Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, agosto 24, 2013
Jacqueline Marie "Jackie" Evancho (Pittsburgh, 9 de Abril de 2000) é uma cantora estadunidense que ganhou popularidade após a participação na quinta temporada de America's Got Talent, ficou em segundo lugar. Evancho canta "Classical Crossover" estilo de cantoras como Hayley Westenra e Sarah Brightman. Ela estuda canto com um treinador de voz, e também toca violino e piano
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POMPEIA
Visitar Pompeia é dar um salto a um
passado com 2 mil anos como não é possível fazer em mais nenhum sítio do mundo.
Dezoito mil pessoas, 80% da população de
uma cidade que fervilhava de vida, tiveram uma morte horrível sacrificadas no
altar da história pelas cinzas de um vulcão para que hoje nos seja possível,
com toda a sem cerimónia, vasculhar nas suas vidas.
As ruínas de Pompeia constituem uma
espécie de cápsula do tempo e eu estou feliz por ter podido, na semana passada,
ainda que por um reduzido período de tempo, sentir o impacto de uma cidade à
qual apenas faltam pouco mais que as estruturas de madeira e que permaneceu
escondida debaixo de 7
metros de cinzas vulcânicas aguardando que a destapassem
para que de novo pudesse voltar à luz do sol.
A história de Pompeia é conhecida de
todos, muito em especial dos europeus, pois ela aconteceu numa cidade do sul da
Europa e na orla do Mediterrâneo onde se desenvolveu a cultura greco-romana que
mais influenciou aquilo que somos hoje como povo.
Mas saber, ver fotografias ou
documentários é muito diferente do que estar presente, olhar e sentir,
calcorrear ruas e passeios, entrar dentro das casas, observar os trilhos feitos
pelos rodados nas lajes das ruas ao longo dos séculos, ruas que numa cidade situada
numa encosta que ia dar praia, se transformavam em leitos de pequenos rios que
escoavam até ao mar as águas das chuvas.
Por esta razão, de tantos em tantos
metros, pedras mais altas 30 ou 40 centímetros colocadas de atravessado sem
impedirem a passagem das viaturas, permitiam que os seus habitantes passassem
de um passeio para o outro sem molharem os pés.
E ao longo das ruas lá estão as
tabernas, as padarias, lojas, aquilo que hoje seriam os restaurantes, edifícios
públicos, residências de pessoas ricas como a de Meneandro, única pela
quantidade e qualidade do artesanato que continha, bordéis (foram encontrados
25) o teatro, os armazéns, os grandes espaços públicos onde os comerciantes
discutiam sobre os negócios e eram expostas as estátuas dos deuses venerados
como Apolo, mas também os Templos (haviam 3 dedicados a Apolo, Júpiter e Vénus
e um 4º à deusa egípcia Ísis) as arenas, os banhos públicos, enfim, tudo o que
era uma cidade daquele tempo como que ressuscitada com tantos testemunhos que a
reprodução da vida do dia a dia daquelas pessoas pode hoje ser feita no
pormenor desde como viviam, comiam e até como faziam sexo o que terá permitido
à guia afirmar que os romanos eram bissexuais.
Os prostíbulos eram constituídos por uma
série de quartos cuja mobília era apenas uma cama de pedra com um colchão por
cima. À porta, uma simples cortina onde constava o preço e a especialidade da
prostituta.
Estas, conhecidas na antiguidade por
“lobas”, aguardavam os clientes à entrada vestindo uma toga curta e uma rede
fina de fios dourados cobrindo os seios.
Os preços eram populares e correspondiam,
nos bordéis ordinários ao preço equivalente a duas taças de vinho barato
enquanto que, nos que se destinavam à elite romana, o preço poderia
quadruplicar.
Uma das contribuições mais recentes para
o entendimento desta memória foi a exposição que teve lugar no Museu Nacional
de Arqueologia de Nápoles de um conjunto de 250 de pinturas e estátuas eróticas
recolhidas dos escombros da cidade de Pompeia e de outras três vizinhas que
igualmente foram soterradas pelas cinzas do Vesúvio.
São peças de deuses, sátiros e ninfas
protagonizando cenas de sexo e um conjunto de frescos que formam uma espécie de
Kama Sutra romano.
Esta colecção, por influência da Igreja
Católica, esteve sempre guardado numa “sala secreta” cujo acesso só era
permitido aos estudiosos.
Diante de tudo isto que era desenterrado
em Pompeia alguns estudiosos chegaram a classificar a cidade como um antro de
luxúria e de devassidão, uma espécie de Las Vegas do Império Romano. Esta ideia
era reforçada pelas inscrições feitas nos muros da cidade com frases que
poderia estar nas portas das casas de banho de uma cidade moderna.
Mas esta conclusão é demasiado simplista
e não corresponde à verdade, de acordo com a opinião de reputados antropólogos.
Os romanos não faziam sexo com mais frequência do que as pessoas de hoje,
simplesmente atribuíam ao acto um carácter religioso e representavam-no na sua
arte.
Para os romanos, a reprodução era um
momento mágico, sagrado e os falos eram a imagem mais divulgada que se pode ver,
nas paredes, à entrada das casas, no chão das ruas para indicar a direcção do
bordel mais próximo, nos amuletos que se usavam ao pescoço para proteger, no
meio das plantações para assegurar a fertilidade dos campos, nas candeias,
penduradas à beira das camas, para assegurar ao casal bons fluidos adequados a
uma noite de amor.
As romanas, na época do Império, gozavam
de muito maior prestígio do que as mulheres contemporâneas de outras
civilizações.
Enquanto que na Grécia, por exemplo, o
sexo feminino vivia segregado as romanas podiam participar em banquetes, ter
propriedades e gerir pequenos comércios e se não tinham direito a voto podiam
participar nas campanhas e apoiar os seus candidatos.
Pompeia desfrutava de uma economia
próspera com base no seu principal produto que era o vinho mas também a lã e objectos
de bronze que trocavam por couro, âmbar e escravos.
Metade da sua população era constituída
por crianças e a esperança de vida andava por volta dos 40 anos.
E o que faziam os habitantes de Pompeia
num dia normal das suas vidas?
Além das termas e banhos públicos
lotavam as tabernas cujos balcões se prolongavam ao longo da rua e nos quais os
clientes apressados poderiam beber um copo de vinho acompanhado de uma salsicha
ou de um doce quente.
A maioria dos moradores frequentava as 3
arenas da cidade a maior das quais tinha capacidade para 20.000 espectadores e
onde ocorriam lutas de gladiadores o mais famoso dos quais, Spartacus, esteve
aqui em instalações que nos foi possível visitar.
Mas todos eles gozavam de popularidade
tal como hoje os desportistas tendo mesmo direito a adeptos organizados e em 59
D.C., durante uma luta entre dois gladiadores, gerou-se uma zaragata tão grande
entre as claques opostas que o estádio esteve interdito durante 10 anos.
Dois quintos da cidade de Pompeia está
agora a ser descoberta das cinzas mas com cuidados rigorosos que não foram
tidos nos trabalhos anteriores havendo a preocupação de não retirar nada dos
locais onde as coisas são encontradas para que a noção do conjunto daquela
realidade histórica permaneça o mais possível intocável.
A explosão do Vesúvio constituiu um
fenómeno de proporções difíceis de imaginar.
A nuvem resultante dessa explosão foi
vista em Londres e o espectáculo foi observado de Roma a 200 km de distância. Pedras
com 8 toneladas foram arremessadas a kms e uma montanha com mais de 3100 metros de altura
de encostas recobertas de árvores que à curta distancia que se encontrava de
Pompeia constituía uma vista de grande beleza que hoje só podemos imaginar,
ficou reduzida a um monte escuro, sem graça, com pouco mais de 1.000 metros .
A maioria das pessoas morreu sufocada
pelo ácido clorídrico e outras agonizaram a um calor de quase 500 graus. De
seguida, todas foram recobertas pelas cinzas molhadas que com o tempo secaram
ajustando-se perfeitamente aos corpos de forma a registar as expressões faciais
nos momentos derradeiros.
Depois dos processos de decomposição
ficaram moldes ocos que preenchidos com gesso líquido trouxeram de novo para a
actualidade as mais famosas imagens da cidade.
O historiador Plínio “O Jovem” que
assistiu à distância e pôde sobreviver para contar escreveu:
“Era possível ouvir o lamento das
mulheres, o choro das crianças, o grito dos homens. Alguns estavam tão
aterrorizados que rezavam pela morte. Outros levantavam as mãos para os deuses
e muitos desacreditaram da existência deles naquela noite interminável”.
Ruas de Pompeia |
(A importância dos graffitis das ruínas da cidade)
Há anos visitei as ruínas da cidade de Pompeia e sobre essa visita
escrevi um texto que coloquei aqui ,
no Memórias Futuras e em cima reproduzo novamente, e no qual registava a emoção que então senti, misto de dor
pela morte horrível de todas aquelas pessoas que pareciam ter sido vítimas de
um cataclismo registado no dia anterior… e, ao mesmo tempo, a curiosidade «coscuvilheira»
de quem espreita pelo buraco da fechadura, não da porta de uma casa mas de uma
cidade escancarada e misteriosamente desabitada.
De novo, volto a Pompeia para partilhar convosco o texto de Eliana da Cunha Lopes, (Mestrado em Letras Clássicas - Latim - Professora da Faculdade Federal do Rio de Janeiro) que dá um especial
relevo aos graffiti a que já me tinha referido e que ela aborda no texto que se
segue, em pormenor e com a importância que merece:
- «Baseando-se no corpus escrito nas paredes da cidade de Pompeia,
destruída pela erupção do vulcão Vesúvio, em 79 de nossa era, o presente
trabalho buscará mostrar que as mensagens grafadas a carvão, nos muros da
cidade arrasada, transformaram-se em preciosíssimo relicário para os pesqui sadores e estudiosos do latim vulgar.
Os graffiti, do latim graphium, ou inscrições
parietais encontrados nas ruínas de Pompeia contêm, em suas estruturas,
caracteres linguísticos que nos permitem, não só uma visão da sociedade romana
antiga mas também nos auxiliam, como fonte riquíssima, no estudo e
aprofundamento do latim vulgar.
São mensagens baseadas
em diversos temas como convites sedutores, conselhos, declarações de amor ou
ódio, inveja, erotismo, súplicas etc., que nos mostram a linguagem corrente das
classes incultas de Roma da época.
Nosso trabalho é uma
pesqui sa ainda em fase de
desenvolvimento. São apenas algumas citações baseadas, exclusivamente, no latim
vulgar. Sabemos que há entre os graffiti pompeianos textos do poeta latino
Públio Ovídio Nasão mas estes textos clássicos, para o presente trabalho, não
nos interessam.
Há exactamente 2025
anos, no dia 24 de Agosto de 79 de nossa era, data que deve ser relembrada por
pesqui sadores e estudiosos do latim
vulgar, uma chuva de cinzas e pedra- pomes e sucessivos tremores de terra
transformaram o dia, na cidade da Itália, às margens do Mar Tirreno, em noite e
destruíram tudo e todos que se opunham a sua passagem.
Pompeia, cidade
produtora de vinho e azeite, viveria, naquele 24 de Agosto, um dia festivo.
Seus habitantes assistiriam a um espectáculo teatral com actores vindo de Roma
que se apresentariam no Grande Teatro, a partir das 11h da manhã prolongando-se
o espectáculo, como era de costume, até a noite. Passava das 10h da manhã. As
arqui bancadas quase repletas: os
vendedores ambulantes, com seus cestos de pão e doces, dirigiam-se para o
teatro. Nos bares ao ar livre, as thermopolia as últimas taças de posca eram saboreadas.
Os comerciantes
cerravam as últimas portas de seus estabelecimentos. O dia ensolarado e quente
convidava ao lazer. No auge dos preparativos para a festa, ouve-se uma
explosão. Era apenas o
início. A população perplexa visualiza o topo do Vesúvio. O vulcão partira-se
em dois e, do seu interior, rompe-se uma tocha de fogo. Inacreditável!!! Os
habitantes de Pompeia se entreolhavam e com uma pergunta/resposta sufocada na
garganta constataram: É uma erupção! O Vesúvio que tinha adormecido, pelo menos
por 900 anos, estava ali, diante deles, dando sinal de vida e de opulência.
Na
manhã seguinte (25 de Agosto), quando a cidade já se encontrava sob os entulhos
vulcânicos, o Vesúvio despejou toda a sua fúria em forma de gases quentes
(vapores clorídricos). A temperatura, segundo pesqui sadores,
atingiu a marca de 600 graus Celsius. Todos os habitantes de Pompeia e
Herculano foram soterrados na mais terrível erupção vulcânica. Na época, Pompeia
possuía entre 15 e 20 mil habitantes.
Acredita-se que, por serem constantes, os
terramotos nesta região, os habitantes não perceberam a gravidade de tal fenómeno.
Os pompeianos, na tentativa de fuga pelas ruas, foram mortos por asfixia e
queimados, outros, no seu próprio leito. Os que sobreviveram, foram tragados no
final da tarde do dia
25. Foi o golpe fatal, nada restando das cidades províncias.
As cidades de Pompeia
e Herculano, no sul da Itália, permaneceram, durante muito tempo, soterradas pela
erupção violenta do vulcão, sob metros e metros de cinzas e pedras.
Anos mais tarde, os
pesqui sadores efectuaram escavações
na área soterrada e descobriram um vasto material arqueológico e linguístico.
Em Pompeia, de entre
os «achados», permaneciam intactos os famosos graffiti, inscrições populares escritas, em sua
maioria, a carvão. Esta descoberta trouxe, para o latim vulgar, uma
contribuição riquíssima e ímpar.
A vantagem desta
descoberta deve-se ao fato de que as mensagens têm um carácter linguístico e
social, revelando duas faces de uma mesma moeda. De um lado, forneceu-nos uma
visão da forma de vida da sociedade de uma cidade da provincial, de outro,
levou-nos ao estudo das alterações fonéticas, morfológicas e de sintaxe de uma
das fases da língua latina: o latim vulgar.
As inscrições de Pompeia
foram estudas por Väänänen, Le latin Vulgaire des Inscriptions Pompéiennes,
Helsinki,1937 (2ª ed.,1958) e reunidas no Corpus
Inscriptionum Latinarum, conhecido
pela sigla CIL, obra grandiosa editada pela Academia das Ciências de Berlim,
iniciada em 1863 e ainda incompleta.
Dos dezasseis volumes
que compõem esta obra, que reúne inscrições de diversas cidades e regiões, o
quarto volume é de grande relevância. Nele, encontram-se registadas as
inscrições parietais, gravadas com estiletes, e em menor escala a carvão, em
paredes, monumentos, muros, banheiros etc.
Dos graffiti encontrados
na região destruída pelo vulcão, os que nos interessam são as inscrições de
cunho popular, não literária e muitas das vezes fragmentária, mas que expressam,
com clareza, a linguagem quotidiana dos soldados, colonos civis e militares e
comerciantes da época, os falantes natos do latim vulgar.
Estas inscrições registam, também, o modo de
vida dos habitantes da província mostrando os resultados dos jogos de dado,
declarações de amor ou ódio, inveja, erotismo, conselhos, súplicas etc…
Os graffiti contribuíram para o estudo filológico
e linguístico na reconstituição do latim vulgar falado. A epigrafia, ciência
que se ocupa da leitura, interpretação e datação das inscrições antigas em
material resistente como pedras, metal, argila, cera etc em muito contribuiu
para o estudo da reconstituição do latim vulgar.
O latim vulgar (vulgo
(latim) = povo) ou latim corrente, em oposição ao latim clássico, que é a norma
culta do latim, está documentado em textos epigráficos, em textos literários e
indirectamente nas línguas românicas. Não conhecemos na totalidade o latim
vulgar. O que há, na verdade, são vestígios através dos quais os filólogos
tentam reconstituir o que teria sido o latim vulgar.
O latim vulgar era uma
língua falada em Roma e suas províncias, não havendo nenhum documento oficial escrito
só nessa variedade linguística. Concentra-se neste fato a maior dificuldade
encontrada para a reconstituição desta forma linguística.
A partir do corpus escrito nas paredes da cidade de
Pompeia, analisaremos algumas inscrições à luz da morfologia, sintaxe e
fonologia.
Há cerca de 15000
inscrições parietais recolhidas de Pompeia registadas no CIL. Os graffiti são bastante numerosos e
diversificados, pelo hábito dos seus habitantes de todas as faixas etárias de
rabiscarem as paredes com carvão. O nível de língua das inscrições parietais
pompeianas varia bastante. Os habitantes locais zombavam do próprio hábito de
rabiscarem as paredes numa linguagem bastante literária, conforme atesta o
trecho abaixo:
Admiror,
paries, te non cecidisse ruinis, qui
tot scriptorum taedia sustineas.
(CIL,
IV, 1904)
«Admira-me,
parede, não teres caído em ruínas, tu que aguentas o tédio de tantos
escritores.»
JUBIABÁ |
JUBIABÁ
Episódio Nº 93
MÃO
O campo de fumo se estendia pelo morro e
parecia não ter fim. Primeiro era aquela planície que depois subia pelo morro e
descambava lá atrás, campo verde, inacabável, de plantas baixas, de folhas
largas.
O vento balançava as folhas e se não
fosse a sacola protectora de pano espalharia as sementes do fumo numa plantação
inútil.
As mulheres que estavam curvadas
colhendo as folhas com gestos cansados, levantaram o corpo e se agitaram. Foram
as últimas a largar o trabalho e uma delas era velha e enrugada, enquanto a
outra, fumava um charuto de cinquenta réis, era uma mulherona moça e forte.
Os homens já iam adiante e pareciam
todos corcundas. Conduziam montes de folhas de fumo que dependuravam na frente
das casas, resguardando do sol muito forte e da chuva.
As folhas que já estavam secas cediam o
lugar às folhas recém chegadas que faziam cortina em frente das casas dos
trabalhadores.
Existiam quatro casas em bloco, formando
um quadrado no centro do qual os homens se reuniam para conversar e tocar violão.
A mulher velha entrou numa das casas
onde o companheiro acocorado prestava atenção ao feijão que cozinhava. A moça
ficou tirando dois dedos de prosa com os homens que estavam no «terreiro», que
era como eles chamavam o quadrado que ficava entre as casas.
O gordo estava com saudades da avó e
falava:
-
Ficou sozinha com Deus sòmente…Quem dá comida a ela?
-
Deixa estar que ela não morre de fome, não…
-
Não tou falando nisso – o Gordo se atrapalhava – Eu estou dizendo…
A mulher botou as mãos nas cadeiras para
ouvir mais comodamente:
-
Entonce o que é? – Não sabe? Ela está velha e acabada… Só come dando na boca…
A mulher riu, os homens fizeram
pilhérias:
-
Isso parece mais uma mulata que você tem… Esse negócio de dar comida na boca… É
bonita?
-
Juro que é minha avó… Juro… Ela não tem mais dente e já anda pancada…
Outros homens iam chegando. António
Balduíno se estendeu no meio do terreiro, a barriga nua para cima:
-
Tou cansado, gente…
O Gordo perguntou:
-
Não é verdade que eu tenho uma avó? Ela não come dado por mim na boca.
Os homens riam. A moça atalhou:
-
Tua mulher é tão velha assim, Gordo, que você chama ela avó?
Vieram gargalhadas que aumentaram a
confusão do Gordo:
-
Juro… Juro… - beijava os dedos em cruz.
sexta-feira, agosto 23, 2013
DANIEL BOONE - BEAUTFUL SUNDAY
A natureza reconforta-nos num dia lindo de sol... em 1972, como hoje, como sempre...
Guerra Colonial
NOTA - Desculpem, este texto já o coloquei aqui, há anos, no Memórias Futuras, mas é tanto o tempo que já passou que eu próprio me interrogo se realmente tudo aquilo aconteceu comigo, de verdade, mesmo ... e para que as recordações se não apaguem na memória vou recordá-lo mais uma vez, agora, que estão a passar 50 anos...
"Era minha intenção dar este tema como terminado excluindo dele a experiência que foi a minha última operação no Norte de Angola antes de seguir para o Leste passar em paz o resto da minha comissão.
Quando, por exaustão, as tropas eram retiradas da zona de guerra, mais ou menos ao fim de um ano, e transferidas para outras regiões, era comum fazerem uma passagem por Luanda e aí serem aproveitadas pelos Altos Comandos para uma última Operação, espécie de cereja em cima do bolo, integrando, então, o que se chamava, a Tropa de Intervenção.
Era uma oportunidade das Chefias, sedeadas no ar condicionado de Luanda, de fazerem a sua própria guerra, concebendo e realizando Operações que eram desencadeadas em locais escolhidos por serem considerados importantes do ponto de vista estratégico e envolviam grande número de militares.
Nessas Operações, os oficiais superiores, dentro de pequenas avionetas ao lado dos pilotos, sobrevoavam a zona em que as tropas operavam tentando fazer o acompanhamento o que não era fácil porque cá em baixo era um ininterrupto tapete verde.
Para fazerem uma ideia da movimentação dos grupos de combate no terreno e da sua localização davam ordens pela rádio para que fossem lançadas granadas de fumo o que não era muito do agrado das tropas que tinham de interromper a marcha com o risco de darem também sinais aos guerrilheiros.
Percebíamos, no entanto, que esta era a maneira desses Oficiais participarem mais directamente na guerra sem o esforço e riscos inerentes e ao mesmo tempo poderem fiscalizar o cumprimento dos itinerários fixados nas Cartas de Operações, ou pelo menos tentarem.
Era este o contexto em que fiz a minha última Operação na Guerra Colonial e que só por muita sorte não foi, igualmente, a última coisa que fiz na minha vida.
Mas se hoje a posso relatar porque lhe sobrevivi a minha vontade era, no entanto, esquecê-la, ou melhor ainda, que ela nunca tivesse acontecido.
Deixem-me, por isso, fazer previamente uma reflexão:
Afirmei no início do relato destas lembranças que não houve uma guerra colonial mas tantas quantas aqueles que nela participaram.
O cunho e a marca da guerra estão não só naquilo que nos acontece enquanto vivemos essa experiência traumática mas principalmente pela forma como cada um sente e reage a tudo isso.
Todos fomos criados e educados num quadro de valores que respeita a vida humana mas quando nos põem uma arma nas mãos, vestem um camuflado e nos mandam para a guerra, imediatamente interiorizamos que vamos morrer e matar e por isso, quando passadas poucas semanas de termos chegado, um Unimog foi emboscado pelo inimigo e quase todos os seus ocupantes, meus camaradas de Batalhão, foram mortos, incluindo o meu amigo e melhor aluno na recruta, o "Setúbal", o que eu senti, fundamentalmente, é que a sentença da guerra se estava a cumprir entre aqueles que eram os seus protagonistas.
No fundo, na morte daqueles soldados havia qualquer coisa de terrivelmente óbvio. Os soldados foram concebidos para morrer, umas vezes uns, outras vezes outros...
Se alguma coisa faz sentido na fria lógica de uma guerra é a morte dos soldados que nela participam e por isso a morte de um soldado por um soldado inimigo não envergonha aquele que o mata, envergonharia senão o matar.
Assim, o meu ódio, não foi para o soldado nosso inimigo mas para a Guerra, para os seus promotores, para aqueles que nos puseram uma arma na mão, vestiram-nos o camuflado e tiveram a coragem de nos dizer que íamos defender os superiores interesses da nação sem esclarecerem que nela se camuflavam os interesses dos senhores do café, do algodão, do sisal, dos diamantes, do açúcar, a maior parte deles residentes em Portugal com breves visitas a África, o tempo necessário para umas bem organizadas caçadas.
Mas regressemos à minha última Operação.
Desenrolou-se tendo como base e local de partida a fazenda Maria João, no Coração dos Dembos, bem no centro do Norte de Angola e nela participaram várias Companhias que saindo em simultâneo do mesmo ponto percorriam itinerários diferentes com objectivos de “limpeza”, perfeitamente delirantes tendo em conta o cenário que "visitávamos" pela primeira vez enquanto "eles "estavam na sua casa. Só por acaso ou distracção deles...
Fomos largados das viaturas naquilo que eles disseram ser uma picada, que há muito tinha deixado de o ser, e deveríamos seguir na direcção norte até encontrar uma outra picada onde a operação finalizaria com as viaturas a reconduzirem-nos de novo à Fazenda Maria João.
Com o meu pelotão ia também um outro que era comandado por um Alferes médico que não tendo ainda feito o estágio cumpria a comissão como oficial de infantaria e pertencia à guarnição militar que estava instalada na própria fazenda.
O seu estado de espírito não podia estar mais deprimido e completa era a sua saturação e desinteresse por tudo o que o rodeava. Antes de partirmos acercou-se de mim e disse-me: “Não quero saber disto para nada, você comanda e eu vou ser apenas mais um soldado”… não mais voltei a dar pela sua presença.
A operação decorreu num vale de encostas bem acentuadas e que se prolongava na sentido Sul/Norte. Até uma certa altura, não muita, a partir da zona mais profunda, a encosta estava desmatada e era evidente que aquele vale, na sua parte mais fértil, era aproveitado para a agricultura de subsistência pelas populações que se tinham subtraído ao controle das autoridades portugueses e viviam fugidas no mato juntamente com os guerrilheiros.
Começamos a deslocação pela encosta do lado esquerdo do vale, na orla do terreno que estava mais limpo e encobertos pela vegetação. Era-nos, assim, relativamente fácil, observar o que se passava à nossa direita, mais abaixo, sem que o contrário fosse igualmente possível. Caminhávamos uns atrás dos outros numa fila que se prolongava por dezenas de metros e durante algum tempo nada aconteceu.
De repente, ouvi um tiro, vários tiros, um alvoroço, alguns soldados descem a correr a encosta, atravessam o vale e perseguem pessoas que fogem subindo a encosta do outro lado.
Regressam passado pouco tempo os que tinham saído em perseguição, a calma restabelece-se progressivamente... o drama estava consumado.
Uma jovem que trabalhava na agricultura tinha sido morta com um tiro disparado por um soldado a longa distância e cuja bala lhe entrara pelas costas e atravessara o coração. Um outro soldado cortou-lhe um dedo para trazer para casa como troféu de guerra e eu… tive uma enorme vontade de fugir dali, evaporar-me, desaparecer… Eu era o comandante (?) daquela tropa e nem sequer podia recriminar o soldado que matou a jovem e que tinha por alcunha “o boi”, porque ele apenas cumprira as instruções do Quartel General de matar tudo o que mexesse, a tal "limpeza" a que já me referi.
Não conheci bem este soldado no sentido de que não tive com ele convivência. Era da minha Companhia mas do Pelotão do Alferes Ataíde e por isso desconhecia se havia alguma relação entre a alcunha de “o boi” com o seu aspecto rude, possante, algo primitivo, provavelmente quase analfabeto e o gesto que ditou a morte de uma jovem.
Dizer-lhe que a utilização de uma arma, mesmo numa situação de guerra, é sempre da responsabilidade de quem a utiliza, faria algum sentido para ele? - Manifestar-lhe o meu desagrado não seria estabelecer a confusão na sua cabeça? Perguntar-lhe se ele gostaria que fossem à sua aldeia e matassem a sua irmã ou a sua namorada quando ela estava a trabalhar no campo, era justo?
Do outro soldado, do que cortou o dedo do cadáver da jovem para recordação, fiz questão de nunca querer saber quem tinha sido…nada conseguiria diminuir a vergonha que senti. Muitos anos mais tarde, num dos nossos almoços anuais de confraternização, disse-me, envergonhado e à laia de desculpa: ... "meu Alferes, eu era muito novo..."Foram, para mim, momentos de pânico e desorientação, não queria estar ali nem mais um minuto e por isso dei instruções para que continuássemos o nosso trajecto o mais rapidamente possível.
Cansado daquelas marchas, daquela atmosfera saturada de humidade que não nos deixava respirar, do peso da espingarda, cartucheiras, bornal, capa de borracha, cantil, que depressa esvaziava, quando à noite me deixava cair o que me esperava era sempre um sono profundo.
Sempre, não. Naquela noite quase não preguei olho, os gritos de dor pela morte da jovem ecoavam por todo aquele vale.
Eram gritos lancinantes, acusatórios e o silêncio à volta deles parecia total, como se toda a bicharada da floresta tivesse decidido calar-se nessa noite para que eu melhor os pudesse ouvir.
No outro dia, ainda o sol não tinha nascido e já nos tínhamos posto em marcha que só não eram forçadas porque as condições do terreno e da vegetação não o permitiam.
Era ténue a minha esperança de conseguir escapar à emboscada que de certo me esperaria em qualquer ponto do percurso. Os guerrilheiros não podiam permitir que a tropa fosse ao seu terreno matar uma jovem do seu povo. da mesma forma que se caça uma gazela, e saísse do emaranhado de toda aquela vegetação com total impunidade... era para eles uma questão de honra!
Por isso, começamos a andar ainda de noite e continuávamos a apressar o andamento na esperança de que eles, talvez, não tivessem tempo de montar a emboscada.
Já era bem de dia quando o vale se bifurcou. Eu devia continuar em frente, sempre para norte, sempre por aquele vale, o Quartel-General sabia bem que era ao longo dele que se encontravam as populações e por isso o itinerário era aquele e não outro.
Mas chegados àquela bifurcação decidi seguir pelo vale da esquerda, de vegetação mais densa, quase impenetrável, de tal forma que era praticamente impossível montar ali uma emboscada ou fosse o que fosse... Em termos de distância, parecia-me encurtar caminho.
Disse aos homens para encherem os cantis num fio de água que por ali passava e foi nesse momento, com eles dobrados sobre si próprios, involuntariamente meio escondidos para recolherem a água e eu de pé, a olhar paro o mapa que o tiroteio começou.
Eles pensaram exactamente aquilo que eu iria fazer. Aquele era o sítio certo para a emboscada até porque se virasse à esquerda, e eles não tinham a certeza disso, já não haveria condições para que ela pudesse ser montada.
Entretanto, os tiros continuavam e eu continuava de pé como se os desafiasse a acertarem-me.
Finalmente o "Maia", deitado, escondido atrás de um tronco de uma árvore caída no terreno, gritou-me:
-Saia daí, meu Alferes, que eles matam-no!
Dirigi-me para junto dele a passo de quem muda de mesa na esplanada do café:
-Meu Alferes, as balas aos seus pés até levantavam pó!
Entretanto, alguém gritou que eles estavam em cima das árvores a fazerem fogo e logo tudo quanto tinha folhas e ramos foi varrido pelas rajadas das espingardas G3.
Nitidamente, o efeito da surpresa tinha passado e o nosso maior poder de fogo estava a impor-se.
Chamei o homem da bazuca e mandei-o disparar duas granadas na esperança de que alguma delas conseguisse passar por entre as árvores e explodisse contra a outra encosta do vale.
A primeira rebentou logo à nossa frente, deu cabo de uma árvore que estava muito próxima de nós e espalhou lascas de madeira por todo o lado.
- Porra! levanta mais o cano da bazuca... e a granada, por sorte, passou por entre e cimo das copas das árvores...
O efeito ultrapassou tudo o que poderia esperar: o estrondo do rebentamento multiplicado pelo eco, possível pelo facto das encostas do vale serem suficientemente íngremes e próximas e funcionarem como paredes em frente uma da outra, parecia coisa do apocalipse.
Quando, finalmente, se deixou de ouvir, aquela guerra tinha acabado e a calma e o silêncio estabeleceram-se como se nada ali tivesse acontecido.
Lentamente, levantámo-nos olhando uns para os outros, interrogando-nos com o olhar e, inacreditavelmente, estávamos todos bem. Apenas um sargento enfermeiro, de mais idade e pesado, tinha desmaiado de comoção mas estava a recobrar.
Tiveram a oportunidade de uma justa vingança e não a aproveitaram, dispararam de surpresa de cima das árvores a distâncias que não eram grandes e poderiam ter-nos causado inúmeras baixas… éramos mais de sessenta alvos.
Em vez disso, não acertaram em ninguém, a jovem não foi vingada mas eles tentaram, cumpriram a sua obrigação, provavelmente com feridos ou mortos pois foram vistos alguns a atirarem-se das árvores, não sabemos se atingidos.
A continuação da marcha foi penosa, momentos houve em que a vegetação de tão densa que se foi tornando aprisionou-nos de pernas e braços obrigando a recuos e avanços que eram uma autêntica luta contra o emaranhado dos ramos.
Finalmente, exaustos de cansaço, fome e sede, porque no meio de toda aquela confusão e na pressa de abandonar aquele local nem chegámos a encher os cantis de água, lá chegámos ao destino, já de noite, mas vivos e sem feridos.
Aquilo que nos separou da morte, nesse dia, foi um simples capricho do acaso.
Cinquenta anos depois convenço-me cada vez mais que o acaso comanda a vida... sempre a comandou. Todo o processo evolutivo foi determinado pelo acaso e as nossas humildes vidas, claro, também não lhe podiam fugir.
Pensei muitas vezes, ao longo de todos estes anos, naquela jovem com um sentimento de culpa pela sua morte.
Propositadamente, não quis vê-la, fugi daquele local para não lhe recordar o rosto pela vida fora mas é fácil imaginá-lo e ele tem-me acompanhado, sinal de que a minha consciência não está completamente descansada.
Afinal, eu era o Comandante daquela Operação e antes dela começar deveria ter dado instruções a todos os soldados de que, a menos que fôssemos atacados, ninguém dava tiros sem minha autorização.
Esta ordem ficou por dar e custou a vida àquela rapariga e a minha consciência carregará sempre esse peso...
Para ela, estas flores."
Quando, por exaustão, as tropas eram retiradas da zona de guerra, mais ou menos ao fim de um ano, e transferidas para outras regiões, era comum fazerem uma passagem por Luanda e aí serem aproveitadas pelos Altos Comandos para uma última Operação, espécie de cereja em cima do bolo, integrando, então, o que se chamava, a Tropa de Intervenção.
Era uma oportunidade das Chefias, sedeadas no ar condicionado de Luanda, de fazerem a sua própria guerra, concebendo e realizando Operações que eram desencadeadas em locais escolhidos por serem considerados importantes do ponto de vista estratégico e envolviam grande número de militares.
Nessas Operações, os oficiais superiores, dentro de pequenas avionetas ao lado dos pilotos, sobrevoavam a zona em que as tropas operavam tentando fazer o acompanhamento o que não era fácil porque cá em baixo era um ininterrupto tapete verde.
Para fazerem uma ideia da movimentação dos grupos de combate no terreno e da sua localização davam ordens pela rádio para que fossem lançadas granadas de fumo o que não era muito do agrado das tropas que tinham de interromper a marcha com o risco de darem também sinais aos guerrilheiros.
Percebíamos, no entanto, que esta era a maneira desses Oficiais participarem mais directamente na guerra sem o esforço e riscos inerentes e ao mesmo tempo poderem fiscalizar o cumprimento dos itinerários fixados nas Cartas de Operações, ou pelo menos tentarem.
Era este o contexto em que fiz a minha última Operação na Guerra Colonial e que só por muita sorte não foi, igualmente, a última coisa que fiz na minha vida.
Mas se hoje a posso relatar porque lhe sobrevivi a minha vontade era, no entanto, esquecê-la, ou melhor ainda, que ela nunca tivesse acontecido.
Deixem-me, por isso, fazer previamente uma reflexão:
Afirmei no início do relato destas lembranças que não houve uma guerra colonial mas tantas quantas aqueles que nela participaram.
O cunho e a marca da guerra estão não só naquilo que nos acontece enquanto vivemos essa experiência traumática mas principalmente pela forma como cada um sente e reage a tudo isso.
Todos fomos criados e educados num quadro de valores que respeita a vida humana mas quando nos põem uma arma nas mãos, vestem um camuflado e nos mandam para a guerra, imediatamente interiorizamos que vamos morrer e matar e por isso, quando passadas poucas semanas de termos chegado, um Unimog foi emboscado pelo inimigo e quase todos os seus ocupantes, meus camaradas de Batalhão, foram mortos, incluindo o meu amigo e melhor aluno na recruta, o "Setúbal", o que eu senti, fundamentalmente, é que a sentença da guerra se estava a cumprir entre aqueles que eram os seus protagonistas.
No fundo, na morte daqueles soldados havia qualquer coisa de terrivelmente óbvio. Os soldados foram concebidos para morrer, umas vezes uns, outras vezes outros...
Se alguma coisa faz sentido na fria lógica de uma guerra é a morte dos soldados que nela participam e por isso a morte de um soldado por um soldado inimigo não envergonha aquele que o mata, envergonharia senão o matar.
Assim, o meu ódio, não foi para o soldado nosso inimigo mas para a Guerra, para os seus promotores, para aqueles que nos puseram uma arma na mão, vestiram-nos o camuflado e tiveram a coragem de nos dizer que íamos defender os superiores interesses da nação sem esclarecerem que nela se camuflavam os interesses dos senhores do café, do algodão, do sisal, dos diamantes, do açúcar, a maior parte deles residentes em Portugal com breves visitas a África, o tempo necessário para umas bem organizadas caçadas.
Mas regressemos à minha última Operação.
Desenrolou-se tendo como base e local de partida a fazenda Maria João, no Coração dos Dembos, bem no centro do Norte de Angola e nela participaram várias Companhias que saindo em simultâneo do mesmo ponto percorriam itinerários diferentes com objectivos de “limpeza”, perfeitamente delirantes tendo em conta o cenário que "visitávamos" pela primeira vez enquanto "eles "estavam na sua casa. Só por acaso ou distracção deles...
Fomos largados das viaturas naquilo que eles disseram ser uma picada, que há muito tinha deixado de o ser, e deveríamos seguir na direcção norte até encontrar uma outra picada onde a operação finalizaria com as viaturas a reconduzirem-nos de novo à Fazenda Maria João.
Com o meu pelotão ia também um outro que era comandado por um Alferes médico que não tendo ainda feito o estágio cumpria a comissão como oficial de infantaria e pertencia à guarnição militar que estava instalada na própria fazenda.
O seu estado de espírito não podia estar mais deprimido e completa era a sua saturação e desinteresse por tudo o que o rodeava. Antes de partirmos acercou-se de mim e disse-me: “Não quero saber disto para nada, você comanda e eu vou ser apenas mais um soldado”… não mais voltei a dar pela sua presença.
A operação decorreu num vale de encostas bem acentuadas e que se prolongava na sentido Sul/Norte. Até uma certa altura, não muita, a partir da zona mais profunda, a encosta estava desmatada e era evidente que aquele vale, na sua parte mais fértil, era aproveitado para a agricultura de subsistência pelas populações que se tinham subtraído ao controle das autoridades portugueses e viviam fugidas no mato juntamente com os guerrilheiros.
Começamos a deslocação pela encosta do lado esquerdo do vale, na orla do terreno que estava mais limpo e encobertos pela vegetação. Era-nos, assim, relativamente fácil, observar o que se passava à nossa direita, mais abaixo, sem que o contrário fosse igualmente possível. Caminhávamos uns atrás dos outros numa fila que se prolongava por dezenas de metros e durante algum tempo nada aconteceu.
De repente, ouvi um tiro, vários tiros, um alvoroço, alguns soldados descem a correr a encosta, atravessam o vale e perseguem pessoas que fogem subindo a encosta do outro lado.
Regressam passado pouco tempo os que tinham saído em perseguição, a calma restabelece-se progressivamente... o drama estava consumado.
Uma jovem que trabalhava na agricultura tinha sido morta com um tiro disparado por um soldado a longa distância e cuja bala lhe entrara pelas costas e atravessara o coração. Um outro soldado cortou-lhe um dedo para trazer para casa como troféu de guerra e eu… tive uma enorme vontade de fugir dali, evaporar-me, desaparecer… Eu era o comandante (?) daquela tropa e nem sequer podia recriminar o soldado que matou a jovem e que tinha por alcunha “o boi”, porque ele apenas cumprira as instruções do Quartel General de matar tudo o que mexesse, a tal "limpeza" a que já me referi.
Não conheci bem este soldado no sentido de que não tive com ele convivência. Era da minha Companhia mas do Pelotão do Alferes Ataíde e por isso desconhecia se havia alguma relação entre a alcunha de “o boi” com o seu aspecto rude, possante, algo primitivo, provavelmente quase analfabeto e o gesto que ditou a morte de uma jovem.
Dizer-lhe que a utilização de uma arma, mesmo numa situação de guerra, é sempre da responsabilidade de quem a utiliza, faria algum sentido para ele? - Manifestar-lhe o meu desagrado não seria estabelecer a confusão na sua cabeça? Perguntar-lhe se ele gostaria que fossem à sua aldeia e matassem a sua irmã ou a sua namorada quando ela estava a trabalhar no campo, era justo?
Do outro soldado, do que cortou o dedo do cadáver da jovem para recordação, fiz questão de nunca querer saber quem tinha sido…nada conseguiria diminuir a vergonha que senti. Muitos anos mais tarde, num dos nossos almoços anuais de confraternização, disse-me, envergonhado e à laia de desculpa: ... "meu Alferes, eu era muito novo..."Foram, para mim, momentos de pânico e desorientação, não queria estar ali nem mais um minuto e por isso dei instruções para que continuássemos o nosso trajecto o mais rapidamente possível.
Cansado daquelas marchas, daquela atmosfera saturada de humidade que não nos deixava respirar, do peso da espingarda, cartucheiras, bornal, capa de borracha, cantil, que depressa esvaziava, quando à noite me deixava cair o que me esperava era sempre um sono profundo.
Sempre, não. Naquela noite quase não preguei olho, os gritos de dor pela morte da jovem ecoavam por todo aquele vale.
Eram gritos lancinantes, acusatórios e o silêncio à volta deles parecia total, como se toda a bicharada da floresta tivesse decidido calar-se nessa noite para que eu melhor os pudesse ouvir.
No outro dia, ainda o sol não tinha nascido e já nos tínhamos posto em marcha que só não eram forçadas porque as condições do terreno e da vegetação não o permitiam.
Era ténue a minha esperança de conseguir escapar à emboscada que de certo me esperaria em qualquer ponto do percurso. Os guerrilheiros não podiam permitir que a tropa fosse ao seu terreno matar uma jovem do seu povo. da mesma forma que se caça uma gazela, e saísse do emaranhado de toda aquela vegetação com total impunidade... era para eles uma questão de honra!
Por isso, começamos a andar ainda de noite e continuávamos a apressar o andamento na esperança de que eles, talvez, não tivessem tempo de montar a emboscada.
Já era bem de dia quando o vale se bifurcou. Eu devia continuar em frente, sempre para norte, sempre por aquele vale, o Quartel-General sabia bem que era ao longo dele que se encontravam as populações e por isso o itinerário era aquele e não outro.
Mas chegados àquela bifurcação decidi seguir pelo vale da esquerda, de vegetação mais densa, quase impenetrável, de tal forma que era praticamente impossível montar ali uma emboscada ou fosse o que fosse... Em termos de distância, parecia-me encurtar caminho.
Disse aos homens para encherem os cantis num fio de água que por ali passava e foi nesse momento, com eles dobrados sobre si próprios, involuntariamente meio escondidos para recolherem a água e eu de pé, a olhar paro o mapa que o tiroteio começou.
Eles pensaram exactamente aquilo que eu iria fazer. Aquele era o sítio certo para a emboscada até porque se virasse à esquerda, e eles não tinham a certeza disso, já não haveria condições para que ela pudesse ser montada.
Entretanto, os tiros continuavam e eu continuava de pé como se os desafiasse a acertarem-me.
Finalmente o "Maia", deitado, escondido atrás de um tronco de uma árvore caída no terreno, gritou-me:
-Saia daí, meu Alferes, que eles matam-no!
Dirigi-me para junto dele a passo de quem muda de mesa na esplanada do café:
-Meu Alferes, as balas aos seus pés até levantavam pó!
Entretanto, alguém gritou que eles estavam em cima das árvores a fazerem fogo e logo tudo quanto tinha folhas e ramos foi varrido pelas rajadas das espingardas G3.
Nitidamente, o efeito da surpresa tinha passado e o nosso maior poder de fogo estava a impor-se.
Chamei o homem da bazuca e mandei-o disparar duas granadas na esperança de que alguma delas conseguisse passar por entre as árvores e explodisse contra a outra encosta do vale.
A primeira rebentou logo à nossa frente, deu cabo de uma árvore que estava muito próxima de nós e espalhou lascas de madeira por todo o lado.
- Porra! levanta mais o cano da bazuca... e a granada, por sorte, passou por entre e cimo das copas das árvores...
O efeito ultrapassou tudo o que poderia esperar: o estrondo do rebentamento multiplicado pelo eco, possível pelo facto das encostas do vale serem suficientemente íngremes e próximas e funcionarem como paredes em frente uma da outra, parecia coisa do apocalipse.
Quando, finalmente, se deixou de ouvir, aquela guerra tinha acabado e a calma e o silêncio estabeleceram-se como se nada ali tivesse acontecido.
Lentamente, levantámo-nos olhando uns para os outros, interrogando-nos com o olhar e, inacreditavelmente, estávamos todos bem. Apenas um sargento enfermeiro, de mais idade e pesado, tinha desmaiado de comoção mas estava a recobrar.
Tiveram a oportunidade de uma justa vingança e não a aproveitaram, dispararam de surpresa de cima das árvores a distâncias que não eram grandes e poderiam ter-nos causado inúmeras baixas… éramos mais de sessenta alvos.
Em vez disso, não acertaram em ninguém, a jovem não foi vingada mas eles tentaram, cumpriram a sua obrigação, provavelmente com feridos ou mortos pois foram vistos alguns a atirarem-se das árvores, não sabemos se atingidos.
A continuação da marcha foi penosa, momentos houve em que a vegetação de tão densa que se foi tornando aprisionou-nos de pernas e braços obrigando a recuos e avanços que eram uma autêntica luta contra o emaranhado dos ramos.
Finalmente, exaustos de cansaço, fome e sede, porque no meio de toda aquela confusão e na pressa de abandonar aquele local nem chegámos a encher os cantis de água, lá chegámos ao destino, já de noite, mas vivos e sem feridos.
Aquilo que nos separou da morte, nesse dia, foi um simples capricho do acaso.
Cinquenta anos depois convenço-me cada vez mais que o acaso comanda a vida... sempre a comandou. Todo o processo evolutivo foi determinado pelo acaso e as nossas humildes vidas, claro, também não lhe podiam fugir.
Pensei muitas vezes, ao longo de todos estes anos, naquela jovem com um sentimento de culpa pela sua morte.
Propositadamente, não quis vê-la, fugi daquele local para não lhe recordar o rosto pela vida fora mas é fácil imaginá-lo e ele tem-me acompanhado, sinal de que a minha consciência não está completamente descansada.
Afinal, eu era o Comandante daquela Operação e antes dela começar deveria ter dado instruções a todos os soldados de que, a menos que fôssemos atacados, ninguém dava tiros sem minha autorização.
Esta ordem ficou por dar e custou a vida àquela rapariga e a minha consciência carregará sempre esse peso...
Para ela, estas flores."
António Balduíno não sentiu o característico cheiro do negro... |
JUBIABÁ
Episódio Nº 92
Vá entrando… Vá entrando…
A casa é dos amigos – e distribuía grandes abraços.
Eles foram entrando. Um
mulato de bigodinho tocava harmónica. Os pares rodopiavam pela sala. António
Balduíno não sentiu o cheiro característico do negro. Até ali, no bairro
distante, o cheiro doce de fumo dominava.
Os pares rodavam, o homem
da harmónica se abaixava e se levantava e no fim da música, de tão excitado,
ele tocava de pé e dançava também roçando os pares que passavam ao alcance da
sua mão.
Quando a música parou o
canoeiro gritou:
- Meu povo, esse negro aqui
toca violão como um santo… E esse gordo sabe cada história linda…
António Balduíno disse ao
Gordo:
- Eu estou pensando na minha cabeça que vou
arranjar mulher aqui …
Foi lá dentro beber
cachaça com o dono da casa e quando voltou, ante a insistência das negras,
tocou ao violão seus melhores sambas que o Gordo cantou.
O homem da harmónica
estava ressentido mas não dizia nada. Quando António Balduíno acabou disse para
ele:
- Vamos tomar um trago, mano? Você toca bem de
verdade…
- Eu arranho… você é um bamba…
Indicou mulheres para
António Balduíno:
- Aquela ali topa… Olhe aqui a minha mulata tem uma amiga… Porque você não
topa com ela?
O homem voltou a tocar
harmónica. Agora toda a sala rodava. Os pés batiam no chão, os umbigos batiam
nos umbigos, as cabeças se tocavam, estavam todos embriagados, uns de cachaça,
outros de música.
Ouvia-se um baticum que os
homens acompanhavam com as mãos. Os corpos se uniam pelas cinturas e depois se
soltavam, giravam sozinhos e voltavam a se encontrar, barriga com barriga, sexo
com sexo.
- Aí, meu bem…
O baticum continuava, os
homens dos instrumentos estavam entre os dançarinos, a sala estava de cabeça
para baixo, estava de lado, de repente estava certa, logo depois não estava
mais, eles estavam era no teto.
Os fifós ainda
atrapalhavam mais. Dançavam sombras, também e elas dançavam na parede,
gigantescas, espantosas. O chão desaparecera, os pés não o sentiam mais, só se
sentia o corpo que era tocado e trazia uma festa de desejo.
As mulheres eram de mola,
quebravam o corpo todo no mexido, as ancas aumentavam, as nádegas remexiam
sozinhas, como se tivessem uma vida à parte do corpo.
Dançavam os homens, as
mulheres, as sombras e a luz do fifó. Desaparecera a sala, desaparecera a luz,
não se via mais nada. Só ficara o baticum, o cheiro doce do fumo e os umbigos
que se encontravam.
Desapareceu também o
desejo, desapareceu tudo, e agora é pura dança.
António Balduíno escreveu
na areia do rio um nome: Regina.
A mulher que estava a seu
lado, deitada no cansaço do amor, sorria satisfeita e beijou o negro. Mas veio
uma onda pequena e apagou o nome que tinha sido escrito com a ponta do punhal.
António Balduíno soltou a
sua gargalhada que estremeceu tudo.
A mulher teve raiva e
chorou.
quinta-feira, agosto 22, 2013
Deus Existe?
Será que Deus existe?
Vejamos, sobre esta questão, como se dividem as pessoas:
Teístas - Agrupa todos aqueles que acreditam numa inteligência sobrenatural que, além de ter criado o universo, se encontra por perto para vigiar e influenciar o destino subsequente da sua criação inicial.
Em certos casos, a divindade está intimamente envolvida nos assuntos humanos, responde às preces, perdoa ou castiga pelos pecados, opera milagres e agita-se tanto com as boas como com as más acções que praticamos ou mesmo quando nos limitamos a pensar em praticá-las;
Deístas – Todos aqueles que acreditam numa inteligência sobrenatural que criou o universo e as leis que o regem e por aqui se terá ficado num aparente desinteresse pelos destinos humanos;
Panteístas - Aqueles que não acreditam num Deus sobrenatural mas usam a palavra Deus como sinónimo da natureza ou do universo ou da legitimidade que rege o seu funcionamento.
Este Deus metafórico ou panteísta dos físicos está a anos-luz do Deus bíblico interventivo, milagreiro, leitor dos pensamentos, punidor de pecados, atendedor de preces e que é o Deus dos padres, mulás e rabinos.
Como exemplo de panteístas referiremos Carl Sagan e Einstein:
Escreve Carl Sagan: “… se com “Deus” nos referimos ao conjunto de leis físicas que regem o universo, então há claramente um “Deus”, um “Deus” que é emocionalmente insatisfatório…não faz muito sentido rezar à lei da gravidade.”
Einstein, por sua vez, escrevia; “Sentir que por detrás de qualquer coisa que possa ser experimentada há algo que a nossa mente não consegue compreender e cuja beleza e sublimidade nos atinge apenas indirectamente como um débil reflexo, isso é religiosidade. Neste sentido sou religioso”.
Ateus - Agrupa os que recusam a existência de uma entidade sobrenatural e não utilizam a palavra Deus para designar o que quer que seja para que não se preste a confusões.
Agnósticos - Aparecem no fim do século XIX e representam uma corrente de pensamento que, em síntese, afirma o seguinte:
- Se o que determina a crença em Deus é a fé e esta não é baseada na razão logo, do ponto de vista racional, não se pode demonstrar a existência ou inexistência de Deus.
Falsos Religiosos - Há, no entanto, ainda, uma outra categoria de pessoas que se afirmam como crentes e seguidores desta ou daquela religião mas que, no fundo, não fazem mais do que “mentir” à sociedade por uma questão de conveniência pessoal. São os falsos religiosos.
O actual presidente da Royal Society confessou a Richard Dawkins que vai à Igreja como “anglicano descrente…por lealdade com a tribo.”Mas não será só por uma questão de “lealdade com a tribo” mas também por medo das represálias da sociedade como se pode deduzir pelos resultados de uma sondagem efectuada em 1999 pela Gallup e na qual se perguntava aos americanos se eles votariam numa pessoa bem habilitada e que fosse mulher:
- 95% responderam afirmativamente; se fosse católica 94%; se fosse judia, 92%; se fosse negra, 92%; se fosse homossexual, 79%; se fosse ateu, 49%.
A mentira está, portanto, explicada e justificada como igualmente se percebe melhor os cuidados e a atenção, por vezes demasiada, com que os candidatos à Casa Branca se referem e tratam o tema religião nas suas campanhas eleitorais.
Consequentemente, os não crentes têm muita dificuldade em assumirem-se, sobretudo entre a elite mais instruída e não é só de hoje.
John Stuart Mill, já no sec. XIX afirmava: ”O mundo ficaria espantado se soubesse quantos dos seus melhores ornatos, dos que mais se distinguem pelo apreço popular, sabedoria e virtude são completamente cépticos”.
Aqui, neste ponto, levanta-se a questão de saber se para sermos bons precisamos de Deus ou se uma crença religiosa é necessária para que tenhamos preceitos morais.
Vale a pena transcrever, a propósito da razão de sermos bons,este notável pensamento de Albert Einstein:- “Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta visita, sem saber porquê, por vezes parecemos adivinhar um objectivo. No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade”.Há pessoas religiosas que têm dificuldade em imaginar como é que alguém sem religião pode ser bom e para que há-de querer ser bom.
E depois, há outras ainda, que desenvolvem ódio contra aqueles que não partilham a sua fé, um ódio violento, de morte sem contemplações e isto na defesa da religião que professam!
Por que é que se acredita que para se defender Deus é preciso ser-se tão feroz?
Há estudos e experiências efectuadas com ateus e crentes religiosos que permitem concluir não existirem diferenças estatísticas significativas entre uns e outros quanto a juízos morais pelo que não precisamos da religião para sermos bons ou maus.
Mas então se Deus não existe para quê ser bom?
A este propósito dizia Einstein: “Se as pessoas são só boas porque temem o castigo e esperam a recompensa, então somos mesmo uma triste cambada.”
O grande filósofo Emanuel Kant, embora religioso, como era quase inevitável à época, baseou toda a moralidade no dever pelo dever e não em função de Deus.
É verdade que a filiação num partido político nos EUA não é um indicador perfeito do factor religiosidade mas não é segredo nenhum que os estados republicanos são fortemente influenciados pelos cristãos conservadores pelo que seria de esperar uma sociedade mais saudável relativamente aos estados democratas onde a influencia do conservadorismo cristão não se faz tanto sentir.
Essa não é, no entanto, a realidade. Das 25 cidades com mais baixos índices de crimes violentos 62% acontecem nos estados democratas e 38% nos republicanos. Das 25 cidades mais perigosas 76% estão em estados republicanos e 24% nos democratas.
Na verdade, 3 das 5 cidades mais perigosas do EUA situam-se no devoto estado do Texas e dos 22 estados com índices de homicídio mais elevado, 17 são republicanos.
No jornal of Religion and Society (2005), Gregory S. Paul levou a cabo um estudo comparativo sistemático de 17 nações economicamente desenvolvidas, chegando à devastadora conclusão que:
“Nas democracias prósperas, índices mais elevados de crença e adoração de um criador correlacionam-se com índices mais elevados de homicídio, mortalidade juvenil e precoce, índices de contágio de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e aborto”.
Estes resultados atingiram tão profundamente as propaladas pretensões de superior virtude moral por parte das pessoas religiosas que se assistiu de imediato a um acréscimo da investigação desencadeada por organizações religiosas que os tentaram refutar…mas até à data ainda nada apareceu que desmentisse os dados do estudo referido e as conclusões a que eles conduzem.
Mas, regressemos de novo à pergunta inicial acerca da existência de Deus:
- Acreditar ou não acreditar em Deus tem a ver com uma questão de fé que não é possível existir em pequenas, médias ou grandes doses, ou se tem fé ou não se tem.
Se sim, acredita-se em Deus a 100%, na modalidade teísta ou deísta.
Se não se tem fé, coerentemente, só se pode ser ateu.
As hipóteses intermédias têm a ver com a delicadeza do tema:
Todos nascemos em sociedades mais ou menos religiosas e há um grau de religiosidade que, diria, nos é insuflado logo após o primeiro choro e que cada um de nós desenvolve em maior ou menor grau em função das características da nossa própria personalidade e do contexto social em que a nossa vida decorre.
E, em certos contextos sociais, não é fácil, muitas vezes é impossível, que alguém se consiga libertar totalmente de um elemento que insuflado à nascença é como se fosse constitutivo de si próprio e por isso aquele limbo de incerteza, de cepticismo, de dúvida tão difícil de quebrar e que não é mais do que um refúgio onde escondemos todos os “diabinhos” que nos assaltam.
Eu penso que a fragilidade do ser humano, este nosso intelecto que nos superioriza tão claramente aos restantes animais mas que não chega para fazer de nós deuses, este ficar a meio caminho, nem animal nem deus, se traduz, de facto, numa fragilidade.
- Ser ateu, é um acto de coragem, é regressar definitivamente à terra e aos animais a que pertencemos e cuja evolução encabeçamos.
- Ser ateu, é um acto de humildade para com a vida, é deixar de ser pretensioso e “convencido” sobre aquilo que, de facto, não somos por muito que gostássemos de o ser.
- Ser ateu, é perceber que a vida desenrola-se à nossa volta e é nela que temos de concentrar todas as nossas energias e capacidades.
- Ser ateu é respeitar a natureza como um legado dos nossos antepassados a transmitir aos nossos descendentes com o máximo respeito por todas as formas de vida.
- Ser ateu é respeitar todas as pessoas independentemente de elas o serem ou não.
- Ser ateu, é amar a vida e os outros muito em especial “aqueles de cujos sorrisos e bem-estar a nossa felicidade depende” (Einstein).
Nesta perspectiva, eu sou ateu.
Será que Deus existe?
Vejamos, sobre esta questão, como se dividem as pessoas:
Teístas - Agrupa todos aqueles que acreditam numa inteligência sobrenatural que, além de ter criado o universo, se encontra por perto para vigiar e influenciar o destino subsequente da sua criação inicial.
Em certos casos, a divindade está intimamente envolvida nos assuntos humanos, responde às preces, perdoa ou castiga pelos pecados, opera milagres e agita-se tanto com as boas como com as más acções que praticamos ou mesmo quando nos limitamos a pensar em praticá-las;
Deístas – Todos aqueles que acreditam numa inteligência sobrenatural que criou o universo e as leis que o regem e por aqui se terá ficado num aparente desinteresse pelos destinos humanos;
Panteístas - Aqueles que não acreditam num Deus sobrenatural mas usam a palavra Deus como sinónimo da natureza ou do universo ou da legitimidade que rege o seu funcionamento.
Este Deus metafórico ou panteísta dos físicos está a anos-luz do Deus bíblico interventivo, milagreiro, leitor dos pensamentos, punidor de pecados, atendedor de preces e que é o Deus dos padres, mulás e rabinos.
Como exemplo de panteístas referiremos Carl Sagan e Einstein:
Escreve Carl Sagan: “… se com “Deus” nos referimos ao conjunto de leis físicas que regem o universo, então há claramente um “Deus”, um “Deus” que é emocionalmente insatisfatório…não faz muito sentido rezar à lei da gravidade.”
Einstein, por sua vez, escrevia; “Sentir que por detrás de qualquer coisa que possa ser experimentada há algo que a nossa mente não consegue compreender e cuja beleza e sublimidade nos atinge apenas indirectamente como um débil reflexo, isso é religiosidade. Neste sentido sou religioso”.
Ateus - Agrupa os que recusam a existência de uma entidade sobrenatural e não utilizam a palavra Deus para designar o que quer que seja para que não se preste a confusões.
Agnósticos - Aparecem no fim do século XIX e representam uma corrente de pensamento que, em síntese, afirma o seguinte:
- Se o que determina a crença em Deus é a fé e esta não é baseada na razão logo, do ponto de vista racional, não se pode demonstrar a existência ou inexistência de Deus.
Falsos Religiosos - Há, no entanto, ainda, uma outra categoria de pessoas que se afirmam como crentes e seguidores desta ou daquela religião mas que, no fundo, não fazem mais do que “mentir” à sociedade por uma questão de conveniência pessoal. São os falsos religiosos.
O actual presidente da Royal Society confessou a Richard Dawkins que vai à Igreja como “anglicano descrente…por lealdade com a tribo.”Mas não será só por uma questão de “lealdade com a tribo” mas também por medo das represálias da sociedade como se pode deduzir pelos resultados de uma sondagem efectuada em 1999 pela Gallup e na qual se perguntava aos americanos se eles votariam numa pessoa bem habilitada e que fosse mulher:
- 95% responderam afirmativamente; se fosse católica 94%; se fosse judia, 92%; se fosse negra, 92%; se fosse homossexual, 79%; se fosse ateu, 49%.
A mentira está, portanto, explicada e justificada como igualmente se percebe melhor os cuidados e a atenção, por vezes demasiada, com que os candidatos à Casa Branca se referem e tratam o tema religião nas suas campanhas eleitorais.
Consequentemente, os não crentes têm muita dificuldade em assumirem-se, sobretudo entre a elite mais instruída e não é só de hoje.
John Stuart Mill, já no sec. XIX afirmava: ”O mundo ficaria espantado se soubesse quantos dos seus melhores ornatos, dos que mais se distinguem pelo apreço popular, sabedoria e virtude são completamente cépticos”.
Aqui, neste ponto, levanta-se a questão de saber se para sermos bons precisamos de Deus ou se uma crença religiosa é necessária para que tenhamos preceitos morais.
Vale a pena transcrever, a propósito da razão de sermos bons,este notável pensamento de Albert Einstein:- “Estranha é a nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma curta visita, sem saber porquê, por vezes parecemos adivinhar um objectivo. No entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o homem está aqui pelos outros homens – acima de tudo por aqueles de cujos sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade”.Há pessoas religiosas que têm dificuldade em imaginar como é que alguém sem religião pode ser bom e para que há-de querer ser bom.
E depois, há outras ainda, que desenvolvem ódio contra aqueles que não partilham a sua fé, um ódio violento, de morte sem contemplações e isto na defesa da religião que professam!
Por que é que se acredita que para se defender Deus é preciso ser-se tão feroz?
Há estudos e experiências efectuadas com ateus e crentes religiosos que permitem concluir não existirem diferenças estatísticas significativas entre uns e outros quanto a juízos morais pelo que não precisamos da religião para sermos bons ou maus.
Mas então se Deus não existe para quê ser bom?
A este propósito dizia Einstein: “Se as pessoas são só boas porque temem o castigo e esperam a recompensa, então somos mesmo uma triste cambada.”
O grande filósofo Emanuel Kant, embora religioso, como era quase inevitável à época, baseou toda a moralidade no dever pelo dever e não em função de Deus.
É verdade que a filiação num partido político nos EUA não é um indicador perfeito do factor religiosidade mas não é segredo nenhum que os estados republicanos são fortemente influenciados pelos cristãos conservadores pelo que seria de esperar uma sociedade mais saudável relativamente aos estados democratas onde a influencia do conservadorismo cristão não se faz tanto sentir.
Essa não é, no entanto, a realidade. Das 25 cidades com mais baixos índices de crimes violentos 62% acontecem nos estados democratas e 38% nos republicanos. Das 25 cidades mais perigosas 76% estão em estados republicanos e 24% nos democratas.
Na verdade, 3 das 5 cidades mais perigosas do EUA situam-se no devoto estado do Texas e dos 22 estados com índices de homicídio mais elevado, 17 são republicanos.
No jornal of Religion and Society (2005), Gregory S. Paul levou a cabo um estudo comparativo sistemático de 17 nações economicamente desenvolvidas, chegando à devastadora conclusão que:
“Nas democracias prósperas, índices mais elevados de crença e adoração de um criador correlacionam-se com índices mais elevados de homicídio, mortalidade juvenil e precoce, índices de contágio de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e aborto”.
Estes resultados atingiram tão profundamente as propaladas pretensões de superior virtude moral por parte das pessoas religiosas que se assistiu de imediato a um acréscimo da investigação desencadeada por organizações religiosas que os tentaram refutar…mas até à data ainda nada apareceu que desmentisse os dados do estudo referido e as conclusões a que eles conduzem.
Mas, regressemos de novo à pergunta inicial acerca da existência de Deus:
- Acreditar ou não acreditar em Deus tem a ver com uma questão de fé que não é possível existir em pequenas, médias ou grandes doses, ou se tem fé ou não se tem.
Se sim, acredita-se em Deus a 100%, na modalidade teísta ou deísta.
Se não se tem fé, coerentemente, só se pode ser ateu.
As hipóteses intermédias têm a ver com a delicadeza do tema:
Todos nascemos em sociedades mais ou menos religiosas e há um grau de religiosidade que, diria, nos é insuflado logo após o primeiro choro e que cada um de nós desenvolve em maior ou menor grau em função das características da nossa própria personalidade e do contexto social em que a nossa vida decorre.
E, em certos contextos sociais, não é fácil, muitas vezes é impossível, que alguém se consiga libertar totalmente de um elemento que insuflado à nascença é como se fosse constitutivo de si próprio e por isso aquele limbo de incerteza, de cepticismo, de dúvida tão difícil de quebrar e que não é mais do que um refúgio onde escondemos todos os “diabinhos” que nos assaltam.
Eu penso que a fragilidade do ser humano, este nosso intelecto que nos superioriza tão claramente aos restantes animais mas que não chega para fazer de nós deuses, este ficar a meio caminho, nem animal nem deus, se traduz, de facto, numa fragilidade.
- Ser ateu, é um acto de coragem, é regressar definitivamente à terra e aos animais a que pertencemos e cuja evolução encabeçamos.
- Ser ateu, é um acto de humildade para com a vida, é deixar de ser pretensioso e “convencido” sobre aquilo que, de facto, não somos por muito que gostássemos de o ser.
- Ser ateu, é perceber que a vida desenrola-se à nossa volta e é nela que temos de concentrar todas as nossas energias e capacidades.
- Ser ateu é respeitar a natureza como um legado dos nossos antepassados a transmitir aos nossos descendentes com o máximo respeito por todas as formas de vida.
- Ser ateu é respeitar todas as pessoas independentemente de elas o serem ou não.
- Ser ateu, é amar a vida e os outros muito em especial “aqueles de cujos sorrisos e bem-estar a nossa felicidade depende” (Einstein).
Nesta perspectiva, eu sou ateu.
(Este texto cujas posições partilho e defendo foi extraído do livro "A Desilusão de Deus" de Richard Dawkins, doutorado, professor de Zoologia, prémio Nobel em 1973 pelos seus estudos em Etologia).
Episódio nº 91
O Gordo contou a história
da panela de Pedro Malazarte e as crianças dormiram. E uma delas ainda trás
fechado na pequena mão negra um boneco de barro, aleijado de um braço.
E no seu sonho, o boneco
preto de barro é uma boneca loira de louça que diz “mamãe” e fecha os olhos
para dormir. Saíram para o lado do rio. Os homens cantam à lua cheia. Mulheres
de vestidos remendados andam na amurada. O rio passa e desaparece em baixo da
ponte.
O Gordo canta a “Cantiga
do Vilela” que António Balduíno acompanha ao violão. Os homens estão todos
atentos à luta heróica do cangaceiro Vilela com o “alferes negreiro”.
A cantiga é heróica. O
alferes foi um herói: Vilela foi mais heróico ainda:
“O Alferes foi valente
E de valente enforcou-se!
Mais valente foi Vilela:
Morreu, foi santo e
salvou-se…»
- Bonito – fala um homem
- Nunca vi dizer que jagunço virasse santo –
atalha uma mulherzinha magra.
- Tem muito jagunço que merece ser santo
mesmo… - o homem que explica bate os dedos na muralha do cais. – Você já viu
jagunço roubar pobre? Jagunço é pobre como a gente…
- Jagunço… eu gosto de
jagunço…
- T’ esconjuro sujo! Parece que não viu o que
eles fizeram com o coronel Anastácio… Deixou o homem sem as orelhas… sem o
nariz… até as coisas dele arrancou… Ficou parecendo um bicho, Deus me perdoe…
Riem se lembrando como
ficara o homem. Mas o que está batendo na amurada do cais, diz:
- Mas você não se lembra do que o Coronel
Anastácio fez com as filhas do Simão maneta… Eram quatro, ele não deixou nem
uma… papou todinha… O velho ficou doido… Mais tivesse e mais o Coronel chamava
aos peitos. Jagunço é quem vinga a gente…
Virou-se para o Gordo:
- Cante outra modinha, camarada.
Mas foi António Balduíno
quem passou a cantar samba e modinha que fizeram as mulheres tristes…
Do sino da igreja vêem as
batidas das nove horas.
- Vamos ao samba da casa do Fabrício, minha
gente? - convida um negro forte.
Vai um grupo. Os demais se
dirigem para as casas ou ainda demoram no cais, olhando a lua, o rio, a ponte,
cinema que eles têm.
Fabrício recebia os
convidados com o copo da cachaça na mão.
- Não quer matar o jejum?
Todos queriam e o copo
passava de boca em boca, um copo grosso que Fabrício enchia conscienciosamente
até transbordar.
O canoeiro apresentava
António Balduíno e o Gordo:
- Dois amigos…