Senhora de Fátima |
Aproxima-se o 13 de Maio...
Eu teria 12, 13 anos quando, na
qualidade de aluno de um Colégio de Jesuítas, o São João de Brito, fui a Fátima
e participei numa procissão das velas a Nossa Senhora.
Claro que naquelas idades foi tudo uma
grande brincadeira, especialmente a noite dormida nos claustros de um convento
que foi disponibilizado para nós, miúdos pecadores...
Os religiosos jesuítas que
supervisionavam nestas manifestações religiosas fazem-me, hoje, pensar em
pescadores que vão à pesca sem cana, linha, anzol e isco... esqueceram dos crentes.
As crianças, nascem para acreditar no
que os pais e os mais velhos da família e da tribo lhes dizem como forma de
sobrevivência: - “Menino não vás ao rio que podes encontrar um crocodilo...” e
foi esta mesma necessidade de acreditar, que levou o feiticeiro da aldeia a
convencer os outros habitantes a cortarem o pescoço a uma cabra para provocar a
chuva indispensável à sobrevivência do grupo.
Esta necessidade de acreditar não foi só
aproveitada pelos bruxos das aldeias como, mais tarde, serviu para fomentar
toda a espécie de crenças religiosas que deixa os homens reconfortados perante
uma proteção divina que lhes dá alento para a vida e que percebemos bem ao
ver na televisão as imagens dos peregrinos nas suas marchas até Fátima.
Quando estive em Angola, na Guerra Colonial,
vivi 15 meses ao lado do rio Zambeze e durante grande parte desse tempo era lá
que tomávamos banho. Eu e outro camarada até o atravessamos a nado.
Que não havia lá crocodilos, diziam
eles... porque os “peixes-tigres” os comiam quando eles eram ainda pequeninos,
o que era verdade, só que não comiam todos...
Um, pelo menos, encontrei eu a tomar
banhos de sol, como eles tanto gostam. Tentei matá-lo com um tiro mas falhei a
pontaria pelo que ficamos pagos: ele não me comeu quando atravessei o rio e eu
não lhe acertei... Depois disso nunca mais nos vimos. Aquele não era, de facto,
o local bom para ele viver nem o meu para tomar banho.
Já lá vão muitos anos, 53, mas este tipo
de lembranças nunca esquecem. Antes de mim, estiveram lá outros soldados e um
deles pôs-se a dormir nas belas areias das praias do Zambeze esquecendo-se que
aquele não era rio que passava ao lado da aldeia dele. Veio um crocodilo e,
naturalmente, levou-o...
Salazar mandou-nos para Angola depressa
e em força para combater e matar terroristas, não os crocodilos, e por isso todos os
conselhos respeitantes aos sáurios ficaram por dar e, nestas coisas, não há
milagres... às vezes acontecem, outras não!
O nascimento de cada um de nós, em
termos de probabilidades, talvez seja o que demais próximo exista de um milagre
e, deste ponto de vista, deveríamos ir todos a Fátima agradecer... mas eu não
sou crente, vejo as coisas de outro ponto de vista, mais terra a terra...
A crença faz-nos ver milagres em tudo
que só excepcionalmente acontece: - Eu, por exemplo, caí para o fundo de um
poço, sem água, com ferramentas lá em baixo - estava no seu último dia de construção - e só parti um pente que os rapazes
nessa altura usavam no bolso de trás das calças – um milagre! Na guerra, caí
numa emboscada, as balas só levantaram pó aos meus pés – outro milagre!
Se fosse crente, todos os anos teria de
ir a Fátima agradecer as “graças” à Nossa Senhora e acender-lhe uma velinha mas,
não sendo crente, estou desobrigado.
A vida é algo de tão precário que eu
percebo esta necessidade de viver permanentemente em dívida para com Deus, seu
criador....