quinta-feira, novembro 22, 2007

Ainda a Esmeralda


Ainda a Esmeralda


Há quem se sinta reconfortado porque, finalmente, no dia 26 do próximo mês a Esmeralda vai ser entregue ao pai biológico e, consequentemente, retirada ao casal que, para a criança, desde os seus três meses, funcionou, para todos os efeitos, como os verdadeiros pais.

Que a situação a que se chegou tenha acontecido;


-Por inabilidade do casal na tentativa de perfilharem uma criança com três meses de idade que receberam dos braços da mãe que entendeu que ela ficaria melhor entregue aos seus cuidados quando ainda nem sequer havia provas de quem era o pai biológico;

-Por falhas da máquina administrativa que regula os processos de adopção;

-Por deficiências técnicas da própria máquina judicial;

-Por teimosia e obsessão do casal que não obedecendo à decisão do Tribunal se colocou na situação de sequestrador da criança;

Enfim, sejam quais tenham sido as razões que levaram à sentença que vai ser executada no dia 26 de Dezembro, de uma coisa eu não tenho dúvidas nenhumas: a Esmeralda vai ter o Natal mais triste da sua vida e isto, só por grande desumanidade, poderá constituir motivo de satisfação, vitória ou conforto de quem quer que seja.

Há uns tempos escrevi neste Blog que tendo a situação chegado ao ponto a que chegou, uma solução favorável à criança nunca poderia resultar da decisão dos Tribunais e isto porque tendo-se estabelecido uma relação de afecto entre a criança e o casal desde os 3 meses de idade até quase aos 6 anos, quantos a Esmeralda já leva de vida, e todos nós que já fomos crianças e filhos conhecemos bem o que significa esse afecto, a entrega da criança ao pai biológico, e a lei, a partir do momento em que é colocado o processo do Poder Paternal, iria nesse sentido, representaria um enorme sofrimento para a menina porque equivaleria a retirá-la dos pais e entregá-la a um desconhecido.

Que isso aconteça precisamente no dia seguinte ao do Natal tem laivos de coisa macabra.

E o que não se percebe muito bem é que tendo o Processo de Adopção sido desencadeado muito anteriormente ao do Poder Paternal é este que avança e está na base da sentença do Tribunal quando a situação da Esmeralda teria ficado resolvida com a conclusão do primeiro Processo.

E aqui entra a outra parte, o pai biológico.

Será que ele na qualidade de pai, que até à data nunca exerceu, que o mesmo é dizer ao qual nunca lhe foi retirada nenhuma filha para adopção, não terá direito à sua filha?

Se estamos a falar de direitos, e os tribunais e as sociedades como a nossa, não conhecem outra linguagem, com certeza que sim, mas, deve-se acrescentar, de uma filha para a qual ele acorda tarde quando ela já devia estar adoptada se tudo tivesse corrido correcta e normalmente.

Mas suponhamos que a Esmeralda no próximo dia 26, ao entrar na casa do pai biológico começa a chorar e a pedir que a levem de regresso os pais, e há toda a probabilidade que seja exactamente isso que aconteça, que pode fazer o pai biológico que não seja obrigá-la a ficar e ao fazê-lo não estará a desempenhar o papel de carcereiro e alguém pode amar um carcereiro?

Que espécie de relação de afecto se irá desenvolver no íntimo daquela criança pelo seu pai biológico?

Não irá acontecer que, exactamente por ganhar no Tribunal, perderá para sempre a filha?

O advogado e todos aqueles que aconselharam a via dos Tribunais para a resolução do diferendo não o alertaram para esta eventualidade?

Ou partiram do princípio que a Esmeralda era assim, como uma espécie de boneca, à qual se lhe muda o sítio consoante fica melhor?

Direitos dos pais adoptivos, direitos dos pais biológicos e os direitos da criança?

Será que eles chegaram a existir no meio de todo este diferendo?

Alguém os reconheceu?

Contou esta menina para alguma coisa?

É evidente que o pai biológico, o Sr. Baltazar Nunes, embora sinta a obrigação de reivindicar a posse da filha, não ama a Esmeralda por muito direito que tenha a essa posse.

É que o amor, ao contrário da paternidade, não é uma questão biológica, nasce da convivência e da natureza do vínculo que se estabelece com alguém.

O Sr. Baltazar Nunes é o único que neste momento poderia fazer a felicidade daquela menina devolvendo-a aos pais adoptivos que ficariam com a obrigação de estimular e facilitar uma saudável relação com o pai biológico que tivesse repercussões no futuro, mas esperar que isso aconteça é esperar o impossível.

O casal e a filha ficar-lhe-iam para sempre reconhecidos, ele daria a grande prova de amor da sua vida e o futuro restituir-lhe-ia, senão a filha, pelo menos uma boa amiga.

Era assim que esta história devia acabar se fosse uma história…

Mas como não é uma história e a situação emocional, física e psíquica da Esmeralda vai, certamente, deteriorar-se ainda mais do que já está, o futuro da menina, em última análise, irá depender dos Relatórios dos técnicos incumbidos pelo Tribunal de fazer o acompanhamento da situação nesta fase, já que admito que outras fases se seguirão.

quarta-feira, novembro 21, 2007

o drama da morte


O Drama da Morte


O texto que escrevi intitulado O Drama da Morte foi-me sugerido pelo Macroscópio quando, a 12 do corrente mês, dizia: “ A morte sempre me fascinou mas também sempre me frustrou, pois nunca consegui vislumbrar o que está para além dessa cortina de fumo-carvão que obriga a calar ante o indizível….”:

Infelizmente, havia uma relação de que não me apercebi entre aquilo que o meu sobrinho Rui escreveu então no seu Macroscópio sob o título “ A nossa realidade (global): teoria da morte “ e o recente e inesperado falecimento de um jovem e talentoso seu amigo.

Peço desculpa ao Rui porque o meu texto, parecendo desvalorizar a morte, foi de uma inoportunidade total.

E já agora, Rui, relativamente àquela afirmação que mencionei apenas por ser comum ouvir-se: “de que tem de haver mais qualquer coisa para além da morte”… não será, com certeza, o pagamento do funeral, como dizes por ironia.

Cada um de nós sabe que para além da morte o que há é a dor, a saudade e o vazio daqueles que em suas vidas nos foram queridos.

A vida é o elo comum a todos nós: umas vezes destruímo-lo, na maior parte das vezes ignoramo-lo e em alguns casos choramo-lo, sempre chorámos os nossos mortos… é da condição humana.

O que não é da condição humana é o aproveitamento que se faz da morte a partir dos sentimentos que ela provoca, das crenças e mitos que a rodeiam, dos negócios que a suportam, desde as inofensivas missas do 7º dia até à situação extrema das virgens que lá no céu esperam os homens bomba para os compensarem da imolação.

A crença na vida após a morte que permite toda a espécie de especulações tem constituído, ao longo dos tempos, talvez, o mais perigoso dos instrumentos de controlo da vida das pessoas, ora pela instalação do medo ou pela expectativa de um prémio.

Nada é inocente nesta velha história da vida após a morte que persiste como se no mundo de hoje não tivéssemos outras sérias e decisivas preocupações a reclamar a nossa atenção.

Por isso, penso que o grande drama da morte é o aproveitamento que dela se tem feito ao longo dos séculos em benefício de uns poucos e com grave prejuízo de populações inteiras sacrificadas ao mito…esse, sim, um verdadeiro drama!

O Papa Bento XVI chamou ao Vaticano os Bispos portugueses para lhes manifestar a sua preocupação pela falta de fervor e vocação religiosa dos portugueses esquecendo-se de dizer, por uma questão de amor à verdade, que o mesmo se passa, mais ou menos, por toda a Europa.

Se este fenómeno se traduzir por uma viragem das preocupações dos europeus dos cultos e preceitos da Igreja para a resolução dos problemas concretos da sociedade com mais consciência da sua própria responsabilidade e a noção de que as soluções terão que ser suas e não de Deus, seja ele qual for, talvez estaremos, então, perante uma boa novidade.

As pessoas têm de pensar pela sua própria cabeça e se há aqueles que julgam que devemos ser bons nesta vida para não sermos castigados na outra ou porque Deus nos está a ver, há que reconhecer que são razões ignóbeis e desagradáveis.

Não há nenhuma prova de que precisemos da religião para sermos bons ou morais e se pensarmos no fundamentalismo islâmico ou no cristianismo radical nos EUA logo nos apercebemos até onde, por vezes, ela pode levar.

O biólogo britânico Richard Dawkins, Prof. Catedrático em Oxford, considerado, juntamente com Humberto Eco e Noam Chomsky um dos três intelectuais vivos mais importantes, escreveu recentemente um livro, A Desilusão de Deus, no qual, em resumo, exprime as seguintes ideias:

-“ Não precisamos de Deus e da religião para vivermos uma vida com sentido e plenitude; para sermos bons e humanos; para explicar a vida e o universo e estamos melhor com o ateísmo do que com a religião organizada.”

Quando lhe perguntaram porque escreveu este livro respondeu:

- “Para que as pessoas pensem pela sua própria cabeça”








segunda-feira, novembro 19, 2007

PORTUGAL


PORTUGAL

Eu tenho vinte e dois anos e tu às vezes fazes-me sentir como se tivesse oitocentos

Que culpa tive eu que D. Sebastião fosse combater os infiéis ao norte de África só porque não podia combater a doença que lhe atacava os órgãos genitais e nunca mais voltasse?

Quase chego a pensar que é tudo mentira, que o Infante D. Henrique foi uma invenção do Walt Disney e o Nuno Álvares Pereira uma reles imitação do Príncipe Valente.

Portugal
Não imaginas o tesão que sinto quando ouço o hino nacional (que os meus egrégios avós me perdoem)
Ontem estive a jogar póquer com o velho do Restelo
Anda na consulta externa do Júlio de Matos
Deram-lhe uns electrochoques e está a recuperar, à parte o facto de agora me tentar convencer que nos espera um futuro de rosas

Portugal
Um dia fechei-me no Mosteiro dos Jerónimos a ver se contraía a febre do Império, mas a única coisa que consegui apanhar foi um resfriado
Virei a Torre do Tombo do avesso sem conseguir encontrar uma pétala que fosse das rosas que Gil Eanes trouxe do Bojador

Portugal
Se tivesse dinheiro comprava um Império e dava-to
Juro que era capaz de fazer isso só para te ver sorrir

Portugal
Vou contar-te uma coisa que nunca contei a ninguém
Sabes
Estou loucamente apaixonado por ti
Pergunto a mim mesmo
Como me pude apaixonar por um velho decrépito e idiota como tu mas que tem o coração doce ainda mais doce que os pastéis de Tentúgal e o corpo cheio de pontos negros para poder espremer à minha vontade

Portugal
Estás a ouvir-me?
Eu nasci em mil novecentos e cinquenta e sete,
Salazar estava no poder, nada de ressentimentos
O meu irmão esteve na guerra, tenho amigos que emigraram, nada de ressentimentos
Um dia bebi vinagre, nada de ressentimentos

Portugal
Depois de ter salvo inúmeras vezes os Lusíadas a nado na piscina municipal de Braga ia agora propor-te um projecto eminentemente nacional
Que fossemos todos a Ceuta à procura do olho que Camões lá deixou

Portugal
Sabes de que cor são os meus olhos?
São castanhos como os da minha mãe

Portugal
Gostava de te beijar muito apaixonadamente na boca


Jorge Sousa de Braga



Nota:
E como não há Portugal sem portugueses e eu faço parte desse colectivo de oitocentos anos, agradeço ao Jorge Sousa esta linda carta de amor e ao Nicolau Santos que transcrevendo-a no Expresso permitiu que ela chegasse ao meu conhecimento.





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