sábado, dezembro 26, 2009

VÍDEO

Um autentico número de circo...

DUO OURO NEGRO - LINDEZA


RIGHTOUS BROTHERS



DONA FLOR


E SEUS DOIS


MARIDOS

EPISÓDIO Nº 3


Dona Flor, precedida é claro, por dona Norma a dar ordens e a abrir caminho, chegou quase ao mesmo tempo que a polícia. Quando despontou na esquina, apoiada nos braços solidários das comadres, todos adivinharam a viúva, pois vinha suspirando e gemendo, sem tentar controlar os soluços, num pranto desfeito. Ao demais, trajava o robe caseiro e bastante usado com que cuidava do asseio do lar, calçava chinelas cara-de-gato e ainda estava despenteada.

Mesmo assim era bonita, agradável de ver-se; pequena e rechonchuda, de uma gordura sem banhas, a voz bronzeada de cabo-verde, os lisos cabelos tão negros a ponto de parecerem azulados, olhos de requebro e os lábios grossos um tanto abertos sobre os dentes alvos. Apetitosa, como costumava classificá-la o próprio Vadinho em seus dias de ternura, raros talvez porém inesquecíveis.

Quem sabe, devido às actividades culinárias da esposa, nesses idílios Vadinho dizia-lhe “meu manué de milho verde, acarajé cheiroso, minha franguinha gorda”, e tais comparações gastronómicas davam justa ideia de certo encanto sensual e caseiro de dona Flor a esconder-se sobre uma natureza tranquila e dócil. Vadinho conhecia-lhe as fraquezas e as expunha ao sol, aquela ânsia controlada de tímida, aquele recatado desejo fazendo-se violência e mesmo incontinência ao libertar-se na cama.

Quando Vadinho estava de veia, não existia ninguém mais encantador e nenhuma mulher sabia resistir-lhe. Dona Flor jamais conseguira recusar-se ao seu fascínio nem mesmo a tanto se dispunha cheia de indignação e raiva recentes. Pois, em repetidas ocasiões, chegara a odiá-lo e a arrenegar o dia em que unira a sua sorte à do boémio.

Mas andando agoniada, ao encontro da intempestiva morte de Vadinho, dona flor ia zonza, vazia de pensamentos, de nada se recordava, nem dos momentos de densa ternura, menos ainda dos dias cruéis, de angústia e solidão como se ao expirar ficasse o marido despojado de todos os defeitos ou como se não os houvesse possuído em sua “breve passagem por este vale de lágrimas”.

Foi “breve sua passagem por este vale de lágrimas” pronunciou o respeitável professor Epaminondas Sousa Pinto afectado e afobado, tentando cumprimentar a viúva, dar-lhe os pêsames, antes mesmo dela chegar junto ao corpo do marido. Dona Gisa, também professora e até certo ponto também respeitável, conteve o açodamento do colega e conteve o riso. Se em verdade fora breve a passagem de Vadinho pela vida – vinha de completar trinta e um anos – para ele dona Gisa bem o sabia, não fora o mundo vale de lágrimas e, sim, palco de farsas, engodos, embustes e pecados, alguns deles aflitos e confusos, sem dúvida, submetendo seu coração a árduas provas, a agonias e a sobressaltos: dívidas a pagar, promissórias a descontar, avalistas a convencer, compromissos assumidos, prazos improrrogáveis, protestos e cartórios, bancos e agiotas, caras amarradas, amigos esquivando-se sem falar nos sofrimentos físicos e morais de dona Flor. Porque, considerava dona Gisa em seu português arrevesado – era vagamente norte americana, naturalizara-se e se sentia brasileira mas o diabo da língua, ah!, não conseguia dominá-la – se houvera lágrimas na breve passagem de Vadinho pela vida, elas tinham sido choradas por dona Flor e foram muitas, davam de sobra para o casal.

sexta-feira, dezembro 25, 2009

VINÍCIUS DE MORAES - POEMA DE NATAL


quinta-feira, dezembro 24, 2009

VÍDEO

Vejam com atenção este vídeo... duas vezes.


ELVIS PRESLEY - TRIBUNE NEVER WALK ALONE


DUO OURO NEGRO - IEMANJÁ



DONA FLOR


E SEUS DOIS


MARIDOS

EPISÓDIO Nº 2


Foi um reboliço no bloco e na rua, um corre-corre pelas redondezas, um deus-nos-acuda a sacudir os carnavalescos – e ainda por cima a escandalosa Anete, professorinha romântica e histérica, aproveitou a boa oportunidade de para um chilique, com pequenos gritos agudos e ameaças de desmaio. Toda aquela representação em honra do dengoso Carlinhos Mascarenhas por quem suspirava a melindrosa de faniquito fácil – dizendo-se ela própria ultra-sensível, arrepiando-se como uma gata quando ele dedilhava o cavaquinho.

Cavaquinho agora silencioso, pendendo inútil das mãos do artista, como se Vadinho houvesse levado consigo para o outro mundo seus derradeiros acordes.

Veio gente correndo de todos os lados, logo a notícia circulou pelas imediações, chegou a São Pedro, à Avenida Sete, ao Campo Grande, arrebanhando curiosos. Em torno ao cadáver reunia-se uma pequena multidão a acotovelar-se em comentários. Um médico residente no Sodré foi requisitado e um guarda-de-trânsito. Sacou de um apito e nele soprava sem parar, como a advertir a cidade inteira, a todo o Carnaval, do fim do Vadinho.

“Pois se é Vadinho, coitadinho dele!” constatou um careta, com sua máscara de meia, perdida a animação. Todos reconheciam o morto, era largamente popular, com sua alegria esfuziante, seu bigodinho recortado, sua altivez de malandro, benquisto sobretudo nos lugares onde se bebia, jogava a farreava; e ali tão perto de sua residência não havia quem não o identificasse.

Outro mascarado, este vestido de aniagem e coberto com uma cabeçorra de urso, varou o cercado grupo, conseguiu aproximar-se e ver. Arrancou a máscara deixando exposta uma cara aflita, de bigodes caídos e crânio careca e murmurou:

- Vadinho, meu irmãozinho, que foi que te fizeram?

“Que foi que deu nele, de que morreu? Perguntavam-se uns aos outros e havia quem respondesse: “foi cachaça”, numa explicação por demais fácil para tão inesperada morte. Uma velha curvada parou também, deu sua olhadela, constatou:

- Tão moderno ainda, por que morrer tão moço?

Perguntas e respostas cruzavam-se, enquanto o médico colocava o ouvido sobre o peito de Vadinho, numa constatação final e inútil.

“Estava sambando numa animação retada, e sem avisar nada a ninguém caiu de lado já todo cheio de morte” – explicou um dos quatro amigos, curado por completo da cachaça, de súbito sóbrio e comovido, meio sem jeito nas roupas femininas de baiana, as faces vermelhas de carmim, fundas olheiras negras, traçadas com cortiça queimada, sob os olhos.

O facto de estarem fantasiados de baiana não deve levar a maliciar-se dos cinco rapazes, todos eles de macheza comprovada. Vestiam-se de baiana para melhor brincar, por farsa e molecagem, e não por tendência ao efeminado, a suspeitas esquisitices. Não havia xibungo entre eles, benza Deus. Vadinho, inclusive, amarrara, sob a anágua branca e engomada, enorme raiz de mandioca e, a cada passo, suspendia as saias e exibia o troféu descomunal e pornográfico, fazendo as mulheres esconderem nas mãos o rosto e o riso, com maliciosa vergonha. Agora a raiz pendia abandonada sobre a coxa descoberta e não fazia ninguém rir. Um dos amigos veio e a desatou da cintura de Vadinho. Mas nem assim o defunto ficou decente e recatado, era um morto de Carnaval e não exibia sequer sangue de baba ou de facada a escorrer-lhe do peito, capaz de
resgatar seu
ar de mascarado.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

TARJA TURUNEN - HAPPY CHRISTMAS (WAR IS OVER)

Música: JOHN LENON/YOKO ONO



BOAS
FESTAS


Desejo, sinceramente, a todos quantos nos acompanham no Memórias Futuras, um Bom Natal e um Ano de 2010 com tudo de bom.

Para Crentes ou não Crentes, com fervor religioso ou sem ele, o Natal é a Festa da Família e a família, mesmo com alguma modalidade diferente fruto dos novos tempos, continua a constituir o enquadramento de raiz na nossa sociedade, aquele que nos transmite a maior sensação de bem-estar.

O Natal, herança de dois mil anos de história, tem a força da tradição que se perde já na noite dos tempos associada aos dois valores mais importantes na definição da nossa felicidade: Paz e
Amor… e estes são os meus votos para todos vocês.



DONA FLOR




E SEUS DOIS




MARIDOS


EPISÓDIO Nº 1


DA MORTE DE VADINHO, PRIMEIRO MARIDO DE DONA FLOR, DO VELÓRIO E DO ENTERRO DE SEU CORPO



Vadinho, o primeiro marido de dona Flor, morreu num domingo de Carnaval, pela manhã, quando, fantasiado de baiana, sambava num bloco, na maior animação, no Largo 2 de Julho, não longe da sua casa. Não pertencia ao bloco, acabara de nele misturar-se, em companhia de mais quatro amigos, todos com traje de baiana, e vinham de um bar no Cabeça onde o uísque correra farto à custa de um certo Moysés Alves, fazendeiro de cacau, rico e perdulário.

O bloco conduzia uma pequena e afinada orquestra de violões e flautas; ao cavaquinho, Carlinhos de Mascarenhas, magricela celebrado nos castelos, ah!, um cavaquinho divino.

Vestiam-se os rapazes de ciganos e as moças de camponesas húngaras ou romenas; jamais, porém, húngara, ou romena ou mesmo búlgara ou eslovaca rebolou como rebolavam elas, cabrochas na flor da idade e da faceirice.

Vadinho, o mais animado de todos, ao ver o bloco despontar na esquina e ao ouvir o ponteado do esquelético Mascarenhas no cavaquinho sublime, adiantou-se rápido, postou-se ante a romena carregada de cor, uma grandona, monumental como uma igreja – e era a Igreja de São Francisco, pois se cobria com um desparrame de lantejoula dourada – anunciou:

- Lá vou eu, minha russa do tororó…

O cigano Mascarenhas, também ele gastando vidrinhos e missangas, festivas argolas penduradas nas orelhas, apurou no cavaquinho, as flautas e os violões gemeram, Vadinho caiu no samba com aquele exemplar entusiasmo, característico de tudo quanto fazia, excepto trabalhar. Rodopiava em meio ao bloco, sapateava em frente à mulata, avançava para ela em floreios e umbigadas, quando de súbito, soltou uma espécie de ronco surdo, vacilou as pernas, adornou de um lado, rolou no chão, botando uma baba amarela pela boca onde o esgar da morte não conseguia apagar de todo o satisfeito sorriso do folião definitivo que ele fora.

Os amigos ainda pensaram tratar-se de cachaça, não os uísques do fazendeiro; não seriam aquelas quatro ou cinco doses capazes de possuir bebedouro da classe de Vadinho; porém toda a cachaça acumulada desde a véspera ao meio-dia quando oficialmente inauguraram o Carnaval no Bar Triunfo, na Praça Municipal, subindo toda ela de uma vez e derrubando-o adormecido.

Mas a mulata grandona não se deixou enganar: enfermeira de profissão, estava acostumada com a morte, frequentava-a diariamente no hospital. Não, porém, tão íntima a ponto de dar-lhe umbigadas, de pinicar-lhe o olho, de sambar com ela.

Curvou-se sobre Vadinho, colocou-lhe a mão no pescoço, estremeceu, sentindo um frio no ventre e na espinha:

- Tá morto, meu Deus!

Outros tocaram também o corpo do moço, tomaram-lhe o pulso, suspenderam-lhe a cabeça de melenas loiras, buscaram-lhe o palpitar do coração. Nada obtiveram, era sem jeito. Vadinho desertara do Carnaval da Bahia.

terça-feira, dezembro 22, 2009

VÍDEO

Morsa espectacular...

ANTHONY QUINN - I LOVE YOU, YOU LOVE ME


I SANTO CALIFÓRNIA - TORNERÓ



ADEUS,
TIETA do
AGRESTE








Ao fim de 311 episódios chegamos ao fim da história da Tieta e termino como a minha avó me costumava dizer:

- “Glória, glória e acabou-se a história…”

Creio que vamos sentir saudades da Tieta: personalidade marcante, frontal, corajosa, solidária, sensual e arrebatada que não mede os comportamentos quando se trata de satisfazer paixões. Mesmo assim, talvez o mundo fosse melhor se houvesse mais “Tietas”… como ela, também dotadas de sensibilidade e militância ecologista… sem dúvida que seria!

Ascânio Trindade não merecia ser feliz com Leonora. Esmagou sentimentos revelando total insensibilidade para com Leonora e ele próprio sob o peso dos preconceitos e uma pessoa preconceituosa, no dizer sincero e contundente do “nosso” Baptista-Bastos, “esconde um racista e um racista oculta um verdugo e dissimula um canalha”.

Perpétua é o exemplo chapado do que a fidelidade cega a uma pretensa moralidade religiosa pode fazer às pessoas: transforma-as em “monstros”.

E Ricardo, seguirá a via eclesiástica? Jovem de bom carácter, aprendeu a ser homem com Tieta e esclareceu as suas ideias com frei Timótio. Tem tudo para ser um bom cidadão, padre ou não padre.

Agradeço a Jorge Amado a lição de vida que nos deu: quem viveu em terras pequenas onde todos se conhecem sabe que “aquela” gente, com retoques aqui ou ali, existe e é fácil, nós próprios, leitores, transformarmo-nos em personagem fantasma que vive, convive, alegra-se e anseia, toma partido, embirra, simpatiza e preocupa-se com cada um dos personagens da história.

Na aldeia dos meus avós, para a parecença ser maior, até uma marinete havia…a camioneta da carreira, que chegava todos os dias, lá pelo fim da tarde.


Mas o nosso compromisso não é com Tieta mas sim com Jorge Amado, o mais famoso escritor internacional em língua portuguesa partilhado com orgulho por portugueses e brasileiros e que se tornou entre nós, portugueses, extremamente popular, sobretudo a partir da adaptação televisiva do seu romance “Gabriela, Cravo e Canela”.

O seu lugar único e inconfundível é a Baía, tendo nascido em Itabuna, 1912. Frequentou o Colégio de Jesuítas de Salvador, e logo aí se revelaram os seus dotes literários. Em 1927 torna-se jornalista e funda com alguns amigos a Academia dos Rebeldes.

Em 1931, publica o seu primeiro romance intitulado “País do Carnaval”. Vai começar então uma produção imensa que faz parte do mais profundo do imaginário brasileiro. As suas personagens passaram a viver na própria realidade em que o escritor as inventou, tornando-se símbolos de uma energia sensual e revoltada, para quem a liberdade e o amor são sempre valores essenciais tendo a sua literatura transformado-se num modelo socialmente empenhado.

Aderiu ao Partido Comunista Brasileiro mas com o tempo e as lições da história abandonou a ortodoxia comunista sem nunca deixar de ter uma ligação profunda com a realidade popular, que celebra através de figuras poeticamente boémias e literárias, possuídas pelo sonho e o gosto da paixão: negros, velhos marinheiros, prostitutas, aventureiros marginais.

Entre os muitos outros romances de Jorge Amado, “Dona Flor e os seus Dois Maridos”, diversas vezes adaptado para televisão e para o cinema, será a nossa próxima história, aqui, no Memórias Futuras.

Conta a história de Florinda, uma moça muito prendada, cuja mãe, megera, queria que ela arranjasse homem rico e…o resto logo se verá.

Aqueles que a partir de determinado momento começaram a seguir a história da Tieta, poderão agora, desde o princípio, acompanhar Dona Flor e seus Dois Maridos, romance que ainda não li pelo que irei ser mais um leitor interessado em cada episódio diário colocado no Memórias Futuras.

Jorge Amado é o autor preferido por 9 de cada 10 leitores brasileiros e isso só é possível porque nas suas dezenas de romances, demonstra uma poderosa capacidade de contar histórias num estilo veemente e apaixonado, tudo temperado com um humor vivaz e uma picardia erótica bem ao nosso gosto, de brasileiros e portugueses.

Dona Flor e seus Dois Maridos (1967) é um romance actual que se lê com prazer pois reúne dois temas que nos são muito caros: a boa mesa e a boa cama.

Ler e contar histórias era um velho hábito que entretanto se perdeu na voragem dos novos usos e costumes das telenovelas de “cordel”. Mas, mesmo quando baseadas em bons romances, como os de Jorge Amado, perdem muito para a obra escrita como, fatalmente, sempre acontece.

Juntamente com o Natal, entrará em cena Dona Flor…

segunda-feira, dezembro 21, 2009


A braguilha do chefe...



A secretária percebe que a braguilha do chefe está aberta e, para não parecer mal-educada, avisa-o de forma subtil:

- Dr. Jorge, o senhor deixou a porta da sua garagem aberta!

Ele fechou-a rapidamente e, apreciando a criatividade da rapariga, perguntou cheio de malícia:

- Ana, por acaso a menina viu o meu Ferrari vermelho?

- Não, Senhor Doutor! Só vi um Smart cinzento, com os dois pneus trazeiros carecas e totalmente em baixo!

VÍDEO

Estes ingleses...

ETERNAL FLAME - THE BANGLES


RICHARD DAWKINS - ENTREVISTA GRAVADA NO BRASIL NA FESTA LITERÁRIA DE PARATY (PARTE I)


RUI VELOSO - PRESÉPIO DE LATA



TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 311



ONDE TIETA ACENA UM ADEUS


Dia fraco, poucos passageiros. Tieta despede-se de dona Carmosina:

- Desculpe o mau jeito, Carmô.

A cabeça baixa, lenço na mão, molhado de lágrimas, Leonora se esconde no interior da marinete, arriada num banco. Vindo da Praça da Matriz, em correria, aparece Peto, traz o bordão do velho Zé Esteves, herança de Tieta:

- Esqueceu o cajado, tia – Baixa a voz, acrescenta: - Vou sentir saudades.

Vai perder a grata visão de seios e coxas. Sobe para falar com Leonora, provoca abafados soluços, Adeus prima.

Peto sai em disparada para casa, deixando a inesquecível lembrança da singela gentileza e o cheiro marcante da brilhantina de lata.

Empunhando o bordão, pastora de cabras, Titã senta-se ao lado de Leonora. Deixa-a chorar, ainda é cedo para puxar conversa. Jairo cobra o preço dos bilhetes, de passageiro em passageiro. Tieta paga três:

- Nós duas e aquela cabrita lá atrás.

Aponta Maria Imaculada, num banco dos fundos, segurando baú de flandres. Jairo toma assento ao volante, coloca a chave no motor, ainda faltam quatro minutos para o horário exacto. Tieta dá-lhe pressa:

- Mete o pé na tábua, Jairo, vamos ver se esta jeringonça é capaz de levar a gente até Esplanada.

Jairo consulta o relógio:

- Se quiser, podemos ir direito a São Paulo, para a Imperatriz dos Caminhos não existem distâncias. E ainda por cima ouvindo música…

Sintoniza o rádio russo. Tieta acena um adeus para dona Carmosina de pé na calçada. A marinete avança tão na maciota que mais parece uma aeronave. Liberta de pedras, tocos e buracos, eleva-se sobre o caminho de mulas, cruza o céu de Agreste.

E aqui termina a história da volta da filha pródiga à terra onde nasceu e dos sucessos ali ocorridos durante a sua curta estada.





DAS PLACAS, LEMBRETE DO AUTOR



Aí está. Mal ou bem cheguei ao término, escrevo a palavra fim. Nos folhetins de sucesso, cobra-me Fúlvio D’Alembert, o autor costuma fornecer notícia dos diversos personagens, do que lhes sucedeu depois. Não penso fazê-lo. Deixo à imaginação e consciência dos leitores o destino posterior dos personagens e a moral da história.

Em todo o caso, para atender à crítica e na esperança de conquistar-lhes a boa vontade, acrescentarei que Agreste convalesce lentamente. Tendo despido a farda de candidato, o comandante Dário de Queluz aproveita cada minuto do verão em Mangue Seco para compensar os dias perdidos na poluição da política. Quanto a Ascânio Trindade, viram-no chorando no ombro de doa Carmosina.

A inauguração da luz proveniente da Usina de Paulo Afonso foi uma festança. Deram ao antigo Caminho da Lama, na entrada da cidade, o nome do então director-presidente da Hidrelétrica de São Francisco. As autoridades presentes descerraram esmaltada placa azul, feita a capricho apesar da pressa, em oficina da capital: RUA DEPUTADO… Como era mesmo o nome?

Durou pouco a placa azul, sumiu durante a noite. Em lugar dela pregaram uma de madeira, confeccionada por mão artesanal e anónima:


- RUA DA LUZ DE TIETA.

Mão artesanal e anónima. Mão do povo.



FIM




domingo, dezembro 20, 2009

VÍDEO

É PARA VER SE ELES APRENDEM AS TÁTICAS...

JULIO IGLESIAS - "CRAZY"


BEE GEES - MASSACHUSETTS



TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 310



DA POLUÍDA VIA SACRA NA LONGA NOITE DE AGRESTE – SÉTIMA ESTAÇÂO: O CIRENEU BARBOZINHA SE OFERECE EM HOLOCAUSTO


Acaba Tieta de deitar-se quando, espavorido, o vate Barbozinha bate na porta da casa de dona Milú e anuncia:


- É de paz.

De paz e de amizade. Tieta vem do quarto de hóspedes onde Leonora adormecera à força de calmantes. Barbozinha prende-lhe a mão e a leva aos lábios. Está patético. A voz marcada pela embolia, mais engrolada que nunca:

- Soube que você pensa ir embora. É verdade?

- Amanhã para São Paulo.

- Por causa do que estão falando por aí? Vai, se quiser. Se quiser ficar e me dar a honra…

- Que honra, Barbozinha?

- De ser a Sr.ª Gregório Melchíades de Matos Barbosa…

- Está me oferecendo casamento? Para me tirar da lama?

- Sei que não sou mais o rapaz daquele tempo, a carcaça anda meio arruinada, mas tenho um nome honrado…

- …e ainda dança um tango como ninguém…

Tieta ri, um riso bom, alegre, de puro contentamento, um riso que lhe enche os olhos de água.

- Agora não dá, meu poeta. Eu te prezo muito e não quero te ver de chifrudo, não ias gostar. Quando eu estiver velhota, volto de vez e a gente casa. Até lá cuide da carcaça e escreva mais versos para mim.

Beija-o nas faces e deixa que as lágrimas finalmente corram.




DA NOTÍCIA E DA RESPIRAÇÃO



- Aparelho porreta! – gaba o árabe Chalita – Os anos passam e ele não nega fogo.

Refere-se ao rádio russo na manhã apenas despertada. Em frente ao cinema, com o auxílio de Sabino, Jairo ajusta o motor da marinete, enquanto aguarda os passageiros: o horário de saída é estrito. Ufano com os elogios, bota banca.:

Já me ofereceram troca por um novo, japonês. Recusei.

O locutor do Grande Jornal da Manhã de popular emissora da capital, pede atenção aos ouvintes para importante notícia que será divulgada após os comerciais. Transmissão límpida, sem estática, ratificando as alambanças de Chalita. Toalha ao ombro, doutor Franklin Lins junta-se ao grupo. Diariamente àquela hora, antes da partida da marinete, o tabelião vai ao banho ao rio.

A voz empostada do radialista reafirma o suspense: “Atenção para esta notícia! Na tarde de ontem foi oficialmente concedida autorização governamental à Companhia Brasileira de Titânio S.A. para estabelecer em Arembepe duas fábricas interligadas que produzirão dióxido de titânio. Objectivando o financiamento dentro do prazo mais breve possível do grande e discutido projecto industrial, as obras para a sua concretização serão iniciadas imediatamente, em vasta área adquirida com anterioridade pela companhia.”

Uma série de violentas descargas saúda a notícia. Levando em conta as origens do venerando aparelho, dir-se-ia tratar de um protesto.

- Vocês ouviram o que eu ouvi? – perguntou o doutor Franklin.

- É a tal fábrica que Ascânio queria trazer para Mangue Seco, não é? – acende-se o olho do árabe. Como se não bastassem os acontecidos na véspera, ainda por cima esta novidade. O dia pronuncia-se exaltante.

- Quer dizer que a tal fábrica não vai ser mais aqui? – Jairo suspende o exame do motor da marinete.

- Vai ser em Arembepe, juntinho da capital, não escutou? Era um dos lugares falados – explica o tabelião.

- Porra!

Doutor Franklin Lins toma fôlego, ajeita a toalha ao ombro:

- Agora podemos respirar de novo… - acende o cigarro de palha, encaminha-se para o rio, um ar de beatude.

ZÉ CARIOCA - Esta maravilha foi criada na década de 50, tudo feito à mão sem recurso a computadores. Podem entrar no site à confiança e assistir. É seguro.



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