Memórias Futuras
Olhar o futuro pelo espelho retrovisor da história. Qual história? Que futuro?
sábado, setembro 08, 2012
Playng For Change
O eterno "Imagine" de Jhon Lennon com a sua visão de paz para o mundo. O produto desta campanha da Fundação Playing For Change irá ajudar a construir escolas de música, professores de apoio, programas de educação musical e instrumentos de música, um pouco por todo o mundo.
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 187
Após fazer sua safra de
entradas, de empurrar um livro a Ari, com dedicatória, outro ao coronel Manuel
das Onças, Argileu sentou-se numa das mesas, com o Doutor, João Fulgêncio,
Ribeirinho e Ari, para provar a louvada «cana de Ilhéus».
E, chupitando sua
cachacinha, entre os recentes amigos, já um pouco despido do ar de grande
personalidade, o vate revelou-se excelente prosa, contando divertidas anedotas
com sua voz de trovoada, rindo alto, a interessar-se pelos assuntos locais,
como se ali vivesse há muito, não houvesse desembarcado naquela manhã.
Apenas a cada novo freguês
fazia-se apresentar, retirava da pasta entradas e livros. Finalmente, por
proposta de Nhô-Galo, inventaram uma espécie de código para facilitar-lhes o
trabalho. Quando a vítima tivesse capacidade para entradas e livro, seria o
Doutor quem faria as apresentações. Quando fosse para várias entradas mas sem
livro, Ari apresentaria.
Homem solteiro ou apertado
de dinheiro, uma entrada, só ele, Nhô-Galo, seria o introdutor. Ganhava-se
tempo. O poeta relutou um pouco em aceitar:
- Essas coisas enganam… Eu tenho experiência. “As
vezes um tipo que a gente nem pensa, leva um livrinho… Afinal o preço varia…
Descarava por completo
naquela roda alegre, à qual haviam-se juntado Josué, o Capitão e Tonico Bastos.
Nhô-Galo garantia:
- Aqui ,
meu caro, não pode haver engano. Nós conhecemos as possibilidades, os gostos, o
analfabetismo de cada um…
Um moleque entrou pelo bar
distribuindo prospectos de um circo cuja estreia se anunciava para o dia
seguinte. O poeta tremeu:
- Não, não posso admitir! Amanhã é dia da
minha conferência. Escolhi de propósito porque nos dois cinemas dão filmes de
mocinho,, gente grande pouco assiste. E de repente cai-me em cima esse circo…
Mas, doutor, as suas
entradas não são vendidas com antecedência? Pagas à vista? Não há perigo - acalmava Ribeirinho.
- E o senhor pensa que sou homem para falar a
cadeiras vazias? Dizer meus versos para meia dúzia? Caro senhor, tenho um nome
a zelar, um nome com certa ressonância e uma parcela de glória no Brasil e em
Portugal…
Não se preocupe… – informava
Nacib, de pé ao lado da mesa ilustre. Esse é um cirqui nho
vagabundo está vindo de Itabuna. Não vale nada. Não tem animais, artistas que
preste. Só mesmo menino é que vai…
O poeta estava convidado a almoçar
com Clóvis Costa. Sua primeira visita fora à redacção do Diário de Ilhéus logo
depois do desembarque. Queria saber se o doutor o podia acompanhar à tarde.
- Certamente, com o maior prazer. E agora vou
levar o ilustre amigo a casa de Clóvis.
- Venha almoçar connosco, meu caro.
- Não fui convidado…
(Cick na imagem de uma jovem que, se tivesse nascido uns anitos mais tarde poderia estar a bordo da estação orbital internacional...)
sexta-feira, setembro 07, 2012
Vamos rever em pormenor e com toda a clareza e precisão a viagem da missão especial robótica da NASA a Marte envolvendo dois Rovers, o Spirit e o Opportunity para explorarem o planeta vizinho.
GABRIELA
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 186
- Novelas, no! Prosa de combate, de
essas que removem montanhas e cambiam el mundo. O senhor já leu Kropotkine?
O poeta ilustre vacilou. Quis dizer que
sim, o nome lhe era conhecido, achou melhor sair com uma grande frase:
-
A poesia está acima da política.
-
Y yo me cago en la poesia, senor mio – Estendia o dedo – Kropotkine es el más
grande poeta de todos los tiempos!
Só muito exaltado ou muito bêbado falava
espanhol sem mistura. – Mayor que él solo la dinamita. Viva la anarqui a!
Já chegara alterado ao bar, e ali
continuara a beber. Isso se passava exactamente uma vez por ano, e só uns
poucos sabiam ser a forma como ele comemorava a morte de um irmão, fuzilado
numa parada em Barcelona, muitos anos atrás.
Esse, sim, fora realmente um anarqui sta militante, cabeça de vento e fogo, coração
sem medo. Felipe recolhera seus folhetos e livros, mas não levantara sua
bandeira rota. Preferira sair de Espanha para escapar das suspeitas a
envolvê-lo devido ao seu parentesco.
Ainda agora, porém, mais de vinte anos
passados, fechava a oficina e embebedava-se no dia do aniversário da parada e
das mortes na rua. Jurando voltar à Espanha para explodir bombas e vingar o
irmão.
Bico Fino e Nacib conduziram o
comemorativo espanhol para o reservado do pocker onde ele podia beber à vontade
sem incomodar ninguém. Felipe apostrofava Nacib.
-
Que hiciste, serraceno infiel, de mi flor roja, de l agracia de Gabriela? Ténia
ojos alegres, era una cancion, una alegria, una fiesta. Por quê la robaste para
ti solamente, la pusiste em prisón? Sucio burguês…
Bico Fino trazia-lhe a garrafa da
cachaça, botava-a na mesa.
O Doutor explicava ao poeta os motivos
da bebedeira do espanhol, pedia-lhe desculpas. Felipe era um homem
habitualmente muito educado, cidadão estimável, apenas uma vez por ano…
-
Compreendo perfeitamente. Um pifãozinho de vez em quando, isso se passa com
pessoas até da mais alta-roda. Eu também não sou abstémio. Tomo a minha
pingazinha…
Disso Ribeirinho entendia: de bebidas.
Sentiu-se em terreno familiar e iniciou uma prelecção sobre os diversos tipos
de cachaça. Em Ilhéus fabricavam uma, óptima, a «cana de Ilhéus»; era quase
toda vendida para a Suíça, onde a bebiam como uísque.
O Mister – «o inglês director da Estrada
de Ferro», explicava a Argileu – não bebia outra coisa. E era competente na
matéria…
A explanação foi diversas vezes
interrompida. Com a hora do aperitivo chegavam os fregueses, iam sendo
apresentados ao vate. Ari Santos envolveu-o num abraço estreito, apertando-o
contra si. Muito o conhecia de nome, e de leitura; aquela visita a Ilhéus
ficaria nos anais da vida cultural da cidade.
O poeta, babado de gozo, agradecia. João
Fulgêncio estudava-lhe o cartão, guardou-o cuidadosamente no bolso.
(Click na imagem, A paisagem é desoladora mas ela está deslumbrante...)
(Parte XI e última)
Richard Dawkins
A teoria geral da religião
como subproduto acidental – um tiro falhado de algo útil – é aquela que defendo
e a título de exemplo continuarei a fazer uso da minha teoria da “criança
crédula” cujo cérebro é, por bons motivos, passível de ser infectado por
“vírus” mentais.
Por que motivo se manifesta
a “infecção” sob a forma de religião e não sob a forma de… bem, de quê?
Parte do que quero dizer é
que não importa que tipo concreto de disparate vai infectar o cérebro da
criança. Uma vez infectada, ela vai crescer e infectar a geração seguinte com o
mesmo disparate, qualquer que ele seja.
Uma panorâmica antropológica
dá-nos conta da diversidade das crenças irracionais humanas. Uma vez entrincheiradas
numa cultura, perduram, desenvolvem-se e espalham-se, de uma forma que faz
lembrar a evolução biológica. Por vezes os feitiços e encantamentos vão
inspirar-se no mundo real e de um modo trágico. A crença de que o corno do
rinoceronte, uma vez reduzido a pó possui propriedades afrodisíacas, o que é
absolutamente absurdo tem a sua origem na suposta semelhança entre um corno e
um pénis viril.
Presumo que as religiões,
tal como as línguas, evoluem de uma forma bastante aleatória mas também de uma
forma interesseira, que favorece a própria religião quando, por exemplo,
ensinam a doutrina, segundo a qual, as nossas personalidades sobrevivem à morte
física. A própria ideia de imortalidade sobrevive e alastra porque vai ao
encontro dos que tendem a tomar os desejos por realidade. E esta ilusão tem o
seu valor porque a psicologia humana encerra uma tendência quase universal para
permitir que a crença se deixe colorir pelo desejo.
Parece não haver dúvidas de
que muitos dos atributos da religião estão bem ajustados ao esforço de ajudar à
sobrevivência da própria religião.
Martinho Lutero tinha a
clara consciência de que a razão era a arqui -inimiga
da religião e muitas vezes advertiu para os seus perigos:
«A razão é o maior inimigo
da fé; nunca vem em auxílio das coisas espirituais, e as mais das vezes luta
contra o verbo divino, tratando com desprezo tudo o que emana de Deus».
E mais adiante continua:
«Quem qui ser ser cristão deve arrancar os olhos à sua
própria razão»
E continua:
«A razão deve ser destruída
em todos os cristãos»
Lutero não teria nenhuma
dificuldade em conceber ou desenhar de forma inteligente aspectos ininteligentes
de uma religião para ajudá-la a sobreviver.
«A verdade, em religião, não
é senão a opinião que sobreviveu»
Óscar Wilde
quinta-feira, setembro 06, 2012
IMAGEM
O Cacilheiro, não será o do Zé Cacilheiro que esse seria mais velho, mas ele era o único transporte para a outra "banda" antes da Ponte do 25 de Abril que antes tinha sido do Salazar. A mãe da minha mãe era de Paio Pires, na outra banda, e quando a visitávamos, era eu ainda criança, íamos no Vauxall que o meu pai comprou a seguir à guerra, ainda na década de quarenta, e que viajava no cacilheiro como se pode ver pela imagem. Agora, eu devia dizer: "bons tempos..."
ZÉ CACILHEIRO
Um quadro do Teatro de Revista à portuguesa com o José Viana e o Carlos Coelho que retrata magistralmente o humor cáustico sobre uma sociedade onde não se podia falar abertamente por causa da polícia política (PIDE) e da rígida moral católica. Estamos a meio da década de sessenta, o regime está acossado pela guerra colonial e o José Viana, como muitos dos seus pares e intelectuais da época eram da oposição. Por isso, os diálogos são "deliciosamente" cifrados e plenos de subentendidos com a condescendência da Censura para a qual o Parque Mayer e as Revistas à portuguesa eram pequenas válvulas de escape do povo às quais fechavam os olhos ou os ouvidos.
UM ARGENTINO EM TORONTO
Aqui há uns tempos, coisa recente, as autoridades do Canadá quiserem expulsar um português que ao fim de mais de trinta de presença no país, casado, com dois filhos, cidadão exemplar, veio visitar a sua terra, aqui em Portugal. Os fundamentalistas da Imigração canadense estiveram quase, quase a expulsá-lo (chegou a pôr a sua casa à venda) porque havia lá um "papel" cuja data não conferia bem. O problema resolveu-se, não sei se eles pediram desculpas, mas o que sobressai é um tipo de aversão aos emigrantes de países latinos... uma espécie de xenofobia dos nórdicos contra os "morenos e preguiçosos" do Sul que têm sol, calor, praia e céu azul (alguns terão mosquitos) enquanto eles têm frio, neve, gelo e céu cinzento. Este argentino, de Santa Fé, que me fez chorar a rir, contribuiu, com os seus desabafos, para a minha "vingança".
Um indivíduo sofre um
terrível acidente e o seu pénis é dilacerado e arrancado.
O médico assegura-lhe que a medicina moderna pode pôr-lhe um
'instrumento' novo, mas o serviço nacional de saude não cobre a cirurgia, já
que a mesma é considerada cirurgia estética.O médico acrescenta que os preços da cirurgia são:
3.500.00 EUR - para um pénis de tamanho pequeno;
6.500.00 EUR - para o tamanho médio; e
9.000.00 EUR - para o de tamanho grande.
O homem aceita imediatamente mas fica na dúvida se há-de implantar um médio ou um grande.
O médico aconselha-o a conversar com a mulher antes de tomar uma decisão.
O homem assim faz: todo entusiasmado, telefona à mulher e explica-lhe o que se passa.
Daí a pouco volta ao consultório e o médico vê que ele está visivelmente incomodado e deprimido, e por isso pergunta-lhe:
- Então, o que é que o senhor e a sua mulher decidiram?
O homem, cabisbaixo, responde-lhe:
- P... que a pariu! Diz que por esse preço prefere remodelar a cozinha...
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 185
Novamente confundia-se – Isso é: não se
ofenda, quero dizer que são divertidas, não é? Sou um tabaréu, não tenho muitas
letras, conferência me dá um sono… Só perguntei por causa da patroa e das
meninas… Porque, de outro modo não podia levar, não é? – E para terminar com aqui lo: - Quatro entradas, quanto é?
Nacib ficava com duas, o sapateiro
Felipe com uma. Para a noite do dia seguinte, no salão nobre da Intendência,
com a apresentação do Dr. Ezequi el
Prado, colega de Argileu na Faculdade.
Passava o poeta à segunda fase da
operação, a mais difícil. Entrada quase ninguém recusava. Livro não tinha a
mesma aceitação. Muitos torciam o nariz ante as páginas onde os versos se
alinhavam em tipo miúdo. Mesmo aqueles que se decidiam, por interesse ou
gentileza ficavam sem saber como agir quando, ao informarem-se do preço, o
autor respondia:
-
À sua vontade… Poesia não se vende. Não deverá de pagar impressão e papel,
composição e brochura e destribuiría gratuitamente os meus livros, a mancheias,
como mandava o poeta. Mas… quem pode escapar do vil materialismo da vida?
Esse volume, que reúne as minhas últimas
e mais notáveis poesias, consagrado de norte a sul do País, com uma crítica
entusiasta em Portugal, custou-me os olhos da cara. Ainda nem o paguei… Fica a
seu critério meu caro amigo…
O que era de boa técnica quando se
tratava de exportador de cacau ou de fazendeiro.
Mundinho Falcão dera cem mil réis por um
livro, além de comprar uma entrada. O coronel Ramiro Bastos dera cinquenta; em
compensação comprara três entradas. E o convidara para jantar daí a dois dias.
Argileu informava-se com antecedência
dos particulares de cada praça a visitar. Soubera assim da luta política em Ilhéus. Viera armado
de cartas para Mundinho e Ramiro, de recomendações para os homens importantes
de um e de outro bando.
Experiente de muitos anos a colocar, com
paciência e denodo, as edições de seus livros, logo se dava conta o corpulento
vate se o comprador era capaz de resolver por si e soltar uma quantia maior ou
se devia ele insinuar-lhe:
-
Vinte mil réis e dou um autógrafo.
Quando o possível leitor ainda desistia,
ele ficava magnânimo, propunha o limite extremo.
-
Como sinto o seu interesse pela minha poesia, vou lhe deixar pelos dez. Para
que o senhor não fique privado do seu qui nhão
de sonhos, de ilusões, de beleza!
Ribeirinho, de livro enfiado na mão,
coçava a cabeça. Consultava o Doutor com os olhos, querendo saber quanto pagar.
Boa amolação tudo aqui lo, dinheiro
jogado fora. Meteu a mão no bolso, tirou mais vinte mil réis, fazia-o pelo
Doutor.
Nacib não comprava, Gabriela não sabia
ler, e, quanto a ele, tinha poesia de sobra com as que Josué e Ari Santos
declamavam no bar. O sapateiro Felipe recusou, estava bastante tocado:
- Perdoe-me usted, senhor poeta. Eu leio
sãmente prosa e certa prosa – acentuava o «certa».
(Click 2 vezes neste rosto de olhar em êxtase... lindo!)
Raízes da Religião (Parte X)
Richard Dawkins
Será a religião irracional
um subproduto dos mecanismos de irracionalidade que, por via da selecção, foram
originariamente incorporados no cérebro com vista ao enamoramento?
É verdade que a fé religiosa
tem aspectos em comum com o enamoramento (e ambos têm muitas das
características da euforia induzida por uma droga viciante). O neuropsiqui atra John Smythies adverte para o facto de haver
diferenças significativas entre as áreas do cérebro activadas pelos dois tipos
de mania. Contudo, observa também algumas semelhanças:
- Uma faceta das muitas faces da religião é o
amor intenso centrado numa pessoa sobrenatural, isto é, em Deus, acompanhado da
veneração de ícones dessa pessoa. A vida humana é, em grande parte, impelida
pelos nossos genes egoístas e por processos de reforço.
É grande o reforço de tipo
positivo originado pela religião: sentimentos reconfortantes e calorosos por
sermos amados e protegidos num mundo perigoso, perda do medo da morte, auxílio
vindo não se sabe de onde em resposta a preces em tempos difíceis, etc.
De igual modo, o amor
romântico por outra pessoa real (geralmente do sexo oposto) apresenta a mesma
concentração intensa no outro e reforços positivos. Estes sentimentos podem ser
desencadeados por ícones do outro, tal como cartas, fotografias e mesmo
madeixas de cabelo, como se usava na época vitoriana.
O estado de enamoramento
faz-se acompanhar de inúmeras manifestações fisiológicas, como por exemplo,
suspirar longa e repetidamente.
Fiz a comparação entre
enamoramento e religião em 1993, escrevendo na altura que os sintomas de um
indivíduo infectado pela religião «podem ser surpreendentemente reminiscentes
daqueles que habitualmente associamos ao amor sexual.
Trata-se de uma força extremamente
potente que há no cérebro e não admira que alguns vírus tenham evoluído no
sentido de a explorar (vírus, neste contexto é uma metáfora para religiões.)
O filósofo Anthony Kenny
(ordenado padre, regressa depois à sua condição laica por se ter tornado
agnóstico) dá um testemunho comovente do grande deleite daqueles que conseguem
acreditar no mistério da transubstanciação (acreditar na presença real de
Cristo na eucaristia).
Depois de descrever a sua
ordenação como padre católico habilitado a celebrar missa pela imposição das
mãos, recorda vividamente a exaltação dos primeiros meses em que deteve o poder
de rezar missa. Ele próprio diz:
- "Normalmente era lento e preguiçoso a
levantar-me pela manhã, agora saltava cedo da cama, bem desperto e muito entusiasmado
só de pensar no momentoso acto que tinha o privilégio de desempenhar…
O tocar o corpo de Cristo, a
proximidade entre o padre e Jesus, era o que mais me enlevava. Olhava fixamente
para a hóstia depois das palavras da consagração, de olhar lânguido como um
amante que mira os olhos da sua amada."
O equi valente
da reacção das traças à bússola luminosa é o hábito aparentemente irracional, e
no entanto útil, de nos apaixonarmos por um, e só um, membro do sexo oposto.
O subproduto falhado – o equi valente a voarmos na direcção da chama – é
apaixonarmo-nos por Javé (ou pela Virgem Maria, ou por uma rodela de batata, ou
por Alá) e levar a cabo actos irracionais motivados por esse amor.
quarta-feira, setembro 05, 2012
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 184
Armado de esplêndida
caradura, não se deixava derrotar nem em tais condições extremas. Voltava à
carga e quase sempre vencia: pelo menos um bilhete passava.
Os proventos de promotor
davam apenas, e magramente, para as necessidades da família numerosa, a vasta
filharada crescendo. Família numerosa, ou melhor: famílias numerosas, pois eram
pelo menos três. Sujeitava-se a pulso o eminente vate às leis escritas, boas
talvez para o comum dos mortais, mas inconfortáveis sem dúvida para os seres de
excepção como o «bacharéis» Argileu Palmeira.
Casamento e monogamia, por
exemplo. Como podia um verdadeiro poeta sujeitar-se a tais limitações? Jamais qui sera casar-se, apesar de viver há cerca de vinte
anos com a outrora saltitante augusta, hoje avelhantada, no que se pode chamar
de sua casa matriz.
Para ela escrevera os seus
dois primeiros livros: As Esmeraldas e os Diamantes (todos os seus livros
tinham como títulos pedras preciosas ou semi-preciosas), e ela em troca lhe dera
cinco robustos filhos.
Não pode um cultor de musas
cultuar uma única musa, um poeta necessita renovar suas fontes de inspiração.
Ele as renova denodadamente, mulher no seu caminho, virava logo soneto na cama.
Com outras duas musas inspiradoras produziu famílias e livros.
Para Raimunda, flor de
mulata adolescente e copeira, agora mãe de três filhos seus, burilou as
Turquesas e os Rubis. As Safiras e os Topázios deveram-se a Clementina, viúva
insatisfeita de seu estado, de quem nasceram Hércules e Afrodite.
É claro que, em todos esses
consagrados volumes, existiam rimas para outras musas menores. É possível,
também, existissem outros filhos além dos dez perfilhados, registados e
baptizados todos sob o nome de deuses e heróis gregos, para escândalo dos padres.
Dez vigorosos Palmeiras, de
variada idade, doze (porque aos ses dez somavam-se os dois do finado marido de
clementina) valentes bocas a sustentar, herdeiros do mitológico apetite do pai.
Eram eles, sobretudo – o gosto de mudar de paisagem, de ver terra nova – que
levavam o vate àquelas peregrinações literárias durante as férias forenses.
Com um stock de livros e uma
ou duas conferências na enorme mala negra sob a qual vergavam os ombros do mais
forte carregador.
Uma só? Não faça isso… Não
deixe de levar a madame. E os filhos que idade têm? Aos qui nze
anos já são sensíveis à influência da poesia e das ideias contidas em minha
conferência. Aliás, extremamente educativas, próprias para formar a alma dos
jovens.
- Não tem indecência nenhuma? Perguntava
Ribeirinho a lembrar-se das conferências de Leonardo Mota, que vinha a Ilhéus
uma vez por ano e obtinha casa superlotada, sem necessidade de passar bilhetes,
com suas palestras sobre o sertão. – Anedotas inconvenientes?
- Por quem me toma, meu caro amigo? A mais
rigorosa moralidade… Os sentimentos mais nobres.
- Não disse para criticar, até gosto. Para
falar a verdade, é mesmo as únicas conferências que suporto…
(Click na imagem. Será que estas belas jovens estão a dar à costa numa qualquer praia perdida?)
(Richard Dawkins)
O mesmo se aplica às proposições acerca
do mundo, do cosmo, dos princípios morais e da natureza humana. E quando a
criança crescer e tiver filhos seus, ele irá, muito provavelmente,
transmitir-lhes tudo – quer o bom senso, quer o disparate – com toda a
naturalidade, usando o mesmo ar grave e contagiante.
Os líderes religiosos estão conscientes
da vulnerabilidade do cérebro da criança e da importância de esta ser
doutrinada em tenra idade.
A expressão Jesuíta: “dai-me a criança
nos seus primeiros sete anos e eu dar-vos-ei o homem” não é menos exacta, ou
menos sinistra, por ser uma frase batida.
Já nos nossos dias, James Dobson,
fundador do famigerado movimento «Focus on the Family» mostra que também conhece
bem o princípio:
-
“Aqueles que controlam o que é ensinado aos mais novos e aqui lo que eles experienciam – o que vêm, ouvem,
pensam e crêem – irão determinar o rumo futuro da nação.”
Todas as crenças religiosas parecem esqui sitas aos olhos daqueles que não foram educados
de acordo com os seus preceitos.
Nos Camarões, o cientista Boyer
investigou o povo Fang que acredita…
… que as bruxas têm um órgão interno a
mais, semelhante a um animal, que voa durante a noite e destrói as culturas das
outras pessoas ou lhes envenena o sangue. Diz-se também, que por vezes estas
bruxas se reúnem para grandes banquetes, nos quais devoram as vítimas e
planeiam futuros ataques. Muitos nos dirão que um amigo de um amigo viu mesmo
bruxas a sobrevoar a aldeia à noite, sentadas numa folha de bananeira e a
atirar dardos mágicos, a várias vítimas inadvertidas.
Boyer acrescenta um episódio pessoal:
-
Estava eu a falar desta e de outras ocorrências exóticas à mesa do jantar num
colégio universitário em Cambridge, quando um dos nossos convidados, um
proeminente teólogo de Cambridge, se virou para mim e disse: «É isso que torna
a Antropologia tão fascinante e ao mesmo tempo tão difícil. É preciso explicar
como as pessoas acreditam nesses disparates» … o que me deixou perplexo! … (Só vêm
o agreiro no olho do vizinho).
Reparem bem:
a) Aquele teólogo acredita que o homem
nasceu de uma virgem sem a intervenção de um pai biológico.
b) Esse mesmo homem sem pai voltou à vida depois de morto e enterrado há três
dias.
c) Quarenta dias depois, o homem sem pai
subiu ao cume de um monte e o seu corpo desapareceu no céu.
d) Esse mesmo homem, sem pai, bradou a um
amigo, de seu nome Lázaro, que estava morto há tempo suficiente para cheirar
mal, e Lázaro ressuscitou de imediato.
e) Se murmurarmos pensamentos na
intimidade da nossa cabeça, o homem sem pai e o próprio «pai» (que é também ele
próprio) ouvirá os nossos pensamentos e poderá agir em conformidade com eles.
Ela consegue escutar os pensamentos de todas as outras pessoas no mundo ao mesmo
tempo.
f) Se fizermos alguma coisa de mal ou de
bem, esse homem sem pai vê tudo, ainda que mais ninguém o veja. Podemos ser
recompensados ou castigados, conforme o caso, mesmo depois da nossa morte.
g) A mãe virgem do homem sem pai não
chegou a morrer porque, por via da “assunção” acedeu directamente ao céu em
corpo.
h) O pão e o vinho, quando consagrados
por sacerdote (que tem de ter testículos) «transformam-se» no corpo e no sangue
do homem sem pai.
O proeminente teólogo de Cambridge que de acordo com a sua fé, acredita em tudo isto confessava, no entanto, ao
jantar, aos ouvidos do antropólogo Boyer, que era preciso explicar “como era
possível as pessoas acreditarem em tais disparates”, a propósito das crenças nas bruxas do povo dos Camarões…
terça-feira, setembro 04, 2012
Playing For Change
Este vídeo é uma versão do Redemption Song realizado em todo o mundo em homenagem ao aniversário de Bob Marley. Esta canção é um convite para ultrapassar as mágoas do passado e seguir em frente com amor no coração e esperança no olhar.
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 183
Do Inspirado vate às voltas com míseras preocupações
monetárias.
-
Dr. Argileu Palmeira, nosso eminente e inspirado poeta, honra das letras
baianas – O Doutor apresentava com uma ponta de orgulho na voz.
-
Poeta, hum… – o coronel Ribeirinho olhava com desconfiança: esses tais poetas
em geral não passam de eméritos facadistas – Prazer…
O inspirado vate, um cinquentão enorme e
gordo, mulato bem claro e bem apanhado, de sorriso largo e cabeleira em juba,
vestido com caças de listas, paletó e colete de mesela, preta apesar do calor
de torrar, vários dentes de ouro e uma pose de senador em vilegiatura., estava
evidentemente acostumado àquela desconfiança dos rudes homens do interior para
com as musas e seus eleitos.
Puxou um cartão de visita do bolso do
colete, pigarreou, chamando a atenção de todo o bar, largou a voz tonitruante e
modulada:
-
Bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais, ou seja: advogado de grau e
capelo, e bacharel em
letras. Promotor público da comarca de Mundo Novo, no sertão
baiano. Para servi-lo, caro senhor.
Inclinava-se, estendia o cartão a
Ribeirinho, atónito. O fazendeiro buscava os óculos para ler:
Dr. Argileu Palmeira
Bacharéis (em Ciências Jurídicas
e Sociais e em Ciências e Letras)
Promotor Público
Poeta Laureado
Autor de seis livros
consagrados pela crítica
Mundo Novo – Baía – Parnaso
Ribeirinho atrapalhava-se todo,
erguia-se da cadeira, articulava frases sem seguimento:
-
Pois muito bem, doutor… às suas ordens…
Por cima do ombro do fazendeiro, Nacib
lia também, também ele impressionava-se, balançando a cabeça:
-
Sim senhor. Isso é que é!
O vate não gostava de perder tempo:
colocou a grande pasta de couro sobre a mesa, começou a abri-la. Para cidade do
interior Ilhéus era das maiores, havia ainda muita visita a fazer. Tirou
primeiro o maço de entradas para a conferência.
O ilustre habitante do Parnaso estava,
infelizmente, sujeito às contingências materiais da vida neste mundo mesqui nho e torpe, onde o estômago prevalece sobre a
alma.
Adqui rira,
assim, um senso prático bastante pronunciado e, quando saía em tournée de
conferências, fazia cada praça conscienciosamente, tirando dela o máximo.
Sobretudo em chegando em terra rica, de dinheiro fácil, como Ilhéus, tratava de
defender-se, obter alguma reserva para compensar os centros mais atrasados,
onde o desprezo pela poesia e a relutância às conferências chegavam à má
educação e às batidas de porta.
( Na imagem, Hugo Carvana, que representou magistralmente o personagem do Dr. Argileu Palmeira, "autor de seis livros consagrados pela crítica": "Já lhe dei o meu cartão?...")
(Richard Dawkins)
Os computadores fazem o que lhes mandam.
Obedecem cegamente a quaisquer instruções que lhe sejam transmitidas pela
linguagem da programação. É assim que desempenham coisas úteis, como
processamento de texto e folhas de cálculo.
Mas também há um subproduto inevitável,
e que é o facto de terem um comportamento igualmente robótico quando se trata
de obedecer a instruções erradas. Não têm forma de saber se uma dada instrução
vai produzir um bom ou um mau resultado. Limitam-se a obedecer, tal como se
espera de um soldado.
É a sua obediência incondicional que
torna os computadores úteis e é precisamente isso também que os torna
inescapavelmente vulneráveis a infecções de vírus e vermes de software.
Um programa concebido com intenção
maldosa que diga: «copia-me e envia-me a todos os endereços que encontrares
neste disco rígido», vai limitar-se a ser obedecido e a voltar e a voltar a
sê-lo vezes sucessivas por todos os outros computadores para onde for enviado,
num crescimento exponencial.
É difícil, senão impossível, conceber um
computador que seja obediente de uma forma útil e ao mesmo tempo imune às
infecções.
Depois deste trabalho de sapa já os meus
amigos leitores terão completado o meu raciocínio acerca do cérebro das
crianças e da religião.
A selecção natural constrói o cérebro
das crianças de maneira a neles incutir uma tendência para acreditarem naqui lo que os pais e os chefes da tribo lhes dizem.
Essa obediência confiante, análoga à orientação da traça pela Lua é valiosa
para a sobrevivência, mas o reverso da obediência cega é a credulidade servil.
O subproduto inevitável é a
vulnerabilidade à infecção pelo vírus da mente. Por excelentes razões
relacionadas com a sobrevivência darwiniana, os cérebros das crianças precisam
de acreditar nos pais e nos mais velhos em quem os pais lhes dizem que o façam.
Uma consequência automática reside no
facto de aquele que confia não ter forma de distinguir os bons dos maus
conselhos.
A criança não tem forma de saber que
«não te metas no rio Limpopo, que está infestado de crocodilos» é um bom
conselho e que «tens de sacrificar uma cabra durante a lua cheia , senão não a
chuva não vem» é, no mínimo, um desperdício de tempo e de cabras.
Ambos os avisos parecem igualmente
dignos de confiança, ambos provêm de uma fonte respeitável e são proferidos num
tom de grave seriedade que inspira respeito e obediência.
segunda-feira, setembro 03, 2012
JERRY LEWIS
Não foi, nos meus tempos de rapaz, o meu actor cómico preferido. Ele nasceu em 1926 e aos 20 anos fez uma parceria cómica com Dean Martin. Com um jogo fisionómico notável que é bem evidente neste número de pantomina.
GIMME SHELTER - PLAYNG FOR CHANCE
Uma canção lendária de Bob Marley. Esta música expressa a urgência de enfrentarmos unidos os problemas do planeta . É dedicada a todas as pessoas perdidas, sem casa e esquecidas no mundo.
Onze pessoas estavam penduradas numa corda num helicóptero.
Eram dez homens e uma mulher.
Como a corda não era forte o suficiente para segurar todos, decidiram que um deles teria que se soltar da corda…
Eles não conseguiram decidir quem, até que, finalmente, a mulher disse que se soltaria da corda, pois as mulheres estão acostumadas a largar tudo pelos seus filhos e marido, dando tudo aos homens e recebendo nada de volta e que os homens, como a criação primeira de Deus, mereceriam sobreviver, pois eram também mais fortes, mais sábios e
capazes de grandes façanhas...
Quando ela terminou de falar, todos os homens começaram a bater palmas…
Eram dez homens e uma mulher.
Como a corda não era forte o suficiente para segurar todos, decidiram que um deles teria que se soltar da corda…
Eles não conseguiram decidir quem, até que, finalmente, a mulher disse que se soltaria da corda, pois as mulheres estão acostumadas a largar tudo pelos seus filhos e marido, dando tudo aos homens e recebendo nada de volta e que os homens, como a criação primeira de Deus, mereceriam sobreviver, pois eram também mais fortes, mais sábios e
capazes de grandes façanhas...
Quando ela terminou de falar, todos os homens começaram a bater palmas…
Nunca subestime o poder e a inteligência de
uma mulher!
CRAVO
E
CANELA
Episódio Nº 182
Até Plínio Araçá, esquecida a rivalidade dos bares,
trouxera champanhe. Casamento religioso que seria ainda melhor não houve. Só
então se soube que Nacib era maometano, se bem em Ilhéus houvesse perdido Alá e
Maomé. Sem ganhar, no entanto Cristo ou Jeová.
Nem por isso o padre Basílio deixou de vir, de
abençoar Gabriela:
- Que
desabroches em filhos, minha rosa de Jericó.
Ameaçava Nacib:
- Os meninos eu
baptizo, quer você queira quer não queira…
- De acordo, seu
padre…
A festa entraria pela noite, certamente, se no longo
crepúsculo não houvesse alguém gritado do passeio:
- Olha as
dragas chegando…
Foi uma corrida para a rua. Mundinho Falcão de volta
do Rio, viera ao casório trazendo flores para Gabriela, rosas vermelhas.
Cigarreira de prata para Nacib. Precipitou-se para a rua, o rosto a sorrir.
Embicando para a barra, dois rebocadores a puxarem
quatro dragas. Um viva ressoou, outros muitos responderam, as despedidas
começaram. Mundinho foi o primeiro, saíu com o Capitão e com o Doutor.
A festa se transportou para o cais, para as pontes de
desembarque. Apenas as senhoras ficaram mais um pouco, também Josué e o
sapateiro Filipe. Glória espiava da calçada, mesmo ela abandonara sua janela
naquele dia. Quando Dª Arminda, por fim, desejou boa noite e saíu, a casa vazia
e revolta, garrafas e pratos esparramados. Nacib falou:
- Bié…
- Seu Nacib.
- Porquê seu
Nacib? Sou seu marido, não sou seu patrão…
Ela sorriu, arrancou os sapatos, começou a arrumar, os
pés descalços. Ele tomou-lhe da mão, respondeu:
- Não pode mais
não, Bié…
- O quê?
- Andar sem
sapatos. Agora você é uma senhora.
Assustou-se.
- Posso não?
Andar descalça de pé no chão?
- Pode não.
- E porquê?
- Você é uma
senhora, de posses, de representação.
- Sou não, seu
Nacib. Sou só Gabriela…
- Vou te educar
– Tomou-a nos braços, levou-a prá cama.
- Moço bonito…
No porto, a multidão gritava, aplaudia. Desencavaram
foguetes, ninguém sabe onde. Subiam no céu, a noite caía, a luz dos foguetes
iluminava o caminho das dragas. O russo Jacob, de tão excitado, falava numa
língua desconhecida. Os rebocadores apitaram, entravam no porto.
(Click num local mais ou menos selvagem, desprezado,à beira de um rio de águas sujas escolhido para uma beldade... contrastes.)
(Richard Dawkins)
Se a religião é então subproduto de
outra coisa, o que é essa outra coisa?
Qual é o equi valente
ao hábito da traça de navegar tendo como referência bússolas de luz celeste?
Qual é a característica primitiva
vantajosa que por vezes falha o alvo dando origem à religião?
Avançarei aqui
uma sugestão a título exemplificativo, mas devo realçar que é apenas um exemplo
do tipo de coisa a que me refiro, e apontarei sugestões paralelas avançadas por
outros.
Mais importante do que avançar uma
resposta é a necessidade de colocar correctamente a pergunta.
A minha hipótese concreta centra-se nas
crianças. Mais do que qualquer outra espécie, nós sobrevivemos através da
experiência acumulada pelas gerações anteriores, e essa experiência precisa de
ser transmitida às crianças, para sua protecção e bem-estar.
Na teoria, as crianças poderão aprender
através da experiência pessoal, a não se aproximarem de um penhasco, a não
comerem bagas vermelhas desconhecidas, a não nadarem em águas infestadas de
crocodilos. Sem dúvida que sim, mas aquelas crianças cujo cérebro contiver a
seguinte regra prática: acredita sem hesitações em tudo o que os adultos te
disserem. Obedece aos teus pais, obedece aos chefes da tribo, sobretudo quando
falarem para ti numa voz grave e ameaçadora. Confia nos mais velhos sem
contestares. Essas crianças dotadas com um cérebro “formatizado” com essas
regras, terão uma vantagem de sobrevivência relativamente às outras mas, tal
como no caso das traças, pode dar mau resultado…
Nunca esqueci um sermão terrível que
ouvi na capela da minha escola, quando era pequeno. Terrível, visto de agora,
porque, na altura, o meu cérebro de criança aceitou-o dentro do espírito
pretendido pelo pregador. Ele contou-nos, então, a história de um pelotão de
soldados que treinava junto da linha do Caminho-de-Ferro e, num momento
crítico, o sargento encarregado do treino distraiu-se e não deu a voz de
“alto”. Os soldados, de tão bem treinados a obedecer às ordens sem as contestar,
continuaram a marcha de encontro ao comboio que se aproximava.
O pregador contava esta história para
que nós admirássemos e imitássemos a obediência servil e incondicional dos
soldados a uma ordem, por muito absurda que ela fosse, vinda de uma figura de
autoridade.
Este sermão da minha infância marcou-me
profundamente e por isso eu conto-o aqui
porque o «eu» da minha infância não sabe se teria coragem de marchar contra o
comboio e cumprir assim o seu dever. Mas talvez esta mensagem fosse mais de
cariz militar, ao estilo da «Carga da Brigada Ligeira» do que religiosa.
Consultando a história, as nações cujos
soldados de infantaria seguem as ordens que recebem ganham mais guerras do que
aquelas cujos soldados agem por sua livre iniciativa.
Do ponto de vista das nações, esta
continua a ser uma boa regra básica ainda que por vezes conduza a catástrofes
pessoais. Os soldados são treinados para se tornarem o mais parecidos como
autómatos ou computadores.
domingo, setembro 02, 2012
HOJE É
DOMINGO
(Da Minha cidade de Santarém)
Visitei o Porto, visita rápida como a
dos médicos só que eu não tinha doentes à minha espera. E realmente, a sensação
é a de quem visita um doente, tristonho, desacorçoado, mal dizente da vida…
apenas a fé inabalável no seu F.C. Porto e no inefável e infalível Pinto da
Costa, orgulho dos portistas, adorado pelos dragões, garantia de vitória.
Quanto ao resto é o desânimo, ou porque
o Estado levou a casa construída com o dinheiro ganho em dezassete anos
emigrado na Venezuela, ou porque, pura e simplesmente, não há trabalho, não há
clientes. Horas e horas ao volante de um táxi que não é dele, remunerado à
comissão, para chegar ao fim do dia e levar para casa cerca de dez euros… e
isto quase aos sessenta anos.
Vida cruel, esta: trabalha-se anos e
anos, sabe-se lá em que condições, regressa-se à terra saudoso, constrói-se a
casa sonhada e depois vem o cobrador de impostos e leva a casa…
Que importam os pormenores, os erros já
estão feitos, as ingenuidades cometidas. A trás daquele volante regressou ao
ponto zero, velho e gasto, ainda se tivesse vinte anos…
Penso na sociedade onde tudo isto
acontece e neste capitalismo neoliberal que foi esperança e desafio. Depois do
comunismo alguns pensaram que se poderia conseguir o paraíso na terra com um
capitalismo desenfreado mas que as forças auto-reguladoras garantiriam por si
mesmas o bem estar para todos.
Mas a realidade foi outra. A cobiça e a
voragem de homens concretos mas de caras escondidas, fizeram das medidas auto
reguladoras “gato sapato”, chamaram a si os políticos, gente fraca, sem forças
para resistirem ao canto da sereia e o resultado é uma sociedade triste,
preocupada sem saber bem o que pensar.
-
… Mas o senhor tem dúvidas de que o F.C. Porto vai ganhar outra vez o
campeonato?
… Não, sinceramente, não tenho…