DONA FLOR
E SEUS DOIS
MARIDOS
Crioula mandingueira, nascida na feitiçaria, Zaíra lhe secara a sorte. Preocupado, Arigof perguntava-se onde andaria o resto da sua gravata tricô.
Certamente agarrado aos pés de um caboclo ou de um inkice, junto com seu retrato, aquele pequeno, feito para carteira de identidade: o negro sorrindo, o dente de ouro à mostra. Arigof o ofertara em prova de amor á iaba sem coração e agora imaginava seu rosto cravado de alfinetes na camarinha do santo, para o despacho se refazer cada manhã e lhe apagar de um golpe e para sempre a boa estrela.
Já tomara banho de folhas e fora rezado por Epifania de Ogum. Por três vezes a iyà morô tivera de renovar seu maço de folhas, pois caíam murchas assim lhe tocavam o corpo, tão grande o carrego de malefício no cachaço de Arigof.
No aperreio de tamanha urucubaca, ia o negro pela Rua Chile considerando as agruras da vida. Vinha do restaurante e seu destino imediato era a casa de Teresa. Waldomiro Lins o levara a jantar após a tarde desastrosa, na espelunca de Zezé da Meningite, onde o negro perdera os últimos níqueis. Arigof, de raiva, comera de uma vez o almoço, a janta e a ceia.
- Você está esganado de fome, Arigof, o que é que há? – perguntou o outro perante aquele exagero de apetite.
O negro respondeu naquele pessimismo definitivo:
- Não sei se volto a comer nunca mais…
- Doente?
- De azar, meu irmãozinho. Amarraram minha sorte nos pés de um encantado, de um caboclo, se não foi de um Orixá de Angola, que aquela peste é gente de inkices. Estou no alvéu, seu mano.
Contou de seu caiporismo: diluíam-se palpites infalíveis, não acertava uma. Apostasse nos dardos ou nas cartas, na mesa da roleta, perdia sempre. Os parceiros já o olhavam de través, como se ele transmitisse urucubaca:
- Meu azar pega, maninho…
Narrativa cheia de detalhes, na esperança de que Waldomiro Lins, moço de posses e alegre camarada, lhe socorresse no embaraço, emprestando-lhe umas pelegas para o jogo da noite. Falhou o golpe, pois a amigo em vez de dinheiro lhe serviu conselhos: só havia um jeito de escapar de Urucubaca assim tão negra, era fugir do jogo por uns tempos. Deixasse passar a maré de má sorte, extinguir-se a força do ebó, não fosse louco. Se teimasse, acabaria de tanga, com as cuecas empenhadas. Ele, Waldomiro Lins, aprendera a respeitar sorte e azar e certa feita levara mais de três meses sem ver baralho, dado ou mesa de roleta.
Subindo a Rua Chile, Arigof dá razão ao amigo: a teimosia não passava de pura estupidez, obstinação de maluco, bem melhor era visitar Teresa de Geografia, branca arretada por um branco forte, motivo daqueles tabefes em Zaíra.
Na casa de Teresa, estendido na cama ao lado da branca, churupitando uma cachaça com limão, poderia esquecer tantas derrotas, descansar sua urucubaca no tapete. Sim, dessa vez, o negro Arigof fora derrotado, só lhe restava a fuga vergonhosa. Tinha razão Waldomiro Lins, homem experiente e de bom conselho.