sábado, dezembro 12, 2009


Alexandre O'Neill


Os Domingos
de Lisboa



Os domingos de Lisboa são domingos
Terríveis de passar - e eu que o diga!
De manhã vais à missa a S. Domingos
E à tarde apanhamos alguns pingos
De chuva ou coçamos a barriga.

As palavras cruzadas, o cinema ou a apa,
E o dia fecha-se com um último arroto.
Mais uma hora ou duas e a noite está
Passada, e agarrada a mim como uma lapa,
Tu levas-me p'ra a cama, onde chego já morto.

E então começam as tuas exigências, as piores!
Quer's por força que eu siga os teus caprichos!
Que diabo! Nem de nós mesmos seremos já senhores?
Estaremos como o ouro nas casas de penhores
Ou no Jardim Zoológico, irracionais, os bichos?
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
Mas serás tu a minha «querida esposa»,
Aquela que se me ofereceu menina?
Oh! Guarda os teus beijos de aranha venenosa!
Fecha-me esse olho branco que me goza
E deixa-me sonhar como um prédio em ruína!...

LOS HERMANOS RIGUAL - QUANDO CALIENTA EL SOL


DUO OURO NEGRO - VOU LEVAR-TE COMIGO


ROUXINOL FADUNCHO - TASCA DO ZÉ TINHOSO


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TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº303




DA POLUIDA VIA-SACRA NA LONGA NOITE DE AGRESTE – PRIMEIRA ESTAÇÃO: O MENOSPREZO NAS FIOS TELEFÓNICOS


No calorão da tarde, a marinete encontra-se em pane na estrada, os passageiros sofrendo na expectativa do motor pegar. Padre Mariano arrasta Ascânio para a sombra do veículo, o suor pingando sob a batina – não adoptara a moda moderna de calça e camisa esporte, tão em voga entre os padres da capital:

- Não sei, não, meu Ascânio, essa eleição é uma lotaria. Se o coronel se empenhasse, ia ser uma peleja de gigantes, ele de um lado, dona Antonieta do outro. Mas até isso a nossa Comendadora conseguiu: tirar o coronel do páreo, um verdadeiro milagre – balançou a cabeça, olhar de compaixão, só faltou dizer que a candidatura de Ascânio tinha levado a breca – Conversando sobre a nova instalação eléctrica da Matriz, contei ao Senhor Bispo auxiliar: apareceu uma santa em Agreste, em carne e osso, faz milagres.

Ascânio engole em seco, não pode contestar, trata-se da madrasta de Leonora, Santa? O diabo em pessoa, inimiga jurada de sua candidatura a prefeito e a seus projectos de noivado e casamento. Sempre que ele toca nesse assunto, Leonora desconversa, contorna, escapa, reticente. Duvidar do amor da moça, impossível, ela lhe concedera as provas maiores. Que podia ser, senão a discordância categórica da madrasta, desejosa de casamento milionário, digno da enteada? Tieta tornara-se o pesadelo de Ascânio, asa negra, anjo mau a atropelar-lhe os passos a cada instante. Dois dias antes, Vadeco Rosa, dono de algumas dezenas de votos, encabulado, coçando a cabeça, comunicara:

- Para mim, candidato precisa ter avalista de peso, como ser coronel Artur ou dona Antonieta. Traga o aval do Coronel ou de dona Antonieta e leva os meus votos.

Inimiga jurada, anjo mau, asa negra, pesadelo de Ascânio; comendadora, santa, aval do comandante. A conversa do padre Mariano aumenta a aflição do candidato. Regressa de Esplanada desanimado e inquieto. Uma vez se sentira assim, maltratado, ferido, objecto de humilhação e pouco caso: quando fora a Paulo Afonso lutar pela energia da Hidrelétrica para o município. Os chefões trataram-no com desprezo, riram dele. Depois, com dois simples telegramas, dona Antonieta resolvera o caso. Sempre ela.
´
Agora, ainda pior. Volta não apenas cabisbaixo mas temeroso, roído de suspeitas. Nada de concreto, mas não lhe agradara o tratamento dos funcionários da Brastânio ao telefone. Surpreendera-o sobretudo Bety, amável e brincalhona na véspera, quando da primeira chamada. Distante, seca e apressada quando ele voltara a ligar. Ficara com a pulga atrás da orelha.

Quatro vezes comunicara-se com Salvador, buscando falar com o Magnífico para lhe expor a situação, a luta eleitoral, a necessidade de ajuda da Brastânio. Talvez Doutor Mirko já estivesse a par, A Tarde noticiara o lançamento da candidatura do Comandante. O doutor estava ausente, disseram-lhe na véspera e o puseram em comunicação com Bety. A secretária-executiva confirmou a notícia, o Magnífico Doutor fora a São Paulo mas retornará à Bahia naquela mesma noite. Propôs que ele voltasse a chamar no dia seguinte. Gentil, a voz de frete, tratando-o de gostosão, pedindo notícias do lindo – o lindo era Osnar. Até aí tudo bem.

No dia seguinte, ou seja, naquela manhã, Ascânio telefonou primeiro para o Hotel e tendo-se identificado, soube que realmente o doutor Stefano regressara de viagem na noite passada mas saíra cedo para o escritório. Ligou então para a Brastânio – cada pedido de comunicação significava uma enorme mão-de-obra, interminável espera; felizmente a telefonista de Esplanada conhecia Canuto Tavares e teve a maior boa vontade. Ao pedir para falar com o doutor Mirko Stefano – sou Ascânio Trindade de Sant’Ana do Agreste, estou telefonando de Esplanada – disseram que iam transferir a ligação para a sala do doutor, um momentinho durou alguns minutos. Ascânio afobado, no receio de que a linha caísse. Por fim voltou a voz anónima, doutor Stefano estava ausente, em viagem, sem data de regresso. Ascânio quis falar com Bety, nova demora antes que a voz anunciasse: a secretária se encontrava ocupada, não podia atender naquele momento. Meia hora depois, Ascânio insistiu e após muito rogo sobre Bety, impaciente e brusca: o doutor Mirko permanecia em São Paulo. No Hotel informaram que já chegaram, na véspera à noite? No escritório não sabiam de nada, ali não aparecera nem era esperado. Se valia a pena chamar novamente, mais tarde? Naquele dia, certamente não. Por que não escreve uma carta e envia pelo correio? O assunto é urgente e importante? Ela nada pode fazer e vai desligar, não tem tempo para bater papo. Tenta retê-la: ouça Bety, por favor… A apressada nem sequer ouviu o fim da frase, depôs o fone. Tudo aquilo lhe parecera estranho, causara-lhe impressão desagradável, sentia-se acabrunhado. Escreveu a carta, pedindo resposta urgente, colocou no correio.

Naquela tarde a marinete pifou três vezes. Jairo usou o reportório inteiro: os mais ternos apelidos, os palavrões mais grossos. Chegaram a Agreste ao cair da noite, Chalita os recebera com uma notícia triste, o falecimento do velho Jarde Antunes. Deitara-se após o almoço, fechara os olhos, não os abrira mais:

- Quando se deram conta o corpo já estava frio. A sentinela é lá mesmo na pensão de Amorzinho.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

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Este texto é de autoria de Isabel Mayer Moreira, Constitucionalista e Assistente Universitária, filha de Adriano Moreira, um dos pilares da direita portuguesa e meu distinto Prof. no início da década de sessenta.


Os Ateus Segundo o Paternalismo de um

Crente





O padre João António Teixeira vem explicar aqui que os ateus são crentes ao contrário. Que, explica, é claro que o ateu "acha que a sua posição é racional, científica. Ele acha que tem provas evidentes de que Deus não existe".


A partir desta definição errada do ateu, o padre João António Teixeira avança por trechos poéticos convenientes e divaga por afirmações sobre a experiência que leva a deus ou à inexistência dele para concluir bondosamente que há quem não negue deus, mas a "nós", isto é, aos homens de deus, aos crentes, aos exemplos que se comportam como ateus, quando há ateus que se comportam como crentes (como se fosse deus a inspirá-los).


Conclui que ninguém está longe de deus.


Isto cansa.


O ateu, aquele que nega a crença na existência de deuses, seja um, seja mais de um, não parte do princípio que tem de provar cientificamente e racionalmente que não existe um deus ou que não existem vários deuses.


Pelo contrário, o ateu constata que não há nada de racional e de científico na crença que afirma, precisamente, a existência de tais divindades. Como facilmente se compreende, o ónus da prova não é do ateu, mas de quem afirma a existência de seres transcendentais.


O verdadeiro ateu - e não o poeta que está angustiado com a dúvida da fé -, sabe que a verdade das coisas se atesta pela demonstração e não aceita o salto (i)lógico do teísta que consiste em resolver uma dúvida para a qual a ciência ainda não tem resposta com a palavra deus.


Concretizando, já conhecemos explicações para muita coisa que se atribuía a deus, explicações essas que foram negadas como blasfémias e punidas com a morte, hoje pacificamente aceites. Afinal não era deus. O ateu acredita nessa aventura interminável que é a busca de respostas para os mistérios do universo e da humanidade. Simplesmente, quando não obtém respostas não apela aos céus.


Por tudo o que aqui se explica, naturalmente não pode o ateu estar "desiludido" com deus ou com os crentes.


Essa afirmação resulta de um paternalismo recorrente que considera que para se ser ateu tem de se ter padecido de alguma maleita, no caso espiritual. Alguém fez mal ao coitadinho do ateu. O ateu está ferido com deus ou com o comportamento de alguns crentes que mais parecem ateus, esses malvados. Isto - pasme-se - quando até há ateus que se comportam "como se fosse Deus a inspirá-los".


Imagino que isto deva querer dizer que há ateus decentes. Agradecida.



Tem toda a razão a DrªIsabel Moreira neste texto, chamemo-lo de "desabafo", às afirmações do padre João António Teixeira sobre os não crentes.


Este "pastor" de um dos grandes "rebanhos" de crentes da humanidade arroga-se da sobranceria própria de quem pretence ao grupo dos "iluminados da fé" dotados de uma "bondade" e "complacência" para os que eles julgam de tresmalhados.


Eu compreendo o fenómeno da fé, respeito-o, embora não o leve em consideração quando avalio o meu semelhante. Há de uns e outros fora e dentro do mundo das crenças, embora tema o que o homem é capaz de fazer por causa delas.


Assumindo a minha condição de não crente não me sinto predestinado, eleito, apenas um ser vivo especialmente dotado pela evolução da vida sobre o nosso planeta.


Esses "dotes"- razão e inteligência - que permitiram aos meus antepassados vencerem a luta pela sobrvivência e afirmarem-se como a espécie dominadora, perigosamente dominadora, ajudaram-me a tomar consciencia profunda da minha condição de integrante do conjunto da natureza à face da Terra com especiais responsabilidades e não mais do que isso.


Por esta razão, não tenho nenhum motivo, para abandonar uma atitude de humildade sem pretender "protecções", "prémios" ou recear "castigos" provenientes de deuses ou entidades que a minha capacidade de entendimento se recusa a aceitar.


Sei que existe no nosso cérebro um "espaço da fé" tal como nele existem outros "espaços". "Acreditar", foi muito importante, talvez decisivo em fases recuadas da nossa luta pela sobrevivência. Mais tarde foi naturalmente aproveitado por alguns homens que mobilizaram e arregimentaram outros para as religiões que encontram um eco sincero dentro de nós... por isso é mais fácil ser crente do que não crente.


Vamo-nos respeitar todos, uns aos outros, sem preconceitos ou complexos de superioridade ou inferioridade... está bem, senhor padre?


RODRIGO - CAIS DE SODRÉ


THE BEATLES - OBLADI, OLBLADA



TIETA DO


AGRESTE


EPISÓDIO Nº 302




Novidade no burgo, onde as eleições prescindiam de agitação e propaganda, bastando a palavra de ordem do coronel Artur de Figueiredo para o esclarecimento do eleitorado, o comício transformou-se numa festa. Tão bem sucedido que, ali mesmo na Praça, Ascânio Trindade resolveu realizar um no sábado seguinte, realizando-o na Praça do Mercado – por denominar-se realmente Praça Coronel Francisco Trindade, em honra de seu avô, o operoso Intendente, e por lhe garantir apoio dos feirantes. Para comício, faixas, volantes, para enfrentar a campanha do Comandante, precisava de dinheiro mas isso não lhe parecia constituir problema sendo, como era, candidato do Coronel. O padrinho nunca lhe faltara. Dessa vez, faltou, como já se sabe, obrigando-o a dirigir-se à Brastânio. Fora a Esplanada para lá telefonar ao Magnífico Doutor.

O Comandante encerrou o comício, apresentando sua plataforma eleitoral. Não permitiu apartes, no receio de perder o fio do improviso – decorado a duras penas.

Passara noites em claro, declamando parágrafos, sob a vigilância e aplauso de dona Laura. Declarou ter abandonado a tranquilidade e o repouso a que fizera jus após uma vida consagrada à Pária (aplausos) para novamente envergar a farda gloriosa da Marinha de Guerra (repetidos aplausos). Mesmo à paisana na tribuna, estava moralmente fardado, a postos na trincheira de luta (ruidosos aplausos; gritos de Bravo! E Muito bem!). Acusavam-no de inimigo do progresso, calúnia vil. Contra o falso progresso, sim, contra aquele que não concorre para o bem da comunidade, o que polui, suja, empesteia e enche os bolsos dos industriais da morte (gritos de Apoiado! e de Não Apoiado! – A Brastânio é a redenção de Agreste!) Mas saudava com entusiasmo o verdadeiro progresso, progresso simbolizado pelos postes da Hidrelétrica de são Francisco (ruidosos aplausos), conquista que o povo deve exclusivamente à nossa benemérita e influente conterrânea, dona Antonieta Esteves Cantarelli, nossa querida Tieta… (aplausos, bravos, vivas, Viva Tieta! Viva! Vivôo! Perdendo-se na ovação as últimas palavras do orador). Uma apoteose.

Quanto aos cochichados sócios de Modesto Pires, sócios de indústria, sem capital, mantendo-se o ricalhaço como único capitalista, comanditário exclusivo – sobre eles pouco tenho a dizer. Pode-se considerar o seminarista Ricardo um sócio no sentido lato da palavra? Não creio. Abriu o caminho para a liberalização da empresa antes individual, fechada e proibida, terminando aí a sua participação. Permanecesse em Agreste, certamente ocuparia lugar importante na firma, ou seja, no leito de Carol. Quem sabe, ao voltar?

Quanto a outros sócios, sei apenas de Fidélio, o actual Taco de Ouro. Sim, não posso negar: a decisão do torneio de bilhar, relevante acontecimento, deixou de ser consignada, no devido tempo, nas páginas tumultuosas deste folhetim. Não há muito a relatar. Fidélio derrotou Astério, na partida final, disputada ponto a ponto, tacada a tacada. Astério retornara aos treinos, vendeu cara a derrota e o título. Como de hábito, enorme torcida feminina apoiou o rebelde herdeiro do coqueiral, restando apenas a Astério a sustentação de uma Elisa melancólica e quase indiferente ao resultado da disputa. Dona Edna não compareceu, sabe-se lá devido a que ou a quem. Tão pouco Leonora. Estando Ascânio eliminado, ela nada tinha a fazer no bar de cochichos e indirectas.

Várias admiradoras de Fidélio esperavam que o novo campeão lhes dedicasse a vitória, tinham razões para tanto. Ele preferiu. No entanto, comemorá-la com Carol. Empurrou a porta defesa mas apenas encostada, pois Modesto Pires continuava em Mangue Seco. Por falta de verba – ah!, a pobreza de Agreste! – o Taco de Ouro não passa de título abstrato, não se concretiza em troféu, sequer em diploma.

Carol, porém, com a sabedoria e a malícia das amásias dos ricos nas pequenas cidades, facilmente concretizou a abstracção, o Taco de Ouro teve forma, volume e sabor. Entregues a tão meritória tarefa, os encontrou o ricalhaço quando chamado às pressas devido aos alarmantes boatos sobre a inesperada neutralidade do Coronel se arrancou dos braços amoráveis e insonsos de dona Aída e veio saber o que de facto estava acontecendo na cidade. Soube, até demais.

Sendo Modesto Pires um dos mais irredutíveis defensores da moral pública em Agreste e levando-se em conta a natureza enrustida de Fidélio, desconhece-se o teor da conversa da qual nasceu a sociedade. Se começou, como alardeiam, turbulenta e agressiva, terminou em harmonia e acordo, pois Fidélio saiu, segundo várias testemunhas, pela porta da rua, calmo, decentemente vestido, sorrindo. Ao contrário do que pensaram fosse acontecer, Carol não embarcou na marinete de Jairo, devolvida às plagas sergipanas; na tarde daquele mesmo dia esteve fazendo compras nas lojas, desparramando dinheiro. Chifres caros, os de Modesto Pires, cornos de ouro, como compete a cidadão rico e virtuoso. As acções da sociedade andam em alta, são vários os candidatos a integrá-la mas não creio que as esperanças de Chalita possam se realizar. Sociedade limitada, sim. Anónima, com certeza não.

Cumprindo dever cívico, Modesto Pires, tendo analisado a conjuntura política, abriu com módica quantia uma subscrição de ajuda à campanha de Ascânio Trindade. Espera recuperar com juros, a inversão, após o pleito.

Ainda um último detalhe e vou-me embora, disposto a não voltar. Flúvio D’Alembert, preocupado com a verosimilhança dos personagens, acha que por vezes perco a medida ao amassar o barro na criação dessa humilde gente sertaneja. Como exemplo de irrealismo aponta a figura do seminarista. A actividade sexual de Ricardo, sua competência física parecem-lhe evidentemente exageradas, a ponto de Bafo de Bode surpreender-se.

A restrição revela desconhecimento das cidadezinhas mortas, da carência e da ânsia das mulheres condenadas ao marasmo e às novelas de rádio, à falta de homens. Por outro lado, não sei qual a capacidade dos caros leitores aos dezoito anos. A mim não me parecem anormais os feitos do adolescente impetuoso, estuante de vida, invencível guerreiro. Ademais, como certamente perceberam, os levitas participam da natureza gloriosa dos arcanjos.

quinta-feira, dezembro 10, 2009


Onde Pendurar o Balde...




Sempre tive uma atracção irresistível pela vizinha do apartamento ao lado. Vivia obcecado com a ideia fixa de possui-la, ... de comê-la, .... de traçá-la, todinha!

Um dia, ao conversar com o marido dela ouvi este comentário:


- Preciso mandar pintar o meu apartamento, mas trabalho o dia inteiro e chego cansado. Tentei contratar um pintor profissional mas o tipo pediu-me os "olhos da cara!..."
Nesse momento o meu rosto iluminou-se pois a ideia que eu tive foi simplesmente brilhante!
- Não seja por isso vizinho! Estou de férias e pintar paredes é o meu hobby favorito! Posso fazer esse serviço prá você, com o maior prazer.
O maridão aceitou a oferta e ficou feliz da vida.
Não é para me gabar mas, como sou "bom de papo", mal comecei a pintar o apartamento consegui levar aquele mulherão,... aquele aviãozão,... aquele monumento prá cama! Só que, azar dos azares,...estavamos nos preliminares e eu não esperava que o marido se tivesse esquecido dos documentos em casa e que por isso mesmo, tivesse que voltar justamente naquele momento!

A mulher, ouvindo o marido abrir a porta da sala, correu para a casa de banho e o gajo entra no quarto e encontra-me "peladão", no cimo do escadote dando umas pinceladas na parede.
Aos berros, ele perguntou:
- Que merda é esta pá?...
-Começaste pelo quarto e... todo nú?
- Ora... estou pintando de graça, começo por onde quiser!
- Mas todo nú?...
- Queria que eu manchasse a minha roupinha nova com tinta?...
- E de pau feito, cabrão?...
- E onde é que eu vou pendurar a "porra" do balde?...

CANÇÕES ROMÂNTICAS BRASILEIRAS
THE FEVERS - VEM ME AJUDAR

DANA WINER - MAM MIA


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TIETA DO
AGRESTE


EPISÓDIO Nº 301


ONDE REAPARECE O AUTOR QUANDO JÁ NOS IMAGINÁVAMOS LIVRES DESSE CHATO


Era minha intenção não interromper a narrativa quando chegamos ao epílogo deste monumental folhetim (monumental, sim, basta atentar-se no número de páginas). Sendo neutro na contenda travada em Agreste, desejava manter-me à margem, simples espectador. Mas vejo-me obrigado a abandonar meu propósito, para mais uma vez defender-me de críticas assacadas contra a forma e o conteúdo do meu trabalho por Flúvio D’Alembert, fraterno e acerbo. Chego a supor que sentimento menos digno, qual seja a inveja, dita-lhe as restrições, ao constatar que me aproximo do fim deste cometimento literário. Nunca acreditou que eu conseguisse realizá-lo.

Não penso responder a uma quantidade de reproches menores, de ordem gramatical ou estilística, para não alongar minha intervenção. Desses, para exemplo, citarei apenas um. D’Alembert critica asperamente a forma como empreguei o verbo “contemplar”. Subindo em companhia de Cinira, a escada que leva à torre da igreja, Ricardo vai, “ela na frente ele atrás a contemplar”.

Contemplar, ensina-me Fúlvio, é verbo transitivo, exige objecto directo: quem contempla, contempla alguma coisa. Segundo ele, escondi dos leitores o alvo da jubilosa contemplação do seminarista.

Defendo-me, perguntando se os leitores precisam realmente de objecto directo para se darem conta da paisagem contemplada pelo jovem, se outra não existia na estreita e sombria escada além das coxas e dos quadris da donzelona?

Além de tudo, tais detalhes da anatomia da beata, se bem excitassem o adolescente, não são de qualidade a merecer o interesse dos leitores.

Acusação mais séria refere-se ao atropelo final da narrativa. Antes, as acções sucediam-se, poucas e lentas, espalhando-se em folhas e folhas de papel, numa falta de pressa, num despropósito de detalhes, em contínua repetição de minúcias, gritante ausência de economia literária, durante cinco longos episódios de enfadonha leitura. Abruptamente, no epílogo, modifica-se o ritmo, rompe-se a medida do tempo e do espaço ficcionais, perdendo-se a unidade da narrativa.

Na opinião de Fúlvio, o autor tomou-se de tal pressa a ponto de deixar os leitores na ignorância de factos do maior interesse, reduzidos a simples referência casual. Cita o comício da Praça da Matriz e a questão dos sócios de Modesto Pires nos afagos a Carol. Sabe-se de Ricardo, quais os outros?

Não sou culpado pela mudança do ritmo da narrativa, se ela existe. Os acontecimentos é que se precipitaram e atropelaram à minha revelia. Tantos em tão pouco tempo, para acompanhá-los vou deixando de lado aqueles que não me parecem fundamentais, mesmo se aparatosos ou divertidos.

É o caso do comício. Realizando-se no dia seguinte ao do conflito na feira, atraiu imenso público. O vate Barbozinha foi o primeiro a ocupar a tribuna, ou seja, a frente do palanque da Praça e a elevar a voz, não havendo microfone e alto – falante, os oradores usam a força dos pulmões. O bardo possui seus incondicionais, sobretudo entre as solteironas – adoram vê-lo recitar poemas de amor, o braço estendido, os olhos entornados para o céu, trémulos na voz ao pronunciar as rimas, desafiando as emoções românticas e sensuais de amores eternos e perjuros. As musas inspiradoras de Barbozinho tinham sido, em grande maioria, raparigas dos castelos de salvador, xodós dos tempos de boémia. Nos Poemas de Maldição, porém, como ele próprio explicou, vibrara as costas do civismo e da indignação em lira patriótica e acusadora. Obteve aplausos mas, no final, as fanáticas exigiram, aos gritos, a declamação de uns versos famosos, dezenas de vezes recitados nas festas locais: a Balada do Triste Trovador. Não fosse a enérgica oposição de dona Carmosina – isso aqui é um comício político, homem! – o poeta estaria até agora no palanque a dizer a Elegia Obscura da rua de São Miguel, o Poema para os Lábios de Luciana, o Soneto Escrito nos Seios de Isadora e outras peças de resistência.

Mitingueira estreante, dona Carmosina saiu-se bem. Seguidamente aparteada por Ascânio levara vantagem no debate, língua solta e atrevida. A única interrupção a perturbá-la – por pouco não perde rebolado – teve mais de comentário que de aparte e não proveio de Ascânio. Partiu de Bafo de Bode, tão bêbado a ponto de não se aguentar de pé. Ao ouvir dona Carmosina declarar que falava “em nome das mães de família preocupadas com o futuro dos filhos e maridos” o mendigo protestou:

- Ah! Essa não… Solteirona encruada não pode falar em nome de mulher casada, não tem competência de boceta!

O protesto arrancara risos da assistência, composta em boa parte por ouvintes mais interessados na troca de acusações e injúrias do que nos graves assuntos em debate, dados sobre o problema da poluição e o grau de perigosidade dos efluente do dióxido de titânio, manejados com evidente competência por dona Carmosina. Nem por ela me parecer chegada a chicanas e maquiavelismos,
lhe negarei capacidade e ousadia.

quarta-feira, dezembro 09, 2009


QUANTOS ANOS
TENS, AVÔ?


- Quantos anos tens, avô?

- Bem, deixa-me pensar um pouco, respondeu o avô:

- Nasci antes da televisão, das vacinas contra a poliomielite, das comidas congeladas, fotocopiadoras, lentes de contacto e pílula anticoncepcional;

- Não existiam radares, cartões de crédito, raios lazer e patins em linha;

- Não se havia inventado o ar condicionado, a máquina de lavar roupa ou secadoras;

- O homem não havia chegado à lua, gay era uma palavra inglesa que significava uma pessoa alegre, contente, divertida, não homossexual, bicha uma expressão portuguesa que significava uma fila de pessoas, umas atrás das outras, e existiam coisas “difíceis” para além de outras, menos, que eram “complicadas”;

- Das lésbicas, nunca tínhamos ouvido falar e os rapazes não usavam piercings;

- Nasci antes dos computadores, duplas carreiras universitárias e terapias de grupo e apoios psicológicos;

- Até completar 25 anos, chamava cada homem de senhor e cada mulher de “senhora” ou “menina”;

No meu tempo, virgindade não produzia cancro e ensinavam-nos a diferenciar o bem do mal, a ser responsáveis pelos nossos actos. Acreditávamos que “comida rápida” era a que a gente comia quando estava com pressa.

- Ter bom relacionamento, era dar-se bem com os primos e amigos e tempo compartilhado significava que a família passava férias junta;

- Não se conheciam telefones sem fios e muito menos telemóveis. Nunca tínhamos ouvido falar de música estereofónica, rádios FM, cassetes, CDs, DVDs, máquinas de escrever eléctricas, calculadoras (nem mecânicas quanto mais portáteis);

- “Notbook” era um bloco de notas. Dava-se corda aos relógios todos os dias. Não existia nada digital, nem relógios indicadores com números luminosos dos marcadores de jogos, nem as máquinas;

- Falando de máquinas, não existiam cafeteiras automáticas, microondas, rádios-relógios-despertadores ou câmaras de vídeo;

- As fotos não eram instantâneas ou coloridas. Havia somente o preto e branco e a revelação levava mais de três dias. As de cor não existiam e quando apareceram a sua revelação era muito cara e demorada:

- “Made in Japan” não se considerava de má qualidade e não existiam “Made in China”, “Made in Taiwan” ou “Made in Korea”; Não se tinha ouvido falar da “Pizza Hut”, MacDonals” ou de um café instantâneo.

- Havia casas onde se compravam coisas a 5 e 10 tostões, como sorvetes, bilhetes de autocarro ou refrigerantes;

- No meu tempo erva era algo para cortar e não para fumar. “Hardware era uma ferramenta e “Software” não existia.

- Somos a última geração que acreditou que uma senhora precisava de um marido para ter um filho.

- Agora, diz-me:

- Quantos anos achas que eu tenho?

- Hiii… avô… mais de 200! Disse o neto.

- Não, querido…somente 58 anos.

DUO OURO NEGRO - MÃE PRETA


CANÇÕES ROMÂNTICAS BRASILEIRAS

LINDOMAR CASTILHO - EU VOU RIFAR MEU CORAÇÃO


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TIETA DO
AGRESTE


EPISÓDIO Nº 300




- Pois aqui estamos, vitoriosos. Custou trabalho e muita habilidade, assunto explosivo. Não digo para valorizar mas se não fosse o parecer do amigo aqui presente… O pessoal da linha dura andou torcendo o nariz e as autoridades baianas tinham ficado de pé: em qualquer lugar, menos Arembepe, e daí não arredavam. Mas, finalmente, cederam abandonando a posição de intransigência, diante da argumentação apresentada por nosso prestigioso paraninfo.

- O desenvolvimento nacional é prioritário, contra ele não podem prevalecer razões sentimentais, muito menos detalhes de localização.

Estive lá, pessoalmente, constatando o absurdo das alegações, meu parecer baseou-se no estudo directo do problema. Em rápido bosquejo, vou colocá-los a par de meus considerandos e de minhas conclusões – O prestigioso paraninfo aclara a voz com um largo trago de uísque com guaraná.

Não pediu anuência, foi em frente com o rápido bosquejo, em verdade quase uma conferência. Ângelo Bardi ouve de olhos semicerrados, cada palavra vale ouro. O Velho Parlamentar parece beber as frases da conferencista, concorda e aplaude com a cabeça. Atento, o Magnífico Doutor, em atitude de directa reverência: que pecado cometera para sofrer aquele castigo? Ninguém ousou interromper.

Na Bahia, àquela hora, Rosalvo Lucena, no gabinete do Secretário, recebe a boa notícia; novos estudos, realizados em alto nível, levaram a uma reavaliação do problema. Poderosas razões de ordem económica, social e política determinam a localização da indústria de dióxido de titânio em Arembepe, o Governo Estadual dá meia volta, volver, submete-se e aprova o pedido da Brastânio. No Refúgio dos Lordes, ao calar-se a voz autoritária e metálica, o magnata Bardi aplaude:

- Ainda bem que possuímos estadistas de larga visão, capazes de impor as supremas razões do interesse nacional, esmagando preconceitos, derrotando a subversão. Dou-lhe os parabéns, meu ilustre amigo.

O Velho Parlamentar deixa de lado o copo de uísque com guaraná, mistura horrenda:

- Caro Bardi, um último detalhe antes que nos separemos. Em que data será realizada a assembleia para a ampliação da directoria da Brastânio?

- Em seguida. Estaremos em Salvador amanhã, faremos imediatamente publicar os editais da convocação – Volta-se para o autor do relatório que se regala com o uísque and guaraná – Para nós vai ser um grande prazer incorporar à directoria da Brastânio o doutor Gildo Veríssimo, de cujas capacidades temos as melhores referências…

- Não é por ser meu genro… - concorda o ilustre amigo - … mas competência é o que lhe sobra. Os senhores estão bem servidos.

- Estamos conversados – conclui o Velho Parlamentar.

Ângelo Bardi agita pequena sineta de prata, a gerente se apresenta comandando as meninas. O de postura rígida e cabelo buscarré, prestigioso paraninfo, ilustre amigo, curva-se para o Magnífico Doutor, pergunta em voz baixa:

- As despesas estão todas pagas?

- É claro…

- Todas? Incluindo…

- Incluindo.

- Então, avise a ela – ordena, apontando a gerente – que eu quero aquela de cabelo de fogo…

Lá se ia a ruiva, perdida pela segunda vez, contingência da profissão de director de relações públicas, repleta desses desapontos. Mas também gratificante, reflecte Mirko. Saber que Agreste desaparecerá do mapa, que nunca mais terá de atravessar aqueles caminhos de mula e suportar o calor senegalesco, a poeira, a lama, o desconforto, a cerveja quente, sem falar nos bandidos e nos tubarões da costa deserta, misérias e perigos a cercá-lo e ameaçá-lo, pagava qualquer pena – ruiva ou castanha, loira ou trigueira.

Em nenhum momento, enquanto recordou Agreste e Mangue Seco, pensou em Ascânio Trindade. Para o doutor Mirko Stefano, Agreste e sua gente pobre e feia tinham acabado para
sempre.

terça-feira, dezembro 08, 2009

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O Charme do Homem do Lixo...

TEREZA SALGUEIRO - DÁ-ME O BRAÇO E ANDA DAÍ


DUO OURO NEGRO - MUXIMA


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TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 299


DA CONVERSA FINAL SOBRE O DESTINO DAS ÁGUAS, DOS PEIXES E DOS HOMENS, QUANDO A BRASTÂNIO ESCOLHE NOVO DIRECTOR E, NO REQUINTADO AMBIENTE DO REFÚGIO DOS LORDES, SERVE-SE – HORROR – UÍSQUE COM GUARANÁ.



Na equipe escolhida a dedo destaca-se pela elegância do porte, uma jovem pernalta e esguia. Mais do que esguia, magricela, modelo em desfiles de haute- couture, bem ao gosto do magnata Ângelo Bardi. Convocada para ele, especialmente, a administração do Refúgio dos Lordes, a par do apetite dos fregueses tradicionais, os sustentáculos da casa, trata de satisfazer-lhes os caprichos. Doutor Mirko Stefano alegra-se ao constatar a presença da ruiva ondulosa e pícara, parecida com Bety; no encontro anterior Sua Excelência a confiscara, deixando o Magnífico vagamente frustrado. O velho parlamentar não foi esquecido: uma guria com fisionomia e jeito tão impúberes que em certas ocasiões faziam-na passar por virgem com sucesso. Em atenção ao novato (para quem fora recomendada a maior deferência), a gerente, desconhecendo-lhe os pendores, destacara três garotas, de tipos diferentes mas todas óptimas, “il n’aura que l’embarras du choix”. Enquanto servem uísque aos poderosos senhores, as seis belas exibem os encantos – a mais vestida usa biquini, a esgalga agita vaporoso véu a realçar-lhe os ossos. Trajando sóbrio costume bem talhado, a gerente, gordota e baixa, parece directora de um internato feminino.

Fitando de esguelha a nudez das moças, o cidadão de postura rígida e cabelo buscarré, pela primeira vez em tal ambiente, procura vencer o acanhamento. Na juventude frequentara prostíbulos, em certa ocasião festiva fora a um rendevu, em Botafogo, no Rio de Janeiro; depois casara-se. Não corre perigo de ser identificado, está incógnito e à paisana, anónimo parceiro participando com amigos de programa alegre. Ao ser servido pela ruiva, desviando os olhos encandeados, anuncia:

- Quero o meu uísque com guaraná.

Com guaraná! Faz-se um silêncio de espanto. A magricela, ao lado de Bardi, contém o riso. Uísque daquela marca rara e preciosa, em São Paulo serve-se apenas no Jóquei Club e no Refúgio dos Lordes. Na Inglaterra, bebem-no puro, sem gelo.

Mas o Velho Parlamentar, um lorde, esclarece com fleuma britânica e impávida adulação:

- Uísque and guaraná, fórmula brasileira, muito em moda. Vou querer também.

Há gosto para tudo, pensa a gerente. Refazendo-se do sacrilégio, vence a repugnância e ordena:

- Guaraná, depressa!

O doutor Ângelo Bardi desvia as atenções, ao pedir notícias de sua querida amiga a quem não vê há bastante tempo:

- Nossa cara Madame Antoinette, não volta mais?

- Ainda está na França. Quando ia embarcar, o pai morreu, o general. Do coração, coitado.

- General? – o de cabelo buscarré, olhos de viés nas moças, supera o embaraço, demonstra repentino interesse.

- Madame Antoinette é filha de um general francês com uma nativa da Martinica… - a gerente repete a clássica informação, ar de professora de história, ditando aula.

- Como? – o de cabelo buscarré se espanta.

- Como a Imperatriz Josefina, a de Napoleão Bonaparte – ilustra o Magnífico Doutor.

- Ahn! Figura histórica, muito interessante – Sente-se mais à vontade e usa o guaraná com abundância.

- Desejam mais alguma coisa? – Diante da resposta negativa, a gerente comanda: - Vamos, meninas! – Marcha à frente do garrido pelotão.

O Velho Parlamentar pousa o copo:

segunda-feira, dezembro 07, 2009

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Lisboa, a cidade onde nasci, hoje mais linda do que então e a incomparável voz de Amália Rodrigues.


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Criatividade e Virtuosismo...



DUO OURO NEGRO - MUAMBA BANANA E COLA


PAPAS NA LÍNGUA - BALADA DO AMOR PERDIDO


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TIETA DO
AGRESTE

EPISÓDIO Nº 298




DE FACTOS E RUMORES. CAPÍTULO ONDE O ÁRABE CHALITA EXPRIME VAGA ESPERANÇA




Os dez dias que abalaram Agreste, definia Aminthas, leitor de autores proibidos, parafraseando John Reed, ao se referir àquele breve e tumultuado período. Ele próprio concorrera para o clima de grotesco pesadelo: manobrando impossíveis cordões, esteve por detrás de algumas graves ocorrências. Se bem a responsabilidade maior fosse normalmente atribuída a dona Carmosina.

- Veja só o que você arranjou, Carmosina – acusa o colector Edmundo Ribeiro, tomando assento numa cadeira, na agência dos Correios – Todo dia uma novidade, uma briga, um escândalo, um bafafá…

- Quando não são dois ou três. Agente ainda não acabou de comentar uma encrenca, começa outra. Cada prato de dar gosto… - apoia o árabe Chalita, sentado no batente da porta.

– Todo o mundo perdeu a cabeça, só quero ver como isto vai terminar.

Dona Carmosina abre mão de qualquer responsabilidade:

- Eu? Quem sou eu? Pelo jeito vão terminar me acusando ter inventado a fábrica de dióxido de titânio. A gente estava aqui, bem no seu, em paz.

- Se você não vivesse lendo e espalhando notícias de jornal… - o colector aponta o jornal mural, agora cobrindo a parede principal da sala.

- … vocês podiam vender Agreste impunemente…

O tom e a linguagem dos diálogos mudaram. Desapareceram a cordialidade, o bom humor, os ritos de gentileza a fazerem da conversação – divertimento principal da comunidade, gratuito, ao alcance de todos – um requintado prazer. O acento tornou-se áspero, a injúria substituindo a malícia.

- Alto lá! – exclama Edmundo Ribeiro – Não estou vendendo nada.

- Porque não conseguiu meter o dente no coqueiral, não por falta de vontade. Mas vive apoiando essa corja de venais. Ou pensa que não sabemos?

- Sabem o quê?

- Que assinou na lista de contribuições para a candidatura de Brastânio Trindade…

- Brastânio Trindade! Essa é boa… – ri o árabe. Nada se compara a uma prosa com pessoas inteligentes como dona Carmosina, a danada tem cada saída… - Por falar nisso, o que é que ele foi fazer em Esplanada?

- Ascânio viajou? – Dona Carmosina interessa-se, preocupada:

- Quando?

- Hoje. Me disse que volta amanhã.

A marinete de Jairo faz ponto em frente ao cinema, ao lado da casa de Chalita, presença infalível na partida (horário rígido) e na chegada (horário imprevisível) do veículo, controlando os viajantes.

- Que espécie de maroteira terá ido tramar? Disse que regressa amanhã? Então só dá tempo para ir até Esplanada, não dá tempo para ir a Salvador. Ele anda desnorteado. Pensou que a eleição ia ser barbada, ficou de crista murcha com o comício.

- Pois eu acho que ele ainda se elege – considera o colector – Não nego o prestígio do Comandante, mas, sabe como são as coisas… Ascânio já está na Prefeitura e, mais importante de tudo, é homem do coronel Artur… Porque prestígio mesmo, quem tem é o Coronel.

- Foi homem do Coronel, não é mais. Quem não sabe que o Coronel se desligou da candidatura do doutor Dióxido?

- Doutor Dióxido, essa é demais… - contorce-se Chalita.

- Me diga uma coisa, seu Edmundo: foi por generosidade que Modesto abriu a tal lista de contribuições, essa que o senhor assinou? Ou foi depois que o candidato de vocês voltou de Tapitanga, com o rabo entre as pernas e as mãos a abanar? Sabe o que o coronel respondeu quando ele pediu dinheiro para a campanha? Que recorresse à Brastânio. Não me venha dizer que não soube.

- Soube, sim, Carmosina. Mas actualmente se fala tanta coisa, a gente não pode sair acreditando assim sem mais nem menos.

É bem capaz que o Coronel tenha negado ajuda a Ascânio, o velho está broco, cada vez mais canguinha. Mas também é verdade que não disse a ninguém para não votar em Ascânio.

Estou mentindo? Se estou, me desminta.

- Aos que têm ido lá saber, o Coronel Artur diz que cada um vote em quem quiser, de acordo com a sua consciência. De broco, ele não tem nada e não foi por avareza que não atendeu ao pedido de dinheiro. Eu lhe digo mais: o Coronel só não sai apoiando de frente a candidatura do Comandante porque tem pena do afilhado. Mas pergunte a Vadeco Rosa o que foi que ouviu na Tapitanga e não esqueça que Vadeco é vereador e tem um bocado de votos em Rocinha. Ele mesmo me contou. Foi pedir instruções, o Coronel lhe disse para apoiar quem quisesse e bem entendesse, não tinha ordens a dar nem candidato a Prefeito, estava retirado da política.

- Ainda assim, o pessoal de Rocinha come pela mão de Ascânio, a começar por Vadeco.

- Comia, a coisa está mudando. Depois de conversar com Tieta, Vadeco ficou muito abalado. Em Rocinha, estavam pensando que Ascânio, depois de eleito, ia comprar as terras do município a peso de ouro. Quando viram que ele só pretende desapropriar os terrenos do coqueiral, ficaram danados.

O senhor sabe que Tieta está indo de casa em casa? Para a semana, vamos fazer um comício em Rocinha, ela vai falar.

- Não tem dúvida… - reconhece o coletor – Dona Antonieta é um grande trunfo, é só quem faz medo. O Comandante, a gente vê, saiu a candidato a contra gosto, por imposição, e eu sei de quem…

- Minha, com certeza, não é? Fique sabendo que a acusação me honra muito.

- Coitado, é ter uma folga, se toca para Mangue Seco. Agora mesmo está na praia, não está?

- Para assegurar os votos do pessoal de lá. Mas volta logo.

- Pelos votos de Mangue Seco? Não chegam a uma dúzia… mas Tieta, essa pode desequilibrar a balança, se ficar até ao fim…engraçado: apesar de combater a candidatura de Ascânio, parece que ela não se opõe ao namoro dele com a enteada. Aliás, Carmosina, em matéria de namoro, esse é de se tirar o chapéu…

Dona Carmosina evita o assunto, a vida particular de Ascânio não está em discussão, Leonora é um amor de criatura. Mas já que o coletor desviou a conversa dos temas políticos para outros, mais amenos, ela gostaria de saber…

- O que, Carmosina…

- Se é verdade o que andam dizendo por aí…Que Modesto Pires admitiu um sócio…

- No curtume?

- Não, seu Edmundo. Na cama de Carol.

Quem responde é o árabe Chalita, alisando com gosto os bigodes:

- Um só, não. Eu soube de pelo menos dois – Um clarão perpassa-lhe nos olhos gulosos – Estou esperando que se transforme em sociedade anónima… Para comprar uma acçãozinha.

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