Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, junho 04, 2016
Toda a gente tem a
sua teoria de estimação sobre a origem da religião, a razão pela qual todas as
culturas humanas têm uma. Uns, dizem que reconforta e consola, outros, que
promove a união dos grupos, satisfaz a nossa ânsia de percebermos porque
existimos, etc…
Sabemos hoje que
somos o produto de um processo de evolução darwiniana, tal como todos os seres
vivos. Os belíssimos documentários que são trazidos até nós pelos programas dos
canais da Odisseia e da National Geografic sobre a origem do Homem, não nos
deixam dúvidas sobre a dificuldade desse processo. Várias “tentativas” que não
sabiam que eram “tentativas” e todas abortaram ao longo de alguns milhões de
anos.
Finalmente, ficámos
nós, só nós, todos os outros desapareceram, não vingaram, como se costuma
dizer. Conhece-se alguma coisa desse processo - que continua e continuará -
o suficiente para podemos dizer que ele foi muito difícil. Uma vez, pelo
menos, a quando da explosão do vulcão Toba, há 75.000, na Indonésia,
estivemos à beira do "abismo" reduzidos ao número mínimo de elementos
capaz de sobreviver.
Por isso, é legítimo
perguntar que pressão ou pressões foram exercidas pela selecção natural que
tenham favorecido, na sua origem, o impulso para a religião, tanto mais quanto
é verdade que a religião é esbanjadora e extravagante. Os rituais religiosos
têm custos em tempo, recursos, dor e privação.
A religião pode
por em perigo a vida do indivíduo mais devoto tal como a dos outros. Milhares
de pessoas foram torturadas por lealdade a uma religião, perseguidas por
fundamentalistas apenas, muitas vezes, por pertencerem a uma fé alternativa que
pouco tinha de diferente. Veja-se o caso dos sunitas e xiitas e entre católicos
e protestantes.
Por outro lado, a
religião devora recursos, por vezes numa escala maciça. Uma Catedral medieval
podia levar séculos de trabalho humano a ser construída e, no entanto, nunca
era usada como residência ou com algum outro fim que fosse útil.
A música sacra e a
pintura devota monopolizaram em grande parte o talento da época medieval e do
Renascimento. Gente devota morreu pelos seus deuses e por eles matou. Outros
autoflagelaram-se até as costas verterem sangue, juraram uma vida de celibato
ou de silêncio em clausura, tudo ao serviço da religião.
Para quê tudo isto?
Qual o benefício da religião?
A nossa espécie por
muito inteligente que possa ser, é, no entanto, dotada de uma inteligência
«perversa» porque assimila conhecimentos sobre o mundo natural e de como
sobreviver nele mas depois, em simultâneo, atulham as suas mentes com crenças
manifestamente falsas.
Embora os pormenores
variem de região para região, não se conhece nenhuma cultura no mundo que não
tenha a sua versão da religião, com os seus rituais pródigos em esbanjar tempo,
em consumir riquezas e em gerar hostilidades.
Há pessoas instruídas
que abandonaram a religião, mas todas foram criadas numa cultura religiosa, que
normalmente deixaram para trás através de uma decisão consciente. Lembremos a
velha piada irlandesa que pergunta: «sim, és ateu, mas ateu protestante ou ateu
católico?»
Do ponto de vista
darwiniano não há nenhuma dificuldade em explicar o comportamento sexual.
Trata-se de fazer filhos mesmo nas situações em que a contracepção ou a
homossexualidade o parecem contrariar.
Mas, e o
comportamento religioso? Porque jejuam os humanos, porque se ajoelham,
auto-flagelam, acenam freneticamente com a cabeça em frente de um muro, porque
fazem cruzadas?
(Richard Dawkins.
Continuaremos)
DARWINISTA
Neste campo pode dizer-se que o
homem, ao longo da história, utilizou inteligentemente a capacidade de algumas
plantas para combater micróbios e insectos invasores.
De acordo com a teoria evolucionista da culinária, a que alguns também chamam
de “gastronomia darwinista” – é bem possível que os portugueses tenham tido um
papel importante no aumento da longevidade de muitas populações, através do
comércio das especiarias trazidas de países longínquos onde chegaram na época
dos descobrimentos, no Sec. XVI (a primeira circum-navegação à terra data de
1520 e foi possível com as novas técnicas de navegação adopt adas no século XV).
E sabe-se que, entre essas especiarias, a pimenta era a “rainha” sendo paga,
literalmente, a peso de ouro em balanças nas quais se punha ouro num dos pratos
e pimenta no outro.
Quando os Godos cercaram Roma, em 408 D.C., pediram um resgate de 5.000 libras de ouro e
3.000 de pimenta.
Na nossa prática culinária ficaram-nos hábitos transmitidos desses tempos.
Lembremo-nos, por exemplo:
- Do arroz doce polvilhado com canela, a qual tem uma acção anti microbiana;
- Da açorda de marisco com muitos alhos e coentros, bem picadinhos, que têm uma
acção análoga;
- Dos camarões cozidos com muito piripiri ou caril;
- Dos orégãos espalhados sobre as pizas;
- Da carne temperada em vinha de alhos para se tornar mais tenra, sem esquecer
que a presença do alho impede que a carne seja um meio para o desenvolvimento
de micro-organismos.
O alho é um dos condimentos mais utilizados nos países mediterrâneos sendo um
potente agente microbiano de reconhecidos efeitos terapêuticos. É muito natural
que aquelas famílias que tradicionalmente mais utilizavam o alho na confecção
dos seus pratos apresentassem uma menor incidência de doenças infecciosas.
Por isso, podemos imaginar que a existência de alguns de nós ter-se-á ficado a
dever ao alho pela protecção que ao longo de muitas gerações proporcionou aos
nossos antepassados.
As plantas, contrariamente aos animais, não dispõem de sistema imunitário. A
sua protecção contra micro-organismos invasores reside nas fortes paredes
celulares que contêm celulose e lenhina, no seu carácter ácido (baixo ph) e em
certos compostos que sintetizam e que têm uma acção anti – microbiana
constituindo uma defesa.
O caril é uma mistura de várias especiarias: cominhos, coentros, gengibre,
pimenta preta, cártamo, cravinho, etc.
O chili é também uma mistura, mas de pó de pimentas, paprica (obtido de
pimentão doce depois de seco e moído), alho, cominhos e orégãos.
O próprio sal, sendo um mineral, também se pode chamar de especiaria.
Para além do papel anti-microbiano, os condimentos têm, igualmente, uma acção
anti-oxidante sobre os alimentos retardando a oxidação dos lípidos e proteínas,
uma das causas da sua deterioração, tanto a nível nutricional como
organolítico.
Mas como “não há bela sem senão” nem tudo são benefícios na utilização das
ervas aromáticas e das especiarias que se consomem secas.
As ervas aromáticas devem ser muito bem lavadas em água corrente porque elas
próprias podem ser portadoras de agentes patogénicos presentes na água da rega
ou do solo.
As especiarias consomem-se secas e devem ser guardadas em frascos bem fechados
para não perderem os aromas voláteis, para além de que hidratam favorecendo o
crescimento de micróbios que podem conter.
PAUL SHERMAN - Prof. de
Biologia da Universidade de Cornel
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 162
DA FORMOSA LEONORA CANTARELLI, ESTENDIDA NA REDE, ENTRE CABRAS E BALEIAS, SOB UM SOL AZUL
A formosa Leonora Cantarelli, estendida na rede, na varanda da casa de Perpétua, recolhe o apressado beijo de despedida de Peto, cujas obrigações de torcedor, acrescidas do receio de receber castigo devido a imprudentes palavras, chamam-no ao bar onde, a partir das cinco, começa um torneio de bilhar disputado pelos melhores tacos da cidade.
A formosa Leonora Cantarelli, estendida na rede, na varanda da casa de Perpétua, recolhe o apressado beijo de despedida de Peto, cujas obrigações de torcedor, acrescidas do receio de receber castigo devido a imprudentes palavras, chamam-no ao bar onde, a partir das cinco, começa um torneio de bilhar disputado pelos melhores tacos da cidade.
Peto não dispensa o beijo da prima quando chega e se despede. Leonora diverte-se com as manhas do garoto, a esperteza e os olhos astutos. Fora disso, terno e solícito, sempre às ordens das parentes paulistas, pronto para qualquer serviço.
Pela tia Antonieta tem verdadeira idolatria, o que não impede de brechar-lhe os decotes, de alegrar a vista nos detalhes expostos.
Após a partida de Barbosinha para a Agência dos Correios, Peto permanecera fazendo companhia a Leonora, narrando-lhe peripécias da pesca.
Após a partida de Barbosinha para a Agência dos Correios, Peto permanecera fazendo companhia a Leonora, narrando-lhe peripécias da pesca.
Saíra rio abaixo naquela manhã, com Elieser, na lancha. O peixe mordia que dava gosto, carapebas enormes; o molinete e a vara trazidos de presente pela tia Antonieta para Cardo revelavam-se legais paca.
Voltara com o samburá cheio de carapebas e robalos deste tamanho – marcava o tamanho com as mãos – dera à tia Elisa, comeriam no jantar peixe pescado por ele, Peto, rei do isco e do anzol.
Tia Elisa é legal no tempero, de se lamber os beiços. Bonita também, a mulher mais bonita do agreste, para comparar-se com ela só mesmo Leonora.
- Entre a tia e a prima o páreo é duro. Se eu tivesse que escolher ficava com as duas.
As antenas sempre ligadas, Perpétua escuta ao passar, repreende:
- Que falta de respeito é essa, moleque? Quer ficar de castigo?
Peto capa o gato antes que a mãe o mande fazer uma hora de banca ou o obrigue a acompanhá-lo à Igreja para a chatice das devoções vespertinas; no bar os campeões devem estar se reunindo.
Tia Elisa é legal no tempero, de se lamber os beiços. Bonita também, a mulher mais bonita do agreste, para comparar-se com ela só mesmo Leonora.
- Entre a tia e a prima o páreo é duro. Se eu tivesse que escolher ficava com as duas.
As antenas sempre ligadas, Perpétua escuta ao passar, repreende:
- Que falta de respeito é essa, moleque? Quer ficar de castigo?
Peto capa o gato antes que a mãe o mande fazer uma hora de banca ou o obrigue a acompanhá-lo à Igreja para a chatice das devoções vespertinas; no bar os campeões devem estar se reunindo.
Pisca o olho para Leonora, rouba-lhe o beijo e quando Perpétua o procura – cadê esse endemoninhado? – não lhe percebe nem o rasto.
Queixa-se do filho mais moço enquanto explica a Araci como arear os talheres para deixá-los reluzindo; aproveita a presença da moleca para uma faxina geral, a casa anda um brinco.
- Esse menino me consome a vida. Ricardo não me dá trabalho mas Peto não sei a quem saiu. Parece filho de Tieta… - tapa a boca com a mão, arrependida, não vá a sirigaita contar à madrasta.
- É um menino óptimo – elogia Leonora.
- Você é que é boa, fecha os olhos às bobagens dele – desaparece no quarto do oratório.
A sós, Leonora retoma os livros da autoria do poeta De Matos Barbosa, emprestados pelo autor: dois de versos, um de pensamentos filosóficos.
- Esse menino me consome a vida. Ricardo não me dá trabalho mas Peto não sei a quem saiu. Parece filho de Tieta… - tapa a boca com a mão, arrependida, não vá a sirigaita contar à madrasta.
- É um menino óptimo – elogia Leonora.
- Você é que é boa, fecha os olhos às bobagens dele – desaparece no quarto do oratório.
A sós, Leonora retoma os livros da autoria do poeta De Matos Barbosa, emprestados pelo autor: dois de versos, um de pensamentos filosóficos.
Empréstimo feito debaixo de muitas recomendações. Tomasse cuidado pois ele possuía apenas aqueles únicos volumes e as edições estão há muito esgotadas.
De uma delas o exemplar vale hoje uma verdadeira fortuna, e ainda assim quem possui não quer se desfazer.
Tiragem limitada, fora de comércio, ilustrada com dez gravuras de Calasans Neto, a cores e a preto-e-branco, financiada por amigos do poeta, fora vendida a subscritores quando a embolia o ameaçou de morte ou, pior, de mudez, de cegueira, paralisia, cadeira de rodas.
Com o produto da venda directa, obtivera dinheiro para pagar quarto particular em hospital e as contas da farmácia. Médicos, tivera dos melhores, de graça; quem, em Salvador, não conhecia e estimava o poeta De Matos Barbosa e sua mansa loucura?
Ao entregar os envelhecidos tomos, folheando com Leonora a bela edição dos Poemas do Agreste, revendo as ilustrações, Barbozinha filosofara sobre a vida, os caprichos do destino.
Ao entregar os envelhecidos tomos, folheando com Leonora a bela edição dos Poemas do Agreste, revendo as ilustrações, Barbozinha filosofara sobre a vida, os caprichos do destino.
Aquele fora o último livro que conseguira publicar. Recuperado porém marcado pelo derrame, a voz presa, o passo tardo, aposentado da função pública, partira para o voluntário exílio na placidez da terra natal, distante das portas de livraria, dos animados cafés e das tertúlias, das colunas dos jornais, do sucesso e do renome.
Enquanto isso, daquelas primeiras cabras e baleias, talhadas na madeira há onze anos, para ilustrar poemas sobre os outeiros de Agreste e os cômoros de Mangue Seco, inesperadas baleias vindas do mar, em navegação no rio Real, cabras dom dengues e meneios de mulher, alteando-se sobre as rochas, disparara o jovem gravador Calasans Neto – o caboclo Calá, um porreta, assim o trata e define o vate Barbozinha – para rápida e gloriosa carreira, hoje nome nacional, com exposições inclusive no exterior, em Nova Orleans e em Londres, sim senhora, minha gentil amiga.
Assim é a vida, uns subindo, outros descendo a rampa, constata ele sem amargura: tendo vivido numerosas existências, encarnado tantas e tantas vezes, esses altos e baixos não o apoquentam. Muito menos agora quando o fraterno Giovanni Guimarães, glorioso e popular cronista de A Tarde, o retira do ostracismo para lhe entregar o estandarte da luta contra a poluição.
Compusera, em duas noites de inspiração e raiva, cinco Poemas da Maldição para marcar com o ferrete candente da poesia a face podre dos vendilhões da morte.
Compusera, em duas noites de inspiração e raiva, cinco Poemas da Maldição para marcar com o ferrete candente da poesia a face podre dos vendilhões da morte.
Viera com a ideia de os ler para Tieta, musa eterna e singular dos livros publicados, braço e coração a sustentá-lo quando o raio o atingiu e o vate encontrou-se soterrado sob a humilhação da versalhada em louvor à Brastânio, aquela abjeção por ele produzida devido ao engano em que lamentavelmente incorrera em companhia de Ascânio, ambos inocentes vítimas da perfídia.
Aproveitou para agradecer à encantadora à encantadora síflide ter destruído, nas chamas purificadoras, a cópia do corpo de delito, apagando-se assim, para todo o sempre, a lembrança da infâmia; os originais ele os havia igualmente transformado em cinzas.
Durante a visita a um hospital psiqui átrico,
um dos visitantes perguntou ao director:
-
Qual é o critério pelo qual vocês decidem quem precisa ser hospitalizado aqui ?
Respondeu
o director:
-
Nós enchemos uma banheira com água e oferecemos ao doente uma colher, um copo e
um balde e pedimos que a esvazie o mais rápido possível. De acordo com a forma
que ele decida realizar a missão, nós decidimos se o hospitalizamos ou não.
-
Entendi - disse o visitante - uma pessoa normal usaria o balde, que é maior.
- Não - respondeu o
director - uma pessoa normal tiraria a tampa do ralo... O que o
senhor prefere, quarto particular ou enfermaria?
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 24
Ramiro ignorou este último comentário e
afirmou:
-
Intriga-me a presença de um galego por aqui .
O Velho insistiu:
-
Os sarracenos preparam-se para novo ataque a Coimbra.
Ramiro limitou-se a continuar o seu
raciocínio anterior:
- O
Trava quer a relíqui a, quer dá-la a
Afonso VII, não vai deixar que o príncipe a encontre. Terá enviado gente para
isso?
O Velho encolheu os ombros, parecia
cansado e murmurou:
- Os homens endoidecem com tesouros
religiosos.
Aquele pensamento pessimista embalou-os
nas horas seguintes e só se agitaram quando, ao atravessarem uma aldeia, um
moçárabe os informou de que dias antes um grupo de galegos passara por ali em
direcção ao rio Nabão, mas só o cavaleiro sem cabeça regressara.
Porém, quando lhes perguntaram se viram
Abu Zhakaria, o lavrador respondeu que ninguém notara a presença do cordovês
Pai, tenho medo...
Apesar desta informação tranqui lizadora, os templários de Soure redobraram a
vigilância enquanto se desviavam para leste, na direcção do Nabão, procurando
vestígios do solitário degolado.
E encontraram-nos... A poucas léguas do
rio o Peida gorda distinguiu na estrada um despojo humano. Quando chegaram
perto, o Velho desmontou e, rodando a cabeça do infeliz galego, confirmou que
fora decepada por um afiado alfange.
Zhakaria esteve aqui
– declarou perentório.
Ramiro mandou-os recolher a macabra
descoberta para lhes darem um enterro digno junto ao resto do cadáver e depois
ordenou que avançassem até ao rio Nabão.
Cuidado, avisou o Velho, ainda nos cercam.
O outro ignorou aqueles temores com uma
pequena provocação.
- Com a vossa idade ainda tendes medo da
morte?
Olhando em volta o Velho, relembrou os
colegas de expedição:
-
Foi a cautela que me manteve vivo.
Ramiro que reagia sempre mal a quem o
enfrentava, ripostou:
-
Questionais o meu comando?
O idoso templário limitou-se a sorrir
multiplicando as muitas rugas que normalmente já exibia no rosto.
- Para isso é que já estou velho.
Os restantes cavaleiros ignoraram aquela
suave celeuma, pois todos gostavam do Velho e o respeitavam.
O Rato chamava-lhe curandeiro e Ramiro
ouvia-o sempre em questões relacionadas com armas, alimentação ou doenças. Era
um combatente antigo e bem sucedido, podia dizer o que queria.
sexta-feira, junho 03, 2016
Largo do Martim Moniz na década de 60 |
A Mesqui ta do
Martim Moniz
Ele combateu os
sarracenos, ele participou fortemente na conqui sta
de Lisboa, e agora vai ser premiado com uma mesqui ta
no Largo que tem o seu nome. Não estivessem os seus ossos já feitos em pó e o
cadáver daria, com certeza, uma reviravolta no túmulo...
Para agravar a
situação, parece que tudo irá ser feito com apoios da CML, senão com dinheiros,
pelo menos com terrenos.
Para mim, que graças
a Deus sou ateu, cada local de culto é um sinal de atraso, de perda de tempo,
de cretinice, mas se esse culto não é o tradicional, que tem a desculpa de vir,
como herança, de gerações anteriores, então ainda pior.
O Estado português é
laico, o que significa que não tem nada a ver com religiões, e nada, deveria
ser mesmo nada, mas não é assim!
O mundo ocidental a
que pertencemos foi e continua a ser agredido bárbara e selvaticamente ao grito
de que “Alá é Grande”, e nós “vingamo-nos” apoiando a construção, na cidade
capital do país, na minha Lisboa, onde nasci, não muito longe do Martim Moniz,
de um edifício onde se vai rezar, de cu para o ar ou de joelhos, seria a mesma
coisa, para repetir essa frase, que passou a ser uma frase assassina, de que
Alá é Grande.
Não faz sentido, mas
percebemos a razão que entre nós nunca entra nestas contas, porque os votos e
a política sempre se sobrepõem às questões por mais lógicas que elas sejam.
O Presidente da
Câmara é um jovem inteligente e com grande futuro no PS. Deseja recandidatar-se
e, logicamente, ganhar as eleições mas, para isso, são preciso votos.
Com esta decisão de
apoio à construção de uma mesqui ta
no Martim Moniz, Fernando Medina, assegura o voto de todos os islamitas que
vivam Lisboa e o possam fazer.
Neste negócio de
troca de favores embarcam todos mas, se tem que ser, prefiro que seja um
negócio a uma profissão de fé, que é assunto muito mais delicado e perigoso...
Claro que os
espertalhucos e desconfiados dizem logo que isto é política... O homem vai
recandidatar-se a Presidente da Câmara e sabe que para ganhar precisa de votos,
das beatas da Igreja Católica, do Papa Francisco, e dos seguidores de Alá que, conhecendo estas ajudas à sua mesqui ta,
não deixarão de lhos dar!
Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 161
ONDE O AUTOR, UM SACRIPANTA, A PRETEXTO DE FORNECER DISPENSÁVEL INFORMAÇÃO, DEFENDE-SE DE SEVERAS CRÍTICAS
Não, não pensem que quero me meter na briga recém iniciada, quem sou eu? Já defendi a minha posição de completa neutralidade, narrador objectivo e frio, expondo factos concretos. Não venho tampouco comentar a visível mudança operada na maneira de ser do moço Ricardo. Apenas, mais uma vez constato a influência de uma perfumada e gostosa – como direi? –, de um perfumado e gostoso favo de mel, inebriante rosa negra. Transforma gelo em fogo, carneiro em leão, seminarista devoto em estudante subversivo e arruaceiro.
Outro dia, escandalizado, meu amigo e companheiro de lides literárias, Fúlvio D’Alembert (José Simplício da Silva, bancário, na mediocridade da vida civil e burguesa; se por acaso já forneci essa explicação, aqui a repito, antes de ser acusado de redundante do que de omisso), revelou-me que, em certos seminários, actualmente, os estudantes lêem e analisam Freud e Marx e não o fazem para negá-los, refutando-lhes as heréticas teorias, denunciando-os à polícia política à falta da Santa Inquisição; uma vale a outra.
Muito ao contrário, comentam-lhes os escritos entre elogios e aplausos. Não obstante a presença de Frei Timóteo no corpo docente, penso que os alunos do seminário de Aracajú não conheciam Marx e Freud nos idos de 1965 – data tão próxima, ainda ontem, parecendo contudo distante passado ante as transformações do mundo; ocorrem elas com tal rapidez que o tempo é jogado para trás, o presente se reduz a breve, fugaz instante.
O encontro com os hipies, as repetidas conversas com Frei Timóteo, uma e outra coisa concorreram para a inesperada evolução do jovem mas, em definitivo, o que o fez outro, virando-o pelo avesso, foi a olente rosa negra, o suculento favo de mel onde sequioso e faminto mergulhou e renasceu.
Emprego muito a propósito as imagens acima, rosa negra, favo de mel, metáforas destinadas a evitar palavras exactas e justas, seja por pernósticas, incompletas e feias as que não ofendem o pudor: vagina e vulva, por exemplo, terríveis palavrões; seja por criticáveis e condenadas as que exprimem com vigor, exactidão e poesia, a doçura, a graça, o calor, a eternidade, a perfeição: xoxota, xibiu , boceta. No texto anterior, ai de mim! – utilizadas e repetidas.
Meu confrade e crítico Fúlvio D’Alembert, a quem entrego as páginas escritas para correcção gramatical, conselhos estilísticos e acentos, recriminou-me asperamente pelo uso e abuso de tais termos, por colocá-los na própria escrita literária, enfeando a linguagem, emporcalhando a frase. Por que tanto repetir palavras obscenas, por que voltar seguidamente ao maldito tema em copiosas referências àquilo que ele trata pudicamente de aparelho genital da mulher?
Mas pergunto eu: como não falar de coisa tão importante na vida do homem? Por que lhe dar nomes ásperos e agressivos, poluindo-lhe a beleza e a graça? Por que lhe negar os doces apelidos nascidos da língua grata do povo?
Na mesa do bar, quando Aminthas, Fidélio, Seixas, o vate Barbozinha, o diligente Ascânio começam a discutir altas filosofias, a desovar altos conhecimentos em maratonas intelectuais, Osnar, chateado, a bocejar, protesta:
- Como vocês perdem tanto tempo discutindo essas besteiras, quando se pode falar de boceta, coisa adorável?
Osnar, afirma dona Carmosina, e nisso concordo com a sabichona, por vezes nos leva a alma.
Aproveito, aliás a referência à malta do bilhar para responder a outra restrição feita pelo caro e meticuloso Fúlvio D’Alembert à presente narrativa. Chama-me a atenção para o facto de não ter sido o leitor informado da profissão de três dos quatro compadres de contínua presença nas páginas deste melodramático folhetim.
Emprego muito a propósito as imagens acima, rosa negra, favo de mel, metáforas destinadas a evitar palavras exactas e justas, seja por pernósticas, incompletas e feias as que não ofendem o pudor: vagina e vulva, por exemplo, terríveis palavrões; seja por criticáveis e condenadas as que exprimem com vigor, exactidão e poesia, a doçura, a graça, o calor, a eternidade, a perfeição: xoxota, xibiu , boceta. No texto anterior, ai de mim! – utilizadas e repetidas.
Meu confrade e crítico Fúlvio D’Alembert, a quem entrego as páginas escritas para correcção gramatical, conselhos estilísticos e acentos, recriminou-me asperamente pelo uso e abuso de tais termos, por colocá-los na própria escrita literária, enfeando a linguagem, emporcalhando a frase. Por que tanto repetir palavras obscenas, por que voltar seguidamente ao maldito tema em copiosas referências àquilo que ele trata pudicamente de aparelho genital da mulher?
Mas pergunto eu: como não falar de coisa tão importante na vida do homem? Por que lhe dar nomes ásperos e agressivos, poluindo-lhe a beleza e a graça? Por que lhe negar os doces apelidos nascidos da língua grata do povo?
Na mesa do bar, quando Aminthas, Fidélio, Seixas, o vate Barbozinha, o diligente Ascânio começam a discutir altas filosofias, a desovar altos conhecimentos em maratonas intelectuais, Osnar, chateado, a bocejar, protesta:
- Como vocês perdem tanto tempo discutindo essas besteiras, quando se pode falar de boceta, coisa adorável?
Osnar, afirma dona Carmosina, e nisso concordo com a sabichona, por vezes nos leva a alma.
Aproveito, aliás a referência à malta do bilhar para responder a outra restrição feita pelo caro e meticuloso Fúlvio D’Alembert à presente narrativa. Chama-me a atenção para o facto de não ter sido o leitor informado da profissão de três dos quatro compadres de contínua presença nas páginas deste melodramático folhetim.
De Osnar se sabe a condição invejável de cidadão apatacado, vivendo de rendas; e os demais? Falou-se da tendência a humorista de Aminthas, do fanatismo pelo som moderno e do parentesco com dona Carmosina, nada disso definindo profissão ou fonte de receita.
Sobre Seixas, apenas referências às primas, um rol delas; de Fidélio nada se conta, fugidio indivíduo. Concordo com a crítica, confesso o erro, dou a mão à palmatória. Tem razão o amigo Fúlvio D’Alembert ao apontar-me a grave lacuna, a falta de informação assim importante, direi mesmo fundamental: o meio de vida de certos personagens.
A economia condiciona o mundo e dirige as acções humanas, ensina Marx aos seminaristas. Ou é o sexo, como aprendem em Freud? Confusão medonha. São os três, Aminthas, Seixas e Fidélio, funcionários públicos. O primeiro, federal, os outros dois, estaduais. A par da condição de servidores da Nação e do estado dos três rapazes, o leitor não mais os pensará desempregados, troca-pernas, boas vidas. Troca-pernas, boas-vidas, de acordo; desempregados, não.
Chego, por fim ao motivo único dessa minha intervenção. Desejo apenas informar os nomes dos cinco assinantes de A Tarde. São eles: Modesto Pires, o árabe Chalita, Edmundo Ribeiro, doutor Caio Vilasboas e seu Manuel Português. O sexto exemplar, como se sabe, vem, gratuito, para dona Carmosina, oferta da gerência.
Chego, por fim ao motivo único dessa minha intervenção. Desejo apenas informar os nomes dos cinco assinantes de A Tarde. São eles: Modesto Pires, o árabe Chalita, Edmundo Ribeiro, doutor Caio Vilasboas e seu Manuel Português. O sexto exemplar, como se sabe, vem, gratuito, para dona Carmosina, oferta da gerência.
Após a publicação da Carta ao Poeta De Matos Barbosa, a explosiva crónica de Giovanni Guimarães, o número de assinaturas passou de cinco a nove, dona Carmosina – ela sempre sai ganhando – embolsou polpuda comissão. Polpuda em termos de Agreste, naturalmente… Tudo no mundo é relativo, como diria Einstein, desconhecido dos seminaristas de Aracajú.
SÃO AS CRIANÇAS
No infantário, a professora pergunta:
- Qual a parte do corpo que chega
primeiro ao céu?
Uma menina levanta o braço:
-As mãos, professora !
-E porquê?
-Porque quando rezamos elevamos as mãos
ao céu.
Nisto, o TOMÉ retrucou:
- Não, nada disso, são os pés!
- Ah, sim, TOMÉ , e porquê? - Pergunta
a professora ...
- Bem, esta noite, fui ao quarto dos
meus pais, a minha mãe tinha os pés no ar, e estava a gritar:
- Meu Deus, meu Deus, estou indo ao céu..
estou indo ao céu...
E ainda bem que o meu pai estava em
cima dela segurando-a, senão, lá ia ela.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 23
Pouco depois os três apresentaram-se no
centro do terreiro, onde Ramiro, já vestido com a sua cota de malha, examinava
um cadáver, enquanto Jean Raymond confirmava que o estranho cavaleiro chegara a
Soure degolado.
- A cabeça deve ter caído quando foi
decapitado.
O observador Ramiro produziu uma conclusão
imediata.
- É um galego.
O Velho deu um passo em frente e
perguntou-lhe:
-
Como sabeis?
O bastardo de Paio Soares apontou para as
insígnias na sela do animal onde se viam as insígnias da família Trava. Ainda
surpreendido interrogou-se:
- O
que faz um homem de Fernão Peres tão longe de casa?
O cavaleiro sem cabeça viera do sul e,
portanto a sua morte acontecera em território muçulmano.
- Será um mensageiro? - perguntou o Rato.
Ramiro nem pestanejou quando o viu
aproximar, não revelando qualquer sentimento especial.
O Rato notou, mais uma vez, que o seu
amante era hábil a esconder de terceiros a simpatia por ele.
Era uma das coisas que o Rato amava em
Ramiro, a capacidade para a dissimulação, além dos braços fortes e das cristas
ilíacas protuberantes.
Mensageiro de quem? E para quem? –
perguntou o ríspido Ramiro.
Para tirar aqui lo
a limpo, mestre Jean ordenou que se preparasse uma expedição. A sul de Soure,
existiam umas aldeias a poucas horas de cavalo, talvez alguém tivesse visto o
infeliz.
O pequeno grupo de escolhidos foi liderado
por Ramiro, e o Rato, bem como o Peida Gorda, juntou-se naturalmente a ele.
Os quatro eram os últimos sobreviventes do
colectivo original que se formara seis anos antes, em Viseu, cujo objectivo era
procurar a relíqui a da Terra Santa.
Da última vez que havia estado com Afonso
Henriques, uns dias antes, em Coimbra, Ramiro sentira o seu desapontamento.
Pai, ele zangou-se comigo...
O príncipe encarregara os templários de
Soure de encontrarem a bruxa, a única que conhecia o mistério da relíqui a, mas eles não o haviam conseguido.
A mulher de negro, ou morrera, como Ramiro
acreditava, ou nunca voltara à caverna onde vivera uns anos antes.
Teria aquele galego morto alguma ligação à
velha bruxa?
Foi decapitado por um alfange - garantiu o Velho.
Colocara o seu cavalo a passo, ao lado do
comandante do grupo. Magro, seco de carnes, com um cabelo ralo que ainda
realçava mais as mil e uma rugas que lhe cobriam a cara e a garganta, o mais
idoso dos templários possuía uma serenidade no olhar que acalmava.
-
Zhakaria? – interrogou-se Ramiro.
O Velho lutara nas tropas de El Cid, em
Valência, o seu conhecimento dos hábitos guerreiros era vasto e recordou que
Abu Zhakaria era um exímio mestre com o alfange.
Aquela cabeça saltara de uma só vez, com
um golpe implacável do cordovês.
- Só ele e os assassins cortam assim cabeças – sentenciou o Velho.
quinta-feira, junho 02, 2016
e o Sexo
Há religiões que
aceitam o corpo, outras desprezam-no mas nenhuma o ignora. Para além disso,
todas têm tendência para controlarem as principais funções do corpo: o alimento
e a sexualidade. Esta última, por constituir um impulso tão vital, ocupa um
lugar primordial em todas as religiões.
Nas religiões
ancestrais da humanidade abundavam os ritos que exaltavam a fertilidade e o
princípio feminino como símbolo do divino e do sagrado. Com o avanço das
religiões patriarcais – que são todas as actuais religiões – as coisas mudaram.
O mito de Adão e Eva
e do pecado original – mito fundacional da cultura judaica-cristã – expressa já
uma visão profundamente patriarcal.
Este mito foi
apresentado pelo cristianismo, desde muito cedo, como a explicação para a
origem de todos os sofrimentos e males do mundo, como a prova de que nascemos
maus e contaminados pelo pecado, como a raiz da inferioridade do corpo face ao
espírito, como base para a descriminação das mulheres portadoras de um corpo
que é tentação, risco e veículo de pecado.
A mulher é a “porta
do diabo” dizia Tertuliano. (Um dos mais importantes escritores eclesiásticos
da antiguidade, nascido por volta de 155 da era cristã e convertido ao
cristianismo em 193. Violento, enérgico, fanático, lutador empedernido, colocou
todas estas características e a erudição ao serviço da sua fé.)
Estas ideias, já
presentes no judaísmo mas alheias à mensagem de Jesus, encontraram eco na doutrina
dos padres da Igreja que tinham uma visão muito negativa da sexualidade, em
especial da feminina.
O sexo e a relação
sexual deixaram de ser expressão de um prazer sagrado, um veículo excelso da
comunicação humana, uma metáfora do amor de Deus, para se converter em algo
sujo, negativo e degradante. Por oposição, a abstinência sexual, a recusa do
contacto com o corpo das mulheres, era uma virtude sublime que aproximava a
Deus e levava à perfeição.
Todas as culturas
exerceram, de uma forma ou de outra, controle sobre a sexualidade, vista com
admiração, como mistério, mas também com temor: uma actividade cheia de
contradições.
E Jesus, terá sido
casado?
- Não se sabe se
Jesus casou ou não, se era viúvo, quantas vezes se enamorou e de quem, e se
teve filhos mas é difícil imaginá-lo solteiro pois, na cultura de Israel,
um homem e uma mulher sós e sem descendência eram seres estranhos.
Mas não o sabemos e
jamais o saberemos. O que sabemos é que em qualquer uma das hipóteses nada muda
na sua mensagem. A quem escreveu os Evangelhos o “estado civil” de Jesus terá
parecido um detalhe não importante relativamente à importância da sua mensagem
e por isso nada aclararam nos seus relatos.