Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, agosto 18, 2012
ANTÓNIO MOURÃO - NÃO TENHAM PENA DE MIM
Nascido em 1936, foi recordista de discos vendidos e as pessoas da minha geração passaram a juventude a ouvi-lo na rádio.
Uma mulher está cama com o amante e quando ouve o marido chegar diz-lhe.
- Depressa, fica de pé e muito quieto ali no canto. Rapidamente cobre-lhe o corpo com óleo e pó de talco e disse-lhe:
- Finge que és uma estátua.
Eu vi uma
igualzinha na casa dos Almeidas!
Uma mulher está cama com o amante e quando ouve o marido chegar diz-lhe.
- Depressa, fica de pé e muito quieto ali no canto. Rapidamente cobre-lhe o corpo com óleo e pó de talco e disse-lhe:
- Finge que és uma estátua.
Eu vi uma igualzinha na casa dos Almeidas!
Pouco depois, o marido entra
e pergunta:
- O que é isto?
E ela, fingindo naturalidade:
- Isto? Ah, é uma estátua. Os Almeida têm uma no quarto
deles...Gostei tanto que comprei esta igual para nós.
E não se falou mais da estátua.
Às duas da madrugada, a mulher já estava a dormir e o marido ainda ver televisão. Ele levanta-se, caminha até à cozinha, prepara uma sanduíche, pega uma latinha de cerveja gelada e volta para o quarto.
Ali, dirige-se para a estátua e diz:
- Toma. Come e bebe alguma coisa, seu f.... da p...! Eu fiquei dois dias, que nem um idiota no quarto dos Almeida e nem um copo de água me deram.
A isto, chama-se Solidariedade Masculina!
GABRIELA
CRAVO
CRAVO
E
CANELA
CANELA
Episódio Nº 170
Foi a temporada dos poemas longos, de
exaltação daquele amor que nem a morte e nem mesmo o passar dos séculos
destruiriam jamais. “Eterno como a própria eternidade”, “maior que os espaços
conhecidos e desconhecidos, mais imortal do que os deuses imortais”, escrevia o
professor e poeta.
Por convicção, e também por conveniência
– poemas longos, se fosse a rimá-los e metrificá-los, não havia tempo que
chegasse – aderira Josué à famosa “Semana da Arte Moderna” de São Paulo, cujos
ecos revolucionários chegavam a Ihéus com três anos de atraso.
Agora jurava por Malvina e pela poesia
moderna, liberta da cadeia da rima e da métrica, como dizia ele nas discussões
literárias na Papelaria Modelo, com o Doutor, João Fulgêncio e Nhô-Galo, ou no
Grémio Rui Barbosa, com Ari Santos. E também menos custosa, sem ter de contar
sílabas, procurar rimas. E, além de tudo, não era um “estilo moderno” a casa de
Malvina? Almas gémeas até no gosto, pensava ele.
O extraordinário é que essa eternidade
do tamanho da própria eternidade, essa imortalidade maior que a imortalidade de
todos os deuses reunidos, conseguiu ainda crescer, agora numa prosa
panfletária, quando a moça rompeu o namoro e começou o escândalo com Rómulo.
Largo era o peito compreensivo de Nacib,
a acompanhar no bar as melancolias do professor. Solidários, os amigos da
Papelaria e do Grémio, um tanto curiosos também. Mas foi a dor de Josué
debruçar-se, inexplicavelmente, sobre o ombro castelhano e anarqui sta do sapateiro Filipe.
O remendão espanhol era o único filósofo
da cidade, de conceito formados sobre a sociedade e a vida, as mulheres e os
padres. Péssimo conceito, aliás, Josué devorou-lhe os folhetos de capa
encarnada, abandonou a poesia, iniciou fecunda carreira de prosador.
Era uma prosa melosa e reivindicativa:
Josué aderira ao anarqui smo de corpo
e alma, passara a odiar a sociedade constituída, a fazer o elogio das bombas e
da dinamite regeneradoras, a clamar vingança contra tudo e contra todos.
O Doutor elogiava-lhe o estilo
condoreiro. No fundo, toda essa exaltação tenebrosa dirigia-se contra Malvina.
Dizia-se para sempre desiludido das mulheres, sobretudo das belas filhas dos
fazendeiros, cobiçados partidos matrimoniais. “Não passam de umas
levianasitas…”, cuspia ao vê-las passar, juvenis nos uniformes do Colégio das
Freiras ou tentadoras nos vestidos elegantes.
Mas o amor que dedicara a Malvina, ah!,
esse continuava eterno, na prosa exaltada, jamais morreria em seu peito, e só
não o matava de desespero porque ele se propunha, com sua pena, a modificar a
sociedade e o coração das mulheres.
Logicamente, o ódio concebido contra as
moças de sociedade, alicerçado na ideologia confusa dos folhetos, aproximou-o
das mulheres do povo. Quando se dirigiu a primeira vez para a solitária janela
de Glória – num esplêndido gesto revolucionário, único acto militante de sua
fulminante carreira política, concebido e executado, aliás, antes de haver
aderido ao anarqui smo – fizera-o com
o intuito de marcar para Malvina o grau de loucura em que o afundava aquela
desavergonhada conversa da moça com o engenheiro.
(A nudez como sinal de pureza)
(A nudez como sinal de pureza)
sexta-feira, agosto 17, 2012
JOSÉ SARAMAGO
Pessoalmente, adoro ficar "pendurado" numa boa conversa daquelas que espevita e desperta a nossa atenção embora, nos dias de hoje, as palavras, a esmagadora maioria das que ouvimos, não nos dizem nada, martelam-nos os ouvidos, simplesmente. É uma pena que isso aconteça às palavras... Eu sou um admirador de José Saramago e orgulho-me que ele seja português mas seria seu admirador fosse qual fosse a sua nacionalidade. Estava em férias, lendo um livro seu, com ele na mão, quando foi anunciada a atribuição do Prémio Nobel. Em José Saramago encontraram-se duas pessoas: por um lado, um escritor notável e, por outro, um político completamente empenhado e interventor no destino da sua sociedade. Por isso ganhou inimigos em vida porque ele tomou partido, denunciou o sistema político instalado, denunciou a mentalidade religiosa, parte dela perigosa, agressiva, fundamentalista, que nos persegue, os interesses que nos dominam e fez isto pela palavra escrita escrita e falada.
Esta é uma longa entrevista que não espero que a ouçam, pelo menos toda de uma vez. Não é preciso concordar com ele, essencialmente, é confrontar o que ouvimos com o que nós próprios pensamos sobre o que ele diz. O mais preocupante é a sua genuína desconfiança sobre o futuro da humanidade porque, este "homem não tem remédio" diz Saramago logo no início da conversa e eu comungo, ajudado pela crise que estamos a viver, com essa dúvida... parece mesmo não ter remédio... "homem lobo do homem". Resta-nos esperança.
COM JESUS Nº 60 SOBRE O TEMA:
“IMACULADA
CONCEIÇÃO”
RAQUEL -
Nazaré, no coração da Galileia. Emissoras Latinas, no coração de vocês, amáveis
ouvintes que seguem passo a passo, entrevista a entrevista, polémica atrás de
polémica, a segunda vinda de Jesus Cristo à Terra. Senhor Jesus Cristo?
JESUS - Diz, Raquel. Cheguei a tempo?
RAQUEL - O
senhor sempre chega a tempo para as nossas entrevistas. Como consegue isso sem
relógio?
JESUS – Nós,
camponeses, guiamo-nos pelo Sol. Queres me perguntar sobre o quê hoje, diz-me?
RAQUEL – Bom, já falamos bastante de sua mãe Maria, de
como o deu à luz, dos outros filhos que ela teve... Mas talvez nos estejamos a
esquecer do traço mais singular de sua personalidade: sua imaculada conceição.
JESUS - A que te referes? Nunca a ouvi falar disso.
RAQUEL - Na realidade, ela também não podia falar disso
porque esse prodígio ocorreu sem que sua mãe se desse conta.
JESUS - Mas,
no que consiste o prodígio?
RAQUEL - Documentei-me, 8 de Dezembro de 1854. O Papa
Pio Nono declara como dogma de fé que sua mãe Maria, dada a sublime missão que
lhe estava reservada na história da salvação, nasceu sem aqui lo que todos os seres humanos trazemos ao nascer,
a mancha original.
JESUS - De
novo o pecado de Adão e Eva? Já te expliquei, Raquel, que isso é uma parábola,
como as que eu contava. Uma vez falei de um rei poderoso que queria ajustar
contas com seus servos. Outra vez falei de um pastor com cem ovelhas e uma que
se perdeu. Isso não ocorreu em lugar nenhum. São comparações...
RAQUEL -
Temos uma ligação… Sim, pode falar?
SACERDOTE - Com o perdão de Jesus Cristo ou de quem quer
que seja esse trapaceiro, lhe peço, lhe exijo, que não continue falando do
pecado original.
JESUS - O que eu dizia é que...
SACERDOTE -
Eu não sei o que o senhor dizia e pouco me importa. Repito. Não fale do pecado
original. Não fale, não fale!
RAQUEL -
Não entendo por que este amigo ouvinte está tão irritado. Senhor?
SACERDOTE -
Não me chame de senhor. Chame-me de padre. Sou o padre Jaime Lorin.
RAQUEL -
Desculpe, padre, mas… por que o senhor não quer que falemos em nossa entrevista
sobre o pecado original?
SACERDOTE - Não
percebe? Se não há pecado original, o que Jesus Cristo veio fazer no mundo?
Cairiam a Virgem e a estrela de Belém. Se não há pecado original, de que é que
Jesus Cristo nos veio redimir? Cai a cruz do Calvário. E se cai a cruz, não há
tumba vazia. Se não há pecado original, para que se baptizar? Cai o baptismo e
as missas. E se não há missas, cai a Igreja. E se cai a Igreja, droga, eu caio.
Por isso...
RAQUEL - Por isso, o quê?
SACERDOTE - Por isso não fale do pecado original!
RAQUEL - Uff... Jesus Cristo, que opinião lhe merece
este desabafo, quero dizer, a opinião exaltada do padre Lorin?
JESUS - Já que estávamos falando de parábolas, agora
me lembro de uma que eu contei, a das duas casas, uma construída sobre rocha e
outra sobre areia. A chuva caiu, os ventos sopraram, e a casa sobre areia veio
abaixo. Assim vai acontecer com eles, com os que edificaram tudo sobre uma
fábula, sobre esse pecado original.
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 169
Assim o fizera e combinara
com Mundinho solicitar do Ministério a direcção do serviço de rectificação e
dragagem da barra. O exportador lhe prometera quantia ainda maior para quando o
primeiro navio estrangeiro entrasse no porto. E se empenhar por uma promoção.
Que mais podia desejar? No
entanto fora meter-se com moça solteira, a bolinar nos cinemas, a fazer-lhe
promessas impossíveis. Resultado tivera de telefonar pedindo substituto, fora
desagradável a conversa com Mundinho.
Garantira que ao chegar ao
Rio, não deixaria o Ministro em paz enquanto as dragas e os rebocadores não
fossem enviados. Era tudo quanto podia fazer. O que não podia era ficar em
Ilhéus para apanhar de chicote na rua ou levar um tiro na calada da noite.
Trancou-se depois no quarto,
dali só sairia para o navio. E a louca a marcar encontro nos rochedos, ele nem
acreditava que Melk houvesse em seguida voltado para a roça, onde a colheita
findava. Uma louca, ele tinha a mania das doidas, se metia com elas…
Malvina esperava no alto dos
penedos. Em baixo, as ondas chamavam. Ele não viria, de tarde quase morrera de
medo, ela agora compreendia. Ficou a espuma a voar, as águas chamavam, por um
instante pensou em se atirar. Acabaria com tudo. Mas ela queria viver, queria
ir-se de Ilhéus, trabalhar, ser alguém, um mundo a conqui star.
Que adiantava morrer? Nas
ondas atirou os planos feitos, a sedução de Rómulo, suas palavras e o bilhete
que ele lhe escrevera dias depois de desembarcar. Dava-se conta, Malvina, do
erro cometido: para sair dali só vira um caminho, apoiada no braço de um homem,
marido ou amante.
Porquê? Não era ainda Ilhéus
agindo sobre ela, levando-a a não confiar em si própria? Porque partir pela mão
de alguém, presa a um compromisso, a dívida tão grande?
Porque não partir com seus
pés, sòzinha, um mundo a conqui star?
Assim sairia. Não pela porta da morte, queria viver e ardentemente, livre como
o mar sem limites.
Segurou os sapatos, desceu
dos rochedos, começou a esboçar um plano. Sentia-se leve. Melhor do que tudo
fora ele não ter vindo; como poderia viver com um homem covarde?
De amor eterno, ou de Josué
transpondo Muralhas.
Naquela série de sonetos,
dedicados “ à indiferente, à ingrata, à soberba, à orgulhosa M…” impressos em
grifo no alto da lida coluna de aniversários, baptizados, falecimentos e
matrimónios do Diário de Ilhéus, Josué afirmara em esforçadas rimas,
repetidamente, a eternidade do seu amor desprezado.
Múltiplas qualidades, cada
qual mais magnífica, caracterizavam a paixão do professor, mas, de todas elas,
era o seu carácter eterno a mais trombeteada, em corpo 10 nas páginas do
jornal. Suada eternidade, o professor a contar alexandrinos e decassílabos, a
procurar rimas.
Crescera ainda o amor,
passara a eterno e imortal, em apaixonada redundância, quando, finalmente, na
excitação do assassinato de Sinhàzina e Osmundo, quebrara-se o orgulho de
Malvina e o namora começara.
(Click na imagem. O desespero inicial de "Malvina" que rapidamente encontra em sim as forças necessárias para seguir na direcção certa)
(Click na imagem. O desespero inicial de "Malvina" que rapidamente encontra em sim as forças necessárias para seguir na direcção certa)
quinta-feira, agosto 16, 2012
ELVIS PRESLEY
Há 35 anos atrás, no dia de hoje, desapareceu a voz mais romântica que cantou as também mais lindas e românticas canções. Felizmente, ficou registada para que o possamos ouvir por todo o sempre.
TONICHA - TU ÉS O ZÉ QUE FUMAS
A nossa Tonicha, ribatejana de gema, fiel ao seu reportório "deliciosamente" popular.
BERTRAND RUSSEL FALA SOBRE DEUS
A crença instalou-se no cérebro humano, tem aí o seu espaço porque em tempos remotos, acreditar e obedecer revelaram-se importantes para a sobrevivência da espécie. Os que não acreditaram nos conselhos e avisos dos pais e dos mais velhos corriam maiores riscos, tinham a vida mais curta, menores probabilidades em chegar à idade de procriação e isto correspondeu, na realidade, a um longo processo de selecção em que, por fim, só nasciam crentes.
Continuar a acreditar nos pais e nos mais velhos nos dias de hoje é importante mas já não estará ligado à sobrevivência da espécie e daí que o homem não tem mais vantagem nessa tendência natural para a crença que, de certa forma, opôe-se ao espírito crítico e racional, esses, sim, cada vez mais decisivos para a nossa sobrevivência. Os cientistas e pensadores, mais dotados intelectualmente, estão na vanguarda na expressão de um pensamento livre de crenças mas não é fácil quando a uma propensão natural para acreditar se junta o peso da herança de uma cultura histórica e de interesses poderosíssimos que ao longo de séculos se instalaram transformando as questões da fé num grande e enorme negócio.
Pior que tudo, foram as roturas, as paredes, os muros que as religiões levantaram entre os homens e os dividiram irremediavelmente transformando em ódio o que bem poderia ser amor e entendimento porque, para "zaragatas", bem chegariam só as questões materiais...
COM JESUS Nº 59 SOBRE O TEMA:
“ADÃO
E EVA”
SACERDOTE
- E Deus disse à mulher: por teres dado ouvido à serpente, parirás teus filhos
com dor, irás atrás do teu marido e teu marido te dominará. Palavra de Deus!
FIÉIS
- Glória a vós, Senhor!
RAQUEL - Novamente, com Jesus Cristo, entrevistando-o na
sua segunda vinda à Terra. Continuamos em Nazaré, hoje na igreja do convento de
Santa Clara. Acabamos de ouvir uma leitura. O que o acha o senhor Jesus Cristo,
sobre o castigo divino contra Eva?
JESUS - Ainda que esteja na primeira página da Bíblia,
eu nunca gostei dessa história. Nunca a mencionei. Nunca falei sobre Adão nem
de Eva.
RAQUEL - E por que motivo?
JESUS - Porque não faz justiça ao coração de Deus.
RAQUEL - Não faz justiça, mas está escrito. O Senhor
sabe quem escreveu esse relato do Génesis?
JESUS - Não sei quem o escreveu. Mas sei que quem o
escreveu foi um homem.
RAQUEL - Por que o senhor tem tanta certeza?
JESUS - Todo o mundo sabe que a mulher é quem dá a luz,
são vocês as que fazem o milagre da vida. Mas essa história de Adão e Eva põe o
mundo ao contrário: o homem parindo a mulher!
RAQUEL - Refere-se à costela.
JESUS - Sim, essa costela… Uma parábola muito feia que
confunde tudo.
RAQUEL - Depois, aparece a serpente e a árvore
proibida.
JESUS - Ainda pior. Porque colocam a mulher como a má,
a tentadora. Lembro-me do rabino de Nazaré, um velho muito carrancudo. Sempre
repetia uma frase de outro livro da Bíblia: “Pela mulher entrou o pecado e por
sua culpa morremos todos”. Deus tapa os ouvidos quando escuta esses disparates.
RAQUEL - Então, o relato de Adão e Eva não é inspirado
por Deus? Não é palavra de Deus?
JESUS - Com certeza é palavra de homem. Porque Deus não
quer ninguém dominado por ninguém, nem a mulher pelo homem, nem o homem pela
mulher.
RAQUEL - O senhor Jesus Cristo me desculpe mas eu me
preparei bem para esta entrevista e encontrei este texto. Escute: “A cabeça de
todo homem é Cristo e a cabeça da mulher é o homem”. Isto foi o que São Paulo
escreveu em sua primeira carta aos cristãos de Corinto. O que o senhor pensa
sobre isto?
JESUS - Penso que Paulo carregou na tinta, quando
escreveu isso. Porque eu disse claramente que ninguém deve estar por cima de
ninguém. Ninguém é a cabeça de ninguém porque todos, mulheres e homens, valemos
o mesmo ante Deus.
RAQUEL - O que fazemos, então, com a costela e a maçã e
toda esta história de Adão e Eva? Nós a tiramos da Bíblia?
JESUS - Deixa-a lá. Guardada no baú da roupa velha.
RAQUEL
- E com que ficamos?
JESUS - Com
a boa notícia de que não há serpentes tentadoras nem frutas proibidas. E que o
paraíso existirá na terra quando ninguém dominar ninguém.
RAQUEL - Não creio que nossa audiência esteja muito de
acordo com suas palavras. Vários já telefonaram para dizer que estas
entrevistas são muito curtas e que o senhor nos deixa sempre com mais perguntas
que respostas.
JESUS - Que
bom, Raquel. Quem tem perguntas, pensa. Quem só tem respostas, obedece.
RAQUEL - E vocês, amigas e amigos das Emissoras
Latinas, em que grupo estão? Possuem perguntas ou se conformam com respostas?
De Nazaré, reportou Raquel Pérez.
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 168
Mundinho afastara-se dela
apenas sentiu o seu interesse. Malvina sofreu, era apenas uma esperança gorada.
Josué fazia-se impossível, exigente e mandão. Foi quando Rómulo chegou e
atravessou a praça de malha de banho, cortou as ondas em braçadas largas. Esse
sim, pensava de outro modo. Fora infeliz, a mulher louca. Falava-lhe do Rio,
que importava casamento, simples convenção?
Ela poderia trabalhar,
ajudá-lo, ser amante e secretária, cursar faculdade se bem entendesse, fazer-se
independente, só o amor a ligá-los. Ah!, como viveu ardentemente esses meses…
Sabia que a cidade toda comentava, que no colégio não se falava de outra coisa,
algumas amigas afastavam-se delas. Iracema fora a primeira. Que lhe importava?
Encontrava-se com ele na
avenida da praia, inesquecíveis conversas. Nas matines do cinema beijavam-se
com fúria, ele dizia ter renascido ao conhecê-la.
Melk na roça, certas noites
Malvina viera – viera a casa a dormir – encontrá-lo nos rochedos. Sentavam-se
na cadeira cavada na pedra, as mãos do engenheiro percorriam o seu corpo. Ele
sussurrava pedidos, a respiração arfante. Porque não seria logo, ali mesmo na
praia? Malvina queria ir embora de Ilhéus. Quando partissem seria dele. Faziam
planos de fuga.
No quarto, espancada e
presa, leu no jornal da Baía: “Um escândalo abalou a alta sociedade de Itália.
A princesa Alexandra, filha da Infanta Dª Beatriz da Espanha e do Príncipe Vitorio,
saíu da casa dos pais e foi viver sòzinha indo trabalhar como caixeira numa
casa de modas.
Isso porque seu pai queria
que ela casasse com o rico duque Humberto Visconti de Mondrome, de Milão, e ela
está apaixonada pelo plebeu Franco Martini, industrial”.
Parecia escrito para ela.
Com um toco de lápis, no papel da beira do jornal, redigiu o bilhete para
Rómulo marcando o encontro.
A empregada levou ao hotel,
entregara em mão própria. Naquela noite, se ele qui sesse,
seria dele. Porque agora definitivamente decidida: iria dali, iria viver.
A única preocupação a
contê-lo – só naquele dia se dera conta – era evitar que o pai sofresse! Agora
já não lhe importava.
Sentada na pedra húmida, os
pés sobre o abismo, Malvina espera. Na praia escondida gemem casais. Salta o
fogo-fátua nas grimpas. Todo um plano formado, estudado em cada detalhe,
Malvina, impaciente, espera. As ondas rebentam em baixo, a espuma voa.
Porque ele não vinha?
Deveria ter chegado antes dela, no bilhete, Malvina marcara hora certa. Porque
não vinha?
No Hotel Coelho, a porta
trancada, o sono impossível, Rómulo Vieira, competente engenheiro do Ministério
de Viação e Obras Públicas, treme de medo. Sempre fora idiota em se tratando de
mulheres. Metia-se em encrencas, dava-se mal, não se emendava. Vivia a namorar
moças solteiras, já no Rio escapara por pouco da fúria dos irmãos violentos de
uma Antonieta com quem andou se confrontando. Juntaram-se os quatro para lhe
dar uma lição, por isso aceitara vir para Ilhéus. Jurando nunca mais olhar
sequer para jovens casadoiras. Essa comissão em Ilhéus era uma verdadeira mamata.
Estava juntando dinheiro e, além disso, Mundinho Falcão lhe garantira uma boa
bolada se ele andasse depressa e concluísse o relatório reclamando urgente
envio de dragas.
(Click na imagem. Não há como tapar a beleza e muito menos com uma pena)
quarta-feira, agosto 15, 2012
A família estava à mesa a almoçar quando os garotos resolveram
gozar com o avô e lhe colocaram um viagra no café.
Passados uns minutos, o avô levanta-se e anuncia que precisa de ir ao WC.
Quando regressou, passados uns minutos, tem as calças todas mijadas...
-Que é que aconteceu, avô?
-Sinceramente não faço ideia... Precisei de fazer xixi, tirei a pila para fora, vi que não era a minha e voltei a pô-la para dentro...
Passados uns minutos, o avô levanta-se e anuncia que precisa de ir ao WC.
Quando regressou, passados uns minutos, tem as calças todas mijadas...
-Que é que aconteceu, avô?
-Sinceramente não faço ideia... Precisei de fazer xixi, tirei a pila para fora, vi que não era a minha e voltei a pô-la para dentro...
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 167
As festas do Clube Progresso, os namoros
sem consequência, os bilhetinhos trocados, tímidos beijos furtados nas matines
dos cinemas, por vezes mais fundos nos portões dos qui ntais.
Chegava um dia o pai com um amigo,
acabava o namoro, começava o noivado. Se não qui sesse,
o pai obrigava. Acontecia uma casar com o namorado quando os pais faziam gosto
no rapaz. Mas em nada mudava a situação. Marido trazido, escolhido pelo pai, ou
noivo mandado pelo destino, era igual.
Depois de casada, não fazia diferença.
Era o dono, o senhor, a ditar as leis, a ser obedecido. Para ele os direitos,
para elas o dever, o respeito. Guardiãs da honra familiar, do nome do marido,
responsáveis pela casa, pelos filhos.
Mais velha do que ela, mais adiantada no
colégio, fizera-se Clara íntima de Malvina. Riam as duas a cochichar no pátio.
Jamais houvera moça mais alegre, mais cheia de vida, formosura sadia, dançarina
de tangos, a sonhar aventuras. Tão apaixonada e romântica, tão rebelde e atirada!
Casou por amor, pelo menos assim se
pensava. Não era o noivo fazendeiro, de mentalidade atrasada. Era um doutor,
formado em Direito, recitava versos. E foi tudo igual.
Que acontecera com Clara, onde ela
estava, onde escondera sua alegria, seu ímpeto, onde enterrara seus planos,
tantos projectos? Ia à Igreja, cuidava da casa, paria filhos. Nem se pintava, o
doutor não queria.
Assim fora sempre, assim continuava a
ser, como se nada se transformasse, a vida não mudasse, não crescesse a cidade.
No Colégio emocionavam-se com a história de Ofenísia, a virgem dos Ávilas,
morta de amor. Não qui sera o Barão,
recusara o senhor do engenho. Seu irmão Luís António chegava com pretendentes.
Ela sonhava com o Imperador.
Malvina odiava aquela terra, a cidade
dos cochichos do disse-que-disse. Odiava aquela vida e contra ela passara a
lutar. Começara a ler. João Fulgêncio a encaminhava, recomendando-lhe livros.
Descobriu outro mundo mais além de Ilhéus onde a vida era bela, onde a mulher
não era escrava.
As grandes cidades onde podia trabalhar,
ganhar o seu pão e a sua liberdade. Não olhava para os homens de Ilhéus.
Iracema a chamava de “virgem de bronze”, o título de um romance, porque ela não
tinha namorados.
Josué a rondava, viera de fora, escrevia
sonetos, publicava em jornais. “Dedicado à indiferente M…”. Iracema lia alto no
pátio do colégio. Um dia, quando um marido enganado matou a esposa, Malvina
conversara com ele, namoraram uns dias.
Talvez, quem sabe, fosse diferente? Era
igual. Logo qui sera proibir pintura
no rosto, amizade com Iracema – “é falada por todos, não é amiga para você” –
ir a uma festa do coronel Misael para a qual ele não fora convidado. Tudo isso
em menos de um mês.
De Ilhéus só gostava da casa nova, cujo
modelo escolhera numa revista do Rio. O pai fizera-lhe a vontade, para ele era
indiferente. Mundinho Falcão tinha trazido aquele arqui tecto
maluco, sem trabalho no Rio, ela adorara a casa de Mundinho.
Sonhara com ele também. Esse sim, era
diferente, esse podia arrancá-la dali, levá-la para outras terras, aquelas
faladas nos romances franceses. Para Malvina não se tratava de amor, de paixão
a explodir. Amaria quem lhe oferecesse o direito a viver, quem a libertasse do
medo ao destino de todas as mulheres de Ilhéus. Era preferível envelhecer
solteirona, de negro na porta das Igrejas. Se não qui sesse
morrer como Sinhàzinha de tiro de revólver.
(Click na imagem. A ideia da almofada é nova... quanto ao resto, tudo velho.)
COM JESUS Nº 58 SOBRE
O TEMA:
“ANJOS E ARCANJOS”
RAQUEL - Emissoras Latinas continuam com seus
microfones em Nazaré cobrindo a segunda vinda de Jesus Cristo, que nos acaba de
dar uma entrevista sobre o mundo mais além, sobre o céu. Mas, um céu com anjos
ou sem anjos? Vamos esclarecer esse ponto.
JESUS - Raquel, quando estivemos em Belém expliquei-te
que os anjos não existem, que são poesia, nomes diferentes para Deus.
RAQUEL - Mas as pessoas insistem: como não existem se a
Bíblia está cheia deles. Estão na primeira página, com uma espada de fogo
fechando as portas do paraíso. E até nas últimas páginas, tocando as trombetas
do apocalipse.
JESUS -
Claro, porque a Bíblia está cheia de mensagens. E o meu povo imaginou
mensageiros para levar essas mensagens, os anjos. Vê, os meus conterrâneos
tinham um grande respeito a Deus. Até exagerado. Não pronunciavam seu nome,
lavavam as mãos antes de escrevê-lo. E para não nomear a Deus, usavam nomes de
anjos.
RAQUEL -
Mas, existem ou não? Desde menina me disseram que eu tinha um anjo da guarda
sempre junto a mim…
JESUS - E de que te guardava esse anjo?
RAQUEL - Dos acidentes, dos perigos. Uma vez salvou-me
de um bonde que quase me esmagava.
JESUS - E então, o que aconteceu com todas as crianças
que morreram em acidentes? Será que seus anjos estavam dormindo e não cuidaram
delas?
RAQUEL - Temos uma ligação… Alô, sim?... Uma ouvinte
quer participar. Disse que é uma angeóloga.
JESUS - Uma… quê?
RAQUEL - Angeóloga.
Perita em anjos.
ANGELÓLOGA - Quero expressar meu protesto mais enérgico em
nome dos arcanjos Miguel, Rafael, Gabriel e Uriel. E dos nove coros de serafins
e querubins que os acompanham. Eles não podem falar por rádio. E como são seres
de luz, transparentes, esse impostor que se faz passar por Jesus Cristo não
pode vê-los e nega sua existência. Vade retro!
JESUS - Afinal,
o que disse ela, Raquel?
RAQUEL - Creio que o insultou. Temos outra ligação.
Como vê, Jesus Cristo, os anjos estão na moda… Alô?
SERAFÍN A - Aqui ,
de Caracas, Serafim do Monte, e embora tenha nome de anjo, não acredito neles.
Repare nos nomes que essa senhora disse. Miguel significa “Quem como Deus”.
Rafael, “Deus cura”. Gabriel, “Força divina”. Esse “el” no final de cada nome
de anjo não é mais que uma forma de nomear a Deus. O que Jesus Cristo disse, os
anjos são apelidos de Deus. Poesia!
RAQUEL - Obrigada,
Serafim do Monte. Então, Jesus Cristo, o senhor não viu nenhum anjo, nem no
deserto quando jejuava, nem na horta das oliveiras quando rezava?
JESUS - Não, não vi nenhum. No deserto, os anjos foram
uns cameleiros que me guiaram e me deram água. Mas na horta, naquela noite,
ninguém veio me ajudar.
RAQUEL - Então, se na realidade os anjos não existem,
por que tanta gente crê neles?
JESUS - Porque pensamos que Deus está lá em cima. E colocamos anjos no
meio, entre nós e esse céu onde vive um Deus afastado. Quando nos dermos conta
que Deus está connosco e que sua mensagem está perto, não precisaremos mais de
mensageiros.
RAQUEL - Esclarecido o tema dos anjos, ouvintes de
Emissoras Latinas? Ou ainda existem algumas penas, digo, algumas dúvidas?
terça-feira, agosto 14, 2012
Versão alemã da História da CIGARRA E A FORMIGA!!
A formiga trabalha durante todo o Verão
debaixo de Sol. Constrói a sua casa e enche-a de provisões para o
Inverno.
A cigarra acha que a formiga é burra, ri,
vai para a praia, bebe umas bejecas, dá umas quecas, vai ao Rock in
Rio e deixa o tempo passar.
Quando chega o Inverno a formiga está
quentinha e bem alimentada. A cigarra está cheia de frio, não tem casa
nem comida e morre de fome.
Fim
Versão portuguesa:
A formiga trabalha durante todo o Verão
debaixo de Sol. Constrói a sua casa e enche-a de provisões para o
Inverno.
A cigarra acha que a formiga é burra, ri,
vai para a praia, bebe umas bejecas, dá umas quecas, vai ao Rock in
Rio e deixa o tempo passar.
Quando chega o Inverno a formiga está
quentinha e bem alimentada.
A cigarra, cheia de frio, organiza uma
conferência de imprensa e pergunta porque é que a formiga tem o direito de estar
quentinha e bem alimentada enquanto as pobres cigarras, que não tiveram sorte na
vida, têm fome e frio.
A televisão organiza emissões em directo que
mostram a cigarra a tremer de frio e esfomeada ao mesmo tempo que
exibem vídeos da formiga em casa, toda quentinha, a
comer o seu jantar com uma mesa cheia de coisas boas à sua frente.
A opinião pública tuga escandaliza-se porque
não é justo que uns passem fome enquanto outros vivem no bem bom.
As associações anti pobreza manifestam-se
diante da casa da formiga. Os jornalistas organizam entrevistas e mesas redondas
com montes de comentadores que comentam a forma injusta como a formiga
enriqueceu à custa da cigarra e exigem ao Governo que aumente os impostos da
formiga para contribuir para a solidariedade social.
A CGTP, o PCP, o BE, os Verdes, a Geração à
Rasca, os Indignados e a ala esquerda do PS com a Helena Roseta e a Ana Gomes à
frente e o apoio implícito do Mário Soares organizam manifestações diante da
casa da formiga.
Os funcionários públicos e os transportes
decidem fazer uma greve de solidariedade de uma hora por dia (os transportes à
hora de ponta) de duração ilimitada.
Fernando Rosas escreve um livro que
demonstra as ligações da formiga com os nazis de Auschwitz.
Para responder às sondagens o Governo faz
passar uma lei sobre a igualdade económica e outra de anti discriminação esta
com efeitos retroactivos ao princípio do Verão).
Os impostos da formiga são aumentados sete
vezes e simultaneamente é multada por não ter dado emprego à cigarra. A casa da
formiga é confiscada pelas Finanças porque a formiga não tem dinheiro que chegue
para pagar os impostos e a multa.
A formiga abandona Portugal e vai-se
instalar na Suíça onde, passado pouco tempo, começa a contribuir para o
desenvolvimento da economia local.
A televisão faz uma reportagem sobre a
cigarra, agora instalada na casa da formiga e a comer os bens que aquela teve de
deixar para trás. Embora a Primavera ainda venha longe já conseguiu dar cabo das
provisões todas organizando umas "parties" com os amigos e umas "raves" com os
artistas e escritores progressistas que duram até de madrugada. Sérgio Godinho
compõe a canção de protesto "Formiga fascista, inimiga do
artista...".
A antiga casa da formiga deteriora-se
rapidamente porque a cigarra está-se cagando para a sua conservação. Em vez
disso queixa-se que o Governo não faz nada para manter a casa como deve de ser.
É nomeada uma comissão de inquérito para averiguar as causas da decrepitude da
casa da formiga. O custo da comissão (interpartidária mais parceiros sociais)
vai para o Orçamento de Estado: são 3 milhões de euros por ano.
Enquanto a comissão prepara a primeira
reunião para daí a três meses, a cigarra morre de overdose.
Rui Tavares comenta no Público a
incapacidade do Governo para corrigir o problema da desigualdade social e para
evitar as causas que levaram a cigarra à depressão e ao suicídio.
A casa da formiga, ao abandono, é ocupada
por um bando de baratas, imigrantes ilegais, que há já dois anos que foram
intimadas a sair do País mas que decidiram cá ficar, dedicando-se ao tráfego da
droga e a aterrorizar a vizinhança.
Ana Gomes um pouco a despropósito afirma que
as carências da integração social se devem à compra dos submarinos, faz uma
relação que só ela entende entre as baratas ilegais e os voos da CIA e aproveita
para insultar Paulo Portas.
Entretanto o Governo felicita-se pela
diversidade cultural do País e pela sua aptidão para integrar harmoniosamente as
diferenças sociais e as contribuições das diversas comunidades que nele
encontraram uma vida melhor.
A formiga, entretanto, refez a vida na Suíça
e está quase milionária...
NOTA – Esta
história é “reaças” mas tem uma moral:
- Os
mandriões são filhos da inveja, o trabalho é a única forma de ficar rico e eu sou um grande ingénuo.
O que interessa sobretudo reter deste período confuso da
Idade Média na Península Ibérica é a ideia de que, se do lado muçulmano o poder
político estava pulverizado por inúmeros estados minúsculos, da banda dos
cristãos o panorama era idêntico, apenas com a diferença de que os condados
dependiam nominalmente dos reis que, em teoria, estavam acima deles e os
englobavam. Mas só em teoria, porque a sua independência era quase total.
Dentro destas unidades políticas quem
mandava verdadeiramente eram os senhores locais ou os municípios, inspirados
estes nos antigos municípios do Império Romano, que eram administrados por
plebeus, os tais vilões ou burgueses (que se especializaram na produção de
artesanato ou na actividade comercial e deram origem à classe dos artesãos e
mercadores passando estes a comercializar esses produtos ou eventuais
excedentes agrícolas) tinham sido autorizados a fazê-lo por meio de uns
documentos assinados pelo Rei chamados “cartas de foral” ou, simplesmente,
“forais”.
Nós agora queixamo-nos, e com toda a
razão, da Brisa que nos cobra as portagens nas auto-estradas e engordam à custa
de dinheiros públicos e da exploração das estradas mais transitáveis mas, no
que toca a portagens, na Idade Média não era muito diferente, senão pior:
-
Para se viajar através do país era preciso ter a bolsa bem recheada. E então,
no que toca a mercadorias, era de arrepiar, pois cada concelho, apoiado na sua
“carta de foral”, tinha o direito de cobrar taxas de passagem.
Mas, se quanto aos concelhos ainda vá
que não vá, pois eram uma espécie de mini-governos regionais, o pior é que não
eram apenas estes que cobravam portagens, alcavalas, dízimos e outros impostos
de passagem: os nobres também o faziam quando as suas terras eram atravessadas.
E o problema de mudar de terra não se
ficava por aqui . É que cada região,
cada cidade e às vezes cada aldeia, adoptava os seus pesos e medidas próprios.
Aqui lo que hoje denominamos por
Estado – que seria a Coroa, nessa altura – tinha uma reduzida interferência do
dia-a-dia da vida das pessoas e não regulamentava coisas de “pequena
importância” como estas em que os viajantes estavam sujeitos a toda a espécie
de extorsões.
Para além de tudo isto, viajar era muito
difícil porque…não havia estradas praticamente a não ser aquelas que ainda
sobravam das antigas “vias romanas”.
Os rios eram, por isso, a alternativa,
largamente utilizados como vias de comunicação e no nosso país os rios Tejo e
Douro eram navegáveis por barcos relativamente grandes ao longo de todo o seu
curso.
Recordo ainda o que restava das ruínas do
que seriam armazéns nas areias do rio Tejo onde, em miúdo, ia tomar banho. Era
o antigo porto da Concavada, concelho de Abrantes, comprovando a importância do
rio no transporte de pessoas e mercadorias para Lisboa para contornar as
dificuldades e perigos das viagens por terra. Parece que o célebre Zé do
Telhado operava ali para os lados do Pinhal da Azambuja. Acabou preso e
deportado para Angola onde morreu.
No século XIII, quando Portugal atingiu
as suas fronteiras definitivas, Leiria, Mértola, Odemira e Silves possuíam
portos de mar.
Viajar por mar ou rio era sempre
preferível do que fazê-lo por terra. Por exemplo, para ir de Lisboa a Barcelona
ou a Valência, ninguém pensava em atravessar a península – era preferível
contorná-la.
Na segunda metade do século XV, na sua
viagem à corte de Luís XI de França, o nosso rei D. Afonso V, navegou pelo
estreito de Gibraltar e mar Mediterrâneo até um porto vizinho de Marselha e daí
seguiu numa longa viagem por terra até Blois e Paris.
Mas, de uma forma geral, pura e
simplesmente, não se viajava. Apenas os nobres e os guerreiros que os
acompanhavam se deslocavam por razões militares ou diplomáticas.
A gente do povo nascia e morria no mesmo
sítio ou num raio de poucos qui lómetros
em redor, para irem à feira. No nosso Portugal, do tempo de Salazar, por todo o
interior do país era ainda precisamente assim. Foi a guerra do Ultramar e a
“fuga” para o Brasil e depois a França - para sobreviverem à fome nas suas aldeias
- tudo já em tempos recentes, que
puseram as pessoas, finalmente, a viajar. Antes, alguns tinham estado
envolvidos nas viagens marítimas a darem “novos mundos ao mundo”.
Mas a mim, o que mais me incomoda nesta
Idade Média eram os costumes bárbaros, a morte corriqueira pelos motivos mais fúteis,
o desprezo pela vida e a impunidade para os cruéis:
-
Um tal Fernando Mendes, alcunhado do Bravo, que era filho do alferes-mor de D.
Afonso Henriques que mandou cozer a própria mãe dentro de uma pele de urso e
deu-a a comer aos cães porque a senhora se sentia incomodada por uma certa
mulher por quem o filho se tinha tomado de amores:
-
Ou de um outro, um tal D. Gonçalo Henriques, antepassado de D. Nuno Álvares Pereira
que informado de que a mulher, que ficara no castelo de Lanhoso enquanto ele
combatia nas expedições contra os mouros, o atraiçoava com um frade, possivelmente
seu confessor, regressou ao castelo, fechou-lhe as portas, pegou-lhe fogo,
matando a mulher, o frade e todos os que lá estavam dentro, criados, cães,
gatos e aves de capoeira. Ele justificou-se, mais tarde, que eram todos cúmplices
da mulher uma vez que não o avisaram…
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 166
-
O que foi que eu te disse? Aconteça o que acontecer, não largue a clareira.
Porque tu largou?
Tremia a mão da mãe no curativo,
franzino era o tio, não nascera para brigas, tiroteios na noite. Curvou a cabeça.
-
Tu vai voltar. Tu e os cabras. Agora mesmo.
-
Eles vão atacar novamente.
-
Não quero outra coisa. Quando atacarem, vou com mais cabras, cerco por trás,
acabo com eles. Se tu não tivesses fugido com o primeiro tiro, eu já tinha
acabado.
O tio assentiu, Malvina assistira:
Aloísio montara a cavalo, olhara a casa a varanda, o curral adormecido, os
cachorros latindo. Um olhar derradeiro, de última vez.
Saíra com os cabras, os outros estavam
no terreno esperando. Quando os tiros soaram, seu pai ordenou:
-
Vamos!
-
Regressou com a vitória, acabara com os Alves. No cavalo, de bruços, o corpo do
tio. Era um homem bonito, cheio de alegria.
De quem herdara Malvina esse amor à
vida, essa ânsia de viver, esse horror à obediência, a curvar a cabeça, a falar
baixo na presença de Melk? Dele mesmo talvez.
Odiara desde cedo a casa, a cidade, as
leis, os costumes. A vida humilhada da mãe a tremer ante Melk, a concordar, sem
ser consultada para os negócios. Ele chegava, dizia ordenando:
-
Te prepara. Hoje nós vamos no cartório de Tonico assinar uma escritura.
Ela nem perguntava escritura de quê, se
comprava ou vendia, nem procurava saber. Sua festa era a Igreja, Melk com todos
os direitos, de tudo decidindo. A mãe cuidando da casa, era seu único direito.
O pai nos cabarés, nas casa de mulheres, gastando com raparigas, jogando nos
hotéis, nos bares, com os amigos bebendo. A mãe a fenecer em casa, a ouvir e a
obedecer.
Macilenta e humilhada, com tudo conforme,
perdera a vontade, nem na filha mandava. Malvina jurara, apenas mocinha, que
com ela não seria assim. Não se sujeitaria. Melk fazia-lhe vontades, por vezes
ficava a estudá-la, cismando.
Reconhecia-se nela, em certos detalhes,
no desejo de ser. Mas a exigia obediente. Quando ela lhe dissera querer estudar
ginásio e depois Faculdade, ele decretara:
-
Não quero filha doutora. Vai pró Colégio das freiras aprender a costurar,
contar e ler, gastar seu piano. Não precisa de mais. Mulher que se meta a
doutora é mulher descarada, que quer se perder.
Dera-se conta da vida das senhoras
casadas, igual à da mãe. Sujeitas ao dono. Pior do que freira. Malvina jurara
para si mesma que jamais, jamais, nunca jamais se deixaria prender.
Conversavam no pátio do colégio, juvenis
e risonhas, filhas de pais ricos. Os irmãos na Baía, nos ginásios e Faculdades.
Com direito a mesadas, a gastar dinheiro, a tudo fazer. Elas só tinham para si
aquele breve tempo de adolescência.
(Há mulheres de rara coragem que não são acessíveis à maior parte dos homens... Malvina, filha do coronel Melk, era uma delas)
(Há mulheres de rara coragem que não são acessíveis à maior parte dos homens... Malvina, filha do coronel Melk, era uma delas)