:
- Em Coimbra temos um livro
de foder, com figuras e tudo!
A minha mãe trouxe-o com
ela, quando viemos para cá com o Taxfin. A Zaida descobriu-o no fundo de uma
arca e já o lemos. Aprendi muito.
Levou o polegar à boca e
chupou-o, enquanto Chamoa se ria. Zaida, suspeitando que a outra já se
aventurara nesses beijos, perguntou:
- Foi assim que haveis beijado o Ramiro?
Chamoa apanhou os seus
cabelos cor de mel numa trança e garantiu apenas tinham ido passear pelos
campos. Porém, sempre viperina, Fátima esboçou uma careta:
- Se casardes com o pai dele, ides soprar na
gaita da família toda!
Chamoa afligiu-se de
imediato, olhando para a irmã:
- Paio Soares foi muito gentil para comigo,
mas é um velho! Quase tão velho como o Egas! Irmã, vou ter de me casar com ele?
Maria Gomes limitou-se a uma
constatação solene:
- Casamos com quem os nossos
pais mandam.
Perante tão perempt ória declaração, Zaida decidiu animar a assustada
Chamoa, exclamando:
- Pode ser que o príncipe se enamore de vós!
A rapariga galega
levantou-se de imediato entusiasmada.
- Na igreja não me largava!
Sempre à minha roda! Não viram?
Até fiquei atrapalhada!
Acham que está encantado comigo?
quinta-feira, setembro 24, 2015
Matéria Escura - Energia Escura
No meio de tanta escuridão sobra a ignorância e a humildade sábia de a reconhecer... Ouça!
Bonita é adjectvo impróprio |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 345
Para Fadul, desterrado pelo bom Deus dos
maronitas nos cafundós de Tocaia Grande, as vindas às ruas agitadas das
cidades, para refazer o estoque, resgatar duplicatas vencidas e assinar novas,
ir aos bares e cabarés e às pensões de putas, e para ver o mar virar espuma nas
praias ilheenses, havia, além do mais, o privilégio da prosa com as duas
sumidades, os dois letrados: Álvaro Faria, no porto de Ilhéus, Fuad Karan, no
sertão deItabuna.
Pareciam-se os dois no pouco apreço por
qualquer trabalho que não fosse pura elucubração intelectual: a conversação, o jogo
de pôquer e o comentário das ocorrências locais.
Fuad Karan levava discreta vantagem sobre
o parceiro no conceito de Fadul, por ser árabe e falar a língua do profeta com
mel e tâmaras, com açúcar e anis.
A par de todos os acontecidos e de todas
as invencionices, Fuad os relatava e analisava com conhecimento e graça. Fadul
ouvia extasiado.
- Bonita? - Voz de cobiça e de apetite,
Fadul qui s saber.
- Bonita é adjetivo impróprio para definir
Ludmila Gregorióvna: digamos bela, de preferência.
Quero crer que seja eurasiana, mestiça de
eslavo e semita; ainda será nossa parenta distante e disso devemos nos
orgulhar.
Além de bela, é mística por ser russa,
dramática pois é judia, romântica e sensual devido ao sangue árabe. Se tua
sorte de Grão-Turco ainda persiste, poderás vê-la durante o dia atravessar a
rua para entrar nas lojas e desdenhar do mostruário ou, acompanhada de nosso
jovem monarca, reinar à noite no cabaré com a longa piteira de jade e os olhos verdes.
-Resumiu
seus sentimentos numa expressão em árabe:
ia hôhi!
- Como veio parar aqui ?
- Trazida por Venturinha, de que outra
forma poderia ser?
- E por que veio com o doutorzinho? - Fadul
ainda não se considerava bem informado.
- Porque é puta, esse é seu ofício.
Disfarça cantando baladas russas. Assassina "O Barqueiro do Volga"
com uma perfeição extraordinária.
O irmão, diga-se de passagem, toca
balalaica bastante bem: deve-se confessar por ser verdade.
- Será mesmo irmão?
- Andei investigando e concluí que os laços
que unem Ludmila Gregorióvna e Piotr Sergueinovitch são realmente de sangue e
não de cama. Irmãos por parte de mãe. Quanto a ela ser puta, não a devemos
condenar assim sem mais nem menos.
Por dinheiro, somente se vende ao nosso
bravo Venturinha, aos demais dá de graça pelo prazer da fornicação, e nós
sabemos, meu Fadul, que não existe prazer igual, no mundo, ao de fornicar.
- Não existe mesmo.
A empregada africana, chorando convulsivamente, chega à sala de
estar com a mala de viagem na mão e despede-se da patroa que, muito
intrigada perguntou-lhe:
- Carmélia, que
se passa…? - Para onde vai?
- Prá junto di minha
família, Dona Fror, prá mórrér junto di meus!...
-
Mas… o que aconteceu, querida?
- Óh Dona Fro, a
sinhora fala sémpre qui seu marido é issilente médico e nunca errou
uns dignóstico ná vida...
- Pois é… É verdade…
Normalmente, ele nunca se engana no diagnóstico...
Mas, o que tem
isso a ver com a sua saída de casa?
- Então Dona Fror,
é qui o Dr. hoje pela manhã, antes di ir embora, apértou a minha
bunda com as duas mão e dissi-mi no ouvido:
- DESTA
NOITI NUM PASSAS !!!*
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 67
Curiosa, Maria Gomes
perguntou:
- Vocês nasceram em Códova?
As raparigas mouras olharam
para a mãe, que lhes fez um quase impercept ível
sinal de alerta e se antecipou à resposta.
- Sim. O meu marido era o
governador da cidade. O Azzahrat estava sempre cheio de poetas, cantores e
pintores. Vinham mercadores de longe, até de Bagdad para nos venderem tecidos e
jóias.
Fátima gabou a arqui tectura mourisca com um protesto:
- As vossas casas são uma
desgraça! Não há claustros, pinturas nas paredes, mosaicos no chão! Viveis como
pobres!
Entretanto, vinda do
primeiro andar, apareceu Teresa de Celanova. Desejosa de novidades, Maria Gomes
qui s saber se ele tinha algumas.
Dona Teresa já falou com os
vossos pais. O Lourenço é bom moço – disse-lhe a Celanova piscando-lhe o olho.
Maria Gomes endireitou-se
orgulhosa, mas Chamoa perguntou:
- E o pai dele autoriza? Egas e Dona Teresa não
se estimam!
Teresa de Celanova corou
ligeiramente, mas recompôs-se.
Egas Moniz é bom homem,
suave e carinhoso. Ao contrário do que se diz, Dona Teresa admira-o, tem
educado o príncipe muito bem.
Esta favorável opinião da
rainha, que Teresa de Celanova ali repetia, era uma novidade, o que levou
Zulmira a perguntar:
- Falais de Egas Moniz com
ternura. Estais encantada por ele?
A outra voltou a corar e
respondeu:
- Agrada-me a sua companhia.
Desconfiada Fátima largou um
murmúrio malicioso.
- É um bocado velho para vós.
Enervada, Teresa de Celanova
contestou-a:
- Está muito bem para os seus quarenta e oito
anos!
Sempre tortuosa, Fátima
perguntou-lhe:
- Mas não sois enamorada pelo Afonso
Raimundes? Pelo menos é da vossa idade, não murcha. Já o velho Egas...
Zulmira repreendeu-a
novamente e num esforço de cortesia deu o braço a Teresa de Celanova,
conduzindo-a para a saída, enquanto ordenava às filhas que se fossem deitar.
Porém, as quatro raparigas
permaneceram sentadas. Quando Celanova já não as podia ouvir Chamoa perguntou:
- Será verdade que Afonso Raimundes a filhou?
Fátima contou o que sabia.
- Ia muito ao castelo do pai
dela. Mas só se a filhou na peideira, pois dizem que ainda é virgem, para sorte
do velho Egas!
Durante muitos anos as
eleições no meu país foram uma farsa. Existiam apenas porque correspondiam ao
conceito da democracia e de liberdade que ficava bem no contexto europeu do Pós-Guerra,
depois da vitória dos aliados.
No fundo, para “inglês
ver”, porque eles foram sempre uma referência neste país mesmo quando nos
humilharam a propósito do Mapa-Cor-de-Rosa, em que nos ameaçaram de bombardear
o Terreiro do Paço se não satisfizéssemos as suas exigências em África.
O golpe de misericórdia
nas nossas eleições foi-lhe dado em 1958, quando Humberto Delgado se candidatou
a Presidente da República e foi escandalosamente espoliado da vitória nas urnas
para vergonha do regime de Salazar e das forças policiais que o suportavam.
O povo português não
tinha, então, direito a escolher o seu líder e, desde aí, para evitar tentações,
acabaram-se as eleições para Presidente da República que passaram a eleger
apenas deputados para a então Assembleia Nacional.
Nós tínhamos um Presidente
vitalício escolhido pela divina providência que governava com a sapiência e
inspiração da Srª de Fátima e a inveja do vaidoso do Cerejeira, posto no seu
lugar com o seu exército de padres, pelo Salazar com a PIDE, a Censura e a GNR.
Felizmente, ou
infelizmente, o homem caiu da cadeira e os portugueses foram privados de beber
este cálice até ao fim.
O longo caminho que
desde aí percorremos trouxeram-nos até Passos e Costa e a esta desagradável
campanha eleitoral e quando, no próximo dia 4, for depositar o meu voto na urna
nem sequer me lembrarei já desses tempos que eu vivi em jovem, passados que
foram tantos anos.
No entanto, a campanha
eleitoral, momento importante na vida dos países democráticos europeus,
continua agora, por outros motivos a ser, para mim, dias para esquecer, para
passar ao lado.
As “massas” agitam-se,
emocionam-se, jogam sentimentos contra sentimentos, promessas de melhor vida
contra as ameaças de um desastre e os políticos mentem com a vulgaridade e ligeireza de uma brisa de um fim de tarde...
O medo confronta-se com
a esperança e uma população envelhecida, pobre e desmemoriada é acossada pelo
medo de perder o pouco que tem, ou melhor, que lhe dão.
É esse o ponto crucial
desta campanha: a instalação do medo, a grande arma de defesa e sobrevivência
dos fracos, onde não há lugar à esperança e a alternativa, mesmo que pequena, se assemelha a uma
aventura apregoada perigosa e irresponsável.
Com tantos encargos
financeiros a nossa margem para o futuro é estreita e tanto Costa como Passos
sabem disso e abstêm-se de promessas significativas.
Passos, porque as fez,
mentiu para ganhar as últimas eleições e teve que ir ao “perdoa-me” do povo
português, desculpando-se como só ele sabe, e espera agora ser perdoado nas
urnas.
Costa, porque é um político
honesto e esse nunca foi o seu estilo. Mandou até fazer um Estudo Macro – Económico
que o tem atrapalhado, mas que atesta a sua seriedade.
Ontem, a PIDE e a
Censura, hoje a manipulação psicológica dos eleitores a provocarem o medo e o
alheamento... Não são, realmente, os meus dias preferidos.
Espero pelo dia 4 para depositar
o meu voto... como sempre.