D. SEBASTIÃO
E A SUA CRUZADA
A ALCÁCER KIBIR
(continuação)
Começavam a faltar os
alimentos, por terem sido reduzidas as rações – a fim de que os homens não
perdessem mobilidade – aos três dias que contavam ser necessários para vencer
os mouros e reabastecerem-se da frota.
A todas as observações o
rei taxava de cobardes. Às vozes mais altas retrucava descabeladamente com
ameaças de morte. A um dos seus, João de Sousa, jogou tal lançada que o teria
atravessado se não fosse o aço fino da cota.
Mesmo assim, foi decidido
que se voltasse a Arzila, contando que a armada ainda se encontrasse no porto.
Desgraçadamente a frota tinha levantado ferro para Larache.
No mesmo dia houve grosso
alarme no campo e se tocou arma. O rei, exasperado, cometeu os mais incríveis
despautérios. Por irrisão do caso, chegou ao acampamento o Capitão Aldana com
500 soldados que mandava o duque de Alba, mas sem armas nem munição alguma de
boca. Em compensação trazia-lhe o elmo e o capacete de Carlos V.
Este socorro, que seria
providencial noutras condições, agora só lhe servia de estorvo. Como alimentar
o terço? As úteis e idóneas armas tinham ficado nas naus. Por outra, era já
tarde para Aldana, Capitão experimentado, corrigir a desastrada estratégia do
rei, imprudente acima de tudo e estupidamente sôfrego, ele só, dos louros da
vitória.
Tanto assim que deu ordem
para a esquadra se abster de entrar em Larache, querendo reservar para si a
honra da conquista, quando a todos
se computava fácil, precipitando o desembarque, tomar a cidade de um primeiro
ímpeto.
No dia 2 acampou o
exército em Barkain, cerca de uma “daya”, terreno pantanoso e areento, e
começaram a aparecer no horizonte os corredores mouros.
No dia 3 atravessaram o
Ued Mehacen pela ponte, movimento de tanto erro que, naturalmente lhes ficava
cortada a retirada pois o riacho, ainda que na maré baixa se pudesse passar a
vau, não permitia com o alagadiço a manobra das peças nem mesmo da cavalaria.
Meia légua adiante da ponte enfrentaram a vanguarda moura.
Um renegado português que
aspirava ser restituído à sua terra, veio informar el’rei do que se passava no
arraial mouro e dar-lhe conselhos salutares.
Debalde. O infeliz queria
glória, glória sem contradita, glória ganha a peito descoberto, sem os ardis da
táctica, nem espécie alguma no combater. O que levou o renegado a comentar
nessa noite.
- Maior é o temor que os mouros têm que razão
para tê-lo. No campo cristão há muita lenha e pouco fogo para queimar a
Berbérie.
No dia 4, uma
segunda-feira, véspera de Nª Sª das Neves, voltaram alguns oficiais a mostrar a
D. Sebastião as vantagens que havia em diferir a batalha, tanto mais que era de
esperar a deserção do exército do Maluco, às portas da morte, em favor do
Xerife, o aliado.
Respondeu-lhes furioso e
embravecido. O Xerife mandou ainda um emissário que se esforçou, a seu turno,
por convencer el’rei com grande cópia de argumentos, mais convincentes, uns que
outros, de quanto tinham a lucrar demorando a batalha. Vinte e quatro horas,
senhor…?
Escasseiam os víveres no
campo…
- Abatem-se os bois. São
demais…
- Não, há-de ser hoje. E deixem-me com todos
os diabos!
(continua)