Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, setembro 20, 2014
Um tipo foi à Casa da Sorte e dirigiu-se à empregada dizendo que queria jogar na lotaria.
- Olhe, não tenho a menor ideia sobre quais números escolher para
comprar uma cautela. Pode ajudar-me?
- Claro, respondeu ela, vamos lá. Durante quantos
anos frequentou a escola?
- 8
- Perfeito, temos um 8.
- Quantos filhos tem?
- 3
- Óptimo, já temos um 8 e um 3.
Quantos livros você já leu até hoje?
- 9
- Certo, temos um 8, um 3 e um 9.
- Quantas vezes por semana faz amor com sua mulher
- ?
- Caramba, isso é uma coisa muito íntima - diz ele.
- Mas você não quer ganhar na lotaria?
- Está bem, 2 vezes.
- Só??? Bom, deixe lá.
- Agora que já temos confiança um com o outro, diga-me.
Quantas vezes já levou no cu?
- Qual é, minha? - diz o homem, zangado
- Sou muito macho!!!
- Não fique chateado. Vamos considerar então zero vezes.
- Com isso já temos todos os números: 83920.
- O tipo comprou o bilhete que correspondia ao número escolhido.
No dia seguinte foi conferir o resultado:
- O bilhete premiado foi o 83923.
- F... da P...! Por causa de uma MENTIRINHA de
MERDA não fiquei milionário!!!
Não tem onde cair morto |
Não Ter onde cair Morto
A notícia de que a família
Espírito Santo não tinha um único bem em seu nome elucidou-me sobre o tipo de
sociedade em que vivemos, aonde chegámos.
Juristas meus amigos garantiram-me
que é perfeitamente legal um cidadão, ou cidadã, ou uma família não ter
qualquer bem em nome próprio. Nunca tinha colocado a questão da ausência de
bens no quadro da legalidade, mas no da necessidade.
Acreditava que pessoas
caídas na situação de sem-abrigo, refugiados, minorias étnicas não enquadradas
como algumas comunidades ciganas podiam não ter nada em seu nome, mas até já
ouvira falar no direito a todos os cidadãos possuírem uma conta bancária, um
registo de bens, nem que fosse para prever uma melhoria de situação no futuro.
Considerava um ato de reconhecimento da cidadania ter em seu nome o que pelo
esforço, ou por herança era seu. Chama-se a isso “património”, que tem a mesma
origem de pai e de pátria, aqui lo
que recebemos dos nossos antecessores e que faz parte dos bens que constituem a
entidade onde existimos.
Estes conceitos não valem
para os Espírito Santo, para estes agora desmascarados e para os da sua
extracção que continuam a não ter bens em seu nome, mas têm o nome em tantos
bens, em paredes inteiras, em tetos de edifícios, em frontarias, em
supermercados, em rótulos de bebidas.
O caso da ausência de bens
dos Espírito Santo trouxe à evidência o que o senso comum nos diz dos ricos e
poderosos: -vivem sobre a desgraça alheia.
Até lhe espremem a miséria absoluta
de nada possuírem. Exploram-na.No caso, aproveitam a evidência de que quem nada
possui com nada poder contribuir para a sociedade para, tudo tendo, se eximirem
a participar no esforço comum dos concidadãos. Tudo dentro da legalidade e da
chulice, em bom português.
Imagino com facilidade um dos seus advogados e corifeus, um Proença de
Carvalho, por exemplo, a bramar contra a injustiça, contra o atentado às
liberdades fundamentais dos pobres a nada terem, à violência socializante e
colectivista que seria obrigar alguém a declarar bens que utiliza para habitar,
para se movimentar por terra, mar e ar, para viver, em suma.
Diria: todos somos iguais perante a lei, todos
podemos não ter nada, o nada ter é um direito querem ter, querem o direito de
usar sem pagar. O mesmo direito do invasor, do predador.
A legalidade do não
registo de bens em nome próprio para se eximir ao pagamento de impostos e fugir
às responsabilidades perante a justiça é um exemplo da perversidade do sistema
judicial e da sua natureza classista.
Esta norma legal destina-se a proteger
ricos e poderosos. Quem a fez e a mantem sabe a quem serve.Os Espirito Santo
não são gente, são empresas, são registos de conservatória, são sociedades
anónimas, são offshores com fato e gravata que
recebem rendas e dividendos, que pagam almoços e jantares.
Não são cidadãos. As
cuecas de Ricardo Espirito Santo não são dele, são de uma SA com sede no
Panamá, ou no Luxemburgo. A lingerie da madame Espirito Santo é propriedade de um
fundo de investimento de Singapura, presumo porque não sou o contabilista.
Mas a ausência de bens
registados pelos Espirito Santos em seu nome diz também sobre a sua
personalidade e o seu carácter.
A opção de se eximirem a compartilhar com os
restantes portugueses os custos de aqui
habitar levanta interrogações delicadas: Serão portugueses?
Terão alguma raiz
na História comum do povo que aqui
vive?
Merecem algum respeito e protecção deste Estado que nós sustentamos e que
alguns até defenderam e defendem com a vida?
Ao declararem que nada
possuem, os Espírito Santo assumem que não têm, além de vergonha, onde cair
mortos!
O ridículo a que os
Espírito Santo se sujeitam com a declaração de nada a declarar com que passam
as fronteiras e alfândegas faz deles uns tipos que não têm onde cair mortos,
uns párias.
A declaração de “nada a
declarar” em meu nome, nem da minha esposa, filhinhos e restante família dos
Espírito Santo, os Donos Disto Tudo, também nos elucida a propósito do
pindérico capitalismo nacional: Os Donos Disto Tudo não têm onde cair mortos!
O
capitalismo em Portugal não tem onde cair morto!
Resta ir perguntar pelas
declarações de bens dos Amorins, o mais rico dos donos disto, do senhor do
Pingo Doce, do engenheiro Belmiro, dos senhores Mellos da antiga Cuf, dos
senhores Violas, dos Motas da Engil e do senhor José Guilherme da Amadora para
nos certificarmos se o capitalismo nacional se resume a uma colecção de sem
abrigo que não têm onde cair mortos! É que, se assim for, os capitalistas portugueses, não só fazem o que é costume: explorar os pobres portugueses, como os envergonham.
Os ricos, antigamente, mandavam construir jazigos que pareciam basílicas para terem onde cair depois de mortos – basta dar uma volta pelos cemitérios das cidades e vilas. Os ricos de hoje alugam um talhão ao ano em nome de uma sociedade anónima!
Os Espírito Santo, nem têm um jazigo de família!
Eu, perante a evidência da miséria, se fosse ao senhor Presidente da República, num intervalo da hibernação em Belém, declarava o território nacional como uma zona de refúgio de sem-abrigo, uma vala comum e acrescentava a legenda na bandeira Nacional:
- “Ditosa Pátria que tais filhos tem sem nada!”
Carlos de Matos Gomes
Um tipo sofria de dor de cabeça crónica infernal. Foi ao
médico que, depois dos exames de praxe, disse:
− Meu caro,
tenho uma boa e uma má notícia. A boa, é que posso curá-lo dessa dor de cabeça
para sempre. A má notícia é que para fazer isso eu preciso castrá-lo! Os seus
testículos estão pressionando a espinha, e essa pressão provoca uma dor de
cabeça infernal. Para aliviar o sofrimento preciso de removê-los.
O tipo levou
um choque e caiu em depressão.
Passou dias
meditando. Indagava se havia alguma coisa pela qual valesse a pena viver.
Não teve
outra escolha senão submeter-se à vontade do bisturi.
Quando deixou
o hospital, pela primeira vez, depois de 20 anos, não sentia mais dor de
cabeça. No entanto, percebeu que uma parte importante de si estava faltando.
Enquanto caminhava pelas ruas notava que era um homem diferente, mas que
poderia ter um novo começo. Avistou uma loja de roupas masculinas de luxo.
"É disto
que eu preciso", disse para si mesmo.
− Quero um
fato novo!!!, pediu ao vendedor.
O alfaiate,
de idade avançada, deu uma olhadela, e falou:
− Vejamos...
é um 44, longo.
Ele riu-se:
− É isso
mesmo, como é que adivinhou?
− Estou no
ramo há mais de 60 anos, respondeu o alfaiate.
Experimentou
o fato, que lhe ficou a preceito.
Enquanto se
admirava ao espelho, o alfaiate perguntou:
− Que tal uma
camisa nova?
Ele pensou
por alguns instantes:
− Claro!
O alfaiate
olhou e disse:
− 34 de
manga, e 16 de pescoço.
E ele
pasmado:
− Mas... É
isso mesmo! Como é que adivinhou?
− Estou no
ramo há mais de sessenta anos - repetiu.
Experimentou
a camisa e ficou satisfeito.
Enquanto
andava pela loja, o alfaiate sugeriu-lhe:
− Que tal
umas cuecas novas?
− Claro.
O alfaiate
olhou os seus quadris, e lançou:
− Vejamos... Acho
que é o 36.
Aqui , o tipo soltou uma gargalhada:
− Desta vez,
falhou! Uso o tamanho 34 desde os 18 anos de idade.
O alfaiate
sacudiu a cabeça, negativamente:
− Você não
pode usar 34. O tamanho 34 pressiona os testículos contra a espinha, e essa
pressão deve provocar-lhe uma dor de cabeça infernal.
EXPERIÊNCIA É TUDO... (60 anos no ramo).
Negócio de médico é operar.
Consulte seu alfaiate antes de ser
operado...
Bota mais uma, bonitão. |
TOCAIA
GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 56
- Não quer que a cigana leia sua mão, meu bonitão? – disse ela dirigindo-se ao ajudante de tropeiro e repetiu abrindo os lábios num sorriso provocante: - Vamos, bonitão!
Envaidecido, o gabarola estendeu-lhe a
mão depois de limpá-la na perna da calça:
-
Tá aí.
No decote do vestido podiam-se entrever
os seios de Malena quando ela se curvava. Por uma fracção de segundo Valério
Cachorrão vislumbrava dois pomos túrgidos: Malena logo erguia o busto, a
embromadora.
Moça, alta e bem-feita, o rosto de lua
cheia, as ancas de égua,
Malena tomou da mão de Valério,
apertou-lhe os dedos brutos, recolheu a moeda, percorreu com a unha a linha do
destino numa cócega leve e excitante que descia da palma da mão para os qui bas do tangedor de burros.
Valério Cachorrão pouco ouviu do surrado
aranzel, ocupado
em avaliar com a outra mão o corpo da
cigana. Mal pôde sentir, porém, o volume da bunda pois a demónia, sem deixar de
provocá-lo com o olhar e o sorriso, se esqui vava
e pedia outra moeda:
-
Bota outra, bonitão, pra mim contar o resto...
O resto Valério Cachorrão queria ouvir,
sentir e tocar distante dali, no negrume da mata, fora das vistas de Maninho e
de Josef entretidos numa prosa descansada. Josef arrenegava do lugar: cadê a
influência prometida pelo turco?
Maninho ria devagar:
-
Fique mais uns dias e vai ver.
-
Nanja eu. Não sou doido e levo pressa.
Também Valério tinha pressa, já perdera
demasiado tempo e
três níqueis empalmados pela cigana.
Quis tomá-la pelo pulso, ela torceu o corpo, riu-lhe na cara e, gaiata, mais
uma vez o provocou mostrando a língua, revirando os olhos negros e pidões:
-
Bota mais uma, bonitão!
O bonitão ficou desarmado diante de
tanta galanteza.
Terminou por meter a mão na capanga,
buscou a moeda e a trouxe nos dedos. Não a colocou, porém, na palma da mão como
a tinhosa propunha, não era tão bobo. Manteve-a refulgente na ponta dos dedos
e, recuando no rumo da mata, desafiou:
-
Venha buscar.
Não havia terminado de falar e a
arrenegada, num revolutear
arrojado e imprevisto, arrebatara-lhe o
níquel: um giro de corpo, um passo de dança, nunca Valério vira coisa igual,
assim graciosa e pérfida. Antes que ele pudesse reagir, Maleita pusera-se a correr.
Quando qui s
persegui-la já não a avistou no descampado; divisou apenas Josef caminhando
para o armazém de Fadul, a malassombrada desvanecera-se ao luar. Mas Valério
ainda ouviu, de mistura com o coaxar dos sapos, os ecos da gaitada da cigana.
A voz convicta de Maninho e o riso
pachorrento chegaram do fogo aceso para passar a carne-seca e quentar o café:
-
Ocê não qui s ouvir o que lhe disse,
bancou o pato. Cigana é assim: muita fita pra iludir, na hora negaceia.
-
Filha da puta! — Ladrou Valério Cachorrão.
sexta-feira, setembro 19, 2014
IMAGEM
Gerês
"A tarde estava como veludo e as fragas, amolecidas pela luz, pareciam de pão a arrefecer. Do alto, a paisagem à volta era de aconchego de berço. Muros sucessivos de cristas - centros concêntricos de esterilidade - envolviam e preservavam a solidão. Nas vezeiras, resignadas, as rezes esmoíam os tojos como quem ajeita um cílio ao corpo.
E mais uma vez me inundou a emoção de ter nascido nesta pequena pátria pedregosa que é Portugal. Há nessa condenação como que uma graça dos deuses. Também é preciso ser de eleição para merecer certas pobrezas."
Gerês, 6 de Agosto de 1952
Miguel Torga
Nota - Só um génio das letras apaixonado pela sua terra escreve assim.
Vitor Ramil - Foi no Mês Que Vem
Não é nenhum jovem. Tem 52 anos e iniciou-se nestas "lides" na década de 80. É de uma família de músicos pelo que ela está nos genes. Escreve, compõe, interpreta e é brasileiro. Não é dos anos 60/70 que eu aqui tanto recordo, mas é igualmente muito bonita.
O populismo é uma ameaça que devemos levar a sério. |
Populismo
Num país onde todo um povo foi educado durante quase cinco décadas a desconfiar dos políticos e onde esse mesmo povo foi convencido a não sentir necessidade de se fazer representar em democracia é muito fácil criar a ideia de que o exercício da política é uma actividade tendencialmente corrupta e malévola. A ingenuidade do pós 25 de Abril deu lugar ao desencanto e da mesma forma que os portugueses aderiram em massa aos primeiros actos eleitorais agora desconfiam da sua utilidade e dos que se candidatam.
Neste ambiente é fácil o aparecimento de políticos pouco escrupulosos que se aproveitando dessa desconfiança da política conseguem eles próprios subir na política. Alguns nem sequer têm ideias, limitam-se a falar mal da política e dos políticos e as suas propostas para o país são apenas a desconfiança em relação à política e à democracia.
Um político que esteja desesperado e queira ganhar a qualquer custo tem no populismo a solução para obter ganhos eleitorais que o seu perfil ou competência não permitem. Os eleitores deixam de o avaliar e sentem-se tentados a ver na negação da democracia e dos valores democráticos a solução para todos os males, todos os políticos que falem mal dos outros políticos só porque são políticos têm a audiência dos que por desespero ou por convicção consideram a democracia uma inutilidade que gera corrupção.
Sugerir que a política aparece frequentemente associada a negócios, passar a ideia de que a capital é a cidade do pecado por oposição aos bons valores ruralistas do campo, propor a diminuição dos deputados porque sendo caros e inúteis não são necessários em tão grande número, passar a ideia de que o actual parlamento tem deputados que não representam os cidadãos, são truques que encontram a adesão de eleitores mal informados.
O mais curioso é que alguns dos políticos mais populistas são precisamente políticos com mais de duas décadas de parlamento, quem ninguém sabe qual o circulo pelos quais foram eleitos e que sempre viveram na capital onde conhecem os bastidores como ninguém. Uma boa parte dos políticos populistas são precisamente aquilo que criticam nos outros.
O projectos populistas não têm por objectivo que os eleitores escolham os mais competentes, os mais honestos ou os mais capazes, visam sim que os eleitores escolham um político só porque este domina a arte da vitimização e da mentira. Não se escolhe um político populista porque ele demonstra ser mais honesto, competente e capaz dos que os outros, mas sim porque ele domina melhor a arte da difamação desviando a atenção dos eleitores para os defeitos que inventou nos outros.
Raramente um político populista espelha inteligência, prova honestidade ou evidencia incompetência, os políticos populistas precisam que os eleitores pensem mal dos outros políticos e é por isso que o seu discurso visa denegrir os outros políticos e com isso por em causa a democracia. O populismo é a arma dos fracos e oportunistas, daqueles para quem as suas ambições estão acima da democracia e que não hesitam em defender hoje aquilo a que se opuseram no passado.
Não há populismo de esquerda ou de direita, quem opta pelo populismo não é de esquerda nem de direita, não é liberal nem social democrata, não é nem socialistas nem comunista, o populista é alguém que tentar iludir os eleitores escondendo as suas limitações chamando a atenção para os defeitos que atribui aos outros, aproveitando-se dos piores valores que por vezes conduzem o comportamento eleitoral de eleitores menos esclarecidos.
O populismo que vira o interior contra o litoral, o agricultor contra o industrial, o cidadão contra o deputado, o norte contra o sul, o país contra a capita, o populismo que insinua que a política e os negócios andam sempre juntos, que defende que há políticos puros e políticos impuros, que há políticos prostitutos e políticos puros, este populismo é próprio de políticos falhados e os políticos que não têm capacidade para ganhar em democracia são perigosos para essa mesma democracia. É obrigação de todos os democratas rejeitá-los.
O populismo que vira o interior contra o litoral, o agricultor contra o industrial, o cidadão contra o deputado, o norte contra o sul, o país contra a capita, o populismo que insinua que a política e os negócios andam sempre juntos, que defende que há políticos puros e políticos impuros, que há políticos prostitutos e políticos puros, este populismo é próprio de políticos falhados e os políticos que não têm capacidade para ganhar em democracia são perigosos para essa mesma democracia. É obrigação de todos os democratas rejeitá-los.
O Jumento
NOTA - Quem enfia esta carapuça?
Nos lábios o sorriso inteiro |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 55
Na cama, vez por outra, destrambelhava: talvez por isso mesmo apenas estranhos a escolhiam; os conhecidos somente em último recurso iam com ela. Atracada ao parceiro dizia coisas ininteligíveis, desmanchava-se em pranto, ria às gargalhadas, recusava a paga. Como se, de súbito, houvesse reencontrado perdido xodó.
Como se o desconhecido freguês fosse
pessoa sua, marido ou amásio, e ela própria fosse outra, não a mansa Maria Gina
que entrava mata adentro, e, quando todos pensavam ter-se perdido para sempre,
regressava vestida de folhagens e de flores. Mansa, não fazia mal a ninguém.
Na noite dos ciganos, caminhando sobre o
tapete de luar, Marta Gina cumpria seu destino da mesma maneira que a corte
real da Babilónia. Nos lábios o sorriso inteiro.
De longe podia-se reconhecer quem vinha
vindo: a lua se derramava nos caminhos, o negrume da noite fora extinto.
Não de todo, no entanto, pois vivente
algum soube explicar nos limites de Tocaia Grande o sumiço do cigano Miguel,
dos quatro trapaceiros o mais moço, e de Guta, enrabichada e atrevida.
Em que esconderijo, em que escuridão haviam se
metido?
O último a vê-los foi Dudu Tramela à
meia distância entre o depósito de cacau e a venda de Fadul. Iam abraçados, tão
fora do mundo que passaram perto dele sem notar a presença do moleque apesar da
claridade.
-
Valha-me Deus! - Murmurou o falastrão pensando no que poderia acontecer quando
o casal chegasse à palhoça da rapariga onde Dorindo devia estar à espera,
impaciente.
Maluco por Guta, Dorindo comia fogo,
vomitava enxofre. Mas, pelo visto, os namorados não se dirigiram à palhoça e contra
a perspectiva de Dudu o encontro não se deu naquela hora.
Igual ao que se passou com Maria Gina,
desapareceram nas dobras do luar enquanto o velho Josef tomava o rumo do
descampado indo ao encontro dos tropeiros a fim de mercadejar qui nqui lharias
e cavalos. Uma surda cantoria de sapos celebrava a lua cheia.
Para ler a sorte das mulheres, quanto
mais idosa e bruxa a qui romante,
mais acreditada. Para tomar, porém, da mão dos homens, medir com a unha a linha
do destino, olhar nos olhos do freguês ao falar de paixão desesperada, a cigana
deve ser jovem e atraente, promessa e tentação no ciciar da voz.
Quando a velha Júlia, uma harpia curvada
pela idade, desembocou no rancho dos tropeiros propondo-se a lhes revelar o ontem
e o amanhã, Maninho, ocupado em chamuscar a carne seca, gracejou com seu
segundo:
-
Cachorrão, chegou a cigana que ocê tava esperando...
- Essa, nem de graça - Rosnou Valério Cachorrão.
Mas
entregou a mão a Malena assim a diaba apareceu na sombra de Josef, ele
oferecendo animais de raça para venda e troca, para qualquer negócio, ela
transando vaticínios. Apenas vaticínios?
Valério Cachorrão, traquejado, achou que
Malena estava sugerindo muito mais: tinha razão para assim pensar e agir em
consequência pois outra coisa não fizera a disgramada além de fretar-se com o
maior descaramento.
Ele e a Circunstância |
Armando Vara
e a
Circunstância
Armando Vara, completamente surpreendido pela decisão do Tribunal em condená-lo em 5 anos de prisão efectiva dizia à saída do Tribunal: - “A sentença não é sobre a acusação... Tem que ver com a minha circunstância.”
Completamente verdade, a sua circunstância, ou seja, o
seu passado político condenou-o em Tribunal. Ora
reparem:
- Quando se deu o 25 de Abril de 1974 Vara era um
modesto empregado da Agência da Caixa Geral de Depósitos de uma mais que pacata
Vila de Trá-os-Montes e, se não tivesse acontecido a revolução ele estaria a
gozar hoje a sua reforma de funcionário da Caixa não com uma pensão dourada mas
razoável.
Viveria despreocupado, sem ralações nem canseiras e,
de certeza, não estava condenado a 5 anos de prisão que não serão fáceis na
idade dele e depois de habituado a uma vida de abastança, privilégios e de
atenções a menos que ele consiga na prisão condições diferentes das dos
restantes presos.
Mas Vara tem o que procurou ou consentiu que, nestas
coisas, é quase igual. Ele terá realizado na vida o maior salto à vara já visto em Portugal.
E como? – Meteu-se na política, da pura e dura, e
saltou logo de um modesto empregado de balcão da Caixa para Director da mesma e
de seguida para a sua Administração. Daqui
para Vice – Presidente do BCP foi mais um saltinho... Um Triplo – Salto à Vara.
Saindo de um círculo de tostões entrou num universo de
milhões empurrando todas as portas com o cajado de deputado e deslumbrou-se.
Trabalhador e engenhoso beneficiou da simpatia de
Guterres mas um passo mal dado levou Sampaio a exigir a sua demissão de
Ministro ao que ele reagiu muito agressivamente junto da corte do Presidente da
República.
Começou, então, a tecer-se a teia do seu descrédito no
interior do seu partido mesmo com um aliado como Jorge Coelho.
A amizade de Sócrates alcandorou-o e, tanto um como o
outro foram para a Universidade Independente saindo, o Sócrates com o diploma
de Eng. e o Vara, diplomado em Relações Internacionais.
Por isso, Sócrates passou a tratava-lo por Dr. Vara.
Andou numa autêntica roda viva de apoio Socrático,
com um fervor religioso só ao alcance dos verdadeiros fiéis que estão no meio
de tudo quanto estivesse associado a esse desígnio.
Daqui até
aos robalos que se transformaram em tubarões foi um passo...
Agora, no rescaldo do Primeiro Juízo, enquanto prepara
o recurso, ele vai ter tempo para meditar sobre os trinta anos da sua
actividade política e perceber quanto a ingratidão e a inveja humanas são
profundas.
quinta-feira, setembro 18, 2014
|
Cachorrão chegou cigana que você estava esperando... |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 55
Na cama, vez por outra, destrambelhava: talvez por isso mesmo apenas estranhos a escolhiam; os conhecidos somente em último recurso iam com ela. Atracada ao parceiro dizia coisas ininteligíveis, desmanchava-se em pranto, ria às gargalhadas, recusava a paga. Como se, de súbito, houvesse reencontrado perdido xodó.
Como se o desconhecido freguês fosse
pessoa sua, marido ou amásio, e ela própria fosse outra, não a mansa Maria Gina
que entrava mata adentro, e, quando todos pensavam ter-se perdido para sempre,
regressava vestida de folhagens e de flores. Mansa, não fazia mal a ninguém.
Na noite dos ciganos, caminhando sobre o
tapete de luar, Marta Gina cumpria seu destino da mesma
maneira que a corte real da Babilónia. Nos lábios o sorriso inteiro.
De longe podia-se reconhecer quem vinha
vindo: a lua se derramava nos caminhos, o negror da
noite fora extinto.
Não de todo, no entanto, pois vivente
algum soube explicar nos limites de Tocaia Grande o sumiço do cigano Miguel,
dos quatro trapaceiros o mais moço, e de Guta, enrabichada e atrevida.
Em que esconderijo, em que escuridão haviam se
metido?
O último a vê-los foi Dudu Tramela à
meia distância entre o
depósito de cacau e a venda de Fadul.
Iam abraçados, tão fora do mundo que passaram perto dele sem notar a presença
do moleque apesar da claridade.
-
Valha-me Deus! - Murmurou o falastrão pensando no que poderia acontecer quando
o casal chegasse à palhoça da rapariga onde Dorindo devia estar à espera,
impaciente.
Maluco por Guta, Dorindo comia fogo,
vomitava enxofre. Mas, pelo visto, os namorados não se dirigiram à palhoça e contra
a perspectiva de Dudu o encontro não se deu naquela hora.
Igual ao que se passou com Maria Gina,
desapareceram nas dobras do luar enquanto o velho Josef tomava o rumo do
descampado indo ao encontro dos tropeiros a fim de mercadejar qui nqui lharias
e cavalos. Uma surda cantoria de sapos celebrava a lua cheia.
Para ler a sorte das mulheres, quanto
mais idosa e bruxa a qui romante,
mais acreditada. Para tomar, porém, da mão dos homens, medir com a unha a linha
do destino, olhar nos olhos do freguês ao falar de paixão desesperada, a cigana
deve ser jovem e atraente, promessa e tentação no ciciar da voz.
Quando a velha Júlia, uma harpia curvada
pela idade, desembocou no rancho dos tropeiros propondo-se a lhes revelar o ontem
e o amanhã, Maninho, ocupado em chamuscar a carne seca, gracejou com seu
segundo:
- Cachorrão, chegou a cigana que ocê tava
esperando...
- Essa, nem de graça - Rosnou Valério Cachorrão.
Mas
entregou a mão a Malena assim a diaba apareceu na sombra de Josef, ele
oferecendo animais de raça para venda e troca, para qualquer negócio, ela
transando vaticínios.
Apenas
vaticínios?
Valério Cachorrão, traquejado, achou que
Malena estava
sugerindo muito mais: tinha razão para
assim pensar e agir em consequência pois outra coisa não fizera a disgramada
além de fretar-se com o maior descaramento.
- Não quer que a cigana leia sua mão, meu
bonitão? - disse
ela
dirigindo-se ao ajudante de tropeiro e repetiu abrindo os lábios num sorriso
provocante: - Vamos, bonitão!