Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, outubro 17, 2015
(Domingos
Amaral)
Episódio Nº 86
À beira do rio da Loba,
Afonso Henriques recordou a Chamoa as suas imperfeições de nascença. Viera ao
mundo com as pernas curtas e tortas e a deficiência fora vista com mau presságio
chegando Dona Teresa a considerá-la uma prova inexorável de que nunca haveria
de parir um varão de jeito, razão porque se recusava a pegar nele.
Por isso foi entregue a
terceiros, e o escolhido foi meu pai, Egas Moniz de Ribadouro, e a minha mãe, Dórdia
Viegas.
Perto do local onde a nossa
família vivia, corria um riacho, à beira do qual existiam as ruínas de uma
igreja. Um dia, Nossa Senhora apareceu em sonhos a meu pai, benzeu aquelas águas
e aconselhou a que lá se banhasse o aleijado menino.
Dórdia assim fizera, e o
milagre das águas, bem como o amor da minha mãe curaram-no.
Ela massajava-o nas pernas,
passava-lhe leite de cabra nos músculos, colocava-lhe mezinhas na pele e
durante anos banhou-o no riacho, salvando-o com o seu carinho e com a ajuda de
Nossa Senhora, a quem meu pai agradeceu, mandando construir no local o Mosteiro
de Cárquere.
No final da narrativa,
Chamoa revelou o seu espanto:
- Haveis chamado mãe a Dórdia Viegas, que Deus
a tenha.
Afonso Henriques olhou para
o rio à frente deles.
- Uma mãe tem de estar perto
dos filhos, de os amparar quando choram ou quando têm frio e medo, e de
abraça-los quando estão felizes.
Dórdia fez tudo isso, foi
ela a minha mãe.
Chamoa, um pouco a medo,
perguntou:
- E Dona Teresa?
O príncipe ignorou a
pergunta, mantendo o olhar pousado nas águas que corriam suaves e lentas. Depois,
afirmou:
- O milagre resultou. Consigo correr atrás dos
javalis, ainda hoje o fiz.
Os olhos verdes de Chamoa
iluminaram-se, com ligeira malícia.
- E atrás das moças?
Ele respondeu-lhe com
solenidade:
- Um príncipe não corre atrás de qualquer uma,
só de quem quer.
Chamoa corou lisonjeada com
aquelas palavras, mas deixou-se ficar em silêncio até que perguntou:
- Vosso primo Mem Tougues, tendes afecto por
ele?
A rapariga franziu a testa,
mas aceitou que, sendo ele príncipe, decidia o que perguntava e ao que
respondia.
Conhecemo-nos desde
crianças, gostamos da companhia um do outro. É bom rapaz, garantiu.
Afonso Henriques mirou-a,
mas ela desviou o olhar para o rio.
Sois amigos? – perguntou ele.
Chamoa, incomodada com a
insinuação, continuou a admirar as plácidas águas.
Não como nas cantigas. E vós,
tendes alguma amiga?
O príncipe negou mas
adiantou que já conhecera mulheres.
- Soldadeiras? – inqui riu Chamoa.
A rapariga galega qui s saber se haviam sido muitas, mas Afonso
Henriques ignorou-a e declarou:
- O Ramiro está enamorado de vós.
Nota –
Conta a lenda, a propósito das imperfeições físicas de Afonso
Henriques, que na tentativa de o curar, Egas Moniz terá levado a criança numa
viagem entre Guimarães e Chaves para o tratar numas águas termais. Durante a
viagem, que então levava uns 3 meses, o jovem Afonso morreu e Egas Moniz,
tendo-se cruzado com um pastor que tinha um filho mais ou menos da mesma idade,
mas forte e saudável, comprou-o e levou-o consigo para Chaves onde, durante 4
anos, o educou e preparou para ser rei.
A outra versão da lenda, é
que ele era mesmo filho de Egas Moniz que teria sido pai na mesma altura que o
conde D. Henrique que aceitara a troca do filho.
Uma coisa é certa, com os
conhecimentos da época, não era possível recuperar uma criança nascida com as
debilidades físicas de Afonso Henriques e transformá-lo no guerreiro forte e
temível que foi o 1º Rei de Portugal.
Pode também ser coisa de mais alcance |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 365
Eleito e reeleito, quase vitalício, o
bacharel Castro, não passando de testa-de-ferro, apreciava exibir força e
poder, arrotar autoridade.
- Quando eu for a Itabuna, vou dizer a
Venturinha pra passar um sabão nesses futricas. No tempo do Coronel nenhum
deles ia se atrever, viviam na rédea curta, mas Venturinha deixa a coisa correr.
- Ocê acha que foi sem ele saber? - Apressou-se
a acrescentar:
- Também acho, possa ser até com o intento
de intrigar.
O Capitão aprovou com a cabeça. Quem sabe,
bem podia ser essa a idéia de Orígenes: doutor Castro era burro demais para pensar
nisso.
A conversa parecia ter chegado ao rim mas
Natário prosseguiu falando. Não queria deixar a mulher, mãe de seus filhos, a
par apenas da metade de suas lucubrações: devia-lhe a mesma lealdade que ela
lhe devotava.
Por vezes não lhe falava desse ou daquele
assunto mais jamais lhe escondera fosse o que fosse quando ela abrira a boca
para perguntar.
- Pode ser também coisa de mais alcance.
Pode ter algum enxerido por detrás do sargento ou do doutor. Tocaia Grande ta crescendo,
dantes não valia dois vinténs mas agora deve ter muita gente de olho por causa
da política e do movimento.
Gente que quer botar a mão aqui . Só que eu não vou deixar.
Tendo esclarecido seu pensamento, deu o
discurso por terminado:
- Vá sua viagem com os meninos.
- Tou com vontade de não ir.
O Capitão retirou de novo os olhos da
paisagem gloriosa na manhã de verão, deteve-se no rosto crispado de Zilda.
- Tu se lembra que na provação da febre tu
queria ir pra roça com os meninos e eu disse que não? Não era hora de nós sair daqui , nem eu, nem tu, nem os meninos.
Nós ia ficar nem que fosse pra morrer.
Agora sou eu que digo: vá e leve eles. No caso presente basta que eu fique.
- Não é mais melhor eu ficar com ocê?
- Quanto tempo faz que nós se juntou? Me
diga. O que é que eu fazia entonces? Tu já se esqueceu?
No acento normal, nem raiva, nem
exaltação, como se referisse coisas corriqueiras; presa no peito a ternura pela
mulher que conqui stara à bala no
meio da estrada.
Custara vida de homem, um peste-ruim. Com
ela se casara no padre, aproveitando uma Santa Missão no tempo do onça,
fizera-lhe um ror de filhos e, não satisfeita, Zilda tomava os das outras para criar
como se fossem dela. Eram todos dele.
- Tu sempre ficou com os meninos, agiu
direito. Eu sei me cuidar, meu ofício toda vida foi esse, o de jagunço, tu sabe
muito bem. Vai, leva a molecada, arruma a casa e me espera lá.
- Ocê demora a ir?
- Possa que sim, possa que não. Tenho
muito que fazer na roça mas antes vou a Itabuna saber o que é que tá havendo.
Do sopé da colina subia a barulheira das
crianças arrumando os trecos no carro de bois. Peba veio avisar que estava tudo
pronto para a partida.
O Capitão desceu junto com Zilda para
botar a bênção nos filhos. Zilda estendeu-lhe a ponta dos dedos, as mãos se
tocaram e a de Natário, num gesto muito dele, aflorou o rosto da mulher.
Votámos bem ou mal? |
Afinal, votámos bem ou
mal?
Nas últimas eleições, os portugueses
disseram com clareza o que queriam e, com mais clareza ainda, o que não
queriam.
Só que, entre o querer e o não querer,
vai uma contradição, um antagonismo, uma quase impossibilidade e portanto,
neste momento, a situação política é de impasse e grande indecisão.
Indo um pouco mais longe nos pormenores,
o que resta saber é, se Passos Coelho, que durante mais de quatro anos, governou
com dogmatismo ideológico, arrogância intelectual, incapaz de fazer uma única
ponte com a oposição, e perfeitamente insensível às consequências sociais das
suas medidas de austeridade, é agora capaz de inverter tudo isso, numa
transfiguração mágica, e entender-se com a oposição, tal como o povo mandou em
função do resultado das eleições.
Sinceramente, eu não acredito nestas
mensagens e nestas ordens que o povo envia aos políticos através do resultado
das eleições.
Cada eleitor vota, ou não, porque a isso
não é obrigado e, quando o faz, procede em função de convicções íntimas, ou “sound
bites”, ou ainda por impressões mais ou menos epidérmicas, que lhes foram passadas
ao longo do período de campanha.
Portanto, mais do que enviar mensagens
ou ordens aos políticos, o eleitor, simplesmente vota, e o resultado tem a ver
com a soma desses votos que se traduzem em números e percentagens.
Desta vez, votou mal, tão mal que,
provavelmente teremos de votar outra vez.
Nós, em Portugal, não temos cultura ou
tradição democrática. Uma herança de 500 anos de obscurantismo, mais 40 de
fascismo com muito analfabetismo à mistura, conduziram-nos ao fascínio dos
grandes chefes, do poder absoluto e, tudo quanto não seja isso, é instabilidade
política, desde revoluções na rua, governos abaixo e governos acima onde todos
ralham e têm razão.
António Costa, o general que perdeu a
batalha, no dizer do Dr. Miguel Júdice, Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique,
admirador de Costa, está a tentar, com base nos deputados eleitos na
Assembleia da República, uma maioria absoluta para um governo minoritário
do PS com o apoio maioritário dos deputados eleitos.
Atendendo a que esses deputados
estiveram sempre, até aqui , fora do
Arco da Governação, se for bem sucedido, poderemos dizer que teria sido mais fácil
ganhar a batalha, de que esteve tão perto até pouco antes das eleições, do que,
agora, consertar os destroços da derrota.
Mas a vida é o que é, e o povo português,
o tal que é sábio, e reprovou amplamente as políticas do governo de Passos
Coelho, não deu a António Costa as mesmas condições que tinha dado ao outro,
como teria sido de toda a lógica e justiça.
E agora, porque António Costa pretende
repor a lógica que o resultado das eleições não contem, alargando a todos os
deputados eleitos na Assembleia da República a responsabilidade de governar o
país, é acusado, injustamente, de ser uma espécie de chefe de uma revolta de
insurrectos.
Haja Deus!... como dizem os crentes.
sexta-feira, outubro 16, 2015
Não esqueça o recado |
Tocaia Grande
(Jorge Amado)
Episódio Nº 364
Soltaram-no por fim, bastante maltratado,
e permitiram que montasse no burro em que chegara. Antes, porém, o desarmaram-no
- além do revólver abandonado, portava
punhal, navalha e um arsenal de balas - , e o desvestiram, deixando-o nu como
viera ao mundo.
Na
sela do outro animal, amarraram o corpo do finado matador de porcos e por
despedida o Capitão recomendou ao apavorado fiscal de ruas:
- Diga a quem lhe mandou que aqui , em Tocaia Grande , forasteiro nenhum põe o pé nem
mete a mão. Quem tá mandando dizer é o capitão Natário da Fonseca e a prova tu
tá levando.
Não esqueça do recado.
5
Finda a arrumação dos teréns
indispensáveis para a temporada na fazenda, Zilda veio sentar-se junto a
Natário, na varanda.
Os filhos, à exceção de Edu, na oficina
ajudando Tição, subiam e desciam a ladeira, conduzindo as trouxas e os baús de
flandre para o carro de boi, à espera, embaixo. Zilda permaneceu silenciosa durante
um bom pedaço, afinal abriu o peito e falou:
- Vou a contragosto. Arrepiava carreira,
se pudesse.
- Não vejo por quê. Pensei que tu tava
contente. Desde que a casa ficou pronta tu só fala em ir pra roça.
- Isso era entonces. Depois que os fiscais
apareceram por aqui , perdi a
vontade. O que é que ocê acha da vinda deles?
Do alto do outeiro, sentado no banco na
varanda de sua residência, o Capitão contemplava Tocaia Grande. Num dia
distante, quando nem o cemitério ainda começara, dissera ao coronel Boaventura
Andrade ao lhe ensinar a existência do vale desconhecido: "aqui é onde vou fazer minha casa, quando a peleja
acabar e vosmicê cumprir o trato".
Voltou-se para a mulher, fitou-lhe a face
em geral serena, naquele instante coberta por uma sombra de inqui etação.
Zilda nunca fora uma formosura mas tinha os
traços delicados e ainda lhe restavam, no rosto magro, uns laivos de juventude:
os anos e os filhos, os que parira e os que adotara, não tinham conseguido
quebrá-la, reduzir-lhe a têmpera e a disposição.
Levado por Peba, o papagaio Vá-Tomar-no-Cu passou
gritando palavrões de protesto. Mesmo nos momentos mais ruins de perigo,
durante os barulhos, Natário jamais lhe faltara com a verdade quando Zilda,
abandonando a contenção diária, indagava sobre contingências de barulho ou de
mulher.
- Pode não ser nada, não passar de
saimento do sargento Orígenes, querendo se mostrar, ou do Intendente, o doutor
Castro.
O Intendente de Itabuna continuava a ser o
mesmo bacharel
Ricardo Castro que, dez anos antes, depois
de ter servido o coronel Elias Daltro, se passara para o coronel Boaventura
Andrade, com armas e bagagens.
Suas armas e bagagens eram a subserviência
e a ambição: assim sendo, outro melhor para o cargo não podia haver e ele o
revezava com Salviano Neves, um parente de dona Ernestina, dentista prático.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 85
O visado ao ouvi-lo, encolheu
os ombros e regressou ao convívio, enquanto Raimunda se manteve qui eta e invisível, deixando que meu pai e meu tio
passassem perto dela.
Só depois se levantou, mas
quando chegou á entrada da tenda o seu coração deu um inesperado pulo.
Ao fundo, a cerca de
cinquenta metros, viu Afonso Henriques e Chamoa afastarem-se estrada fora a
cavalo!
Ao vê-los também, meu pai
vingou-se com uma piada:
- Não serão antes cornos galegos, caro Paio
Soares?
Furibundo, este entrou de
repente na tenda, chocando com um dos criados, um homem baixo que deixou cair
um tabuleiro.
Ainda o pobre apanhava cacos
do chão, quando o rico-homem da Maia reapareceu, trazendo pelo braço o filho Ramiro,
a quem ordenou, exaltado, apontando para as duas figuras que cavalgavam:
- Ide segui-los e não os deixais estar juntos!
Ide ou levais uma carga de pancada!
Sorrateira, minha prima
Raimunda seguiu o jovem bastardo. Como a cavalo atraía muito a atenção dos
passeantes, decidiu ir a pé e saíu da estrada, cruzando os campos a correr,
para encurtar distâncias, vendo que Ramiro fazia o mesmo, trinta metros à sua
frente.
Algum tempo depois, já
afastados do castelo mais de uma légua verificou que o príncipe e a donzela galega
se dirigiam a um pequeno curso de água, a que os locais chamavam Rio da Loba.
Aproximou-se com infinita
cautela e quando eles desmontaram e Afonso Henriques deu a mão à galega, para a
ajudar, Raimundo percebeu que Ramiro não iria cumprir as ordens do pai.
Atrás de uma árvore, o rapaz
limitava-se a observar o par de encantados que se sentaram na erva, à borda da água.
Uma grande desgraça estava
prestes a acontecer, e nem Ramiro, nem minha prima a evitaram como podiam. Se o
tivessem feito, talvez Portugal não tivesse nascido com um filho em guerra com
a mãe.
Viseu, Sábado de Aleluia,
Abril de 1126
Deitada no chão entre as
ervas, protegida por uns pedregulhos e observando o seu amado, minha prima
Raimunda estava a transbordar de indignação com meu pai e meu tio.
Porque não haviam eles
impedido o príncipe de cortejar Chamoa, se a sabiam destinada a Paio Soares?
E porque não o impedira ela,
perguntei eu, no dia em que ela me contou o que se passou? Porque não o
impedira Ramiro?
Minha prima não me soube
responder. Mesmo estando ambos transtornados de ciúmes, ele porque amava
Chamoa, ela porque se apaixonara por Afonso Henriques, nenhum foi capaz de
estragar aquele primeiro encontro amoroso.
Os seres humanos, por vezes,
são tortos que parecem leais e tão manhosos que parecem inteligentes.
Por que é que, na noite de 4 de Outubro, contados os
votos, António Costa não desceu à sala de imprensa e, humildemente, confirmou a
sua derrota e se despediu dos seus camaradas e restantes votantes por esse país
fora, libertando o partido da responsabilidade daqueles resultados dizendo, por
exemplo, qualquer coisa como isto:
- “Esta é, por
certo, a pior derrota do Partido Socialista, a mais decepcionante e inesperada.
Os portugueses não podem ser masoqui stas
e, se depois de tantas mal-feitorias do governo de Passos Coelho, lhe voltam a
dar uma vitória que não sendo absoluta é expressiva, foi porque eu falhei na
mensagem. A culpa só pode ser minha e, por isso, deixo o meu cargo de Secretário
– Geral
Boa - Noite, meus senhores.”
Boa - Noite, meus senhores.”
Por que é que as coisas não se passaram assim?
- Porque António Costa é um político até à última célula
do seu organismo, já o era no momento da sua concepção, continuou a sê-lo
quando nasceu e aos 14 anos, entrou para o Partido Socialista, porque não
tinha outro caminho a seguir na vida.
Mas, o que é ser político? – É ter a capacidade de
explorar até ao limite, através do diálogo e de conversações, todas as soluções
de arranjo político na sociedade, mesmo que elas sejam inéditas, mesmo que
nunca tenham sido prosseguidas, mesmo que envolvam riscos e incertezas.
Naquela noite, depararam-se, ao seu lado esquerdo,
quase 1 milhão de votos, 996.872, concretamente, que mais uma vez não iriam
contar para nada porque estavam fora do Arco da Governação por razões que todos
sabiam de há 40 anos a esta parte. Era, pois, já uma questão de acomodação, mas Costa não concordava com isto.
Em Agosto de 2014 ele dissera: “Nunca aceitei essa expressão de partidos do arco da governação ou que
haja partidos proscritos”.
Na noite de 4 de Outubro estavam criadas as condições,
não para uma despedida pungida, normal com aqueles resultados, mas para que António
Costa ficasse na história da democracia portuguesa como o político que ousa
tentar deitar abaixo o famigerado Arco da Governação.
Tentar fazer isto numa situação de espartilho
financeiro da Europa, a que pertencemos porque é o nosso espaço e debaixo da
vigilância dos credores é... de político!
Por isso, a direita está nervosa e os camaradas de
partido que não partilham da mesma forma de encarar a situação, reagem furiosos.
Costa, dirá sempre que deveria ter tentado o que
tentou. Era preciso abrir a democracia portuguesa, alargá-la a todos, sem que
isso tenha sido uma ideia oportunista de última hora.
Era, pelo contrário, uma ideia genuína, testemunhada por muitos
camaradas seus, enquanto alguns outros o acusam chamando “aqui lo” de “uma barafunda suicidária sem programa nem
destino certo”.
Entretanto, Jerónimo de Sousa, “move-se” e Catarina
Martins “mexe-se”.
- Será que eles vão contribuir com a sua parte para a “barafunda suicidária” de António Costa?
quinta-feira, outubro 15, 2015
Tenha dó de um pobre pau-mandado |
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)
Episódio Nº 363
Na pensão de raparigas, recordaria com
Xandu a graça e o dengue de Zezinha do Butiá, o xibiu aquele abismo! Perdida em
Sergipe, não dava notícias nem sequer ao sobrinho Durvalino, o Leva-e-Traz.
Se sobrasse tempo, iria a Ilhéus cavaquear
com Álvaro Faria e ver o mar que, rapazola, cruzara num lugre de imigrantes
para vir do país das tâmaras para as terras do cacau.
4
Não chegaram a empreender a projetada
viagem, não houve tempo, os acontecimentos começaram a se desenrolar logo a
seguir e se precipitaram em ritmo de tormenta e vendaval.
Acabava o capitão Natário da Fonseca de
abancar-se à mesa do almoço quando o filho Peba entrou correndo casa adentro:
não vinha pela comida.
Afobado, dirigiu-se ao pai:
- Tem dois homens lá fora atirando nos
porcos, diz-que são fiscais e já mataram...
O Capitão não esperou que Peba completasse
a frase, tomou do cinturão com o parabelo, pendurado na parede ao lado da mesa,
despenhou-se pela ladeira.
Alcançou o descampado a tempo de ver
Altamirando, também ele chamado às pressas, se atracar com um dos dois desconhecidos.
Com as armas em punho, gritando ameaças,
os dois adventícios tinham feito uma carnificina de porcos, em sua maioria da
criação do sertanejo.
Altamirando, um punhal na mão, e o tal
sujeito cujo revólver se perdera na queda, rolavam no chão. Ainda distante,
Natário nada pôde fazer senão gritar, quando o outro indivíduo visou
Altamirando e disparou o trabuco várias vezes: o criador de porcos derreou, um
rombo nas costas por onde o sangue em jorro o abandonava.
Quase no mesmo instante, o assassino caiu
morto com um único tiro do parabelo do Capitão. Chegava gente de todos os lados
e Tição Abduim prendeu nos braços o fulano que, tendo se livrado do corpo de
Altamirando, tentava se levantar.
Quando o tipo se viu cercado e recebeu os
primeiros sopapos, caiu de joelhos e implorou que não lhe tirassem a vida, pelo
amor de Deus, tinha mulher a sustentar e filhos a criar.
Ali haviam chegado ele e seu colega, com
ordens expressas a executar.
Ambos fiscais da Intendência do Município
de Itabuna com alçada na cidade, nas vilas e nos arruados: no território do
município situava-se o arraial, ou lá o que fosse, de Tocaia Grande.
Vinham para fazer valer a ordenança que
proibia animais soltos nas ruas: as determinações recebidas do Sargento
Delegado mandavam matar todos os bichos de quatro pés que se encontrassem
vadios nas artérias, pois não tinham onde os recolher e, mesmo que tivessem, era
necessário dar o exemplo.
Quem cumpre ordens, não é culpado, seu
Capitão. Tenha dó de um pobre pau-mandado.
(Domingos Amaral)
Episódio Nº 84
Naquela tarde, meu pai e meu
tio não só desconheciam essas intenções da rainha, como não podiam discordar
delas, pois guerrear os infiéis era sempre uma causa nobre para qualquer cristão.
- É para isso que me querem!
Será um portucalense a unir Galiza e a preparar as campanhas no Sul!
Depois desta espampanante
exclamação, Paio Soares encheu o peito de ar e endireitou-se, olhando atento, o
horizonte, como se lá visse um grandioso palco onde era personagem fundamental.
Era por demais evidente que
a morte da rainha Urraca, que em vida tanto o assustara, o libertara de um peso
terrível e dos seus famosos terrores nocturnos.
Convicto, declarou:
- Podemos finalmente cumprir
o sonho do conde Henrique, a quem sempre fui leal! Unimo-nos no Norte, como ele
queria e combatemos no sul como ele fez!
Após uns instantes
pensativos, meu pai suspirou, desalentado:
- Estais seduzido pelos
cantos do Trava. Não vedes que nada disso irá acontecer? Dona Teresa quer-vos
apenas para calar os portucalenses, mas não mandareis em nada, será Fernão a
fazê-lo. É ele quem reina no coração da rainha. Sereis apenas um tolo útil.
Com a mão no punhal contendo
a fúria, Paio Soares, rosnou:
- Só por respeito não vos
desafio, não me ofendais mais!
Indiferente à ameaça, Ermígio
lançou outra acha para aquela flamejante fogueira:
- Quereis é a sobrinha do Trava, para vos dar
finalmente um filho varão. Porém tens de pensar com a cabeça, não com a gaita!
O humor de Paio Soares, ao
ouvir falar de Chamoa, mudou imediatamente e ficou de súbito animado e
divertido.
- E que mal tem desejar uma
bela mulher? Não sou o único a perder-me por uma bela galega!
Desdenhoso agoirou o futuro
casamento do meu pai, dizendo que a bela Teresa de Celanova era tombada de
amores por Raimundes!
Cuidado, Egas, que vos podem
nascer na testa uns cornos reais!
Aguentando a estucada com
galanteria, o meu pai ripostou:
-Não sujeis a reputação imaculadas de uma dama
solteira só para justificar uma reles traição!
Paio Soares deu uma sonora gargalhada.
- Se a Celanova é virgem, Cristo vai descer
hoje à terra!
Egas Moniz fez um esforço
para conter a ira e, a seu lado o irmão Ermígio pôs fim à inútil polémica,
alegando que Paio Soares estava perdido para o partido dos portucalenses, e que
o arcebispo de Braga iria ser informado da sua infame reviravolta.
Dentadinhas... na orelha...
-
Um
casal de velhotes está deitado na cama. A esposa não está satisfeita com a
distância que há entre eles e lembra:
-Quando
éramos jovens, costumavas dar-me a mão, na cama.
Ele
hesita e depois de um breve momento, estica o braço e dá-lhe a
mão.
Ela
não se dá por satisfeita.
-Quando
éramos jovens, costumavas ficar bem encostadinho a
mim...
Resmungando
um pouco, ele vira o corpo com dificuldade e aconchega-se junto a ela, da
melhor maneira possível.
Ela
insiste:
-Quando
éramos jovens, costumavas dar dentadinhas na minha
orelha...
Ele
solta um longo suspiro, afasta os cobertores para o lado e sai da
cama.
Ela
sente-se ofendida e grita:
-Aonde
é que vais?
-Buscar
a dentadura, velha chata!!!