Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sexta-feira, junho 27, 2008
quinta-feira, junho 26, 2008
COMISSÃO DE LIBERDADE RELIGIOSA
Mário Soares é um republicano, laico e não crente e na qualidade de Presidente da CLR (Comissão de Liberdade Religiosa), afirmou, durante um colóquio sobre as Religiões que ontem teve lugar em Lisboa, que vai propor ao governo a criação da disciplina de História Comparada das Religiões.
Mário Soares é um democrata, um lutador pela liberdade dos homens e dos povos e como, para além disso, é um homem inteligente sabe que não é pela força das proibições que se orientam as maneiras de pensar especialmente em matérias tão delicadas como as convicções religiosas.
Mas Mário Soares é também um político e sabe que num período de progressiva perda de fé e de vocações como resultado das transformações ocorridas nas últimas décadas nas tradicionais estruturas familiares, políticas e sociais, se alguma coisa a Igreja gosta de ouvir são propostas que façam recentrar nas religiões a atenção da sociedade e dos jovens.
E daí, Mário Soares, ao fazer tal proposta foi ao encontro, por razões diferentes, da vontade do Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa e do seu colega de partido António Reis que para além de historiador e Prof. Universitário, é igualmente, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, a mais antiga Loja Maçónica portuguesa que esteve ligada à revolução liberal de 1820, à abolição da pena de morte em 1867 e à implantação da República, afirmando-se sempre como uma defensora da liberdade de consciência e do Não ao dogmatismo.
Neste colóquio António Reis continuou a defender que o Estado deve ser laico ou seja, neutro e incompetente em matéria religiosa, não crente nem descrente, acrente.
Se as jovens quiserem usar o véu islâmico nas escolas, diz António Reis, não devem ser proibidas de o fazer no que estamos totalmente de acordo porque as pessoas devem ser livres de usar símbolos religiosos ou não religiosos e proibir é tão condenável como obrigar.
Tenho para mim que uma boa formação académica aliada à ausência de crenças religiosas é libertadora das potencialidades da nossa inteligência mas, como na generalidade dos casos, uns mais que outros, todos nascemos dentro de uma religião, sair dela é um caminho que cada um de nós terá que percorrer com autêntica liberdade de consciência e se quiser empreender esse caminho.
Com toda a sinceridade, eu não sei se em vez de se ensinar a História Comparada das Religiões não seria mais útil uma outra disciplina denominada “Dos Malefícios da Religião” mostrando à evidência, através de um relato histórico rigoroso o que foram e continuam a ser, na história da humanidade, os sofrimentos provocados não só pelas religiões, como por toda a espécie de crenças e embustes que, em geral, lhe estão associadas.
Mas também, com toda a sinceridade reconheço, que tendo o homem nascido para acreditar, como nos foi explicado por Richard Dawkiins, a convivência com as religiões é inevitável e os poderes e interesses instalados à sua volta ao longo de muitas centenas e mesmo milhares de anos, fazem delas parceiros que devem ser respeitados preferencialmente a combatidos o que só contribuiria para exacerbar as crenças.
Há, realmente, na sociedade de hoje, progressos ao nível do respeito pelos direitos e dignidade dos homens que é aquilo que mais interessa para o futuro de todos nós mas não foram as religiões que estiveram nessas conquistas, pelo contrário, travaram os avanços da ciência e dificultaram as conquistas sociais.
A natural curiosidade dos humanos encontra hoje satisfação nos avanços de Ciências como a Biologia, Genética, Antropologia, Física e Astronomia, e explicada que está a evolução da vida e do homem no planeta Terra e começado que foi a desvendarem-se os mistérios do Universo, a religião é remetida para a satisfação da necessidade de acreditar que em tempos remotos foi muito importante para a sobrevivência da nossa espécie.
Por isso, temos que conviver todos pacificamente, religiosos e não religiosos e o melhor que há a fazer nesse sentido é respeitarmo-nos naquilo que é a maneira de sentir de cada um, mesmo que os outros achem que é um pouco estranho que eu não me ajoelhe aos pés de nenhum Deus e eu esteja convencido da completa inutilidade desse gesto.
A nossa sociedade conseguiu inestimáveis avanços, ela própria arrastou para esses avanços a sociedade religiosa que tem hoje pontos de vista que lhe foram impostos do exterior e que ela teve de seguir para não perder o comboio do progresso e a credibilidade junto dos seus próprios seguidores.
Realisticamente, a convivência e o diálogo são o que melhor serve a todos porque os grandes inimigos encontram-se nos radicais e extremistas de qualquer religião que ameaçam tanto os não crentes como os crentes que não lhes obedeçam cegamente.
Esses são a verdadeira ameaça porque põem em causa a paz e a segurança das pessoas em qualquer parte do mundo embora haja muito que possa e deva ser feito no campo do recrutamento dos potenciais candidatos a radicais ou extremistas religiosos.
Quanto ao resto, independentemente das vantagens da existência de uma disciplina da História Comparada das Religiões, há que pugnar por uma formação académica de qualidade científica que ensine os jovens a raciocinar e a desenvolver as suas capacidades críticas.
Em consciência e em liberdade cada um seguirá depois o seu caminho e decidirá se pretende continuar crente ou se aposta em exclusivo numa vida livre de preconceitos e condicionantes religiosos dedicada apenas à comunidade dos humanos da qual faz parte e para a qual nasceu.
Mário Soares é um republicano, laico e não crente e na qualidade de Presidente da CLR (Comissão de Liberdade Religiosa), afirmou, durante um colóquio sobre as Religiões que ontem teve lugar em Lisboa, que vai propor ao governo a criação da disciplina de História Comparada das Religiões.
Mário Soares é um democrata, um lutador pela liberdade dos homens e dos povos e como, para além disso, é um homem inteligente sabe que não é pela força das proibições que se orientam as maneiras de pensar especialmente em matérias tão delicadas como as convicções religiosas.
Mas Mário Soares é também um político e sabe que num período de progressiva perda de fé e de vocações como resultado das transformações ocorridas nas últimas décadas nas tradicionais estruturas familiares, políticas e sociais, se alguma coisa a Igreja gosta de ouvir são propostas que façam recentrar nas religiões a atenção da sociedade e dos jovens.
E daí, Mário Soares, ao fazer tal proposta foi ao encontro, por razões diferentes, da vontade do Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa e do seu colega de partido António Reis que para além de historiador e Prof. Universitário, é igualmente, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano, a mais antiga Loja Maçónica portuguesa que esteve ligada à revolução liberal de 1820, à abolição da pena de morte em 1867 e à implantação da República, afirmando-se sempre como uma defensora da liberdade de consciência e do Não ao dogmatismo.
Neste colóquio António Reis continuou a defender que o Estado deve ser laico ou seja, neutro e incompetente em matéria religiosa, não crente nem descrente, acrente.
Se as jovens quiserem usar o véu islâmico nas escolas, diz António Reis, não devem ser proibidas de o fazer no que estamos totalmente de acordo porque as pessoas devem ser livres de usar símbolos religiosos ou não religiosos e proibir é tão condenável como obrigar.
Tenho para mim que uma boa formação académica aliada à ausência de crenças religiosas é libertadora das potencialidades da nossa inteligência mas, como na generalidade dos casos, uns mais que outros, todos nascemos dentro de uma religião, sair dela é um caminho que cada um de nós terá que percorrer com autêntica liberdade de consciência e se quiser empreender esse caminho.
Com toda a sinceridade, eu não sei se em vez de se ensinar a História Comparada das Religiões não seria mais útil uma outra disciplina denominada “Dos Malefícios da Religião” mostrando à evidência, através de um relato histórico rigoroso o que foram e continuam a ser, na história da humanidade, os sofrimentos provocados não só pelas religiões, como por toda a espécie de crenças e embustes que, em geral, lhe estão associadas.
Mas também, com toda a sinceridade reconheço, que tendo o homem nascido para acreditar, como nos foi explicado por Richard Dawkiins, a convivência com as religiões é inevitável e os poderes e interesses instalados à sua volta ao longo de muitas centenas e mesmo milhares de anos, fazem delas parceiros que devem ser respeitados preferencialmente a combatidos o que só contribuiria para exacerbar as crenças.
Há, realmente, na sociedade de hoje, progressos ao nível do respeito pelos direitos e dignidade dos homens que é aquilo que mais interessa para o futuro de todos nós mas não foram as religiões que estiveram nessas conquistas, pelo contrário, travaram os avanços da ciência e dificultaram as conquistas sociais.
A natural curiosidade dos humanos encontra hoje satisfação nos avanços de Ciências como a Biologia, Genética, Antropologia, Física e Astronomia, e explicada que está a evolução da vida e do homem no planeta Terra e começado que foi a desvendarem-se os mistérios do Universo, a religião é remetida para a satisfação da necessidade de acreditar que em tempos remotos foi muito importante para a sobrevivência da nossa espécie.
Por isso, temos que conviver todos pacificamente, religiosos e não religiosos e o melhor que há a fazer nesse sentido é respeitarmo-nos naquilo que é a maneira de sentir de cada um, mesmo que os outros achem que é um pouco estranho que eu não me ajoelhe aos pés de nenhum Deus e eu esteja convencido da completa inutilidade desse gesto.
A nossa sociedade conseguiu inestimáveis avanços, ela própria arrastou para esses avanços a sociedade religiosa que tem hoje pontos de vista que lhe foram impostos do exterior e que ela teve de seguir para não perder o comboio do progresso e a credibilidade junto dos seus próprios seguidores.
Realisticamente, a convivência e o diálogo são o que melhor serve a todos porque os grandes inimigos encontram-se nos radicais e extremistas de qualquer religião que ameaçam tanto os não crentes como os crentes que não lhes obedeçam cegamente.
Esses são a verdadeira ameaça porque põem em causa a paz e a segurança das pessoas em qualquer parte do mundo embora haja muito que possa e deva ser feito no campo do recrutamento dos potenciais candidatos a radicais ou extremistas religiosos.
Quanto ao resto, independentemente das vantagens da existência de uma disciplina da História Comparada das Religiões, há que pugnar por uma formação académica de qualidade científica que ensine os jovens a raciocinar e a desenvolver as suas capacidades críticas.
Em consciência e em liberdade cada um seguirá depois o seu caminho e decidirá se pretende continuar crente ou se aposta em exclusivo numa vida livre de preconceitos e condicionantes religiosos dedicada apenas à comunidade dos humanos da qual faz parte e para a qual nasceu.
quarta-feira, junho 25, 2008
A Raízes da Moralidade
Será que existe uma consciência moral embutida nos nossos cérebros tal como temos o instinto sexual ou o medo das alturas?
Sobre esta questão o biólogo Marc Hauser, biólogo da Universidade de Harvard, realizou estudos estatísticos e experiências do domínio psicológico recorrendo a questionários colocados na Internet para investigar a consciência moral de pessoas reais.
A forma como as pessoas reagiram a estes testes de moral e a sua incapacidade para expressarem as razões que as levaram a reagir dessa forma parecem ser, em grande medida, independentes das crenças religiosas ou da falta delas.
Mas vejamos, textualmente, o que nos diz o autor destes estudos, Marc Hauser:
“Por detrás dos nossos juízos morais há uma gramática moral universal, uma faculdade da mente que foi evoluindo ao longo de milhões de anos de maneira a incluir um conjunto de princípios que construísse um leque de sistemas.”
Eis o dilema que foi colocado:
- Uma pessoa tem ao seu alcance o comando das agulhas que pode desviar o carro eléctrico para uma via de resguardo de forma a salvar 5 pessoas que estão presas na via principal, um pouco mais à frente.
Infelizmente há um homem preso na via de resguardo mas, como é só um a maior parte das pessoas concorda que é moralmente admissível senão mesmo obrigatório a mudança de agulha matando uma mas salvando cinco.
Mas, numa outra variante da situação, o carro eléctrico só pode ser parado pondo-lhe no caminho um peso grande largado de uma ponte situada por cima da via. É obvio que temos de largar o peso mas, se o único peso disponível for um homem muito gordo sentado na ponte a admirar o pôr-do-sol?
Quase toda a gente concorda que, neste caso, é imoral empurrar o homem gordo da ponte, embora de um certo ponto de vista, o dilema possa parecer semelhante ao anterior no qual se mata uma pessoa para salvar cinco.
A maior parte das pessoas tem uma forte intuição que existe uma diferença crucial nos dois casos, embora não consiga exprimi-la.
Vejamos um caso idêntico:
- Num hospital há cinco doentes a morrerem cada um por falha de um órgão diferente e todos eles seriam salvos se fosse encontrado dador disponível para cada um deles.
O cirurgião repara que na sala de espera está um homem saudável cujos cinco órgãos em questão se encontram em boas condições de funcionamento e são adequados para transplante.
Neste caso não há quase ninguém capaz de dizer que a acção moralmente indicada seria matar esse homem para salvar os outros cinco.
Tal como no caso do homem gordo sentado na ponte a ver o pôr-do-sol, a intuição que a maior parte de nós partilha é que um espectador inocente não deve ser arrastado para uma situação problemática e usado para salvar outras pessoas sem o seu consentimento.
Immanuel Kant, filósofo alemão, expressou de forma admirável o princípio segundo o qual um ser racional que não haja dado o respectivo consentimento nunca deverá ser usado como simples meio para atingir um fim, mesmo que esse fim seja o benefício de outras pessoas.
A pessoa que se encontrava presa na via de resguardo do carro eléctrico não estava a ser usada para salvar a vida das cinco pessoas presas na linha principal, é a via de resguardo que, propriamente, está em causa, sucedendo apenas que o homem tem o azar de se encontrar nessa via.
Enquanto isto, o homem gordo sentado na ponte e o homem saudável na sala de espera do hospital estavam nitidamente a serem utilizados e isso é que viola o princípio de Kant, para quem, não fazer esta distinção seria um absurdo moral. Para Hauser essa distinção foi-nos embutida ao longo da nossa evolução.
Numa sugestiva aventura no domínio da Antropologia o Dr. Hauser e colegas seus adaptaram as suas experiências morais aos Kunas, uma tribo da América Central que tem poucos contactos com os ocidentais e não possuem uma religião formal.
Os investigadores fizeram as respectivas adaptações à realidade local com crocodilos a nadarem na direcção de canoas e os Kunas, mostraram ter, com pequenas diferenças, juízos morais semelhantes aos nossos.
Hauser também se interrogou sobre se as pessoas religiosas diferem dos ateus quanto às suas intuições morais.
Será evidente que, se é certo que é à religião que vamos buscar a nossa moralidade, elas devem ser diferentes mas parece que o não são.
Trabalhando em conjunto com o filósofo de moral Peter Singer, Hauser centrou-se em três modelos hipotéticos comparando depois as respostas dos ateus e das pessoas religiosas:
1º No dilema do carro eléctrico 90 % das pessoas disseram que era admissível desvia-lo, matando uma pessoa para salvar cinco.
2º Vê uma criança a afogar-se num pequeno lago e não há mais ninguém por perto para ajudar. Você pode salvar mas, se o fizer, estraga as calças: 97 % das pessoas concordaram que se deve salvar a criança (surpreendentemente, parece que 3% preferiam salvar as calças).
3º No dilema do transplante de órgãos já descrito: 97% dos sujeitos concordaram que é moralmente pegar na pessoa saudável da sala de espera e matá-la para lhe retirar os órgãos, salvando com isso cinco outras pessoas.
A principal conclusão deste estudo é que não existe diferença estatisticamente significativa entre ateus e crentes religiosos quanto à formação destes juízos o que é compatível com o ponto de vista segundo o qual não precisamos de Deus para sermos bons – ou maus.
Será que existe uma consciência moral embutida nos nossos cérebros tal como temos o instinto sexual ou o medo das alturas?
Sobre esta questão o biólogo Marc Hauser, biólogo da Universidade de Harvard, realizou estudos estatísticos e experiências do domínio psicológico recorrendo a questionários colocados na Internet para investigar a consciência moral de pessoas reais.
A forma como as pessoas reagiram a estes testes de moral e a sua incapacidade para expressarem as razões que as levaram a reagir dessa forma parecem ser, em grande medida, independentes das crenças religiosas ou da falta delas.
Mas vejamos, textualmente, o que nos diz o autor destes estudos, Marc Hauser:
“Por detrás dos nossos juízos morais há uma gramática moral universal, uma faculdade da mente que foi evoluindo ao longo de milhões de anos de maneira a incluir um conjunto de princípios que construísse um leque de sistemas.”
Eis o dilema que foi colocado:
- Uma pessoa tem ao seu alcance o comando das agulhas que pode desviar o carro eléctrico para uma via de resguardo de forma a salvar 5 pessoas que estão presas na via principal, um pouco mais à frente.
Infelizmente há um homem preso na via de resguardo mas, como é só um a maior parte das pessoas concorda que é moralmente admissível senão mesmo obrigatório a mudança de agulha matando uma mas salvando cinco.
Mas, numa outra variante da situação, o carro eléctrico só pode ser parado pondo-lhe no caminho um peso grande largado de uma ponte situada por cima da via. É obvio que temos de largar o peso mas, se o único peso disponível for um homem muito gordo sentado na ponte a admirar o pôr-do-sol?
Quase toda a gente concorda que, neste caso, é imoral empurrar o homem gordo da ponte, embora de um certo ponto de vista, o dilema possa parecer semelhante ao anterior no qual se mata uma pessoa para salvar cinco.
A maior parte das pessoas tem uma forte intuição que existe uma diferença crucial nos dois casos, embora não consiga exprimi-la.
Vejamos um caso idêntico:
- Num hospital há cinco doentes a morrerem cada um por falha de um órgão diferente e todos eles seriam salvos se fosse encontrado dador disponível para cada um deles.
O cirurgião repara que na sala de espera está um homem saudável cujos cinco órgãos em questão se encontram em boas condições de funcionamento e são adequados para transplante.
Neste caso não há quase ninguém capaz de dizer que a acção moralmente indicada seria matar esse homem para salvar os outros cinco.
Tal como no caso do homem gordo sentado na ponte a ver o pôr-do-sol, a intuição que a maior parte de nós partilha é que um espectador inocente não deve ser arrastado para uma situação problemática e usado para salvar outras pessoas sem o seu consentimento.
Immanuel Kant, filósofo alemão, expressou de forma admirável o princípio segundo o qual um ser racional que não haja dado o respectivo consentimento nunca deverá ser usado como simples meio para atingir um fim, mesmo que esse fim seja o benefício de outras pessoas.
A pessoa que se encontrava presa na via de resguardo do carro eléctrico não estava a ser usada para salvar a vida das cinco pessoas presas na linha principal, é a via de resguardo que, propriamente, está em causa, sucedendo apenas que o homem tem o azar de se encontrar nessa via.
Enquanto isto, o homem gordo sentado na ponte e o homem saudável na sala de espera do hospital estavam nitidamente a serem utilizados e isso é que viola o princípio de Kant, para quem, não fazer esta distinção seria um absurdo moral. Para Hauser essa distinção foi-nos embutida ao longo da nossa evolução.
Numa sugestiva aventura no domínio da Antropologia o Dr. Hauser e colegas seus adaptaram as suas experiências morais aos Kunas, uma tribo da América Central que tem poucos contactos com os ocidentais e não possuem uma religião formal.
Os investigadores fizeram as respectivas adaptações à realidade local com crocodilos a nadarem na direcção de canoas e os Kunas, mostraram ter, com pequenas diferenças, juízos morais semelhantes aos nossos.
Hauser também se interrogou sobre se as pessoas religiosas diferem dos ateus quanto às suas intuições morais.
Será evidente que, se é certo que é à religião que vamos buscar a nossa moralidade, elas devem ser diferentes mas parece que o não são.
Trabalhando em conjunto com o filósofo de moral Peter Singer, Hauser centrou-se em três modelos hipotéticos comparando depois as respostas dos ateus e das pessoas religiosas:
1º No dilema do carro eléctrico 90 % das pessoas disseram que era admissível desvia-lo, matando uma pessoa para salvar cinco.
2º Vê uma criança a afogar-se num pequeno lago e não há mais ninguém por perto para ajudar. Você pode salvar mas, se o fizer, estraga as calças: 97 % das pessoas concordaram que se deve salvar a criança (surpreendentemente, parece que 3% preferiam salvar as calças).
3º No dilema do transplante de órgãos já descrito: 97% dos sujeitos concordaram que é moralmente pegar na pessoa saudável da sala de espera e matá-la para lhe retirar os órgãos, salvando com isso cinco outras pessoas.
A principal conclusão deste estudo é que não existe diferença estatisticamente significativa entre ateus e crentes religiosos quanto à formação destes juízos o que é compatível com o ponto de vista segundo o qual não precisamos de Deus para sermos bons – ou maus.
terça-feira, junho 24, 2008
segunda-feira, junho 23, 2008
Por Que Somos Bons?
Richard Dawkins
Por que nos condoemos com o choro de uma criança que sofre?
Por que sentimos compaixão por uma viúva idosa em desespero devido à solidão?
O que nos provoca o impulso para enviarmos uma dádiva anónima para as vítimas de um cataclismo que não conhecemos nem viremos a conhecer e nunca nos retribuirá?
De onde vem o bom samaritano que vive em nós?
Recordemos Einstein:
Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta visita, sem saber porquê, contudo, parecemos adivinhar um objectivo. No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade.
Será realmente pelos outros homens que nós aqui estamos e terá isso alguma coisa a ver com a religião?
É por causa dela que somos bons?
Muitas pessoas religiosas consideram difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles que não professam a sua religião.
E assim, a religião, que se proclama como fonte de inspiração para a bondade e o amor transforma-se, ela própria, num imenso reservatório de ódio e maldade.
Brian Fleming, autor e realizador de um documentário sincero e comovente em defesa do ateísmo recebeu uma carta em 21 de Dezembro de 2005 que rezava assim:
Decididamente, vocês têm cá uma lata! Adorava pegar numa faca e esventrá-los a todos, seus idiotas, e gritar de alegria a ver as vossas entranhas a derramarem-se à vossa frente. Vocês andam a ver se arranjam como atear uma guerra santa em que um dia eu e outros como eu, possamos a vir ter o prazer de passar aos actos como o atrás mencionado.
Chegado a este ponto o autor da carta reconhece tardiamente que a sua linguagem não é muito cristã, pois continua, agora num tom mais amistoso:
Contudo Deus ensina-nos a não procurar a vingança mas sim a rezar pelas pessoas como vocês.
Mas a benevolência dura-lhe pouco:
Vai consolar-me saber que o castigo que Deus vos há-de trazer será mil vezes pior do que o que quer que seja que eu possa infligir. O melhor de tudo é que vocês hão-de sofrer para toda a eternidade por estes pecados de que estão completamente ignorantes. A ira de Deus não há-de mostrar misericórdia. Para vosso próprio bem, espero que a verdade vos seja revelada antes que a faca vos toque na carne. Feliz NATAL!!!
P.S: Vocês não fazem mesmo ideia do que vos está reservado…Eu agradeço a Deus por não ser vocês.
Estas cartas rancorosas, de que esta é apenas um exemplo, são mais comuns na América do Norte provenientes de pessoas afectas a Igrejas de Cristo e a Seitas que proliferam por todos os EUA, mas a carta que se segue, de Maio de 2005, é de um médico inglês e foi dirigida a Richard Dawkins.
Depois de uns parágrafos introdutórios a denunciar a evolução e a incitar o autor a ler um livro que defende que o mundo tem apenas 8.000 anos (será que ele pode mesmo ser médico?) conclui:
Os seus livros, o prestígio de que goza em Oxford, tudo o que ama na vida, e tudo aquilo que alcançou são um exercício de total futilidade…A interpeladora pergunta de Camus torna-se inescapável: porque não cometemos todos suicídio? Na verdade, a sua visão do mundo tem esse tipo de efeito sobre os estudantes e em muitas outras pessoas…que todos evoluímos por puro acaso, a partir do nada, e que a esse nada voltaremos. Mesmo que a religião não fosse verdadeira, é melhor, muito melhor acreditar num mito nobre, como o de Platão, se durante as nossas vidas ele conduzir à paz de espírito.
Mas a sua visão do mundo leva à ansiedade, à toxicodependência, à violência, ao niilismo, ao hedonismo, à ciência Frankenstein, ao inferno na Terra e à terceira guerra mundial. Pergunto-me quão feliz será o senhor nas suas relações pessoais? Divorciado? Viúvo? Homossexual? As pessoas como o senhor nunca são felizes, caso contrário não se esforçariam tanto para provar que não existe felicidade nem significado em nada.
Segundo este médico inglês o Darwinismo é intrinsecamente uma evolução ao acaso quando, a selecção natural, é precisamente o oposto de um processo casual.
A evolução acontece à custa de alterações genéticas que favorecem a sobrevivência da espécie e essa é a essência da selecção natural de Darwin.
Muitas vezes, a selecção natural conduz a “becos sem saída” e, nesses casos, a espécie extingue-se e esse foi o desfecho de todas aquelas que hoje estudamos sob a forma de fósseis.
Os grandes dinossauros que noutros tempos dominaram a vida sobre a Terra foram eliminados por alterações drásticas e bruscas que lhes retiraram totalmente as possibilidades de sobrevivência tendo-se aberto então caminho para a evolução de outras espécies que até aí não tinham hipótese de evoluir.
Há cerca de sessenta milhões de anos, após o desaparecimento dos grandes dinossauros, pequenos animais que viviam nas florestas passaram a encontrar um espaço que até aí não dispunham.
Eram os antepassados dos mamíferos dos quais, hoje, nós somos os seus mais recentes representantes.
Nada aconteceu por acaso!
Muitos cientistas sustentam que o nosso sentido de certo e errado provem do nosso passado darwiniano.
Richard Dawkins apresenta, a este respeito, a sua versão:
-Em primeiro lugar temos os comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
-Em segundo lugar temos um outro tipo de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia por Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está na base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.
As flores não podem voar, por isso pagam às abelhas o aluguer das suas asas e a moeda de pagamento é o néctar.
As guias-do-mel, aves da família indicatoridae, conseguem encontrar colmeias mas não conseguem entrar nelas ao contrário dos ratéis e dos homens.
Então, as aves conduzem, através de um voo atractivo, os ratéis ou o homem até ao mel e depois ficam à espera da recompensa.
Estas relações mutualistas abundam no reino dos seres vivos: búfalos e picanços, flores tubulares e beija flores, garoupas e bodiões, etc.
O altruísmo recíproco funciona por causa das assimetrias que há nas necessidades e nas capacidades de as satisfazer. É por isso que funciona particularmente bem entre espécies diferentes onde as assimetrias são maiores.
A selecção natural favorece os genes que predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a sua vez de o fazerem.
-Em terceiro lugar, os comportamentos altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como também por alimentarem essa reputação.
Reputação que não se restringe apenas ao ser humano, de acordo com experiências recentemente feitas em animais, nomeadamente peixes, e publicadas num artigo de R. Bshary e A. S. Grutter na revista Nature de Junho de 2006.
-Em quarto lugar, o economista norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação implícita de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das tribos do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através de demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o assumir de riscos pelo bem comum.
Temos então quatro boas razões Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo.
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a sobrevivência do grupo.
E não só para o altruísmo de base parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora que a maior parte de nós vive em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao nosso?
É importante não transmitir uma ideia errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes que as criaram.
Vejamos um exemplo:
-No cérebro de um pássaro a regra «cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade, que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das que existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa de ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos ancestrais a melhor forma da selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos num texto anterior, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua existência.
Se voltarmos novamente a pôr a questão de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada ter a ver com qualquer religião.
Richard Dawkins
Por que nos condoemos com o choro de uma criança que sofre?
Por que sentimos compaixão por uma viúva idosa em desespero devido à solidão?
O que nos provoca o impulso para enviarmos uma dádiva anónima para as vítimas de um cataclismo que não conhecemos nem viremos a conhecer e nunca nos retribuirá?
De onde vem o bom samaritano que vive em nós?
Recordemos Einstein:
Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta visita, sem saber porquê, contudo, parecemos adivinhar um objectivo. No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade.
Será realmente pelos outros homens que nós aqui estamos e terá isso alguma coisa a ver com a religião?
É por causa dela que somos bons?
Muitas pessoas religiosas consideram difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles que não professam a sua religião.
E assim, a religião, que se proclama como fonte de inspiração para a bondade e o amor transforma-se, ela própria, num imenso reservatório de ódio e maldade.
Brian Fleming, autor e realizador de um documentário sincero e comovente em defesa do ateísmo recebeu uma carta em 21 de Dezembro de 2005 que rezava assim:
Decididamente, vocês têm cá uma lata! Adorava pegar numa faca e esventrá-los a todos, seus idiotas, e gritar de alegria a ver as vossas entranhas a derramarem-se à vossa frente. Vocês andam a ver se arranjam como atear uma guerra santa em que um dia eu e outros como eu, possamos a vir ter o prazer de passar aos actos como o atrás mencionado.
Chegado a este ponto o autor da carta reconhece tardiamente que a sua linguagem não é muito cristã, pois continua, agora num tom mais amistoso:
Contudo Deus ensina-nos a não procurar a vingança mas sim a rezar pelas pessoas como vocês.
Mas a benevolência dura-lhe pouco:
Vai consolar-me saber que o castigo que Deus vos há-de trazer será mil vezes pior do que o que quer que seja que eu possa infligir. O melhor de tudo é que vocês hão-de sofrer para toda a eternidade por estes pecados de que estão completamente ignorantes. A ira de Deus não há-de mostrar misericórdia. Para vosso próprio bem, espero que a verdade vos seja revelada antes que a faca vos toque na carne. Feliz NATAL!!!
P.S: Vocês não fazem mesmo ideia do que vos está reservado…Eu agradeço a Deus por não ser vocês.
Estas cartas rancorosas, de que esta é apenas um exemplo, são mais comuns na América do Norte provenientes de pessoas afectas a Igrejas de Cristo e a Seitas que proliferam por todos os EUA, mas a carta que se segue, de Maio de 2005, é de um médico inglês e foi dirigida a Richard Dawkins.
Depois de uns parágrafos introdutórios a denunciar a evolução e a incitar o autor a ler um livro que defende que o mundo tem apenas 8.000 anos (será que ele pode mesmo ser médico?) conclui:
Os seus livros, o prestígio de que goza em Oxford, tudo o que ama na vida, e tudo aquilo que alcançou são um exercício de total futilidade…A interpeladora pergunta de Camus torna-se inescapável: porque não cometemos todos suicídio? Na verdade, a sua visão do mundo tem esse tipo de efeito sobre os estudantes e em muitas outras pessoas…que todos evoluímos por puro acaso, a partir do nada, e que a esse nada voltaremos. Mesmo que a religião não fosse verdadeira, é melhor, muito melhor acreditar num mito nobre, como o de Platão, se durante as nossas vidas ele conduzir à paz de espírito.
Mas a sua visão do mundo leva à ansiedade, à toxicodependência, à violência, ao niilismo, ao hedonismo, à ciência Frankenstein, ao inferno na Terra e à terceira guerra mundial. Pergunto-me quão feliz será o senhor nas suas relações pessoais? Divorciado? Viúvo? Homossexual? As pessoas como o senhor nunca são felizes, caso contrário não se esforçariam tanto para provar que não existe felicidade nem significado em nada.
Segundo este médico inglês o Darwinismo é intrinsecamente uma evolução ao acaso quando, a selecção natural, é precisamente o oposto de um processo casual.
A evolução acontece à custa de alterações genéticas que favorecem a sobrevivência da espécie e essa é a essência da selecção natural de Darwin.
Muitas vezes, a selecção natural conduz a “becos sem saída” e, nesses casos, a espécie extingue-se e esse foi o desfecho de todas aquelas que hoje estudamos sob a forma de fósseis.
Os grandes dinossauros que noutros tempos dominaram a vida sobre a Terra foram eliminados por alterações drásticas e bruscas que lhes retiraram totalmente as possibilidades de sobrevivência tendo-se aberto então caminho para a evolução de outras espécies que até aí não tinham hipótese de evoluir.
Há cerca de sessenta milhões de anos, após o desaparecimento dos grandes dinossauros, pequenos animais que viviam nas florestas passaram a encontrar um espaço que até aí não dispunham.
Eram os antepassados dos mamíferos dos quais, hoje, nós somos os seus mais recentes representantes.
Nada aconteceu por acaso!
Muitos cientistas sustentam que o nosso sentido de certo e errado provem do nosso passado darwiniano.
Richard Dawkins apresenta, a este respeito, a sua versão:
-Em primeiro lugar temos os comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos parentes dos quais o carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é o exemplo mais óbvio mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
-Em segundo lugar temos um outro tipo de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana que é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia por Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente bem entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está na base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A abelha precisa de néctar e a flor de ser polinizada.
As flores não podem voar, por isso pagam às abelhas o aluguer das suas asas e a moeda de pagamento é o néctar.
As guias-do-mel, aves da família indicatoridae, conseguem encontrar colmeias mas não conseguem entrar nelas ao contrário dos ratéis e dos homens.
Então, as aves conduzem, através de um voo atractivo, os ratéis ou o homem até ao mel e depois ficam à espera da recompensa.
Estas relações mutualistas abundam no reino dos seres vivos: búfalos e picanços, flores tubulares e beija flores, garoupas e bodiões, etc.
O altruísmo recíproco funciona por causa das assimetrias que há nas necessidades e nas capacidades de as satisfazer. É por isso que funciona particularmente bem entre espécies diferentes onde as assimetrias são maiores.
A selecção natural favorece os genes que predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a sua vez de o fazerem.
-Em terceiro lugar, os comportamentos altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como também por alimentarem essa reputação.
Reputação que não se restringe apenas ao ser humano, de acordo com experiências recentemente feitas em animais, nomeadamente peixes, e publicadas num artigo de R. Bshary e A. S. Grutter na revista Nature de Junho de 2006.
-Em quarto lugar, o economista norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação implícita de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das tribos do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através de demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o assumir de riscos pelo bem comum.
Temos então quatro boas razões Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo.
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a sobrevivência do grupo.
E não só para o altruísmo de base parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora que a maior parte de nós vive em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao nosso?
É importante não transmitir uma ideia errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os genes que as criaram.
Vejamos um exemplo:
-No cérebro de um pássaro a regra «cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade, que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das que existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa de ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz de reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos ancestrais a melhor forma da selecção natural assegurar a sobrevivência da nossa espécie foi instalando no cérebro não só a necessidade de acreditar, da qual já falamos num texto anterior, como também, o desejo sexual e a compaixão ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua existência.
Se voltarmos novamente a pôr a questão de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta parece-nos ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de tudo, nada ter a ver com qualquer religião.